Uma viagem imaginária a Piacatuba

Crônica de José Luiz Machado Rodrigues publicada no jornal comemorativo do sesquicentenário do antigo distrito de Nossa Senhora da Piedade.

 

Piacatuba, distrito de Leopoldina, MG

Este ano comemoram-se os 150 anos de criação do distrito de Piacatuba. Os Fajardos, que têm sua origem ali, assinalaram a data com um bloco carnavalesco formado pela família, que desfilou pelas ruas de Leopoldina espalhando alegria e animação.

De nossa parte, pacatos filhos do bairro da Onça, optamos por comemorar a data percorrendo, numa viagem imaginária, as estradas do distrito, para abraçar amigos, rever lugares e curtir saudades. Tomamos nossa fantasia dos tempos da roça, arreamos o cavalo, enchemos o bornal cáqui com as mais gostosas “bolachas da padaria Lamarca” e rumamos para Piacatuba.

Logo chegamos à fazenda da Bela Aurora, que um dia virou fazenda do Banco, quem sabe por obra de alguma hipoteca executada pelo Banco do Brasil. Lá, recordamos que a Bela Aurora pertenceu a Tobias L. Figueira de Mello, que virou nome de rua em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Fazenda esta, havida, segundo o jornal O Leopoldinense, de 28.03.1895, por via de uma ação de execução movida contra Emerenciana Garcia de Mattos e que no início dos anos de mil e novecentos, foi adquirida por Paulino Augusto Rodrigues, nome lembrado em rua da cidade.

Seguimos nossa viagem e, passando pela Estiva, fomos conhecer a história da fazenda Filadélfia, onde o proprietário atual se esforça para preservar o pouco que ainda resta da antiga sede. A Filadélfia chamava-se fazenda Córrego da Onça. Pertenceu ao grande jurista e memorialista Francisco de Paula Ferreira de Resende. Segundo palavras do próprio Resende, seu nome foi mudado porque, tendo ele, “naquele tempo perdido quase de todo a esperança de chegar a ver a república estabelecida neste nosso amplívago império, eu quis que nessa vida solitária em que teria agora de viver, o nome do meu retiro me recordasse essa república pela qual vivia sempre a suspirar sem nunca vê-la; e, então, dei à fazenda o nome da grande cidade em que se proclamou a primeira das repúblicas americanas”.

Da Filadélfia entramos no distrito de Piacatuba logo depois da fazenda da Alegria, terras do Juca Barbosa, ainda hoje pertencentes e preservadas pela família. Deixamos a Samambaia e o Valverde à esquerda, cruzamos o Rio Pardo, subimos os montes da Boa Vista e depois da fazenda Bela Vista, chegamos à fazenda Santa Rita, na divisa com o município de Argirita. Cruzamos, em seguida, os lugares chamados Capoeirão e  Braúna para conhecer a fazenda da Graminha, no sopé da serra dos Pintos, na divisa de São João Nepomuceno, bem junto ao Rio Novo.

Por esse rio descemos, pelo espelho das águas mansas da represa da Usina Maurício. Tomamos emprestado o violão e os versos da música “Poeira D’Água”, do Serginho do Rock e curtimos o lugar onde “a corredeira cai nos braços de um remanso e a cachoeira dá luz a um ribeirão”.

Paramos na Cachoeira Alegre, antes de continuarmos margeando o rio e passar pelas fazendas Boa Esperança, Limeira, Palmeira e Fortaleza, que ficam no ponto extremo do município, entre Itamarati e Cataguases.

Seguimos andança pela fazenda da Macaúbas, que pertenceu a Antônio Augusto de Souza, proprietário da usina de açúcar de Cataguases e, posteriormente, a Francisco Gama de Oliveira. Visitamos o Chalé, terras da sogra do mesmo Antônio Augusto. Deixamos de lado o Mato Dentro e a fazenda da Aurora, lá para as bandas da estrada de Cataguases e, rapidamente, chegamos à Vargem Linda, ao aeroporto, à fazenda experimental, ao pesque-e-pague, à antiga Casa Timbiras, à Casa da Escola, onde lecionou Dona Pequetita (Maria Machado Rodrigues), minha mãe e, um pouco mais para o lado, os alicerces da antiga fazenda do Engenho, onde residiu o subdelegado Theóphilo José Machado, meu avô.

Assistimos a uma partida de futebol  no campo do União, reminiscências do goleiro Bacuráo que, se a memória não falha, era do Carrapato, terras do Zeca Vital.  Depois, fomos rever a cotieira que existia ali, imediações do Arrasta Couro, e apreciar as plantações do Aterrado.  Não perdendo a viagem, esticamos até a Ressaca, antiga propriedade da família Furtado.  Alcançamos, depois, a Santa Cruz, terras do Joaquim Honório de Campos, o Barão do Rio Pardo, filho de Elias Gonçalves Campos e Maria Claudina de São José, falecido em 03.12.1881, aos 72 anos, segundo nota do jornal O Leopoldinense, de 10.12.1881.  A Santa Cruz foi uma fazenda importante na vida da cidade.  Que o digam os estudiosos da tradicionalíssima família Fajardo.

Rumamos depois para a  Santa Maria.  Esta fazenda pertenceu a Manoel Pereira Valverde, meu bisavô e irmão do Francisco Pereira Valverde, dono da fazenda Indaiá.

Dali alcançamos a velha “Piedade”, hoje Piacatuba. Subimos a ladeira cujo calçamento, com desnível para o centro, nos remete a um passado instigante. Saboreamos a paz e a beleza das edificações antigas. Conhecemos um pouco da história do ilustre clínico – hoje esquecido por aqui – Dr. Joaquim Antonio Dutra, que ali viveu a partir do final do século XIX até, pelo menos, abril de 1895 quando partiu para Ouro Preto.  Na antiga capital, ocupou uma cadeira no Senado mineiro, escolhido numa eleição onde foi o mais votado no estado. Esse mesmo Dr. Dutra, que foi vereador especial por Piacatuba, presidente da câmara municipal de Leopoldina, agente executivo, médico conceituado, cidadão respeitado, político de grande prestígio, fundador da Casa de Caridade Leopoldinense, e que hoje é nome de rua na cidade de Barbacena, onde exerceu o cargo de primeiro diretor do Hospital de Alienados.

Depois, em silêncio de fim de crônica, elevamos uma prece ao pé da cruz queimada.

Rio, 19.03.2001

José Luiz Machado Rodrigues

Principais moradores da Piedade em 1875

No tempo do Império, de acordo com as Leis que regiam a administração municipal, cada freguesia encaminhava ao governo provincial as listagens de seus moradores, identificando-os de acordo com os padrões de avaliação próprios da época. De modo geral, as informações eram extraídas dos livros de arrecadação fiscal de cada distrito, e reunidas no conjunto da freguesia. No ano de 1875, o distrito da Piedade encaminhou a relação a seguir.

 


Juizes de Paz:

1º  Francisco Esmério de Paiva Campos

2º  Francisco Soares Valente Vieira

3º  José da Costa Matos

4º  José Fajardo de Melo

Senhores de Engenho:

  • Álvaro José Antônio
  • Custódio Dias Moreira

Criador de gado:

  • Wenceslau Martins Pacheco Filho

Carpinteiros:

  • Francisco José Barbosa
  • José Alexandre da Costa

Sapateiro:

  • Manoel Ferreira Marques

Fazendeiros de Café:

  • Anselmo Alves Ferreira
  • Antônio de Souza Almada
  • Antônio de Souza Almada Filho
  • Antônio Lopes Ferreira
  • Antônio Maurício Barbosa
  • Antônio Pereira da Silva
  • Antônio Pereira de Medeiros
  • Antônio Pereira Valverde
  • Antônio Romualdo de Oliveira
  • Belisário Alves Ferreira
  • Camilo Alves Ferreira
  • Cassiano José do Carmo
  • Claudino Vieira da Silva
  • Cláudio José Barbosa de Miranda
  • David Alves Ferreira
  • Domingos Henriques de São Nicácio
  • Francisco da Costa e Souza
  • Francisco Dias Ferraz
  • Francisco Esmério de Paiva Campos
  • Francisco Henriques Pereira
  • Francisco José Barbosa de Miranda
  • Francisco Soares Valente Vieira
  • João Antônio da Costa Coimbra
  • João Antônio da Silva
  • Joao Antônio de Araújo Porto
  • João Batista da Silva
  • João Dutra Nicácio
  • João Francisco Coelho
  • João Pereira Valverde
  • João Vieira da Silva
  • Joaquim da Silva Tavares
  • Joaquim Honório de Campos
  • Joaquim Inácio de Oliveira
  • Joaquim Pinheiro de Faria
  • José Alves Ferreira
  • José Dias Moreira
  • José Evangelista do Carmo
  • José Fajardo de Melo
  • José Francisco de Paiva Campos
  • José Furtado de Mendonça
  • José Henriques da Mata
  • José Maria Gonçalves Coelho
  • José Martins Pacheco
  • Justino Marques de Oliveira
  • Manoel Benedito de Freitas
  • Manoel Dias Ferraz
  • Manoel Ferreira Ribeiro
  • Manoel Francisco Coelho
  • Manoel Jacinto de Oliveira
  • Manoel José Ferraz
  • Manoel Rodrigues do Nascimento
  • Maria Luiza de Miranda
  • Mariana de Jesus
  • Máxima Ferreira Braga
  • Narciso Marques Braz
  • Nicolau Alves Ferreira
  • Pedro Antônio Furtado de Mendonça
  • Rafael Teixeira de Souza
  • Vital Inácio de Moraes
  • Vital Rodrigues de Oliveira
  • Wenceslau Martins Pacheco

Eleitores residentes na Piedade em 1882

Relação dos moradores da Piedade inscritos como eleitores conforme o livro de Alistamento Eleitoral de Leopoldina relativo ao ano de 1882.


