Os Caminhos do Povoamento e a Origem da Vila Leopoldina

Aspecto ainda não estudado da história de Leopoldina, os Caminhos do Povoamento da zona da mata mineira estão sendo pesquisados em parceria por Nilza Cantoni e Joana Capella e deste trabalho foi extraído o material utilizado em palestra realizada no Cefet, campus Leopoldina, na abertura do II Festival de Arte e Cultura, neste ano de 2012.

O convite para encontrar-me com os profissionais da Educação que atuam em Leopoldina foi um grande presente. Ao longo do tempo eu venho colhendo dados e buscando interpretá-los à luz do conhecimento produzido pelos especialistas de diversas áreas, tendo chegado a algumas conclusões que gostaria de dividir com vocês. Hoje falarei sobre um estudo inédito que acredito ser importante para ampliar o conhecimento sobre a então Vila Leopoldina.

Localização de Leopoldina pelo Google Earth
Localização de Leopoldina pelo Google Earth

Neste recorte, destaquei os pontos importantes para o assunto de hoje: a localização de Ouro Preto, Mariana, Barbacena, Cataguases, Leopoldina, Cantagalo, Campos dos Goitacazes e Rio de Janeiro.

Agora viajaremos para 1847.

Cartografia de 1847
Cartografia de 1847

Esta cartografia[1] foi produzida por João José da Silva Teodoro e concluída em 1847. O original encontra-se na Biblioteca Nacional. Fazendo um recorte no mapa, verifica-se que a cartografia detalha os termos do Pomba, Presídio de São João Batista (atual Visconde do Rio Branco) e São João Nepomuceno:

Os Termos do Pomba em 1847
Os Termos do Pomba em 1847
No território do Termo de São João Nepomuceno, o distrito do Feijão Cru em destaque.
No território do Termo de São João Nepomuceno, o distrito do Feijão Cru em destaque.

No território do Termo de São João Nepomuceno encontra-se em destaque o distrito do Feijão Cru.

Procurando saber quem foram as pessoas que se estabeleceram no Feijão Cru[2], verifiquei que, à exceção de uma das primeiras famílias que aqui se fixaram, todas as que consegui identificar procediam de região agrícola. Donde se derruba um dos mais arraigados mitos da história de Leopoldina, ou seja, de que os povoadores eram deserdados do ouro.

Voltemos ao mapa completo de João José da Silva Teodoro.

Bacia do Paraíba do Sul na Zona da Mata Mineira

Rio Paraíba do Sul na zona da mata mineira, recebendo o Pomba e seus dois principais afluentes: o Novo e o Xopotó

Paraíba do Sul, Pomba, Novo e Xopotó, além do Caminho Novo à esquerda e das localidades de Ouro Preto, Presídio, Campos dos Goitacazes e Cantagalo

Além dos rios Paraíba do Sul, Pomba, Novo e Xopotó, e do Caminho Novo à esquerda, acima destacamos as localidades de Ouro Preto, Presídio, Campos dos Goitacazes e Cantagalo.

Caminho do Cantagalo

Acrescentado o provável percurso do Caminho do Cantagalo [na cor vinho] mencionado em diversas Cartas de Sesmaria[3] e aberto pelas tropas de Pedro Afonso Galvão de São Martinho nas investidas de 1784[4] e 1786[5]. Pelo que nos foi dado apurar, o Caminho do Cantagalo foi o trajeto utilizado pela maioria dos povoadores do Feijão Cru e serviu de base para uma estrada de rodagem de São João del Rei a Cantagalo[6].

Estrada Presídio-Campos
Em verde a estrada Presídio-Campos

Prosseguindo, temos agora a Estrada Presídio – Campos dos Goitacazes[7], aberta por volta de 1812[8]. O trajeto desta estrada foi definido a partir de anotações colhidas em correspondência de Guido Marliére, referências em Cartas de Sesmarias[9], em Spix & Martius[10] e em Burmeister[11].

Segundo Helena Guimarães Campos[12],

O estudo dos caminhos é determinante para a compreensão dos processos históricos, pois eles estão associados à exploração, ocupação e povoamento dos territórios [...] A existência, a inexistência ou as condições dos caminhos traçam os rumos dos limites e das possibilidades da história dos povos, que tem ou não seus territórios articulados com outros.

Abordando as pesquisas realizadas sobre o Caminho Novo, o professor Ângelo Alves Carrara[13] informou que os Diários de Viagem dos Soldados Dragões demonstram que havia um caminho “vertebrador” e uma boa quantidade de variantes, sendo de notar que os soldados eventualmente faziam o percurso de ida por um trecho e na volta utilizavam outra variante, dando notícia precisa da distância entre cada parada que faziam.

Embora não tenhamos “diários de viagem” sobre os nossos caminhos, as referências encontradas na cartografia que pesquisamos indicam que o Caminho do Cantagalo e a Estrada Presídio-Campos dos Goitacazes também não eram uma via de percurso único. No caso do acesso a Cantagalo, temos referências sobre alternativas existentes em 1858, quando a viajante Ida Pffeifer o atingiu na altura da Aldeia da Pedra, hoje Itaocara[14].

Trilhando e abrindo novos caminhos, os povoadores do Feijão Cru foram ampliando sua área de influência, conforme podemos verificar no mapa seguinte.

Leopoldina segundo Tschudi e Halfeld

Aí está um trecho de cartografia produzida pelos engenheiros Halfeld e Tschudi[15] e publicada em 1855, no qual destaquei o território que formou a Vila Leopoldina em 1854.

Pensar os nossos antigos caminhos é fundamental para compreendermos a nossa história. Por esta razão eu convido a todos para refletirem sobre a ocupação das áreas cortadas pelo Caminho do Cantagalo e pela Estrada Presídio-Campos dos Goitacazes. De onde vieram as pessoas que implantaram em nossa terra a lógica colonial? Quais eram as suas práticas culturais? Como se alimentavam? Como supriam as necessidades básicas de suas famílias? Por onde escoavam a produção? De que forma produziam riqueza?

Voltando o olhar para estes aspectos, as informações acumuladas nos fizeram chegar à imagem seguinte, montada a partir de topografia disponível no Arquivo Público Mineiro[16].

