A identificação das tribos que habitavam a zona da mata mineira antes da chegada do homem livre só pode ser feita através de documentos remanescentes da Junta Militar da Conquista e Civilização dos Índios, cujo Diretor Geral foi Guido Thomaz Marlière.
Entendemos que o trabalho por ele realizado é aval de perfeita confiabilidade para a afirmativa de que os índios que viviam na bacia do rio Pardo eram todos Puris.
De fato, analisando os livros paroquiais das capelas da região, não encontramos uma única referência a indígena de outra nação. Se aqui viveram outros, não restaram indícios de sua presença. E considerando que os puris não eram dados a lutas, entende-se que tenham buscado refúgio num local onde inexistissem tribos guerreiras.
Em nossa região são comuns as lendas familiares sobre índias pegas a laço que se casaram com nobres portugueses, dando origem a tal ou qual família. Essas lendas tiveram grande aceitação em tempos remotos, levando um eclesiástico a criar um documento que já causou dissabores a muitos estudiosos. Trata-se de uma espécie de índice de casamentos em que, após o nome de algumas noivas, consta a palavra “índia”. Mas, à vista de outros documentos, concluímos que aquela listagem não se refere a livros de casamentos de uma única igreja e que a identificação da origem de tais noivas pode ter sido uma suposição do autor.
De igual forma fomos levados a rejeitar a posição de alguns autores segundo os quais havia um modelo para a formação dos nomes de indígenas cristianizados. Se algum padre adotou uma fórmula para dar-lhes um sobrenome, não a pudemos localizar nos livros paroquiais de nossa região. Aqui são encontrados, em todos os livros, um nome cristão acompanhado de “índia”, “índia pury” ou simplesmente “pury”, sempre referindo-se à mãe da criança batizada.
Outra observação que fizemos foi sobre o desaparecimento da identificação dos indígenas nos registros de casamentos. Se contraíram matrimônio segundo as leis da Igreja, os padres podem ter entendido que a partir deste ato ficaram livres do “aposto” discriminatório.
Em seu livro “Minhas Recordações”, Francisco de Paula Ferreira de Resende menciona que já quase não se encontravam indígenas em Leopoldina por volta de 1865. Ainda nos referindo aos livros paroquiais, observamos que o número de batizados de filhos de naturais da terra era mesmo muito pequeno em todas as igrejas pesquisadas. Como exemplo informamos que na Igreja de Bom Jesus do Rio Pardo, entre 1838 e 1860, localizamos apenas sete casos.
Tanto para a ausência de casamento religioso, quanto para o pequeno número de batismos, lembramos que o preço cobrado pelos padres tornava os atos religiosos inacessíveis para grande parte da população. Se os pobres não conseguissem um padrinho que arcasse com os custos, batismos e casamentos não se realizavam. À exceção do missionário Padre Jesus Maria, pacificador do gentio do rio Pomba, parece-nos que os eclesiásticos que atuaram em nossa região no século dezenove não podiam abrir mão de nenhum pagamento. Até porque muitos deles não eram vigários colados, ou seja, não contavam com a remuneração da Mesa. Sendo assim, seus recursos provinham exclusivamente das taxas cobradas pela realização das cerimônias.
Curiosa também é a observação de que alguns padrinhos de crianças indígenas tomavam suas mães como escravas, quer seja de “eito ou de leito”. Lendas impossíveis de terem confirmação documental relatam casos de visitas do padre a determinadas fazendas com o objetivo de chamar a atenção do proprietário sobre seu comportamento pecaminoso. Impedidos de cumprirem as obrigações religiosas da Páscoa por viverem em concubinato, tais fazendeiros remuneravam regiamente o confessor para que ele batizasse o fruto de tal relacionamento e perdoasse os pecados dos adultos envolvidos. Pela natureza própria das naturais da terra, a elas era dispensado um tratamento diferenciado que as considerava livres do pecado por não terem “sangue humano”, ou seja, não poderem entrar na categoria de “gente”. O rebento, no entanto, por trazer sangue de um homem livre, precisava ser batizado.
As lendas que envolvem a vida dos indígenas em nossas terras parecem verossímeis quando se observa a inexistência de batismos de adultos, de sangue puramente selvagem como se dizia então. Até o momento, em nossas buscas encontramos apenas um batismo em que são mencionados o pai e a mãe, ambos indígenas. Nos demais, todas as mães eram solteiras.
Do que foi dito aqui não significa que os indígenas tenham desaparecido completamente da região logo no início da ocupação do território pelo homem livre. Segundo a contagem populacional de 1890, no Curato do Rio Pardo foram encontrados 831 caboclos, termo usual para definir o indígena naquela data. Ou seja, 17% dos moradores eram pessoas naturais da terra.
Um pensamento em “Indígenas no Rio Pardo”