  • Adolfo Gustavo Guilherme Hufnagel
  • Agostinho de Souza Campos
  • Antônio Alves Tavares
  • Antônio da Silva Tavares
  • Antônio David Alves Ferreira
  • Antônio de Souza Almada
  • Antônio Fajardo de Melo
  • Antônio Gonçalves de Castro
  • Antônio Gonçalves Filgueiras
  • Antônio Joaquim de Nazareth
  • Antônio Maurício Barbosa
  • Antônio Pereira Valverde
  • Antônio Pinto de Carvalho
  • Antônio Pires Veloso de Sá
  • Antônio Romualdo de Oliveira
  • Antônio Teixeira de Mendonça
  • Antônio Teixeira Reis
  • Antônio Vieira da Silva
  • Bernardo Tolentino Cisneiros da Costa Reis
  • Camilo Alves Ferreira
  • Cândido José Batista
  • Custódio Dias Moreira
  • David Alves Ferreira
  • Domingos Henriques Porto Maia
  • Domingos José Barbosa de Miranda
  • Domingos Vieira da Silva
  • Eleotério Gonçalves Pereira
  • Elias Gonçalves Filgueiras
  • Francisco Antônio Nogueira
  • Francisco Casemiro da Costa Filho
  • Francisco de Paula Ladeira
  • Francisco Esmério de Paiva Campos
  • Francisco Fajardo de Melo
  • Francisco Henriques Porto Maia
  • Francisco José Barbosa de Miranda
  • Francisco Luiz Pereira
  • Francisco Martins Pacheco
  • Francisco Soares Valente Vieira
  • Higino Dutra de Rezende
  • Jacob Antôno Furtado de Mendonça
  • João Antônio da Costa Coimbra
  • João Antônio de Araújo Porto
  • João Antônio Valverde
  • João de Souza Almad
  • João Desidério da Silva Durães
  • João Francisco Vieira da Silva
  • João Henrique da Costa Ramos
  • João José Alves Ferraz
  • João Paulino Barbosa
  • João Pereira Valverde
  • João Rodrigues Gomes
  • Joaquim Constâncio Loures
  • Joaquim de Souza Almada
  • Joaquim Fajardo de Melo
  • Joaquim Fidélis Marques
  • Joaquim Gomes de Araújo Porto
  • Joaquim José Medina
  • Joaquim Rodrigues Gomes Corujinha
  • Joaquim Vieira da Silva
  • Joaquim Wenceslau de Campos
  • José Carlos de Oliveira Pires
  • José de Rezende Montes
  • José Fajardo de Melo
  • José Fajardo de Melo Júnior
  • José Fernandes da Silva
  • José Francisco de Paiva Campos
  • José Francisco Vieira
  • José Furtado de Mendonça
  • José Henriques da Mata
  • José Joaquim Furtado de Mendonça
  • José Justino de Carvalho
  • José Martins Pacheco
  • José Maximiano de Moura e Silva
  • José Rodrigues Barbosa de Miranda
  • José Rodrigues Carneiro de Souza
  • José Rodrigues Gomes
  • José Teixeira de Oliveira Guimarães
  • José Vieira da Silva
  • Laurindo Gonçalves de Castro
  • Luiz Teixeira Machado
  • Manoel Antônio da Mota
  • Manoel Antônio Dutra
  • Manoel Ferreira Ribeiro
  • Manoel Ferreira Ribeiro Filho
  • Manoel Henriques Porto Maia
  • Manoel Henriques Porto Maia Filho
  • Manoel Luiz Pereira
  • Manoel Muniz de Azevedo Coutinho
  • Manoel Rodrigues de Oliveira
  • Mariano Henriques Pereira
  • Olímpio Rodrigues de Mendonça
  • Olímpio Sinfrônio de Souza
  • Pedro Antônio Furtado de Mendonça
  • Pedro Rodrigues Gomes
  • Roberto de Souza Almada
  • Silvério Gomes Filgueiras
  • Silvério José Barbosa de Miranda
  • Teotônio Joaquim de Araújo Porto
  • Urbano Otoni de Andrade Rezende
  • Vicente Alves Ferreira
  • Vital Inácio de Moraes
  • Vital Rodrigues de Oliveira
  • Wenceslau José de Campos
  • Wenceslau Martins Pacheco Filho

Primeiros óbitos em Piacatuba

A lista dos primeiros moradores falecidos e sepultados no cemitério de Piacatuba foi composta a partir de um trabalho realizado entre 1996 e 2001, quando fizemos a higienização, indexação e acondicionamento dos primeiros livros paroquiais de Piacatuba, preparando-os para consulta de forma menos danosa à conservação deste patrimônio do distrito.

Data

Falecido

Parente

20.01.1853 Ana Teodora de Jesus
19.10.1851 Antonio
29.09.1852 Antonio Baptista
28.09.1851 Antonio Nunes de Moraes
26.06.1903 Brasileiro
—.10.1864 Cesaria filha de Joaquina
01.08.1852 Custodio filho de Francisco Antonio da Silva e Mariana Custódia de Jesus
28.02.1852 Domingos filho de Antonio de Sá Rocha e Francisca Rosa de Jesus
02.06.1852 Domingos de Oliveira Curto
03.10.1851 Eugenio
10.03.1862 Eustachio escravo de Joaquim Honorio de Campos
09.11.1851 Francisca Rosa de Jesus mulher de Antonio de Sá Rocha
—.04.1862 Francisco
13.12.1851 Francisco filho de Francisco José de Miranda e Maria Luiza de Oliveira
18.04.1852 Francisco João Luciano de Rezende e Felicidade
2?.12.1851 Francisco filho do Manuel Rodrigues e Anna
17.10.1864 Gabriel filho de Carolina Maria de Jesus
02.01.1852 João filho de Manoel Dias de Meirelles e Florentina Maria de Jesus
03.08.1851 João
08.10.1853 João Francisco Pires
27.09.1851 João Purí
23.05.1852 Joaquim Antonio da Silva
22.12.1851 José filho de Antonio Costa Ferreira e Anna Joaquina
07.07.1852 José Carlos de Oliveira
25.03.1861 José Luis Pereira filho de Francisca de ….
07.10.1851 José Nunes de Moraes
29.04.1863 Josepha escrava de David Alves Ferreira
04.08.1851 Leopoldino
14.05.1862 Lina Emigdia de Assis mulher de Francisco Fernandes Ferraz
11.04.1862 Manoel Benedicto
31.12.1851 Manoel Joaquim Ferreira marido de Mariana
—.07.1851 Maria mulher de Marcelino
02.12.1851 Maria
09.04.1862 Maria mulher de João Pires
17.11.1851 Maria
27.05.1903 Maria mulher de Sebastião Rezende de Mendonça
22.04.1862 Maria de Nazareth filha de Ana Valverde
27.03.1852 Maria Gomes mulher de João Rodrigues
30.05.1852 Matheus filho de João José de Souza e Verdiana de Jesus
28.06.1852 Rita escrava de Ana Teodora do Nascimento
07.03.1854 Rita Maria de Jesus mulher de Manoel Antonio de Oliveira
19.08.1852 Thomaz escravo de Hipolito Pereira da Silva
19.02.1862 Zeferino
26.05.1852 Zeferino José Ribeiro

Curato de Nossa Senhora da Piedade

Através de notícia publicada na Gazeta de Leopoldina, a 09.10.1923, verificamos que o nome Piacatuba foi uma sugestão do Senador Basílio de Magalhães, que em carta a Custódio Lustosa, explicava a origem do nome. Usando termos indígenas, para homenagear os Índios Puris que ali habitavam quando da chegada do homem branco, o nome tem o seguinte significado: pia = coração + catu = bom + ba = lugar.

Piacatuba é pois, Lugar de Bom Coração ou Lugar de Gente de Bom Coração. O distrito de Piacatuba, cuja extensão territorial é maior que a de alguns municípios vizinhos a Leopoldina, recebeu o homem branco no início do século dezenove.

Era então o

Curato de Nossa Senhora da Piedade

Por escritura de 23 de agosto de 1844, Domingos de Oliveira Alves fez doação de terras para a formação do patrimônio de Nossa Senhora da Piedade. O primeiro cura designado para a capela, cuja construção ocorreu entre 1844 e 1850, foi o Padre Francisco Ferreira Monteiro. A partir de 27 de abril de 1854, com a elevação à Freguesia da antiga vila do Feijão Cru, fica o Curato da Piedade sendo filial da então denominada Freguesia de São Sebastião da Leopoldina. Pertencia ao Bispado do Rio de Janeiro. O Curato de Nossa Senhora da Piedade, que em alguns registros aparece como Curato de Nossa Senhora da Piedade do Rio Pardo, teve seu primeiro assento realizado em 20.04.1851. Por Lei Mineira de 01.12.1873, foi criada a Paróquia da Piedade. E a Lei Mineira nº 3.798, de 17.09.1889, elevou à Freguesia. Segundo Efemérides Mineiras, foi a última criação paroquial feita na Província pelo poder civil, cuja competência cessou com o estabelecimento da República. Pelo Decreto Pontifício de 16.07.1897, foi transferido para a Diocese de Mariana.

* Este texto é uma revisão do que foi inicialmente publicado em 1999.

História da Cruz Queimada

Este texto, publicado inicialmente a 18 de abril de 1999, recebeu diversas atualizações ao longo dos anos e deu origem ao roteiro utilizado numa conversa com alunos da Escola Estadual Dr. Pompílio Guimarães, em 24 de abril de 2024.

A primeira versão da lenda[1] que eu conheci citava 1823 como início da história e dizia que o território onde viria a surgir Piacatuba pertencia à “Comarca de Mar de Espanha”. A informação chamou minha atenção porque, além de Mar de Espanha só ter se tornado Comarca em 1876, o Curato é posterior ao ano mencionado na lenda.

O distrito de Nossa Senhora das Mercês do Cágado foi criado em 1831 e fazia parte de São João Nepomuceno. Somente em 1851, logo depois da emancipação com o nome de Mar de Espanha, é que o Curato de Nossa Senhora da Piedade foi elevado a distrito e passou para a jurisdição da nova Vila.

A questão foi definitivamente resolvida quando a Maria Aparecida Rocha Pereira, então oficial do Cartório de Piacatuba, mostrou-me a escritura de doação[2] do terreno para constituição do Patrimônio de Nossa Senhora da Piedade. Foi a 23 de agosto de 1844 e não em 1824, como se acreditava. O território pertencia à Vila de São João Nepomuceno, Comarca de Paraibuna. Houve, portanto, engano na lenda publicada em livreto na década de 1980 e republicada outras vezes.

Trechos da Lenda da Crua Queimada, segundo Waldemar Fajardo

Monumento à fé popular em Piacatuba, Leopoldina, MG

Foto da Cruz Queimada, Piacatuba, MG, em 2000.

“…os desbravadores, enfrentando animais ferozes e todas as dificuldades, rasgando florestas virgens, chegaram a este recanto de Minas. E com estes primeiros homens mais ou menos civilizados, também chegaram as primeiras lutas e guerrilhas pelas posses de terrenos ainda um tanto virgens. Entre duas famílias tiveram início as dúvidas que foram causadoras do terrível e horrendo sacrilégio que adiante iremos tentar descrever. A luta desenvolveu-se em torno da posse dos terrenos situados nas vertentes da bacia do Rio Pardo, calculada em 33 alqueires, e na qual se acha situada a localidade hoje denominada Piacatuba, antigamente Piedade de Leopoldina.”

As divergências não teriam ficado restritas aos que pretendiam a posse das terras, tendo se espalhado entre escravos e feitores dos confrontantes.

“Mas as lutas continuaram. Certa ocasião travou-se terrível batalha nas trevas e nas matas e não sabemos, e ninguém poderá calcular, se nessas lutas fôra sacrificada até quem sabe? alguma vida humana.