Vila Leopoldina em 1854

Segundo Bloch[17], “textos ou documentos […] não falam senão quando sabemos interrogá-los”. Para Le Goff[18] a “memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro”. Nosso trabalho tem tido como objetivo resgatar textos e documentos sobre a história de Leopoldina, analisando-os e divulgando-os para que todos tenham acesso.

a) Nilza Cantoni

NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] TEODORO, João José da Silva. Carta Topographica dos Termos do Presidio, Pomba e S. João Nepomuceno. 1847. Disponível na Biblioteca Nacional, Seção de Mapas, 2617.

[2] CANTONI, Nilza. Povoadores do Feijão Cru. In: História Social através da Genealogia. Comunicação apresentada no 2º Encontro de Pesquisadores do Caminho Novo. São João del Rei: 21 agosto 2011.

[3] Carta de sesmaria consultada no Arquivo Histórico Municipal Professor Altair Savassi, de Barbacena: MACHADO, José Joaquim Machado, Fundo PJ, Grupo 1SVC, Série AC. Caixa 42, Ordem 12.

Sesmarias consultadas no Arquivo Público Mineiro: Códice SC 275 [BRANDÃO, Manoel Carvalho / p. 164]; Códice SC. 352 [CARVALHO, Domingos Gonçalves de/ p. 73 v; MATTOS, Marcelino Pereira de/ p. 74 v; NICACIO, Antonio Dutra/ p. 78 v]; Códice SC. 377 [ANNA Margarida/p. 119; AZEVEDO, Manoel Ferreira de/p. 95; BAPTISTA, Joanna/p. 123; BARROS, Francisco Xavier de/p. 5; CARNEIRO, João Nepumuceno – sac/p. 136; CASTRO, Antonio José de/p. 93; CASTRO, Clara Maria de Sá e/p. 106; CASTRO, Jacintho Manoel de/p. 126; CASTRO, Maria do Carmo de/p. 121; CONCEIÇÃO, Maria Joanna da/p. 97; CONSTANCIA, Francisca/p. 107; CORREA, Je. Joaquim – sgt mor/p. 48; FERREIRA, José Lopes/p. 149; FIGUEIREDO, Luiza Alexandrina da Mota e/p. 80; GAMA, Francisco Xavier Monteiro da/p. 125; GAMA, Maria Balbina Monteiro da/p. 108; JOZÉ, Maria/p. 103; MARGARIDA, Eufrásia/p. 96; MATTOS, Matheus Herculano Monteiro da Cunha e/p. 124; MONTEIRO, Francisca de Assis/p. 129; MONTEIRO, José Maria/p. 105; MONTEIRO, Lucas Antonio/p. 92; MONTEIRO, Miguel Antonio/p. 102; MOTTA, José Luiz da/p. 81; OLIVEIRA, João José/p. 138; PAULA, Barbara Marcelina de/p. 47; PIMENTEL, Alexandre Pereira/p. 43; PIMENTEL, João Pereira alf./p. 42; SÁ, Ana Maria de/p. 120; SILVA, Francisco Antunes da/p. 140; SILVA, Joaquim José da (tem.)/p. 137; SOARES, João Teixeira/p. 139; SOUZA, Fernando José de Almeida e/p. 41].

[4] CARTAS do sargento-mor Pedro Afonso Galvão de São Martinho para Luiz da Cunha Meneses, de São Manuel do Pomba, 12 de maio e 7 de agosto de 1784; da Margem do Paraíba, 22 de maio e 10 de junho de 1784; do Porto Novo do Cunha,  5 e 18 de junho de 1784; do Sertão do Rio Novo, 24 de junho de 1784. Disponíveis no Arquivo Público Mineiro, Coleção Casa dos Contos, caixa 13, item 10266; caixa 3, itens 10060, 10061, 10071, 10072.

[5] CASTRO, Celso Falabella de Figueiredo. Os Sertões de Leste: achegas para a história da zona da mata. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1987.

[6] PLANTA da Estrada de Automóvel São João del Rei a Canta Galo, 1928. Disponível no Arquivo Público Mineiro, Fundo Secretaria de Agricultura, SA – 263(10) e MAPA de saída dos gêneros alimentícios de Cantagalo para Baependi, Sabará, Tamanduá, Barbacena, Pitangui, São João, Jacuí, Vila Rica, Caeté, Vila do Príncipe e Campanha, 30 de setembro de 1819, Coleção Casa de Contos, caixa 37, item 30094.

[7] PINTO, A. P. Mapa Topográfico do Povoamento da Ex-Vila do Presídio. 1854. Disponível no Arquivo Público Mineiro, Fundo Presidência da Província, PP 012.

[8] Em correspondência. ao Presidente do Conselho da Província, datada de 07.01.1826, Revista APM, vol. XI, pag 123, Guido Tomaz Marlière declara, sobre a Estrada de Minas aos Campos de Goytacazes: “Esta utilissima Estrada desde que se abrio em 1812, pela authoridade do Exmo. Governador e Capitão General Conde de Palma, não vio o menor concerto […] desde a Serra da Onça, no Prezidio de S. João Baptista, até o Registro da Pomba nossa fronteira em hua extenção de 33 leguas.” Afirma ainda que a estrada era utilizada pelos tropeiros para aprovisionar colonos dosTermos de Mariana, Barbacena e Caeté.

