Senhor Bom Jesus do Rio Pardo: 182 anos

Para marcar o aniversário do Curato, recordamos alguns de nossos escritos sobre Argirita.

6 de abril de 1839: criação do distrito de Rio Pardo

A Lei Mineira número 147, em seu artigo 1º, determinou a elevação a Distrito de Paz de vários curatos, entre eles o de Senhor Bom Jesus do Rio Pardo. 

Atualizado em 06/04/2015

Acidentes Geográficos e Antigas Fazendas de Argirita

Localizar as antigas propriedades de uma região é tarefa um tanto espinhosa. 

Publicado em 20/09/2002

Argirita

Cartografia: O Senhor Bom Jesus do Rio Pardo, distrito de Leopoldina, é hoje o município de Argirita.

Publicado em 23/05/2012

Autoridades do distrito do Rio Pardo

Antes da organização do distrito, o povoado tinha sua representação no…

Publicado em 08/01/2003

Contagem Populacional: recenseamentos realizados em Leopoldina

O recenseamento realizado no Brasil em 1872, por ordem de Dom Pedro II, encontrou…

Publicado em 12/07/2004

Da Toscana e da Sardegna

… parte delas se radicou no território de um distrito que hoje é o município de Argirita

Publicado em 20/06/2009

De Minas para o Espírito Santo

…motivo que trouxe os Alves Araújo, Ribeiro Soares e demais parentes para os sertões do rio Pardo

Publicado em 21/03/2003

Distrito de Bom Jesus do Rio Pardo

Neste documento observa-se que o território do novo distrito compreenderia a Aplicação das Dores que mais tarde foi elevada a distrito do município de Leopoldina

Atualizado em 06/04/2014

Escolas em Argirita

Há 132 anos o jornal O Leopoldinense publicava anúncio de um internato para meninas no então distrito de Rio Pardo

Publicado em 28/08/2013

Indígenas em Leopoldina

…nem sempre o que foi publicado sobre o assunto condiz com o registrado em fontes documentais.

Publicado em 19/04/1997

Indígenas no Rio Pardo

A identificação das tribos que habitavam a zona da mata mineira antes da chegada do homem livre só pode ser feita através de documentos remanescentes da Junta Militar da Conquista e Civilização dos Índios.

Publicado em 27/05/1996

Moradores de Taruaçu e Argirita

Lista Geral dos Votantes de São João Nepomuceno e Livro das Atas de Eleições de Bom Jesus do Rio Pardo..

Atualizado em 01/02/2021

Patrimônio de Bom Jesus do Rio Pardo

Vídeo: Quem doou terras para constituir o Patrimônio do padroeiro do atual município de Argirita?

Publicado em 08/01/2021

Pioneiros Esquecidos

Ter a primazia em alguma circunstância valorizada pela sociedade é prêmio almejado por muitos caçadores da fama.

Publicado em 12/08/1994

Posse de autoridades de Bom Jesus do Rio Pardo

Autoridades empossadas pela Câmara Municipal de Leopoldina em Rio Pardo, atual Argirita.

Publicado em 05/03/2002

Professorado antigo em Leopoldina

…definida a localização da Escola no distrito de Rio Pardo, atual município de Leopoldina.

Publicado em 18/03/2013

Raízes no Rio Pardo

Mauro de Almeida Pereira, autor de “Os Almeidas, os Britos e os Netos em Leopoldina”, foi quem direcionou meus passos para Argirita.

Publicado em 13/07/2001

Recontos de um Recanto – 4: Argirita

Vamos, hoje, às terras da atual cidade de Argirita, o antigo arraial do Bom Jesus do Rio Pardo.

Publicado em 09/07/2002

O significado do termo carijós em Minas Gerais

Apresentamos o relato da sexta comunicação do 3º Encontro de Pesquisadores do Caminho Novo, realizado em Conselheiro Lafaiete nos dias 29 e 30 de junho de 2012. Mauricéia Maia abordou os indígenas classificados como carijós em Minas Gerais. Transcrição: Nilza Cantoni. Revisão: Joana Capella.