Resolvida que foi a doação, como demarcação foi feita uma tosca cruz ali colocada como marco. O nome *Cruz Queimada* é um símbolo do poder divino, e raro é o habitante da Zona da Mata, em Minas, que não ouviu falar, com muito respeito, da *Santa Cruz Queimada* de Piacatuba de Leopoldina. De longe vêm pessoas aqui trazer as suas dádivas, em cumprimento de promessas atendidas.

Mas, passemos a falar sobre a Cruz Queimada e seus milagres. Era uma manhã de sol brilhante, o feitor e outras pessoas levantaram de seus leitos improvisados em cabanas cobertas de folhas de sapé, e foram iniciar a sua tarefa, que era fincar o marco dos terrenos de Nossa Senhora da Piedade. Um velho escravo escolheu uma madeira de lei que se chamava “tapinoã” e em pouco tempo se ouvia o eco do machado que lavrava o pau para fazer um cruzeiro. O sol já descambava para o horizonte, quando o velho escravo, auxiliado por outros, juntou os dois pedaços de madeira mal lavrada e formou uma cruz. Outros escravos cavaram a terra e furaram dois metros mais ou menos em um alto arenoso, que fica nas proximidades do açude, para o lado da povoação atual. Todos se juntaram e levantaram o madeiro em cruz, regulando 5 a 6 metros de altura.

Era tarde e o trabalho estava terminado, e lá no altinho ficava a cruz de braços abertos, lembrando-nos a cruz em que morreu o Salvador da Humanidade, há quase 2.000 anos…

A noite cobriu com seu manto negro a solidão das matas, mas o homem construía em seu cérebro uma desforra e esta não tardou. Os homens não se conformavam de forma alguma em ficar sem aquelas terras que tanto ambicionavam, e que no seu modo de entender lhes pertenciam. Acompanhados de seus escravos e servidores, rumaram para o local em que foram informados se erguia uma cruz, marco da sesmaria doada a Nossa Senhora da Piedade.

O fazendeiro cheio de ódio e irritado, mandou que os seus escravos escavassem ao pé da cruz. Mas embora em terreno arenoso, depois de longo trabalho não conseguiram. Fizeram força e a cruz não se desprendia da terra, e mal conseguiram tombá-la. O homem encolerizou-se e mandou que a cortassem e fizessem em pedaços. Mas os machados, embora manejados pelas mãos fortes dos escravos, nada conseguiram. Ao tocar a madeira, não cortavam, simplesmente amassavam a madeira onde a lâmina afiada do machado tocava. O homem começou a desconfiar de que qualquer coisa de anormal estava acontecendo.

Mas não desanimou… e … espumando de raiva, mandou os escravos juntarem grande quantidade de lenha em uma pequena derrubada que fizeram para uma plantação de milho, e colocassem em redor da cruz até que ela desaparecesse. No meio da lenharia seca, colocou então algumas taquaras secas e lançou fogo àquela montanha de madeira. Satisfeito, regressou à sua fazenda. Durante toda a noite o fogo crepitou terrível e altas labaredas iluminavam sinistramente a floresta.

Até que a madrugada aparecesse novamente e um novo dia raiou. Com ele a faina diária na fazenda. Um dos escravos que tinha ajudado nos trabalhos da véspera para tentarem arrancar a cruz, deu por falta de sua foice e lembrou-se que a havia esquecido junto ao lugar em que fizeram a fogueira na véspera. Logo veio procurá-la e, ao se aproximar do local que fizeram a fogueira, lá estava um braseiro ardente, e a cruz imponente e majestosa continuava de pé sem que o fogo conseguisse destrui-la. Simplesmente chamuscada, tomou uma cor escura como se se vestisse de luto pela impiedade dos homens. E o símbolo da redenção triunfando das chamas ardentes, proporcionou aos nossos antepassados um grandioso milagre… E todos que fizeram parte deste sacrilégio foram castigados.

Esta versão parece ter sido uma adaptação dos primeiros escritos a respeito do assunto. No decorrer das buscas, foram localizadas referências na imprensa periódica, sendo uma delas de 1967, extraída por Paulo de Souza Moreira, da publicação Ecos Marianos da Basílica Nacional de Nossa Senhora Aparecida e republicada por Mário de Moraes, no Jornal dos Sports, de 22 de maio de 1979, edição 15172, página 13.

Entre as versões, encontram-se divergências não só em relação à época dos acontecimentos, mas também a alguns dos personagens envolvidos.

Na versão de 1981 a que tive acesso, constava que Domingos de Oliveira Alves deu procuração a Domingos Henriques de Gusmão para doar os seus direitos para N. S. da Piedade.  Informava que foram doados 33 alqueires de terras para formação do Patrimônio da Padroeira e que houve uma disputa entre as famílias Oliveira Alves e Pereiras pela demarcação das divisas.

Em visita ao Arquivo do Judiciário de Mar de Espanha, localizei dois processos abertos por Domingos de Oliveira Alves, sendo que o primeiro[3], protocolado no dia 13 de outubro de 1843, era um libelo cível contra Antônio Rodrigues de Oliveira. Este tipo de documento é o início de uma demanda em que uma pessoa expõe um problema e pede que a justiça reconheça o seu direito.

O outro processo[4], com data de 13 de dezembro de 1843, era também um libelo cível do mesmo Domingos de Oliveira Alves contra Hipólito Pereira da Silva e Tereza Umbelina de Jesus. A leitura dos dois processos me fez concluir que Domingos de Oliveira Alves requeria seu direito sobre terras que julgava lhe pertencer.

Importante lembrar que, antes da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850[5], não havia propriedade particular de terras. Todas pertenciam a Deus e eram administradas por seu representante na terra – o Rei, que, através de seus prepostos, distribuía-as entre seus súditos, os quais passavam a deter apenas o direito de uso, mas não se tornavam proprietários. Sendo assim, eventualmente os beneficiários de sesmarias negociavam com o poder eclesiástico uma autorização para vender a terra. A autorização costumava ser atrelada a uma condição: que o sesmeiro doasse uma parte das terras para a Igreja, seja na forma de constituição do patrimônio de padroeiro para o lugar, seja para ampliar um patrimônio já existente e gerar renda. É por isso que muitos imóveis da área urbana de Piacatuba não tinham escritura definitiva, já que o solo pertencia a Nossa Senhora da Piedade e não poderia ser vendido, conforme expresso na escritura de doação:

as quais terras doa para o Patrimônio de Nossa Senhora da Piedade a fim de que os povos daqueles arredores edifiquem, nas ditas terras uma capela, sendo a padroeira mesma Senhora da Piedade, com declaração que daquelas terras doadas, reserva para o dito seu constituinte ou seus herdeiros cento e vinte palmos para neles edificar uma casa cujo lugar será escolhido depois que se levantar o plano do futuro arraial; e desde já cede todo o direito, domínio, posse, jus e ação; que nas ditas terras tinha que desde já ficam sendo Patrimônio ou para as obras da futura Capela de Nossa Senhora da Piedade; com a condição porém que jamais não poderão aquelas terras serem chamadas, ou havidas como bens da Nação porque os rendimentos que elas produzirem hão de ser aplicados em benefício da mesma capela.

Não foi possível identificar uma das partes do primeiro processo localizado no Arquivo do Judiciário de Mar de Espanha, porque havia alguns homônimos de Antônio Rodrigues de Oliveira. Já o casal do segundo processo chegou na década de 1830 ao território que mais tarde viria a ser o Curato de N. S. da Piedade. Ali formou fazenda conforme se comprova também na escritura de doação, no trecho em que o doador Domingos de Oliveira Alves informa ser

senhor e possuidor de uma porção de terras sita no Rio Pardo, nas cabeceiras de um córrego que no rumo da Sesmaria de D. Angélica atravessa a estrada que segue do Rio Novo para o Rio Pardo, fazendo divisa com terras de José Ignácio pelo espigão e tudo quanto verter para o dito córrego; e com terras de Hipólito Pereira da Silva pelo alto do morro chamado Grande, e dividindo com terras de Tristão Policarpo de Oliveira, cujas terras houve por compra feita, a […], Antônio Joaquim da Costa Callado.

Talvez a citada D. Angélica fosse Angélica Maria de Oliveira, filha do doador e casada com João Fernandes Lamas, que foi uma das testemunhas do processo.  O confrontante José Ignacio pode ser o filho de Ignacio Nunes de Moraes, formador da fazenda São Francisco e doador do patrimônio para o Senhor Bom Jesus do Rio Pardo, atual Argirita. Tristão Policarpo de Oliveira era confrontante da fazenda Rio Pardo, que fora formada em terras de Vital Antônio de Oliveira. E Hipólito Pereira da Silva foi proprietário das fazendas Boa Esperança e Fortaleza, vendidas na década de 1860, quando ele migrou para o Espírito Santo, tendo falecido em Muniz Freire, em 1882. Detalhe importante: Hipólito vendeu as terras para Domingos Henriques de Gusmão que, na lenda, é informado como procurador do doador, o que não corresponde à realidade, pois ele foi apenas testemunha no processo, provavelmente indicado por Hipólito, já que a outra testemunha teria sido indicada pelo doador.

Embora algumas versões da lenda indiquem que o doador residia na Piedade, na escritura de doação consta que ele era morador no Calambau, atual Presidente Bernardes. A propósito, Domingos de Oliveira Alves recebeu sesmaria na Paragem do Mato Dentro, depois Calambau, atual Presidente Bernardes, em 1797. Lá se casou, em 1799, com Ana Maria da Silva Barroso, com quem teve seis filhos. Em 1818, foi a vez de Ana Maria receber sesmaria no Sertão do Bom Sucesso, confrontando com Aleixo da Cruz Ferreira, Joaquim Ferreira Marques, Manoel de Oliveira Barroso e os ribeirões do Pires e do Indaiá.

Os ribeirões mencionados na Carta de Sesmaria da mulher de Domingos de Oliveira Alves fazem parte hoje do município de Itamarati de Minas. O confrontante Aleixo da Cruz Ferreira foi recenseado no Porto de Santo Antônio (Astolfo Dutra), em 1814. E, segundo pesquisadores do Calambau, Domingos e Ana Maria viveram e faleceram na fazenda do Mato Dentro, no Calambau. Só o inventário de Ana Maria foi encontrado até agora e confirma o local do óbito.

Adicionalmente, é bom destacar que a procuração para a doação era mais ampla, pois nela consta que, ao procurador de Domingos de Oliveira Alves, foram concedidos

poderes expressos para poder vender as terras que ele outorgante possui nos distritos de Feijão Cru, Rio Pardo, Porto de Santo Antônio e Meia Pataca.”