[9] Sesmarias consultadas: Códice 352 [ARAUJO, Manoel (Marçal) José de/p. 39; CABRAL. Francisco de Assis Ferreira/p. 60; CANDIDO, Antonio Gomes/p. 62; CANDIDO, Francisco de Paulo/p. 61; COSTA, Antonio Pereira da/p. 43 v; COSTA, Salvador Pereira da/p. 44 v; FRANCISCO, Antonio/p. 63; GODOY, Anna Joaquina de/p. 41 v; JARDIM, Manoel Roiz – sac./p. 39 v; MACHADO, Antonio da Cruz/p. 55; MELLO, Manoel Ignacio de/p. 33 v; MONTEIRO, Francisco de Assis Lopes/p. 34 v; MONTEIRO, João Procópio Lopes/p. 36; PICADO, José Marinho Lopes/p. 57 v; PINTO, Luiz Maria da Silva/p. 38; RIBEIRO, Diogenia Pereira (Izabel Dioguina Ribeiro Pereira de Vasconcelos)/p. 46; RIBEIRO, Joaquim José Lopes Mendes – padre/p. 35; ROCHA, Candido Joaquim da – sac./p. 32 v; SACRAMENTO, Joanna Umbelina Clara do/p. 37; UMBELINA, Anna Roza/p. 62 v; VASCONCELLOS, Fernando Pereira de/p. 49; VASCONCELLOS, Joanna Jacintha Pereira Ribeiro de Vasconcellos/p. 42 v; VELASCO, Francisco José Pereira de/p. 56]; Códice SC 363 [ARAUJO, Lucas José de/p. 114; COSTA, Joaquim Marques da/p. 137 v; FONSECA, Manoel Escorcia da/p. 9 v; GOMES, Antonio José/p. 15; MOREIRA, Antonio Marques/p. 178; MOREIRA, Francisco Antunes/p. 76 v; PIRES, Joaquim Correa/p. 73; VASCONCELLOS, Antonio Francisco/p. 8]; Códice SC 377 [ALMEIDA, Manoel Carlos de/p.202; COURA, Manoel Barbosa/p.85; FERREIRA, Joaquim de Freitas/p.165 ]. Disponíveis no Arquivo Público Mineiro.

[10] SPIX, Johann Baptista von e MARTIUS, Carl Friedrich von . Viagem pelo Brasil: 1817-1826. São Paulo: Melhoramentos, 1976

[11] BURMEISTER, Herman. Viagem ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1980

[12] CAMPOS, Helena Guimarães. Caminhos da História: Estradas Reais e Ferrovias. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012. p. 15

[13] CARRARA, Ângelo Alves. O Caminho Novo em 3D. Comunicação apresentada no 3º Encontro de Pesquisadores do Caminho Novo. Conselheiro Lafaiete: 30 jun 2012

[14] LAMEGO, Alberto Ribeiro. O Homem e a Serra. Rio de Janeiro: IBGE, 2007. p. 223

[15] HALFELD, Henrique Guilherme Fernando e TSCHUDI, Johann Jakob von. A Província Brasileira de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1998

[16] Cartas Topográficas das cidades de Cataguases, Além Paraíba e Ubá, produzidas pela Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais, publicadas pela Seção Cartográfica da Companhia Melhoramentos, de São Paulo, em 1926 e 1927, folhas 18, 19, 20, 22 e 23.

[17] BLOCH, Marc. Apologia da História ou O Ofício de Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 79-80, 102-104

[18] LE GOFF, Jacques. História e Memória. 5. ed. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2003. p. 471Os Caminhos do Povoamento e a Origem da Vila Leopoldina

História Social através do Método de Pesquisa Genealógica – II

Povoadores do Feijão Cru

por Nilza Cantoni

A pequena cidade de Leopoldina tem sua história tradicional baseada em duas afirmativas. Uma delas diz respeito ao seu primeiro nome – Feijão Cru. Diz-se que tem origem no fato de tropeiros terem colocado o feijão para cozinhar e saírem para procurar ouro. Outra versão afirma que foram caçar e uma terceira informa que deixaram o feijão cozinhando durante a noite. Todas as versões informam que choveu e, quando os tropeiros foram se alimentar, jogaram o alimento no rio reclamando por estar cru.

A outra afirmação que vem sendo repetida ao longo tempo é que Leopoldina foi uma cidade rica e que seu povoamento se iniciou em consequência do fim da mineração, trazendo para a nossa terra as famílias que antes se ocupavam de lavras na área central da província e foram para lá plantar café.

Na década de 1960 foi publicado um livro de genealogia, abordando as três principais famílias povoadoras: os Almeidas, os Britos e os Netos. A partir daí, levantou-se uma questão: por que aquelas pessoas foram para lá se não há uma só pista de que em algum momento tenham encontrado ouro? Não seria mais lógico que, com a queda da mineração, tivessem se dirigido para outras regiões mineradoras?

Consultando livros dos antigos cartórios de notas, bem como o arquivo paroquial e os processos do judiciário, foi possível perceber que as referências indicavam atividade agrícola antes da migração. Foram sendo recolhidos recortes de jornais, cadernos com cópias de assentos paroquiais e trechos de processos judiciais, além de fichas de leitura das mais variadas obras. Ao longo do tempo aumentava a distância entre o que era propagado pela história oficial e o que diziam as fontes originais.

No final da década de 1980, com o acesso a microcomputador, as informações foram organizadas em um software que deu novo fôlego ao trabalho, na medida em que ficou mais fácil reunir as referências sobre cada personagem. Alguns anos depois, descobriu-se que fazer genealogia não era simplesmente montar uma lista de nomes, mas utilizar um método de pesquisa que permitia analisar e comparar diferentes aspectos da vida das pessoas que formaram o arraial do Feijão Cru.

E assim, colhendo dados e buscando interpretá-los à luz do conhecimento produzido pelos especialistas de diversas áreas, foi possível observar que a história tradicional parecia estar distante da realidade.

À exceção de uma das primeiras famílias que se estabeleceram em Leopoldina, e que não foram abordadas no livro acima mencionado, todas as que foram identificadas procediam de região agrícola. Com base na Contagem Populacional de 1831, descobriram-se os nomes dos moradores dos “fogos” ali registrados[1].

Entre os 589 moradores, 276 eram cativos que seria difícil investigar por falta de sobrenome. Houve dificuldade, também, para estudar os habitantes de 22 fogos que eram chefiados por “forros”. Seguindo-lhes a trajetória, ficou claro que o sobrenome variava bastante e não foi possível eliminar homonímia nem estabelecer quem eram estes grupos familiares.

Pesquisando assentos paroquiais, inventários, testamentos, documentos de compra e venda de bens e de sepultamentos, chegou-se à relação de 62 nomes dos chefes de fogos em 1831.