As representações indígenas no processo de colonização do Brasil

“Os indígenas foram vistos de acordo com os modelos europeus, sendo que as representações serviram para justificar a ocupação e conquista dos territórios, além, de favorecer a dominação, por meio da escravização.”

Artigo de Raimundo Nonato de Castro publicado na revista História em Reflexão, vol. 6, nr. 11, 2012

RESUMO: As imagens e os textos, produzidos pelos europeus, serviram para criar imaginários sobre as populações indígenas, passando a ser utilizadas para assegurar e garantir o incremento do processo de dominação colonial. Neste sentido, ao analisarmos algumas das observações realizadas pelos navegadores europeus, verificamos que apresentam os nativos como seres que necessitavam ser cristianizados.

Leia o texto na íntegra.

Indígenas em Leopoldina

Os indígenas são mencionados em todos os trabalhos sobre o povoamento de Leopoldina. Entretanto, nem sempre o que foi publicado sobre o assunto condiz com o registrado em fontes documentais.

Este texto traz algumas informações que apuramos principalmente em livros paroquiais de Leopoldina e seus antigos distritos, região habitada pelos Puris antes da chegada do homem branco. As imagens foram extraídas dos livros dos viajantes estrangeiros que visitaram os Sertões do Leste. A exceção é Debret que desenhou baseado em relatos de terceiros.

Segundo Spix e Martius[1]

“Todos os índios que chegamos a conhecer aqui, das tribos de Puris, Coropós e Coroados, surpreendentemente, pouco se diferençavam entre si na estatura e nas feições; os traços individuais pareciam, provavelmente por falta de desenvolvimento, dominados pelos traços gerais da raça do que é o caso, nas outras raças.
Os índios são baixos ou de estatura mediana; os homens têm quatro a cinco pés de altura, as mulheres, em geral, pouco mais de quatro pés; todos têm corpos robustos, largos e atarracados. Só raramente se encontram entre eles alguns de estatura mais alta e esbelta. Têm ombros largos, pescoço curto e grosso; os seios das mulheres não são tão frouxos e descaídos como os das negras; o ventre é fortemente protruso, o umbigo muito bulboso, porém menos que nos negros; as partes masculinas são muito menores que as dos negros, e não, como as destes últimos, em constante turgidez; as extremidades são curtas, as inferiores não são nada carnudas, são, sobretudo, franzinas as barrigas das pernas e as nádegas; as superiores são cheias e musculosas. O pé, estreito no calcanhar, é muito largo na frente e o dedo grande aparta-se dos outros; as mãos estão quase sempre frias, os dedos relativamente finos, e as unhas, que eles roem constantemente, costumam ser muito curtas. O colorido da tez é vermelho-cúprico, mais ou menos carregado, diferençando-se segundo a idade, a ocupação e estado de saúde do indivíduo. As crianças recém-nascidas são de cor branco-amarelada, como os mulatos; os doentes tornam-se de cor amarelo-pardacenta, e só excepcionalmente se encontram, entre eles, albinos ou malhados de escuro. Em geral, são de cor tanto mais escura, quando mais robustos e ativos. Nas partes inferiores do corpo e nas extremidades, o vermelho-cúprico passa, às vezes, para colorido mais escuro; na face interna das articulações, ao contrário, a cor esvaece e torna-se esbranquiçada.
O índio, propriamente, não pode corar, e o humano “Etubescit, salva res est” não tem aplicação para essa rude raça humana. Só depois de longa convivência com os brancos, notamos entre os índios a mudança de cor, como sinal de emoção.
A sua pele é muito fina, macia, brilhante e, exposta ao sol, sujeita a transpirar; o cheiro que exala (catinga) não é tão intenso como o dos negros, mas é acre, amoniacal. O cabelo negro, brilhante, comprido, escorrido, cai espesso e emaranhado da cabeça. Nas axilas e sobre o peito, não se nota em geral cabelo algum; nas partes sexuais e no queixo dos homens, apenas leve penugem. Entretanto, há exceções, embora raras; vimos alguns deles de peito cabeludo e barba cerrada. O característico da cabeça é corresponder ao peito largo a largura especialmente da parte parietal ; na face avultam maçãs salientes. A testa é baixinha, o sinus frontal saliente na base, em cima estreita e inclinada muito para trás. O occipício é muito mais saliente do que o dos negros, cujo crânio é mais estreito e alongado que o dos índios. O rosto é largo e anguloso, e não é tão proeminente como o dos negros, porém, mais do que o dos calmucos ou dos europeus. As orelhas são pequenas, bonitas, um tanto saídas para fora, não são furadas e nem desfiguradas por objetos pesados. São pequenos os olhos, pardo-escuros, oblíquos, o canto interior volvido para o nariz, protegidos por sobrancelhas de poucos pêlos, que, no meio, se recurvam para cima; o nariz é curto, em cima pouco achatado e chato na ponta, entretanto não tão chato como o dos’ negros; as narinas são largas e apenas pouco viradas para fora; os lábios muito menos grossos e salientes que os dos negros; não é o lábio inferior, porém o superior que se salienta um pouco, ou então são ambos iguais; a boca é pequena e mais fechada que a dos negros. São muito alvos os dentes, os incisivos largos e bem alinhados; salientam-se os caninos. Em geral, o corpo o índio é entroncado, largo e baixo, ao passo que o dos negros é alto e esguio; ele, com isso, aproxima-se mais das outras raças, sobretudo dos chineses e calmucos, conquanto estes sejam de tez mais clara e de traços melhor conformados. Deformados e aleijados nós tampouco encontramos nos índios, pelo que alguns supõem que costumam dar cabo deles, logo ao nascerem.”