Este trecho parece sustentar a hipótese de que Domingos tenha doado terras compradas de terceiros na margem direita do rio Novo e que pretendia vender as terras da margem esquerda que atualmente fazem parte de Itamarati de Minas.

Em 1821, outra filha de Domingos de Oliveira Alves, Maria de Oliveira Barroso, era confrontante[6] da fazenda Bom Sucesso. Alguns acreditam tratar-se de fazenda formada por João Pedro de Souza, na área que foi transferida de Piacatuba para Cataguases, em 1881, entre a atual BR-120 e a margem direita do rio Pomba. No entanto, a análise do processo de divisão indica que seria a original fazenda Bom Sucesso, formada em terras da sesmaria recebida pela mãe de Maria de Oliveira Barroso, hoje território de Itamarati de Minas.

Maria de Oliveira Barroso era então casada com Francisco Antônio Lopes de Oliveira.  Viúva, casou-se pela segunda vez com Francisco Jacinto Tavares, com quem foi recenseada, em 1839, no terceiro quarteirão do Porto de Santo Antônio. Este quarteirão englobava terras dos atuais municípios de Itamarati de Minas e Dona Euzébia.

Qual a conclusão possível diante das fontes até aqui encontradas?

Domingos de Oliveira Alves, Antônio Rodrigues de Oliveira e Hipólito Pereira da Silva disputaram terras no início da década de 1840. A questão foi solucionada com a constituição do patrimônio de Nossa Senhora da Piedade, em 1844. Oitenta anos depois, a fé popular fez construir o monumento que guarda uma relíquia dos primeiros tempos. Uma Torre, com a grandiosidade da Torre da Cruz Queimada, não se constrói apenas com tijolos ou trabalho voluntário; uma Torre como essa se constrói a partir da fé popular.

À esquerda, a Torre da Cruz Queimada por volta de 1926, imagem cedida por Humberto Luiz Martins Ferreira. À direita, o monumento concluído, imagem de 1928 cedida por Geraldo Calais Salgado. As fotos são de autoria de Hamilton Vasconcelos.

O Padre Raymundo Nonato F. de Araújo foi o arquiteto do monumento da Torre da Cruz Queimada, cuja construção iniciou-se aos 18 de julho de 1924, concluindo-se os trabalhos aos 20 de abril de 1928. Guilhermina Balbina Amelia Henriques Soares teria sido uma das benfeitoras da construção.

Famílias envolvidas na Lenda da Cruz Queimada

As informações deste subtítulo fazem parte do estudo sobre as famílias pioneiras do município de Leopoldina, com extratos incluídos em diversas publicações. Eis o que conhecemos, até o momento, sobre as famílias citadas, como Oliveira Alves e Pereira.

Família Oliveira Alves

1-Domingos de Oliveira Alves era filho de Antônio de Oliveira e Ana Alves.

Em 24 de novembro de 1797, recebeu Carta de Sesmaria[7]:

Domingos de Oliveira Alves morador no Arraial do Calambau, freguesia da Guarapiranga, Temo da Cidade de Mariana, que na fazenda chamada Mato Dentro do dito termo se acham terras devolutas as quais confrontam pela parte do Nascente com as sesmarias de José Antônio Lopes e de Manoel Mendes Peixoto […] parte com o sítio de José L… e com terras de Dona Ana Florencia […] pela parte do norte com dois sítios de João da Silva M… e de Luiz Leite Ribeiro, pelo sul com Luiz Homem S…

As terras ficavam na região do atual município de Presidente Bernardes, que já se chamou Calambau. O confrontante Manoel Mendes Peixoto era português e foi casado com Luiza Pires Farinho, filha de Braz Pires Farinho, que deu nome ao atual município de Braz Pires. Luiza e Manoel Mendes Peixoto foram pais de Prudenciana Clara Mendes e avós de Ana Clara Mendes, esposa do já citado Domingos Henriques de Gusmão. Talvez esta proximidade no Calambau tenha levado o autor da lenda a colocar este último personagem em destaque. No entanto, até 1851, ele ainda não[8] vivia no território que naquele ano se tornou o Distrito da Piedade.

Na Divisão Judicial das Fazendas Cachoeira e Bomsucesso[9], o nome Domingos de Oliveira Alves é citado como divisa de terras vendidas por Francisco Luiz Pereira para João Pedro de Souza, em 1829. Pelo estudo deste processo, parece tratar-se de outra fazenda com o mesmo nome da original, que ficava na margem esquerda do Rio Novo.  A informação da venda esclarece um trecho do documento de nomeação do procurador que assinou a doação de terras para Nossa Senhora da Piedade:

[nomeia] Antônio Pereira da Silveira a quem concede poderes expressos para poder vender as terras que ele outorgante possui nos distritos de Feijão Cru, Rio Pardo, Porto de Santo Antônio e Meia Pataca […]

Domingos se casou com Ana Maria da Silva Barroso, filha de José Gomes Barroso, a 31 Jan 1799, em Calambau, Presidente Bernardes, MG. Há divergência no nome da mãe de Ana Maria entre as fontes consultadas, razão pela qual não vai aqui informado. Segundo Boscaro[10], o pai de Ana Maria atuava no comércio negreiro entre os anos de 1826 e 1830:

[…] como “cabeça de uma grande empresa traficante” estava João Gomes Barroso […]. Filho de Manoel Gomes Barroso e Domingas da Fonseca, João Gomes era natural da Freguesia de Santa Maria de Paradela, Arcebispado de Braga. Nascido a 27 de abril de 1749, veio para o Brasil ainda muito jovem […].

Conforme foi dito, Ana Maria da Silva Barroso recebeu[11] Carta de Sesmaria no Sertão do Bom Sucesso, a 18 Mai 1818. No entanto, ela permaneceu no Calambau, onde faleceu e foi inventariada.

Domingos de Oliveira Alves e Ana Maria da Silva Barroso foram pais de:

1.1-Maria de Oliveira Barroso, casada com Francisco Antônio Lopes de Oliveira, filho de Manoel Caetano Lopes de Oliveira e Ana Jacinta, era irmão de Francisca Caetana de Oliveira Duarte, citada em estudo[12] de Mateus Andrade. Foram pais de:

1.1.1- Ana, batizada[13] a 16 Jan 1822, no Calambau, Presidente Bernardes, MG.

112- Francisca, batizada[14] a 29 Jul 1830, também no Calambau, Presidente Bernardes, MG. Pelo inventário de Ana Maria da Silva Barroso, Francisco já havia falecido em 1835. Maria se casou pela segunda vez com Francisco Jacinto Tavares.

1.2-Antônio de Oliveira Barroso foi batizado[15], em 1807, no Calambau, Presidente Bernardes. Segundo um pesquisador da família, Antônio teria se casado com Eleutéria do Espírito Santo e tido os filhos José e Francisco de Oliveira Barroso. Pela segunda vez, teria se casado com Candida Rocha. Teria vivido na região de São João Nepomuceno. Não foram localizados os casamentos nem o batismo dos filhos citados.

1.3-Francisca de Oliveira Barroso casou-se com João Luiz Pinto, com quem teve o filho Domingos de Oliveira Pinto, que se casou com Maria do Carmo Fernandes Guimarães. Também citados como residentes na região de São João Nepomuceno, até o momento não foram encontradas referências nas fontes conhecidas.

1.4-Angelica Maria de Oliveira casou-se com João Fernando Lamas e teve os filhos Francisco e João Fernandes de Oliveira.

1.5- João foi batizado[16] a 24 Jul 1817, no Calambau, Presidente Bernardes, MG.

16- Clara foi batizada[17] a 11 Out 1823, em Piranga, MG.

Por referências cruzadas, verifica-se que Angélica e João Fernando teriam vivido em Piacatuba ou no Meia Pataca. No entanto, há outra versão a considerar. O marido de Angelica pode ter sido filho de João Gonçalves Lamas e irmão de Antônio e Ignacio, citados por pesquisadores das famílias pioneiras de Descoberto. Todos seriam naturais do território hoje pertencente ao município de Alto Rio Doce, e um deles teria recebido sesmaria na face oeste da Serra dos Caramonos. 

Ainda segundo informações de terceiros e ainda não documentadas, Ignacio Gonçalves Lamas foi casado com Querubina Maria de Jesus, com quem teve dez filhos, nascidos em Descoberto. Viúvo, migrou para o Espírito Santo e faleceu em Afonso Cláudio, em 1900. Já o irmão Antônio Gonçalves Lamas foi recenseado no quarteirão Pouso Alegre da Santíssima Trindade do Descoberto, em 1839. Com a esposa Maria teve, pelo menos, sete filhos.

Pelo que foi possível apurar sobre a família de Domingos de Oliveira Alves, é possível que ele tenha vendido ou trocado as terras da sesmaria doada para sua mulher em 1818, para acomodar filhos e genros. Para realizar a transação, teria constituído o patrimônio de N. S. da Piedade. O que não significa que ele próprio tenha vivido no território de Piacatuba, pois o processo de confirmação da Sesmaria de Ana Maria não deixa dúvidas de que eles permaneceram no Calambau.

Família Pereira

É lícito supor que o autor da versão de 1981 da Lenda da Cruz Queimada não tivesse muitas informações sobre Hipólito Pereira da Silva, porque se baseou em fontes orais, e a família de Hipólito migrou para o Espírito Santo no final da década de 1860. Entretanto, o desconhecimento surpreende porque ele era descendente de outro personagem citado na lenda e que não teve a participação pretendida, mas que teve relações próximas com os Pereira da Silva. É, pois, pouco provável que o autor não soubesse quem foram os Silva Pinto, de grande influência na região.

Na lenda, Hipólito e seus escravos seriam os opositores de Domingos Oliveira Alves, o que não encontra respaldo nas fontes documentais consultadas. A hipótese mais provável é que os três proprietários citados na Escritura de Doação do Patrimônio de Nossa Senhora da Piedade tenham se desentendido quanto ao estabelecimento das divisas e Domingos de Oliveira Alves tenha buscado a decisão judicial que o levou a doar uma parte das terras pretendidas.

E quem era Hipólito?

Talvez a melhor resposta seja citar seus familiares. Filho de Lourenço Pereira da Silva e Joana Maria da Assunção, Hipólito foi batizado[18] a 20 Ago 1809, em Capela Nova, MG, e faleceu[19] em 1882, em Muniz Freire, ES.

Seus pais nasceram e viveram em Capela Nova, onde também nasceram os filhos. Junto com alguns de seus irmãos, Hipólito se estabeleceu no Sertão do Rio Novo. Estes irmãos foram:

                Joaquim Pereira de Souza, batizado a 16 Abr 1792 e casado em 1816 com Silveria Maria do Carmo, filha de João Antônio Henriques e irmã de José Henriques de São Francisco (Neto), que era casado com Francisca, irmã de seu marido Joaquim Pereira de Souza.