Classificando estas pessoas pela origem e atividades anteriores, foi possível definir os seguintes percentuais:

% Origem Atividade Anterior
41,9 Desconhecida Desconhecida
16,1 Bom Jardim de Minas Agricultura
8,1 Freguesia de Barbacena Agricultura
6,5 Freguesia de São João del Rei Agricultura
4,8 Aiuruoca Agricultura
4,8 Santana do Garambéu Agricultura
3,2 Freguesia de São João del Rei Agricultura / Comércio
3,2 Prados Agricultura
1,6 Bocaina de Minas Agricultura
1,6 Conceição de Ibitipoca Agricultura
1,6 Congonhas Mineração
1,6 Conselheiro Lafaiete Agricultura
1,6 Ibertioga Agricultura
1,6 Santa Rita de Ibitipoca Agricultura
1,6 São João del Rei Agricultura / Comércio

Vale registrar que o quadro poderá sofrer modificações na medida em que novas fontes forem encontradas. Atualmente a esperança de encontrar os deserdados do ouro está entre os 22 fogos chefiados por forros e 3 fogos chefiados por mulheres sem sobrenome. Será que Leopoldina realmente foi povoada por mineradores?

Além da contagem populacional de 1831, foram consultados documentos de mesmo gênero não só em relação ao Feijão Cru como aos curatos e freguesias vizinhas.[2]

Utilizaram-se, também, os Registros de Terras[3] realizados por força da Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850, conhecida como Lei de Terras. Segundo Ligia Osório Silva[4], o normativo objetivava “demarcar as terras devolutas e normalizar o acesso à terra por parte dos particulares, daquela data em diante”. Estes documentos trazem os nomes dos proprietários e quase todos incluem o nome da propriedade, a identificação dos vizinhos e a principal atividade desenvolvida.

Na região, os registros foram realizados nos primeiros meses de 1856 e Leopoldina teve sua emancipação administrativa em 1854. Razão pela qual foi necessário comparar com o alistamento eleitoral de 1850[5] para melhor recortar o universo a ser estudado. Um bom número de proprietários identificados no arquivo do judiciário não aparece nos registros de Leopoldina, Além Paraíba, Mar de Espanha, Meia Pataca ou São João Nepomuceno. Outros, especialmente os do território que formou o Distrito de Conceição da Boa Vista em 1851, estão no Registro de Terras de Santo Antônio de Pádua[6]. Foi desenvolvido um estudo sobre as disputas de limites entre Rio de Janeiro e Minas Gerais para entender os motivos pelos quais Leopoldina ficou subordinada ao Bispado do Rio de Janeiro até 1897[7].

Do estudo realizado com os Registros de Terras, verificou-se que apenas um dos proprietários de 1856 declarou o plantio de café entre as atividades agrícolas em suas terras.

E assim, investigando as famílias antigas de Leopoldina, através das técnicas de pesquisa genealógica, acumulou-se um bom número de informações a demonstrarem que os povoadores não deixaram para trás minas de ouro esgotadas. Foram e continuaram sendo agricultores.

Em todas as oportunidades de conversar com a gente simples da localidade, observam-se os olhos dos interlocutores brilharem. Quando se diz que os povoadores podem não ter sido pessoas ricas e famosas – as celebridades dos tempos da mineração, parece que compartilham da impressão de que foram pessoas comuns, sem auréola de heróis. Sorriem de felicidade, sentindo-se incluídos numa história que até então não lhes dizia respeito.

O envolvimento nestas buscas despertou a admiração por alguns teóricos, razão pela qual se pede licença aos especialistas para citar dois deles. Segundo Bloch[8], “textos ou documentos […] não falam senão quando sabemos interrogá-los”. Para Le Goff[9]

A memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens.

[1] Arquivo Público Mineiro CX 07 DOC 07, Mapa da População de São José do Paraíba, 1831.

[2] Listas de moradores 1834, 1838 e 1841, do Feijão Cru e Curatos limítrofes.

[3] Arquivo Público Mineiro, Seção Colonial, TP 114, Registro de Terras de Leopoldina, 1856.

[4] SILVA, Ligia Osório. Terras Devolutas e Latifúndio. Campinas-SP: Editora Unicamp, 1996.

[5] Arquivo Público Mineiro, CX 36 PCT 29 PP 11 Alistamento Eleitoral de São João Nepomuceno, 1850.

[6] Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Registros Paroquiais de Terras séc. XIX RJ. Disponível em http://www.docvirt.no-ip.com/aperj/acervo.htm. Publicado em 2003

[7] CANTONI, Nilza. Disputas de Limites entre Rio de Janeiro e Minas Gerais. Disponível em http://www.cantoni.pro.br/documentos/divisasRioMinas.html. Publicado em2005

[8] BLOCH, Marc. Apologia da História ou O Ofício de Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 79-80, 102-104

[9] LE GOFF, Jacques. História e Memória. 5. ed. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2003. p. 471

O Registro de Terras em Leopoldina

O Registro de Terras, documento elaborado a partir da regulamentação da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, é a mais segura e antiga fonte para estudarmos a distribuição das propriedades no século XIX*.

E segundo Lígia Osorio Silva[1], “as relações entre os proprietários de terras e o Estado constituem um aspecto fundamental para a compreensão da dinâmica da sociedade brasileira”. A mesma autora ressalta que a chamada Lei de Terras de 1850, tinha “a intenção de demarcar as terras devolutas e normalizar o acesso à terra por parte dos particulares, daquela data em diante”[2].

De modo geral, partimos de informações sobre as doações de sesmarias quando estudamos a ocupação do nosso território. Entretanto, estudá-las isoladamente traz uma visão distante da realidade, especialmente porque sabemos que muitos beneficiados jamais tomaram posse efetiva das terras com que foram agraciados. Em lugar disso, trataram de lotear e vender suas posses para aqueles personagens que foram os reais povoadores de muitas regiões.

Outro aspecto que devemos considerar, ainda no que se refere a sesmarias, é a questão do tamanho das propriedades. Ao final do século XVIII e início do XIX, as cartas concessórias informam que uma sesmaria media meia légua em quadra, o que equivale a 10.890.000 metros quadrados. Convertendo para a medida habitual na região de Leopoldina, ou seja, considerando que aqui era usado o alqueire de 48.400 metros quadrados, temos que uma sesmaria equivalia a 225 alqueires.