Assentos paroquiais como fonte de pesquisa

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Interpretar os antigos assentos paroquiais requer leituras e releituras atentas, além de análise comparativa com outros documentos que ajudem a esclarecer o significado dos termos utilizados pelos padres. Em muitos estudos, observa-se um certo açodamento dos autores ao fixarem sentido único para termos que foram utilizados de forma variada. É o que ocorre, por exemplo, com as palavras párvulo, inocente e ingênuo. Tomados à primeira vista com o mesmo sentido, nem sempre assim o foram entendidos pelos padres que deles fizeram uso. Nos primeiros livros paroquiais da Matriz de Leopoldina e da Igreja de Nossa Senhora da Piedade, em geral o nome da criança é precedido da palavra “innocente”[2]. Já nos assentos das igrejas de Bom Jesus do Rio Pardo e Conceição da Boa Vista, o termo mais frequente é “párvulo”.  Mas em todos estes livros pode-se encontrar, assim como nos da Igreja de Santo Antonio de Tebas, batismos em que o nome da criança não é precedido de nenhuma outra indicação.

Outra observação importante é a respeito das indicações posteriores ao nome da criança. A primeira informação é bem clara, registrando “filho natural de” ou “filho legítimo de” para distinguir as crianças nascidas de matrimônios celebrados pela Igreja daquelas que nasceram de mães solteiras. Em pequeno número de casos aparece “filho adulterino de” e em um único caso, na Igreja de Santo Antônio de Tebas em 1885, foi encontrado “filho natural de” seguido do nome do pai da criança. No caso dos mancípios, após o nome de cada um dos pais há indicação do nome do proprietário. Com certa frequência temos, também, casos em que a criança, filha de escrava e nascida antes de 1872, foi libertada pelo senhor no ato do batismo.

Nem sempre aparece indicação mais detalhada sobre os escravos pais da criança batizada. Mas, especialmente no primeiro livro de batismos de Bom Jesus do Rio Pardo, período 1838 a 1864, são frequentes indicações como crioulo, mina, de nação, africano (a) e pardo (a).