                Manoel Pereira da Silva, batizado a 25 Abr 1791 e casado, em 1814, com Ana Custódia, filha de Antônio José Ferraz que também teve parentes no Sertão do Rio Novo.

                Ana Maria da Assunção, batizada[20] a 26 Out 1792, em Capela Nova, MG, onde se casou, em 1815, com Francisco Antunes Vieira, falecido[21], em Argirita, aos 5 fev 1842. Ana Maria vendeu sua fazenda do Retiro, em 1869, e migrou para o sul do Espírito Santo.

                Maria Joana da Assunção, batizada a 3 Jul 1793 em Capela Nova, MG, onde se casou, em 1814, com José Joaquim de Souza. Há homônimos de ambos na zona da mata sul.

                Antônio Pereira da Silva, batizado a 2 Jul 1794. Casou-se com Tereza Maria Angélica, filha de José Moreira da Silva e Maria Vieira de Jesus Souza e irmã de Josefa Maria de Jesus, abaixo mencionada.

                Josefa Maria da Assunção, batizada a 3 Abr 1796, em Capela Nova, MG, onde se casou, em 1814, com Lino Antônio da Silva, filho de Manoel Antônio da Silva. Pai e filho tinham homônimos em Piacatuba e Argirita, não tendo sido possível distingui-los.

                Francisco Pereira da Silva, batizado a 5 Ago 1800, em Capela Nova, MG. Não é citado nas outras fontes consultadas, podendo ter falecido na infância.

                Leonor Maria da Assunção, batizada a 19 Abr 1802, em Capela Nova, MG, faleceu[22] a 17 Ago 1864 em Santo Antônio do Aventureiro, MG. Foi casada com Francisco Gonçalves Filgueiras, que teve irmãos e outros parentes radicados no Sertão do Rio Novo.

                Lourenço Pereira da Silva [Filho], batizado[23] a 7 Dez 1803, em Capela Nova. Casou-se com Josefa Maria de Jesus, irmã de Tereza Maria Angélica, acima citada.

                Luiz Pereira da Silva, batizado[24] a 29 Jul 1805, em Capela Nova, MG. Casou-se com Rita Umbelina do Carmo, filha de Vital Antônio de Mendonça e Rita Maria do Carmo, família que migrou da Serra da Ibitipoca para o Sertão do Rio Novo.

                João Pereira da Silva, batizado[25] a 14 Fev 1807, em Capela Nova. Casou-se, em 1828, com Maria Joaquina Vieira, filha de Antônio Vieira de Souza (filho) e Maria Luiza do Céu. Maria Joaquina era irmã de Custódia e Ana Umbelina, citadas adiante.

                Jacob Pereira da Silva, batizado a 12 Jun 1808, em Capela Nova. Teria falecido na infância.

                Custodio Pereira da Silva, batizado[26] a 7 Out 1810, em Capela Nova, MG. Casou-se com Ana Umbelina de Souza, irmã de Maria Joaquina, casada com João, e de Custódia, casada com José Pereira da Silva.

                Francisca Maria da Assunção, batizada[27] a 6 Abr 1812, em Capela Nova. Casou-se com José Henrique de São Francisco (neto), irmão de sua cunhada Silveria Maria do Carmo. Francisca foi casada também com José Lopes Vieira, com descendentes radicados no Sertão do Rio Novo.

                José Pereira da Silva, batizado[28] a 17 Jul 1814, em Capela Nova. Casou-se com Custória Maria de Souza, irmã de Maria Joaquina e Ana Umbelina, acima citadas.

Além de irmãos e cunhados, outros parentes de Hipólito migraram na década de 1820 para o Sertão do Rio Novo. A mãe de Hipólito era filha de José Lopes de Faria e Josefa Maria da Assunção, casal que teve doze filhos e deixou descendentes radicados em Piacatuba e Argirita. Já os avós paternos de Hipólito são mais conhecidos: Luiz da Silva Pinto e Leonor Pereira da Silva, cujos descendentes são referidos por estudiosos de Conselheiro Lafaiete, Cataguases e região.

Hipolito Pereira da Silva se casou com Tereza Umbelina de Jesus a 30 Set 1828, no Lamin, MG. Foram pais de:

1.1 Hipólito Cassiano Pereira, batizado[29] a 28 Jul 1829, em Catas Altas da Noruega, MG. Faleceu a 18 Nov 1893, em Muniz Freire, ES. Foi casado com Felicidade Perpétua de Jesus, filha de Francisco Antunes Vieira e Ana Maria da Assunção.

1.2 Maria, batizada[30] a 27 Jun 1831, em Catas Altas da Noruega.

1.3 Manoel Felisberto Pereira da Silva, batizado[31] a 17 Jun 1832, em Itaverava.

1.4 José Vicente Ferreira da Silva nasceu por volta de 1837, segundo o inventário da mãe. Provavelmente nasceu no território que viria a ser Piacatuba, mas não se sabe onde estão os livros anteriores ao número 1 de Argirita, que conteriam os assentos relativos aos primeiros moradores de Piacatuba. 

1.5 Teresa Leopoldina de Jesus nasceu por volta de 1839 e faleceu a 2 Fev 1882, em Muniz Freire, ES. Casou-se[32] , em Piacatuba, a 5 jul 1852, com Elias Antunes Vieira, filho de Francisco Antunes Vieira e Ana Maria de Assunção, irmã de Hipólito Pereira da Silva. Tereza e Elias tiveram 13 filhos, todos migrados para Muniz Freire, onde Elias faleceu.

1.6 Ana Teodora do Nascimento nasceu por volta de 1840. Era solteira quando a mãe faleceu.

1.7 Maria Umbelina de Jesus nasceu por volta de 1845. Era solteira em 1858.

1.8 Maria Joana do Nascimento nasceu por volta de 1847 e casou-se em Muniz Freire com Joaquim Marques de Araújo, natural de Afonso Cláudio, ES, filho de João Alves de Araújo e Inácia Cândida de Jesus, casados em Bias Fortes, em 1837. Depois de viverem em Argirita por quase trinta anos, os avós de Joaquim migraram com filhos, genros, noras e netos para o Espírito Santo, entre 1869 e 1872.

1.9 Custodia Amelia de Jesus nasceu por volta de 1849. Era solteira em 1858.

1.10 Francisca Umbelina de Jesus foi batizada[33] a 1 jun 1851, em Piacatuba.

1.11 Antonia foi batizada[34] a 8 jul 1853, em Piacatuba, Leopoldina.

      Depois da morte de Tereza, a 11 Jan 1858, em Piacatuba, Hipólito casou-se com Mariana Guilhermina do Carmo, filha de Vital Antônio de Mendonça e Rita Maria do Carmo. No dia 26 de janeiro de 1862, Amélia, filha de Hipólito e Mariana, foi batizada[35] em Piacatuba.

      No dia 12 de setembro de 1862, Hipolito Pereira da Silva e seu irmão Luiz venderam[36] uma parte da fazenda Boa Esperança, em Piacatuba, para Domingos Henriques de Gusmão. Por volta de 1868, Hipólito vendeu[37], para o mesmo comprador, sua fazenda Fortaleza, também em Piacatuba.


      Fontes Consultadas:
      
      [1] FAJARDO, Waldemar Barbosa. História da Cruz Queimada. Piacatuba-Leopoldina-MG: do autor, 1981.
      [2] Certidão de Doação de terras para o Patrimônio de Nossa Senhora da Piedade. Original arquivada no 2º Ofício de Notas, Registro de Títulos e Documentos e Outros Papeis, da Comarca de Leopoldina, Minas Gerais.
      [3] Processo 39805850 Libelo Cível de Domingos de Oliveira Alves contra Antônio Rodrigues de Oliveira. Atualmente arquivado na Coordenação de Arquivos Permanentes-COARPE do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
      [4] Processo 39806571 Libelo Cível de Domingos de Oliveira Alves contra Hipólito Pereira da Silva e Thereza Umbelina de Jesus. Atualmente na COARPE/TJMG
      [5] SILVA, Lígia Osorio. Terras Devolutas e Latifúndio: Efeitos da lei de 1850. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996
      [6] Arquivo Permanente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – COARPE – TJMG. Processo 38405867 Divisão da fazenda Bom Sucesso. Itamarati de Minas, img 31.
      [7] Arquivo Público Mineiro. Cartas de Sesmarias. SC 275 p. 49
      [8] Arquivo Público Mineiro. Qualificação de eleitores de São João Nepomuceno. 1850 PP 11 cx 36 pacote 29 nr 124.
      [9] Arquivo Permanente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – COARPE – TJMG. Processo 38405867 Divisão da fazenda Bom Sucesso. Itamarati de Minas, img. 239
      [10] BOSCARO, Ana Paula. Sociedade Traficante: o comercio interno de escravos no centro-sul brasileiro e suas conexões na primeira metade do século XIX. Juiz de Fora, MG: UFJF, Tese de Doutorado, 2021. p.97 Disponível em https://www2.ufjf.br/ppghistoria/wp-content/uploads/sites/157/2022/03/Tese-Vers%C3%A3o-Final-Reposit%C3%B3rio-UFJF-Ana-Paula-B%C3%B4scaro.pdf Revisada em 13 abril 24.
      [11] Arquivo Público Mineiro. Cartas de Sesmarias. SC 377 p. 132
      [12] ANDRADE, Mateus Rezende. Compadrio, casamento e espaço em zona de fronteira agrícola: redes sociais da elite rural de Piranga (Minas Gerais, C1760-C1850). In: Tempos Históricos, v. 19, 2º sem 2015, p.235-267, 1983-1463 (versão eletrônica) p.248
      [13] Igreja N. S. Conceição de Piranga, livro de batismos 1825-1838 fls 9
      [14] Igreja N. S. Conceição de Piranga, livro de batismos 1825-1838 fls 87v
      [15] Igreja N. S. Conceição de Piranga, livro5 de batismos1801-1810 fls 164
      [16] Igreja N. S. Conceição de Piranga, livro de batismos 1818-1822 fls 6v
      [17] Igreja N. S. Conceição de Piranga, livro de batismos 1813-1822 fls 273v
      [18] Igreja N. S. Conceição de Conselheiro Lafaiete, MG, livro de batismos 1806-1829 fls 32
      [19] Cartório de Notas de Argirita - 1881-1882, fls 70
      [20] Igreja N. S. Piedade, Barbacena, MG, livro de batismos 1829-1882 fls 23
      [21] Cartório de Notas de Argirita - 1841-1854, fls 24v
      [22] Arquivo Permanente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Processo 39803163 Inventário de Leonor Maria de Assunção
      [23] Igreja N. S. Conceição de Conselheiro Lafaiete, MG, livro de batismos 1806-1829 fls 26
      [24] Informação do pesquisador Joberto Miranda Rodrigues.
      [25] idem.
      [26] Igreja N. S. Conceição de Conselheiro Lafaiete, MG, livro de batismos 1798-1807 fls 222 ou 196
      [27] SETTE, Bartyra e JUNQUEIRA, Regina Moraes, Projeto Compartilhar. Familia Silva Pinto de Queluz
      [28] Informação do pesquisador Joberto Miranda Rodrigues.
      [29] Igreja de Santo Antônio de Itaverava,livo de batismos 1828-1837  fls 108 img 38
      [30] Igreja de Santo Antônio de Itaverava, livro de batismos 1828-1837 img 60
      [31] Igreja de Santo Antônio de Itaverava, livro de batismos 1828-1837 img [73?]
      [32] Igreja N. S. Piedade, Piacatuba, Leopoldina, MG, livro1 cas fls 8 nr 16.
      [33] Igreja N. S. Piedade, Piacatuba, Leopoldina, MG, livro01 de batismos fls 2.
      [34] Igreja N. S. Piedade, Piacatuba, Leopoldina, MG, livro01 de batismos fls 18-verso.
      [35] Igreja N. S. Piedade, Piacatuba, Leopoldina, MG, livro01 de batismos fls 44v cj. 4.
      [36] Arquivo Permanente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – COARPE - TJMG, Processo 38404731 Divisão da fazenda Rio Pardo, Piacatuba img 468.
      [37] Arquivo Permanente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – COARPE - TJMG, Processo 38404107 Inventário de Domingos Henriques de Gusmão. img 181