Mas como eram feitas estas medições? Valemo-nos ainda de Ligia Osorio da Silva que, citando Ulisses Lins, informa que “o medidor enchia o cachimbo, acendia-o e montava a cavalo, deixando que o animal marchasse a passo; quando o cachimbo se apagava, acabado o fumo, marcava uma légua”[3].

Portanto, ressalvando a impossibilidade de considerar rigorosamente os tamanhos das antigas fazendas, abordamos o registro das mais antigas propriedades de Leopoldina a partir do já citado Registro de Terras. Este instrumento foi normatizado pelo Decreto nº 1318 de 30 de janeiro de 1854 e é geralmente referido como Regulamento da Lei de Terras. Sabemos que demorou a ser aplicado em algumas localidades brasileiras mas, em Leopoldina, no dia 18 de fevereiro de 1856 o vigário José Maria Solleiro fazia a abertura do respectivo livro com o seguinte registro: “Tem de servir este Livro para o lanzam.to do Registro das terras desta freguezia de S. Sebastião da Villa Leopoldina o qual vai por mim, numerado, e rubricado com o appellido de = Solleiro = de que uso, e leva no fim inserramento.”[4]

Foram feitos 95 assentamentos, aparentemente pela ordem em que o padre Solleiro atendia cada proprietário que o procurava, ou, mais provavelmente, pela ordem em que ele próprio visitava os moradores do território de Leopoldina.

*Este artigo foi escrito em 2006 e reformulado em 2012 para divulgação na Revista Eletrônica de Leopoldina.


PROPRIETÁRIOS DE 1856

Listagem alfabética dos proprietários que registraram suas terras na Paróquia de São Sebastião da Leopoldina.

Nr.

Proprietário

Nome ou localização da Propriedade

5

Albina Joaquina de Lacerda

Benevolência

47

Álvaro de Souza Werneck

Grama

80

Ambrosio José de Souza

Santa Cruz

10

Antonio Albino Levasseur

31

Antonio Bernardino Machado

Cachoeira

8

Antonio Carlos da Silva Teles Fayão

Das vertentes até a barra do Ribeirão Recreio

29

Antonio Carlos da Silva Teles Fayão

Conceição

90

Antonio Ferreira Pinheiro

Córrego D. Bárbara

45

Antonio Gomes Moreira

No Rio Pardo

38

Antonio Joaquim Teixeira

Ribeirão do Bagre

28

Antonio José de Almeida e Gama

Benevolência

64

Antonio José Monteiro de Barros

Paraíso

41

Antonio José Pinto de Almeida

Cachoeira

17

Antonio Prudente d’Almeida

São Luiz

37

Antonio Rodrigues Gomes

Águas Vertentes do Córrego do Moinho

59

Bento Rodrigues Gomes

Cachoeira do Bagre

12

Bernardo José Gonçalves Montes

Sossego

88

Casemiro das Neves

44

Custodio de Vargas Corrêa

Boa Esperança

23

Domiciano José da Silva

Palmital

73

Domingos Dias Tostes

Barra

39

Felisberto Antonio de Souza

Sitio

67

Fidelles da Costa

Botelhos

15

Francisco Antonio d’Almeida e Gama e Caetano José de Almeida e Gama

Circuito

16

Francisco Antonio de Almeida e Gama

Bom Retiro

74

Francisco Bernardino Machado

Circuito

66

Francisco da Silva Barboza

Boa Vista

84

Francisco de Paula Machado e José Joaquim Pereira

Córrego

32

Francisco Joaquim de Almeida Gama

Benevolência

13

Francisco José de Freitas Lima

Água Limpa

86

Francisco Pereira Pontes

Grama

36

Francisco Rodrigues de Mattos

São Lourenço

79

Gabriel Narcizo ou Patrício Norberto

Na margem do Rio Pomba

48

Genoveva Maria de Jesus

Santa Anna do Rio Pomba

25

Henriques Delfim e Silva

Benevolência

63

herdeiros de José Joaquim Monteiro de Barros

Socorro

49

Ignácio Barboza de Souza

Referendo

61

Jacinto Manuel Monteiro de Castro

21

João Antonio Ribeiro

No ribeirão Feijão Cru

35

João Baptista de Almeida

Monte Alegre

85

João Evangelista da Silva

Benevolência

58

João Evangelista da Silva e Francisco de Paula Machado e José Joaquim Pereira

Na margem do Rio Pomba

95

João Francisco da Cruz e Filho

33

João Gonçalves Neto

Residência

22

João Gualberto Ferreira Brito

Fortaleza

43

João Lourenço Ferreira de Lacerda

Benevolência

62

João Vidal Leite Ribeiro

Independência

87

Joaquim Albino de Santana

6

Joaquim Antonio de Almeida e Gama

Floresta

42

Joaquim Dias Neto

24

Joaquim José da Costa Cruz

Nas vertentes do Rio Pomba

27

Joaquim José Monteiro

Benevolência

53

Joaquim Lopes da Rocha

Cachoeira

7

Joaquim Machado Neto

Boa Vista

30

Joaquim Mendes do Valle, Francisco Mendes do Valle, Salvador Mendes do Valle, João Mendes do Valle e Francisco Baptista de Paula

Sesmaria

57

Joaquim Pereira da Silva Porto Monte Negro e Antonio Gomes Moreira

Ponte do Rio Pardo

70

José Augusto Monteiro de Barros

Constancia

71

José Augusto Monteiro de Barros

Saudades

68

José Bernardino Machado

50

José de Egito de Sousa

Novo Descoberto

46

José Ferreira Britto

Dois Irmãos

69

José Ignácio de Bem e Domingos Rodrigues Carneiro

Novo Descoberto

83

José Ignácio do Bem

Caridade

19

José Joaquim Cordeiro

No Córrego São Lourenço

26

José Maria Pinha

Benevolência

82

José Maria Solleiro

3

José Thomaz de Aquino Cabral, Carlos Augusto de Aquino Cabral e Sebastião Gomes Teixeira