Ressalte-se que, em livros de outras Freguesias mineiras, muitas vezes encontramos o nome da criança antecedido da palavra ingênuo (a). Já nas igrejas acima citadas, este termo, quando aparece, não está antes do nome da criança mas após o nome da mãe. É o que ocorre, por exemplo, no assento da página 82 verso de um livro de batismos da Igreja de Santo Antonio de Tebas, informando-se que no dia 25 de dezembro de 1882 o padre Eugenio Martins do Couto Reis batizou Ventura, do sexo masculino, “nascido a 4 de outubro de 1882, filho natural de Belmira, ingenua de Candido José de Almeida”. Este formato repete-se em vários assentos das igrejas de Nossa Senhora da Piedade e Bom Jesus do Rio Pardo, em alguns casos com um complemento: “ingenua puri”.

No primeiro livro de Bom Jesus do Rio Pardo, página 26, encontra-se: “fº natural de Florinda India Puri” e “f. natural de Felisbina Purí”. Na página 18 deste mesmo livro consta: “Aos vinte hum dias do mez de Fevereiro de mil oito centos e quarenta hum Baptizei solemnemente e pus os Santos Oleos nos Puris seguintes Antonio fº de Anna, e Maria fª de Maria” [3].


Outras referências aos indígenas


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Na correspondência de Guido Thomaz Marlière são encontradas diversas referências aos nativos que viviam no Rio Pardo. Entre outras, numa carta do Secretário da Junta Militar da Conquista Ignacio José Nogueira da Gama a Marlière, de 1816, informa-se que foi autorizado o pagamento da fatura do moinho de que necessitam os Indios Puris, aldeados no Rio Pardo e Paraíba, além da compra de tachos, enxadas e vestuário para os mesmos índios[4]. Segundo se verá adiante, a construção do moinho ficou a cargo de José Paradellas, que seria encarregado do aldeamento no Rio Pardo. Sobre este personagem, aliás, no livro Tombo da Igreja de Bom Jesus do Rio Pardo consta o registro de teor seguinte.

José Paradella senhor e possuidor da Fazenda Fortaleza, fez um voto ao Bom Jesus se os seus dois filhos não fossem recrutados para a Revolução Mineira de 1842, doar o patrimonio e construir uma capellinha do Bom Jesus, e tendo sido saptisfeito, edificou uma capellinha de palmitos e determinou as divisas vertentes de 15 alqueires mais ou menos de terra, fazendo divisas com a Fazenda Salvação, a começar num corrego e atravessando a estrada e vertendo o dito corrego até galgar um vallo, seguindo este e atravessando um outro, até a parte que vem do arrayal Feijão Crú, e seguindo o espigão, e descendo numa grota, onde tem uma aguinha até a estrada e indo ao Rio Pardo e por este a Salvação.

Rio Pardo 25 de Dezembro de 1842

Segundo o Mapa de Habitantes do Curato do Espírito Santo do Mar de Espanha[5], que abrangia o território de Guarará, Maripá, parte de Argirita e Tebas, em 1831 ali vivia a família Paradellas, de cor parda. Há estudiosos que julgam ser esta a cor indicada para os indígenas, o que acreditamos ser uma interpretação apressada, já que os nativos dificilmente teriam sido recenseados por não atenderem a um pressuposto básico: residirem num “fogo”, ou seja, terem moradia fixa. A 20 de outubro de 1840 Os Paradella venderam 60 alqueires da Fazenda Fortaleza para Felisberto da Silva Gonçalves[6], sendo que a venda só foi regularizada em 1851 quando os descendentes do patriarca residiam na Fazenda Bom Retiro.

Recorremos ao Registro de Terras de 1856[7] para acrescentar que Antonio Custodio Nogueira declarou ser proprietário da Fazenda Monte Claro, cujas terras adquiriu de José da Silva Paradellas,

ao qual foi concedida pelo Governo Provincial em indemnização de hum moinho por elle feito para uso dos Indios, como tudo melhor consta dos titulos existentes em seo poder, começando na quadra da Sesmaria do Alferes Candido Antonio da Silveira, seguindo corrego maior acima a fazer deviza na ultima caxoeira do dito corrego e corrego menor, lagrimais, e todas as vertentes de hum e outro lado do dito corrego, confrontando estas terras com o dito Alferes Candido, herdeiros de Joaquim Gonçalves, e outros.