      Lenda da Cruz Queimada

      Esta postagem foi atualizada. Veja em https://cantoni.pro.br/1999/04/18/historia-da-cruz-queimada-2/

      Primeiros casais formados em Piacatuba

      Primeiros casamentos realizados na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Piedade, extraídos dos mais antigos livros paroquiais de Piacatuba.

      Noivo

      Noiva

      Data

      Alexandre Pinheiro de Farias Firmina Maria de Jesus 23.06.1851
      Anselmo Alves Ferreira Angelica Maria de Miranda 29.11.1862
      Antonio Anastacia 27.11.1854
      Antonio Alves Ferreira Júnior Maria Rita de Jesus 09.04.1864
      Antonio Carlos Ferreira Miquelina Florentina de Assis 02.05.1854
      Antonio Carlos Ladeira Flavia Honoria da Assumpção 26.07.1854
      Antonio de Sá Rocha Maria Rita de Jesus 23.09.1852
      Antonio de Sá Rocha Rosa 29.05.1854
      Antonio Duarte Ribeiro Manoela Maria de Jesus 11.11.1854
      Antonio José da Costa Felisbina Francisca de Jesus 11.04.1864
      Antonio José da Silva Joana Lusia de Oliveira 07.02.1855
      Antonio Lopes Ferreira Ana Joaquina de Jesus 06.07.1863
      Antonio Pernes de Miranda Ana Soares Garcia 29.11.1863
      Antonio Romualdo de Oliveira Francisca Carolina de Oliveira 16.10.1854
      Antonio Silverio Rabelo Ana Honoria da Conceição 12.07.1863
      Baltazar Lopes da Costa Caetana Maria de Jesus 29.06.1851
      Benedito Carlota 29.01.1855
      Camilo Teresa 21.02.1852
      Camilo Rosa 22.02.1852
      Carlos José Fernandes Balduina Custodia do Amor Divino 17.02.1855
      Cassiano José do Carmo Rita Teresa de Jesus 30.06.1852
      Custodio Gonçalves Netto Custodia Francisca de Jesus 15.07.1865
      David José Ribeiro Maria Joana de Oliveira 21.01.1852
      Dominciano José Nogueira Maria Candida de Jesus 26.05.1852
      Domingos Nunes de Moraes Maria Angelica de São José 20.10.1852
      Elias Antunes Vieira Teresa Leopoldina de Jesus 05.07.1852
      Florencianno Candido de Oliveira Maria Magdalena Gomes da Silva 09.11.1854
      Francisco Barbosa da Silva Maria Rita do Espirito Santo 23.04.1854
      Francisco da Costa de Souza Maria de Souza de Jesus 02.06.1854
      Francisco de Assis Xavier Barbara Rosa Gomes 22.06.1863
      Francisco Henriques Pereira Peregrina Maria de America 10.06.1865
      Francisco José Barbosa Joana Luzia da Anunciação 15.02.1854
      Francisco José da Costa Zeferina Rosa de Jesus 15.02.1854
      Francisco Rodrigues de Souza Mariana Luiza de Jesus 18.02.1855
      Galdino Antonio Martins de Oliveira Marciana Maria de Jesus 27.05.1865
      Ignacio de Oliveira Lucia Florentina de Alves 21.02.1852
      Jacinto Muniz de Melo Maria Ignacia de Jesus 04.03.1862
      João Coelho Alves Maria Luzia 14.06.1854
      João Francisco dos Reis Custodia Maria da Paixão 06.02.1865
      Joaquim Ana 26.02.1854
      Joaquim Claudio de Oliveira Maria Antonia Rosa de Jesus 11.02.1855
      Joaquim José Ferraz Barbara Maria de Mendonça 18.10.1854
      Joaquim Pereira do Valle Maria Custodia de Jesus 09.10.1854
      José Coelho da Silva Maria Custodia de Jesus 21.08.1852
      José da Cunha e Silva Tomazia Fermina de Jesus 28.11.1851
      José Ferreira da Silva Maria Francisca de Jesus 24.08.1853
      José Ignacio da Silva Francisca Maria de Jesus 25.09.1852
      José Joaquim Barbosa Ana Maria de Jesus 14.02.1852
      José Laurindo de Souza Maria Joaquina de Jesus 08.07.1865
      José Martins Pacheco Rita Maria da Conceição 20.10.1862
      José Rodrigues de Oliveira Florentina Maria de Jesus 15.02.1852
      José Rodrigues de Souza Antonia Rosa de Jesus 28.02.1865
      Lourenço Joaquina 26.02.1854
      Manoel Antonio Gomes Mathilde Emerenciana de Jesus 01.05.1865
      Manoel da Silva Ramos Ana Carolina de Jesus 26.04.1854
      Manoel Joaquim de Souza Venancia da Silva Vieira 05.06.1865
      Manoel José Bento Rosa Maria de Jesus 24.04.1854
      Manoel José Ferraz Francisca Maria de São José 18.10.1854
      Manoel Rodrigues de Souza Ana Maria de Jesus 07.08.1852
      Matheus Eva 24.08.1853
      Mizael de Araujo Martins Custodia Maria da Luz 29.11.1851
      Pedro Maria 09.05.1852
      Pedro Sopriana 29.01.1855
      Pedro Paula de Almeida Maria Rosa da Gloria 22.08.1852
      Quirino Izabel 23.07.1864
      Ricardo Sebastiana 28.06.1852
      Ricardo José de Moraes Rita Vicencia de Jesus 20.02.1854
      Serafim José de Abreu Maria da Silva Vieira 05.06.1865
      Severino Germana 15.01.1854
      Simpliciano José Teixeira Maria José de Jesus 23.06.1864
      Tertuliano Rita 23.11.1851
      Tristão de Almeida Pinto Mariana 28.11.1854
      Valeriano da Silva Ramos Rita Umbelina do Nascimento 09.09.1854
      Venancio Eva 26.02.1854
      Vicente Sabina 17.01.1854

      Indígenas em Leopoldina

      Os indígenas são mencionados em todos os trabalhos sobre o povoamento de Leopoldina. Entretanto, nem sempre o que foi publicado sobre o assunto condiz com o registrado em fontes documentais.

      Este texto traz algumas informações que apuramos principalmente em livros paroquiais de Leopoldina e seus antigos distritos, região habitada pelos Puris antes da chegada do homem branco. As imagens foram extraídas dos livros dos viajantes estrangeiros que visitaram os Sertões do Leste. A exceção é Debret que desenhou baseado em relatos de terceiros.

      Segundo Spix e Martius[1]

      “Todos os índios que chegamos a conhecer aqui, das tribos de Puris, Coropós e Coroados, surpreendentemente, pouco se diferençavam entre si na estatura e nas feições; os traços individuais pareciam, provavelmente por falta de desenvolvimento, dominados pelos traços gerais da raça do que é o caso, nas outras raças.
      Os índios são baixos ou de estatura mediana; os homens têm quatro a cinco pés de altura, as mulheres, em geral, pouco mais de quatro pés; todos têm corpos robustos, largos e atarracados. Só raramente se encontram entre eles alguns de estatura mais alta e esbelta. Têm ombros largos, pescoço curto e grosso; os seios das mulheres não são tão frouxos e descaídos como os das negras; o ventre é fortemente protruso, o umbigo muito bulboso, porém menos que nos negros; as partes masculinas são muito menores que as dos negros, e não, como as destes últimos, em constante turgidez; as extremidades são curtas, as inferiores não são nada carnudas, são, sobretudo, franzinas as barrigas das pernas e as nádegas; as superiores são cheias e musculosas. O pé, estreito no calcanhar, é muito largo na frente e o dedo grande aparta-se dos outros; as mãos estão quase sempre frias, os dedos relativamente finos, e as unhas, que eles roem constantemente, costumam ser muito curtas. O colorido da tez é vermelho-cúprico, mais ou menos carregado, diferençando-se segundo a idade, a ocupação e estado de saúde do indivíduo. As crianças recém-nascidas são de cor branco-amarelada, como os mulatos; os doentes tornam-se de cor amarelo-pardacenta, e só excepcionalmente se encontram, entre eles, albinos ou malhados de escuro. Em geral, são de cor tanto mais escura, quando mais robustos e ativos. Nas partes inferiores do corpo e nas extremidades, o vermelho-cúprico passa, às vezes, para colorido mais escuro; na face interna das articulações, ao contrário, a cor esvaece e torna-se esbranquiçada.
      O índio, propriamente, não pode corar, e o humano “Etubescit, salva res est” não tem aplicação para essa rude raça humana. Só depois de longa convivência com os brancos, notamos entre os índios a mudança de cor, como sinal de emoção.
      A sua pele é muito fina, macia, brilhante e, exposta ao sol, sujeita a transpirar; o cheiro que exala (catinga) não é tão intenso como o dos negros, mas é acre, amoniacal. O cabelo negro, brilhante, comprido, escorrido, cai espesso e emaranhado da cabeça. Nas axilas e sobre o peito, não se nota em geral cabelo algum; nas partes sexuais e no queixo dos homens, apenas leve penugem. Entretanto, há exceções, embora raras; vimos alguns deles de peito cabeludo e barba cerrada. O característico da cabeça é corresponder ao peito largo a largura especialmente da parte parietal ; na face avultam maçãs salientes. A testa é baixinha, o sinus frontal saliente na base, em cima estreita e inclinada muito para trás. O occipício é muito mais saliente do que o dos negros, cujo crânio é mais estreito e alongado que o dos índios. O rosto é largo e anguloso, e não é tão proeminente como o dos negros, porém, mais do que o dos calmucos ou dos europeus. As orelhas são pequenas, bonitas, um tanto saídas para fora, não são furadas e nem desfiguradas por objetos pesados. São pequenos os olhos, pardo-escuros, oblíquos, o canto interior volvido para o nariz, protegidos por sobrancelhas de poucos pêlos, que, no meio, se recurvam para cima; o nariz é curto, em cima pouco achatado e chato na ponta, entretanto não tão chato como o dos negros; as narinas são largas e apenas pouco viradas para fora; os lábios muito menos grossos e salientes que os dos negros; não é o lábio inferior, porém o superior que se salienta um pouco, ou então são ambos iguais; a boca é pequena e mais fechada que a dos negros. São muito alvos os dentes, os incisivos largos e bem alinhados; salientam-se os caninos. Em geral, o corpo o índio é entroncado, largo e baixo, ao passo que o dos negros é alto e esguio; ele, com isso, aproxima-se mais das outras raças, sobretudo dos chineses e calmucos, conquanto estes sejam de tez mais clara e de traços melhor conformados. Deformados e aleijados nós tampouco encontramos nos índios, pelo que alguns supõem que costumam dar cabo deles, logo ao nascerem.”