Santa Cruz

20

José Zeferino de Almeida

São Lourenço

55

Justino de Azevedo Ramos

Santana da Pedra

40

Luciana Francelina de Jesus

Tesouro

14

Luiza Teodora de Jesus

Vargem Grande

18

Manoel Antonio d’Almeida

Feijão Cru

94

Manoel Dias d’Aguiar

92

Manoel Francisco Mata

Na margem do Rio Pomba

93

Manoel Francisco Mata

Na margem do Rio Pomba

89

Manoel Joaquim da Silva

51

Manoel Joaquim Pereira

Glória

56

Manoel José de Novais

Saudades

75

Manoel José Monteiro de Barros

Cachoeira

Morro Alto

Providência

Santa Izabel

Santa Úrsula

Soledade

União

65

Manoel José Monteiro de Castro

União

52

Manoel Lopes da Rocha e José Lopes da Rocha

Onça

81

Manoel Rodrigues Coelho

54

Manoel Rodrigues da Silva

Purys

76

Manoel Thomaz Alves de Aquino

Barra do Rio Pardo

1

Maria do Carmo Monteiro de Barros

Desengano

2

Maria Vidal de Souza

Saudade

11

Mariana Pereira Duarte

Recreio

60

órfãos de Ana Rosa Machado

Sitio

78

Pedro Baldoíno da Silva

Boa Sorte

77

Pedro de Oliveira e Silva

Córrego de São Pedro

4

Processo José Correia de Lacerda

Taboleiro

34

Proprietário não identificado

Recanto

72

Querino Ribeiro de Avelar Rezende

Pedra

9

Romão Pinheiro Correia de Lacerda

Memória

91

São Sebastião

 

Transcrevemos o último registro acima, de número 91, mantendo a ortografia do documento:

São Sebastião possue as terras de seu Patrimonio na Villa Leopoldina regulando dez alqueires dados por particulares ao mesmo Santo e devidem por um lado com Alvaro de Souza Verneke por outro com D. Maria do Carmo Monteiro de Barros e seus Herdeiros e Romão Pinheiro Correia de Lacerda e por outro lado com Antonio Albino Levasseur e Luiz Botelho Falcão por outro lado com o Pe. Jose Maria Solleiro, Manoel Rodrigues Coelho e Jose Lopes da Rocha. Villa Leopoldina 20 de Abril de 1856. Procurador Francisco Jose de Freitas Lima. O vig.º José Mª Solleiro.

Embora não informe os nomes dos doadores do patrimônio de São Sebastião, fontes documentais localizadas no Arquivo da Câmara Municipal de Mar de Espanha citam o casal Joaquim Ferreira Brito e Joana Maria de Macedo em duas doações realizadas no ano de 1831.

Por outro lado, estes doadores não aparecem na lista de proprietários porque, como se verifica em outros assentamentos, Joaquim Ferreira Brito já havia falecido quando foi realizado o Registro de Terras, tendo sua propriedade sido dividida entre os herdeiros e partes vendidas a outros pioneiros do Feijão Cru.

Outra situação a ser destacada, que se repete em diversas descrições das propriedades registradas, é a citação de um vizinho que não consta da listagem com registro próprio. No caso, trata-se de Luiz Botelho Falcão como um dos vizinhos do patrimônio de São Sebastião embora seu nome não figure entre os proprietários. Pelo que pudemos apurar, até 1851 este personagem não constou das listas de moradores do Feijão Cru. Também nos assentos paroquiais, não encontramos referências a Luiz Botelho Falcão relativas a período anterior à elevação do Feijão Cru a Vila e Cidade em 1854. Donde levantamos a hipótese de ter sido citado como vizinho, ainda que não fosse proprietário de fato, pelas relações sociais estabelecidas assim que se estabeleceu em Leopoldina.


Localização Provável

Estabelecer onde se situavam as antigas propriedades é tarefa espinhosa. A documentação existente abrange um vasto território, a toponímia mudou muito e poucas referências permitem identificar os acidentes geográficos.

Comparando o Registro de Terras de 1856 e as propriedades existentes em 1924, indicamos localizações possíveis em recortes de Cartografia da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais, publicada pela Seção Cartográfica da Companhia Melhoramentos de São Paulo em 1926, folha 20 S 2 E 3.

Localização de algumas propriedades em Leopoldina


Localização de algumas propriedades em Leopoldina


Localização de algumas propriedades em Leopoldina


 


[1] SILVA, Lígia Osorio. Terras Devolutas e Latifúndio: Efeitos da lei de 1850. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996 – p.13

[2] Idem, p. 14

[3] Idem, p. 45

[4] O original deste documento encontra-se no Arquivo Público Mineiro, sob o código TP114, Fundo Repartição Especial das Terras Públicas

Disputas de limites entre Rio e Minas

Pelo Alvará de 9 de março de 1814, criando a Vila de Cantagalo, ficou estabelecido que as divisas entre Rio de Janeiro e Minas Gerais seriam marcadas pelo rio Paraíba do Sul.

Conta-nos Xavier da Veiga[i] que não havia disputa entre as províncias até que, em 1833, surgiu um questionamento sobre as divisas entre autoridades de Aldeia da Pedra e do distrito de Santa Rita do Meia Pataca (atual Cataguases). Em 1836 voltaram a ocorrer disputas, agora entre as câmaras de Campos dos Goytacazes e do Pomba. Três anos depois, os juizes de paz de Aldeia da Pedra e Feijão Cru (hoje Leopoldina) enfrentaram-se sobre o mesmo tema, passando o ano de 1839 a marcar o início de uma série de desordens que se estenderam até 1842.

A solução do problema veio através do Decreto Imperial nº 297 de 19 de maio de 1843, que estabelecia, em seu Artigo 1º:

os limites entre a Província do Rio de Janeiro e de Minas Gerais ficam provisoriamente fixados da maneira seguinte: começando pela foz do Riacho Prepetinga no Parahyba, subindo pelo dito Prepetinga acima até o ponto fronteiro à barra do ribeirão de Santo Antônio no Pomba, e dahi por uma linha recta à dita barra de Santo Antonio, correndo pelo ribeirão acima até a serra denominada Santo Antonio e dahi a um logar do rio Muriahé, chamado Poço Fundo, correndo pela serra do Gavião até a cachoeira dos Tombos do rio Carangola, e seguindo a serra do Carangola até encontrar a província do Espírito Santo.