No mesmo ano, em Mar de Espanha foi colhida a declaração do próprio Paradellas[8]

Declaro eu abaixo assignado que possuo nesta Villa do Mar de Hespanha huma demarcação sita na Rua das Caissaras tendo de frente cincoenta e cinco palmos e fundos athe o Rio divide a direita com Felis de tal, e esquerda com Candido de tal. Mar de Hespanha vinte de Abril de mil oito centos e cincoenta e seis. José da Silva Paradellas.


Conclusão

Poder-se-ia realizar um novo levantamento nos livros paroquiais das Igrejas de Argirita, Piacatuba, Tebas, Conceição da Boa Vista e Leopoldina, com vistas ao registro da presença de indígenas no território do antigo Curato de São Sebastião do Feijão Cru. Para o texto que ora se encerra foram inseridas apenas algumas informações que comprovam a presença de nativos na região, sabendo-se que a representatividade é ínfima, uma vez que a grande maioria não foi cristianizada. Deste modo, acredita-se que qualquer pesquisa neste sentido estará sempre aquém da realidade.

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Oiliam José[9] informa que na Serra dos Puris, à margem da BR 116, e na Lajinha (Piacatuba), existiram aldeias puris onde foram encontradas duas machadinhas destes que teriam sido os derradeiros indígenas da Zona da Mata. Segundo o autor, as peças pertenciam à coleção de Mauro de Almeida Pereira. Acrescente-se que esta informação circulava entre as pessoas que conviviam com o Mauro na década de 1960, mas sem indicação do período do achamento ou de análise da idade dos materiais. Sabe-se, entretanto, que Candido José de Almeida, citado no assento transcrito do livro da Igreja de Santo Antonio de Tebas, era irmão do avô materno de Mauro de Almeida Pereira e bisavô da autora deste texto. O mesmo Candido foi Juiz de Paz em Tebas, entre 1883 e 1890, onde residiu a partir de meados da década de 1850. Lendas familiares dão conta de que, além de um bom plantel de escravos libertos, em suas terras viviam diversos puris.

Considerando que este personagem viveu em Tebas no final do século XIX, levanta-se uma questão: os últimos indígenas de Tebas teriam desaparecido no alvorecer dos anos novecentos?


[1] Spix, Johann Baptist von, e MARTIUS, Carls Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1976. p. 202-203

[2] No século XIX, a palavra era grafada com duas letras “n”.

[3] Foi mantida a ortografia do original.

[4] Revista do Arquivo Público Mineiro, ano X, pág. 407.

[5] Mapa da População do Curato do Espírito Santo – 1831, fl. 18-a fam. 157.

[6] Cartório de Notas de Argirita – 1841-1854, fls. 117-verso.

[7] Registro de Terras de Bom Jesus do Rio Pardo, TP 180, fls. 6, nr. 24, Arquivo Público Mineiro

[8] Registro de Terras de Nossa Senhora das Mercês da Vila de Mar de Espanha, TP 116, fls. 43, s/nr.

[9] JOSÉ, Oiliam. Indígenas em Minas Gerais. Belo Horizonte: MP, 1965. p. 125-126

Indígenas no Rio Pardo

A identificação das tribos que habitavam a zona da mata mineira antes da chegada do homem livre só pode ser feita através de documentos remanescentes da Junta Militar da Conquista e Civilização dos Índios, cujo Diretor Geral foi Guido Thomaz Marlière.

Entendemos que o trabalho por ele realizado é aval de perfeita confiabilidade para a afirmativa de que os índios que viviam na bacia do rio Pardo eram todos Puris.

De fato, analisando os livros paroquiais das capelas da região, não encontramos uma única referência a indígena de outra nação. Se aqui viveram outros, não restaram indícios de sua presença. E considerando que os puris não eram dados a lutas, entende-se que tenham buscado refúgio num local onde inexistissem tribos guerreiras.