      Assentos paroquiais como fonte de pesquisa

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      Interpretar os antigos assentos paroquiais requer leituras e releituras atentas, além de análise comparativa com outros documentos que ajudem a esclarecer o significado dos termos utilizados pelos padres. Em muitos estudos, observa-se um certo açodamento dos autores ao fixarem sentido único para termos que foram utilizados de forma variada. É o que ocorre, por exemplo, com as palavras párvulo, inocente e ingênuo. Tomados à primeira vista com o mesmo sentido, nem sempre assim o foram entendidos pelos padres que deles fizeram uso. Nos primeiros livros paroquiais da Matriz de Leopoldina e da Igreja de Nossa Senhora da Piedade, em geral o nome da criança é precedido da palavra “innocente”[2]. Já nos assentos das igrejas de Bom Jesus do Rio Pardo e Conceição da Boa Vista, o termo mais frequente é “párvulo”.  Mas em todos estes livros pode-se encontrar, assim como nos da Igreja de Santo Antonio de Tebas, batismos em que o nome da criança não é precedido de nenhuma outra indicação.

      Outra observação importante é a respeito das indicações posteriores ao nome da criança. A primeira informação é bem clara, registrando “filho natural de” ou “filho legítimo de” para distinguir as crianças nascidas de matrimônios celebrados pela Igreja daquelas que nasceram de mães solteiras. Em pequeno número de casos aparece “filho adulterino de” e em um único caso, na Igreja de Santo Antônio de Tebas em 1885, foi encontrado “filho natural de” seguido do nome do pai da criança. No caso dos mancípios, após o nome de cada um dos pais há indicação do nome do proprietário. Com certa frequência temos, também, casos em que a criança filha de escravizada e nascida antes de 1872 foi libertada pelo senhor no ato do batismo.

      Nem sempre aparece indicação mais detalhada sobre os escravizados pais da criança batizada. Mas, especialmente no primeiro livro de batismos de Bom Jesus do Rio Pardo, período 1838 a 1864, são frequentes indicações como crioulo, mina, de nação, africano (a) e pardo (a).

      Ressalte-se que, em livros de outras Freguesias mineiras, muitas vezes encontramos o nome da criança antecedido da palavra ingênuo (a). Já nas igrejas acima citadas, este termo, quando aparece, não está antes do nome da criança mas após o nome da mãe. É o que ocorre, por exemplo, no assento da página 82 verso de um livro de batismos da Igreja de Santo Antonio de Tebas, informando-se que no dia 25 de dezembro de 1882 o padre Eugenio Martins do Couto Reis batizou Ventura, do sexo masculino, “nascido a 4 de outubro de 1882, filho natural de Belmira, ingenua de Candido José de Almeida”. Este formato repete-se em vários assentos das igrejas de Nossa Senhora da Piedade e Bom Jesus do Rio Pardo, em alguns casos com um complemento: “ingenua puri”.

      No primeiro livro de Bom Jesus do Rio Pardo, página 26, encontra-se: “fº natural de Florinda India Puri” e “f. natural de Felisbina Purí”. Na página 18 deste mesmo livro consta: “Aos vinte hum dias do mez de Fevereiro de mil oito centos e quarenta hum Baptizei solemnemente e pus os Santos Oleos nos Puris seguintes Antonio fº de Anna, e Maria fª de Maria” [3].


      Outras referências aos indígenas


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      Na correspondência de Guido Thomaz Marlière são encontradas diversas referências aos nativos que viviam no Rio Pardo. Entre outras, numa carta do Secretário da Junta Militar da Conquista Ignacio José Nogueira da Gama a Marlière, de 1816, informa-se que foi autorizado o pagamento da fatura do moinho de que necessitam os Indios Puris, aldeados no Rio Pardo e Paraíba, além da compra de tachos, enxadas e vestuário para os mesmos índios[4]. Segundo se verá adiante, a construção do moinho ficou a cargo de José Paradellas, que seria encarregado do aldeamento no Rio Pardo. Sobre este personagem, aliás, no livro Tombo da Igreja de Bom Jesus do Rio Pardo consta o registro de teor seguinte.

      José Paradella senhor e possuidor da Fazenda Fortaleza, fez um voto ao Bom Jesus se os seus dois filhos não fossem recrutados para a Revolução Mineira de 1842, doar o patrimonio e construir uma capellinha do Bom Jesus, e tendo sido saptisfeito, edificou uma capellinha de palmitos e determinou as divisas vertentes de 15 alqueires mais ou menos de terra, fazendo divisas com a Fazenda Salvação, a começar num corrego e atravessando a estrada e vertendo o dito corrego até galgar um vallo, seguindo este e atravessando um outro, até a parte que vem do arrayal Feijão Crú, e seguindo o espigão, e descendo numa grota, onde tem uma aguinha até a estrada e indo ao Rio Pardo e por este a Salvação.

      Rio Pardo 25 de Dezembro de 1842

      Segundo o Mapa de Habitantes do Curato do Espírito Santo do Mar de Espanha[5], que abrangia o território de Guarará, Maripá, parte de Argirita e Tebas, em 1831 ali vivia a família Paradellas, de cor parda. Há estudiosos que julgam ser esta a cor indicada para os indígenas, o que acreditamos ser uma interpretação apressada, já que os nativos dificilmente teriam sido recenseados por não atenderem a um pressuposto básico: residirem num “fogo”, ou seja, terem moradia fixa. A 20 de outubro de 1840 os Paradella venderam 60 alqueires da Fazenda Fortaleza para Felisberto da Silva Gonçalves[6], sendo que a venda só foi regularizada em 1851 quando os descendentes do patriarca residiam na Fazenda Bom Retiro.

      Recorremos ao Registro de Terras de 1856[7] para acrescentar que Antonio Custodio Nogueira declarou ser proprietário da Fazenda Monte Claro, cujas terras adquiriu de José da Silva Paradellas,

      ao qual foi concedida pelo Governo Provincial em indemnização de hum moinho por elle feito para uso dos Indios, como tudo melhor consta dos titulos existentes em seo poder, começando na quadra da Sesmaria do Alferes Candido Antonio da Silveira, seguindo corrego maior acima a fazer deviza na ultima caxoeira do dito corrego e corrego menor, lagrimais, e todas as vertentes de hum e outro lado do dito corrego, confrontando estas terras com o dito Alferes Candido, herdeiros de Joaquim Gonçalves, e outros.

      No mesmo ano, em Mar de Espanha foi colhida a declaração do próprio Paradellas[8]

      Declaro eu abaixo assignado que possuo nesta Villa do Mar de Hespanha huma demarcação sita na Rua das Caissaras tendo de frente cincoenta e cinco palmos e fundos athe o Rio divide a direita com Felis de tal, e esquerda com Candido de tal. Mar de Hespanha vinte de Abril de mil oito centos e cincoenta e seis. José da Silva Paradellas.


      Conclusão

      Poder-se-ia realizar um novo levantamento nos livros paroquiais das Igrejas de Argirita, Piacatuba, Tebas, Conceição da Boa Vista e Leopoldina, com vistas ao registro da presença de indígenas no território do antigo Curato de São Sebastião do Feijão Cru. Para o texto que ora se encerra foram inseridas apenas algumas informações que comprovam a presença de nativos na região, sabendo-se que a representatividade é ínfima, uma vez que a grande maioria não foi cristianizada. Deste modo, acredita-se que qualquer pesquisa neste sentido estará sempre aquém da realidade.

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      Oiliam José[9] informa que na Serra dos Puris, à margem da BR 116, e na Lajinha (Piacatuba), existiram aldeias puris onde foram encontradas duas machadinhas destes que teriam sido os derradeiros indígenas da Zona da Mata. Segundo o autor, as peças pertenciam à coleção de Mauro de Almeida Pereira. Acrescente-se que esta informação circulava entre as pessoas que conviviam com o Mauro na década de 1960, mas sem indicação do período do achamento ou de análise da idade dos materiais. Sabe-se, entretanto, que Candido José de Almeida, citado no assento transcrito do livro da Igreja de Santo Antonio de Tebas, era irmão do avô materno de Mauro de Almeida Pereira e bisavô da autora deste texto. O mesmo Candido foi Juiz de Paz em Tebas, entre 1883 e 1890, onde residiu a partir de meados da década de 1850. Lendas familiares dão conta de que, além de um bom plantel de escravos libertos, em suas terras viviam diversos puris.

      Considerando que este personagem viveu em Tebas no final do século XIX, levanta-se uma questão: os últimos indígenas de Tebas teriam desaparecido no alvorecer dos anos novecentos?


      [1] Spix, Johann Baptist von, e MARTIUS, Carls Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1976. p. 202-203

      [2] No século XIX, a palavra era grafada com duas letras “n”.

      [3] Foi mantida a ortografia do original.

      [4] Revista do Arquivo Público Mineiro, ano X, pág. 407.

      [5] Mapa da População do Curato do Espírito Santo – 1831, fl. 18-a fam. 157.

      [6] Cartório de Notas de Argirita – 1841-1854, fls. 117-verso.

      [7] Registro de Terras de Bom Jesus do Rio Pardo, TP 180, fls. 6, nr. 24, Arquivo Público Mineiro

      [8] Registro de Terras de Nossa Senhora das Mercês da Vila de Mar de Espanha, TP 116, fls. 43, s/nr.