Divisas Rio-Minas

 

No alto, à esquerda, destacada em vermelho a linha divisória entre Rio e Minas segundo cartografia de 1856, e a localização de Leopoldina, antigo Feijão Cru.

Ocorre que, em de outubro de 1842, Honório Hermeto Carneiro Leão (depois Marquês do Paraná) como Presidente da Província do Rio de Janeiro havia lavrado uma Portaria alterando os limites estabelecidos em 1814. Esta atitude gerou inúmeros protestos, tanto de autoridades mineiras como fluminenses. Logo depois Carneiro Leão deixou a presidência e assumiu a pasta da Justiça. No cargo de Ministro do Império foi-lhe fácil obter a promulgação do Decreto Imperial nº 297 que abonava a Portaria que ele, Carneiro Leão, havia definido inadequadamente, já que como presidente de província não tinha poderes para alterar as divisas. Nem assim o agora Ministro conseguiu aplacar os ânimos.

Ainda em outubro de 1843 foi requerido o levantamento topográfico dos municípios do Presídio (Visconde do Rio Branco), Pomba e São João Nepomuceno. No decorrer do processo de revisão dos limites foram confirmadas as divisas estabelecidas pelo Decreto 297 que, desta forma, deixaram de ser provisórias. No que concerne a Leopoldina, então Curato de São Sebastião do Feijão Cru, seus limites com a província do Rio de Janeiro “tanto no civil como no eclesiástico” ficaram assim definidos: “começando da barra do rio Pomba no Parahyba, e por este acima até o riacho Perapetinga, abrangendo todas as suas vertentes”.

Entretanto, autoridades fluminenses questionaram o direito de Minas legislar sobre o Curato do Feijão Cru, por estar subordinado ao Bispado do Rio de Janeiro. Mas não encontraram respaldo no governo central e ficou definido que o limite entre Rio e Minas, naquela região, começaria na foz do Pirapetinga no rio Paraíba do Sul, subiria pelo Pirapetinga até encontrar o ponto fronteiro à barra do ribeirão Santo Antônio do Pomba, seguindo daí em diante o curso do Santo Antônio até o ponto do rio Muriaé chamado Poço Fundo, em seguida correndo pela serra do Gavião até a cachoeira dos Tombos, no rio Carangola, e seguindo a serra do Carangola até chegar na divisa com o Espírito Santo.

Portanto, não restaram dúvidas de que o Curato do Feijão Cru, elevado a Vila e Cidade da Leopoldina pouco tempo depois, pertencia à província de Minas Gerais. Diferentemente do que aconteceu em Patrocínio do Muriaé e localidades adjacentes, com os moradores recusando-se ao alistamento[ii] por acharem-se sujeitos ao Rio de Janeiro, em Leopoldina não houve nenhum problema desta natureza. Quando começaram as disputas entre fluminenses e mineiros em 1882, o território reclamado já estava desmembrado de Leopoldina há mais de uma década. Diga-se, a bem da verdade, que os litígios do final do século XIX atingiam região que só esteve subordinado a Leopoldina entre 1854 e 1871.

Entre 1843 e 1897 porém, o território do antigo Curato do Feijão Cru esteve subordinado civilmente a Minas Gerais e suas igrejas vinculadas ao Bispado do Rio de Janeiro. Pelo que se pode observar na documentação remanescente[iii], a mudança para o Bispado de Mariana ocorreu sem conflitos.

Segundo certidão do Bispado de Mariana, extraída de registro do Cartório Eclesiástico de Mariana em 21 de janeiro de 1852, a dúvida a respeito dos limites entre os Bispados de Mariana e Rio de Janeiro teria origem na dificuldade de interpretar a Bula Condor Lucis Eterna, de 6 de dezembro de 1746, na qual o Papa Bento XIV criou o Bispado de Mariana, desmembrado do Bispado do Rio de Janeiro. O Cônego Luiz Antônio dos Santos foi encarregado de resolver a pendência em 1852, tendo confrontado os termos da citada Bula com o testemunho “dos homens mais antigos daqueles lugares”, como informa o registro do processo. Os limites foram assim definidos:

  • 1 – Desde a foz do Kagado até suas cabeceiras na serra de Domingos Ferreira, ficando a direita para o Bispado do Rio de Janeiro: Curato do Espírito Santo.

  • 2 – Por todo o espigão da dita serra até tocar no rio Pomba, perto do Meia Pataca, sendo do Bispado do Rio as Dores do Rabicho e todo o território cujas águas vertem para os rios Novo e Pomba.

  • 3 – Pelo rio Pomba abaixo até o espigão que divide as águas do rio Baraúna das águas do rio Capivara, sendo de Mariana o território cujas águas vertem para o Baraúna e do Rio de Janeiro o território cujas águas vertem para o Capivara.

  • 4 – Continuando pelo dito espigão até que as águas vertam para o rio São João e Capivara, e subindo até o espigão que divide as águas do Pomba das águas do Muriaé.

  • 5 – Subindo por este espigão para o Nascente até encontrar com a linha que divide as duas Províncias do Rio e Minas provisoriamente, e seguindo-a até o Poço Fundo do rio Muriaé.

  • 6 – Subindo do Poço Fundo ao território do Arraial dos Tombos, sendo de Mariana todas as famílias descendentes de Antônio Rodrigues dos Santos, fazendas de José de Lana, José Custódio e Lopes, e as mais que atualmente dão obediência a Mariana.

  • 7 – Dos Tombos subindo a serra, que divide as águas do Carangola das águas do rio Preto até a serra que fica à esquerda do rio Veado.

  • 8 – Da dita subindo a serra dos Pilões até a Província do Espírito Santo.

Desta forma, em 1855 pertenciam ao Bispado do Rio de Janeiro:

– Freguesia de Mar de Espanha com os curatos do Espírito Santo do Mar de Espanha (Guarará) e Santo Antônio do Aventureiro;

– Freguesia de São Sebastião da Leopoldina com os curatos de Madre de Deus do Angu (Angustura), Nossa Senhora da Piedade (Piacatuba), Nossa Senhora da Conceição da Boa Vista, São José do Além Paraíba e Bom Jesus do Rio Pardo (Argirita).