Em nossa região são comuns as lendas familiares sobre índias pegas a laço que se casaram com nobres portugueses, dando origem a tal ou qual família. Essas lendas tiveram grande aceitação em tempos remotos, levando um eclesiástico a criar um documento que já causou dissabores a muitos estudiosos. Trata-se de uma espécie de índice de casamentos em que, após o nome de algumas noivas, consta a palavra “índia”. Mas, à vista de outros documentos, concluímos que aquela listagem não se refere a livros de casamentos de uma única igreja e que a identificação da origem de tais noivas pode ter sido uma suposição do autor.

De igual forma fomos levados a rejeitar a posição de alguns autores segundo os quais havia um modelo para a formação dos nomes de indígenas cristianizados. Se algum padre adotou uma fórmula para dar-lhes um sobrenome, não a pudemos localizar nos livros paroquiais de nossa região. Aqui são encontrados, em todos os livros, um nome cristão acompanhado de “índia”, “índia pury” ou simplesmente “pury”, sempre referindo-se à mãe da criança batizada.

Outra observação que fizemos foi sobre o desaparecimento da identificação dos indígenas nos registros de casamentos. Se contraíram matrimônio segundo as leis da Igreja, os padres podem ter entendido que a partir deste ato ficaram livres do “aposto” discriminatório.

Em seu livro “Minhas Recordações”, Francisco de Paula Ferreira de Resende menciona que já quase não se encontravam indígenas em Leopoldina por volta de 1865. Ainda nos referindo aos livros paroquiais, observamos que o número de batizados de filhos de naturais da terra era mesmo muito pequeno em todas as igrejas pesquisadas. Como exemplo informamos que na Igreja de Bom Jesus do Rio Pardo, entre 1838 e 1860, localizamos apenas sete casos.

Tanto para a ausência de casamento religioso, quanto para o pequeno número de batismos, lembramos que o preço cobrado pelos padres tornava os atos religiosos inacessíveis para grande parte da população. Se os pobres não conseguissem um padrinho que arcasse com os custos, batismos e casamentos não se realizavam. À exceção do missionário Padre Jesus Maria, pacificador do gentio do rio Pomba, parece-nos que os eclesiásticos que atuaram em nossa região no século dezenove não podiam abrir mão de nenhum pagamento. Até porque muitos deles não eram vigários colados, ou seja, não contavam com a remuneração da Mesa. Sendo assim, seus recursos provinham exclusivamente das taxas cobradas pela realização das cerimônias.

Curiosa também é a observação de que alguns padrinhos de crianças indígenas tomavam suas mães como escravas, quer seja de “eito ou de leito”. Lendas impossíveis de terem confirmação documental relatam casos de visitas do padre a determinadas fazendas com o objetivo de chamar a atenção do proprietário sobre seu comportamento pecaminoso. Impedidos de cumprirem as obrigações religiosas da Páscoa por viverem em concubinato, tais fazendeiros remuneravam regiamente o confessor para que ele batizasse o fruto de tal relacionamento e perdoasse os pecados dos adultos envolvidos. Pela natureza própria das naturais da terra, a elas era dispensado um tratamento diferenciado que as considerava livres do pecado por não terem “sangue humano”, ou seja, não poderem entrar na categoria de “gente”. O rebento, no entanto, por trazer sangue de um homem livre, precisava ser batizado.

As lendas que envolvem a vida dos indígenas em nossas terras parecem verossímeis quando se observa a inexistência de batismos de adultos, de sangue puramente selvagem como se dizia então. Até o momento, em nossas buscas encontramos apenas um batismo em que são mencionados o pai e a mãe, ambos indígenas. Nos demais, todas as mães eram solteiras.

Do que foi dito aqui não significa que os indígenas tenham desaparecido completamente da região logo no início da ocupação do território pelo homem livre. Segundo a contagem populacional de 1890, no Curato do Rio Pardo foram encontrados 831 caboclos, termo usual para definir o indígena naquela data. Ou seja, 17% dos moradores eram pessoas naturais da terra.