      [9] JOSÉ, Oiliam. Indígenas em Minas Gerais. Belo Horizonte: MP, 1965. p. 125-126

      Pioneiros Esquecidos

      Ter a primazia em alguma circunstância valorizada pela sociedade é prêmio almejado por muitos caçadores da fama. Pessoas há que vibram com lisonjas recebidas por terem sido pioneiras em algum ato ou fato. Por outro lado, podemos encontrar muitas biografias recheadas de adjetivos que intentam celebrizar pessoas por atitudes fora dos padrões de sua época.

      Não! Não é assim que entendemos o significado do pioneirismo que aqui vamos mencionar. Tentaremos nos afastar o quanto for possível de qualquer maniqueísmo embora saibamos, de antemão, ser quase impossível sufocar o respeito que nos despertam aqueles primeiros invasores das áreas proibidas. Uns dirão que eram pessoas corajosas, destemidas, heróis. E usarão uma série de adjetivos com a intenção de dignificá-los. Outros argumentarão que eram fugitivos ou pobretões “sem eira nem beira”.

      Pedimos a você, leitor, que considere a distância no tempo e avalie as condições de vida enfrentadas por pessoas que, nascidas e criadas na região mais desenvolvida da província mineira do século dezoito, optaram por criar o próprio espaço longe do ambiente ao qual estavam acostumadas. Sabemos que este exercício poderá levá-lo a homenagear aqueles que deram início ao antigo Curato de Bom Jesus do Rio Pardo. Mas, se você só puder vê-los com olhos embaçados por adjetivos pouco nobres, ainda assim pedimos sua atenção para os poucos dados que pudemos apurar.

      As concessões de sesmarias nos sertões do leste tinham diversos objetivos. Entre outros, a necessidade de povoar a mata e protegê-la de invasores não autorizados. Não podemos deixar de considerar que os sesmeiros foram também invasores. Entraram pela mata adentro, desalojaram animais e indígenas, abriram pastagens e lavouras com o aval dos governantes. Em última análise, prepararam o terreno para a criação dos povoados que se tornaram as cidades onde hoje vivemos.

      Em sua quase totalidade os homens livres que povoaram a mata mineira vieram do centro da província. Aqui se instalaram, viveram e morreram. Aqui deixaram seu sangue na forma dos descendentes que muitos de nós representamos. Alguns daqueles pioneiros tiveram seus nomes eternizados pela historiografia oficial. A maioria, porém, foi solenemente esquecida.

      Um dos esquecidos, cuja história talvez represente a média dos demais povoadores dos sertões do rio Pardo, foi batizado com o nome de Felisberto, filho de Domingos Gonçalves de Carvalho e Maria Vitória de Jesus Xavier, irmã de Joaquim José da Silva Xavier. No dia 29 de setembro de 1802, na Igreja de São Tiago, Serra da Bituruna, filial da Vila de São José, atual cidade de Tiradentes-MG, o jovem Felisberto casou-se com Ana Bernarda da Silveira. Ela foi batizada em São João del Rei no dia 11 de março de 1779, filha de Bernardo José Gomes da Silva Flores e Joaquina Bernarda da Silveira. No dia 02 de janeiro de 1804, em São João del Rei, nascia o primeiro filho de Felisberto e Ana Bernarda que recebeu o nome de Antonio Felisberto.

      No dia 02 de dezembro de 1813 foi assinada a concessão de uma sesmaria a Felisberto da Silva Gonçalves, cujo protocolo de requisição tem a data de 29.11.1813. No mesmo dia foram assinadas concessões de igual teor para sua esposa Ana Bernarda, para seu irmão Domingos Gonçalves de Carvalho e para a esposa deste, Antônia Rodrigues Chaves. Pelas cartas concessórias observa-se que os dois casais já residiam na “barra do córrego Fortaleza, no ribeirão chamado Pardo, sertão da Pomba, Termo da Vila de Barbacena”, local das sesmarias concedidas.

      No dia 10 de setembro de 1829, em sua fazenda no Monte Redondo, Felisberto e sua esposa Ana Bernarda assinaram procuração para que o irmão dela representasse o casal no processo de inventário de Bernardo José Gomes da Silva Flores, falecido naquele ano em São João del Rei.

      Sabemos de alguns beneficiários de sesmarias que jamais tocaram o solo que lhes foi dado. Aqui mesmo, em nossa região, temos exemplo disso. Um dos agraciados com terras que vieram a constituir o distrito de Piacatuba não assumiu a posse nem cumpriu todas as exigências da concessão.

      Na verdade somente a chamada Lei de Terras, na década de 1850, veio regularizar as posses. Até então, para negociar no todo ou em parte as terras ganhas, o sesmeiro precisava atender a certos requisitos da Igreja. Como é sabido, todo o solo brasileiro pertencia à Igreja e o Rei de Portugal atuava como uma espécie de administrador deste patrimônio. Portanto, a sesmaria concedida dava ao beneficiário apenas o direito de uso, não o de posse. Quando um sesmeiro decidia vendê-la, mesmo que uma pequena parte, necessitava negociar com a Igreja. É neste momento que identificamos o nascimento de muitos povoados e Piacatuba é um exemplo clássico. Tendo sempre residido na região de Capela Nova, o sesmeiro local nomeou um procurador para vender suas terras e doar uma parte delas para a constituição do patrimônio de Nossa Senhora da Piedade.

      Pergunto ao leitor: pode-se considerar pioneiro, no sentido honroso que costumamos dar à palavra, uma pessoa que se utilizou do beneplácito de alguma autoridade sem jamais ter dado a contrapartida em benefício da posse recebida? Por outro lado, pode-se desconhecer o valor deste indivíduo que determinou o local onde nasceria Piacatuba? São pontos a serem analisados com cuidado. Principalmente para evitar rotulagens descabidas. Vale dizer, sesmeiros como o de Piacatuba não podem ser vistos como heróis nem como pessoas desprezíveis. Cada um teve o seu papel no desenrolar da história. E não podemos esperar uma sucessão de grandes feitos envolvendo cada indivíduo que veio povoar o nosso rincão. A trajetória de Felisberto da Silva Gonçalves pode representar um exemplo do sucedido a muitos outros antigos moradores assim como o foi o ocorrido em Piacatuba, de natureza bem diversa como se verá a seguir.

      Beneficiado com sesmarias, Felisberto e Ana Bernarda fixaram-se na terra recebida e daqui não mais se afastaram. A contagem populacional de 1831 veio encontrá-lo em sua fazenda, acompanhado da mulher, do filho e da nora, além de um número de escravos que o colocava entre os maiores proprietários de cativos do então Curato do Espírito Santo. Sim, em 1831 o atual município de Argirita pertencia a Guarará. O irmão de Felisberto, Domingos Gonçalves de Carvalho, não aparece entre os moradores de 1831. Talvez tenha transferido suas terras para o irmão. Ou talvez fosse já falecido e o irmão estaria administrando os bens da viúva. Infelizmente ainda não encontramos documentos esclarecedores a respeito. De certo apenas a presença, junto a Felisberto em 1831, de um outro membro da família: Joaquim Gomes da Silva Flores.

      A próxima notícia apurada dá conta de que existia uma capela dedicada ao Bom Jesus do Rio Pardo em data anterior à que se tem oficialmente como início do povoado. Em 1838, como se pode observar no primeiro livro de batismos da Igreja de Argirita, a família de Felisberto está presente já na primeira folha. No dia 28 de dezembro daquele ano foi batizado um filho de escravos de Felisberto. No mesmo dia seu filho Antônio Felisberto foi padrinho de batismo de outra criança e os assentos paroquiais registram: “todos moradores deste Curato”.

      O cartório notarial de Bom Jesus do Rio Pardo começou a funcionar em fevereiro de 1841. Em seu primeiro livro, folha 27, encontra-se o lançamento de uma venda de terras realizada por Felisberto no dia 19.12.1841. O comprador foi Antônio Rodrigues da Costa.

      Mas dois anos antes o Felisberto havia comprado 60 alqueires de terras de José da Silva Paradelas, que estava se mudando para a Fazenda Bom Retiro, no distrito do Espírito Santo. Portanto, de acordo com os documentos encontrados, José da Silva Paradelas é outro sesmeiro que dedicou parte de sua vida a cultivar terras nos sertões do rio Pardo. Tendo recebido sesmaria quatro anos depois de Felisberto, a família Paradelas viveu nas proximidades do córrego Fortaleza durante 23 anos. Como a venda a Felisberto ocorreu no dia 10 de outubro de 1840, julgamos lícito imaginar que ambos, comprador e vendedor, precisaram acordar com a Igreja algum tipo de doação ao padroeiro. E considerando que o doador oficialmente conhecido aparece em terras do rio Pardo somente em 1840, lançamos aqui uma hipótese: talvez a capela que já funcionava em 1838 tenha sido construída em terras da sesmaria original dos Paradelas. Tendo decidido transferir-se para a Fazenda Bom Retiro, o sesmeiro pode ter vendido parte de suas terras a Inácio Nunes de Moraes e outra parte a Felisberto.

      Entre 1839, ano da criação do distrito de Bom Jesus do Rio Pardo, e junho de 1849, época da conclusão do primeiro alistamento eleitoral de que se tem notícia, os homens que decidiam os rumos a serem tomados pelo povoado passam a ser melhor conhecidos pelos documentos preservados. Na análise daquele alistamento daremos notícias de alguns daqueles homens. Muitos, também, pioneiros esquecidos.

      Em 1856, para atender ao disposto da Lei de Terras, todos os proprietários foram chamados a declará-las em livro próprio da Igreja. Analisando tal documento relativo a Leopoldina, encontramos a declaração do padre Francisco Ferreira Monteiro de Barros, de 15 de abril de 1856, informando que a Fazendo do Socorro tinha como vizinhos, entre outras, as terras de Felisberto da Silva Gonçalves. E na declaração do próprio Felisberto, constante do documento relativo a Argirita, encontramos a confirmação de que ele continuava residindo nas terras que ocupava desde os primeiros anos do século dezenove.

      Pelo desaparecimento do primeiro livro de óbitos de Argirita, bem como do processo de inventário, a última referência a Felisberto em terras de Argirita é o Alistamento Eleitoral de 1863, quando o nome dele foi excluído da relação de eleitores por estar sofrendo de “demência senil”, doença hoje conhecida como artério-esclerose.

      A busca dos ancestrais de Mauro de Almeida Pereira levou-nos a colecionar documentos que demonstram claramente quem foram os primeiros homens livres a ocuparem o território de Argirita. Mas ainda não podemos apresentar um quadro completo por dois motivos:

      a) o desaparecimento de diversos livros paroquiais do século dezenove dificulta o estabelecimento do grau de parentesco entre os antigos moradores e possíveis descendentes nascidos no século vinte; e,

      b) a família de Felisberto foi estudada a partir da única neta de quem encontramos referências bem fundamentadas.