Nos anos subseqüentes alguns curatos foram elevados a freguesias e outros foram criados. Na década de 1860 aparecem também, nos domínios do Bispado do Rio de Janeiro, o Curato Nossa Senhora das Dores do Monte Alegre que corresponde ao atual distrito de Taruaçu, município de São João Nepomuceno; Santo Antônio do Mar de Espanha (Chiador), e São Francisco de Assis da Capivara, correspondente ao atual município de Palma.

A transferência que faria coincidir a subordinação civil com a paroquial veio com o Decreto Pontifício de 16 de julho de 1897. Depreende-se da leitura de Raimundo Trindade[iv] que neste Decreto Pontifício a Igreja antecipou-se ao governo civil, resolvendo também a disputa pelo território de Miracema alguns meses antes do Acordo civil de 4 de setembro de 1897.

© cantoni 2005

Fontes:


[i] VEIGA, João Pedro Xavier da. Notícias Histórica da Questão de Limites entre os Estados de Minas Geraes e Rio de Janeiro. Revista do Arquivo Público Mineiro, Ouro Preto, v. 4, p.332-376, 1899.

[ii] Por alistamento entenda-se o procedimento de identificar os moradores com vistas ao lançamento de tributos, à qualificação eleitoral e convocações militares.

[iii] DOCUMENTOS Eclesiásticos sobre as divisas do Bispado de Mariana. Revista do ArquivoPúblico Mineiro, Ouro Preto, v. 11, p.433-446, 1906.

[iv] TRINDADE, Raimundo da. Archidiocese de Mariana: subsídios para a sua história. São Paulo: SPLCJ, 1928-29, 3 volumes

Sesmarias concedidas no território do Feijão Cru

A análise das cartas das sesmarias concedidas a Fernando Afonso Corrêa de Lacerda e a seu irmão Jerônimo Pinheiro Corrêa de Lacerda, é, antes de tudo, uma tentativa de resgatar informações que não estão presentes em relatos históricos sobre Leopoldina.

Embora outras concessões tenham ocorrido antes destas duas, em território que pertenceu ao município de Leopoldina, estas cartas se destacam por um dado definitivo: foram as únicas a citar, literalmente, o córrego do Feijão Cru.

Datadas respectivamente de 13 e 14 de outubro de 1817[1], foram concedidas a tios de dois personagens dos primórdios do povoamento. Filhos de Antônio Carlos Corrêa de Lacerda e Ana de Souza da Guarda, os dois beneficiados eram irmãos de Álvaro Pinheiro Corrêa de Lacerda, pai de Francisco e Romão Pinheiro Corrêa de Lacerda[2].

Se em 1817 o córrego já fora denominado Feijão Cru em documento oficial, não resta a menor dúvida de que a região fora trilhada, antes disso, por falantes da língua compreendida pelos dirigentes da província. Não nos cabe discutir a lenda tida como origem do nome por fugir aos objetivos deste trabalho.

Os beneficiários das duas sesmarias jamais devem ter tocado o solo leopoldinense. O que se pôde apurar é que, por volta de 1828, delegaram a seus sobrinhos Francisco e Romão a incumbência de fazer cumprir o que determinava a legislação da época. Ou seja: demarcar, povoar e cultivar as terras recebidas.

Por essa ocasião Francisco já estava casado com Mariana Maria de Macedo[3], filha de Joaquim Ferreira Brito e Joana Maria de Macedo. Romão era solteiro e exercia o cargo de procurador da Câmara de Valença, RJ[4].

Na mesma época, outros personagens entram na história. Manoel Antônio de Almeida, sogro de um filho de Joaquim Ferreira Brito e Joana Maria de Macedo, migra da Serra da Ibitipoca para o Feijão Cru, acompanhado de parentes e escravos.

Ora, os personagens até aqui citados moravam na Ibitipoca, Bom Jardim ou Aiuruoca[5]. As famílias Lacerda, Ferreira Brito e Almeida estavam ligadas por casamentos. Francisco estava encarregado de povoar a terra doada aos tios e Manoel Antônio de Almeida passa pela região. Como abandonar a hipótese de que tenham vindo em tropa, conhecer e analisar o território?

A provável vinda para o Feijão Cru na década de 1820 pode ser presumida por outros indicadores. Entre eles a função de tropeiro exercida por um dos sobrinhos de Manoel Antônio, conforme consta na identificação de moradores da Serra da Ibitipoca[6]. Posteriormente a família deste tropeiro estava morando no Feijão Cru.

Parece-nos claro que os prazos determinados na concessão não foram cumpridos. Segundo a carta, em um ano as terras deveriam ser demarcadas e em dois anos deveriam ser povoadas e cultivadas. No entanto, só encontramos indícios de demarcação com venda de terras mais de uma década depois[7]. E acompanhando os nascimentos de netos de Joaquim Ferreira Brito e Manoel Antônio de Almeida, chegamos ao ano de 1829 como tendo sido o da vinda das famílias dos pioneiros para as terras de São Sebastião do Feijão Cru.

Carta de Sesmaria de Fernando Afonso Corrêa de Lacerda

CARTA DE SESMARIA CONCEDIDA A FERNANDO AFONSO CORRÊA DE LACERDA

Dom Manoel de Portugal e Castro, do Conselho de Sua Majestade e do da Sua Real Fazenda, Governador Capitão General da Capitania de Minas Gerais.

Faço saber ao que esta minha Carta de Sesmaria virem, que tendo consideração a Fernando Affonso Correia de Lacerda a mim apresentado por sua petição, que em um córrego que deságua no rio da Pomba chamado Feijão Cru, no Distrito de Santo Antônio do Porto do Ubá, Freguesia da Vila de Barbacena, se acham terras devolutas e o suplicante as queria para ter o legítimo título de Sesmaria, me pediu lhe conceder naquela paragem meia légua de terra em quadra na forma das Ordens; digo atendendo eu e ao que responderam os oficiais da Câmara da dita Vila e o Desembargador Procurador da Coroa e Fazenda desta Capitania, aos quais ouvi, disse lhe não oferecer dúvida alguma à concessão por não encontrar inconveniente que a proibisse, e pela faculdade que Sua Majestade me permite nas Suas Reais Ordens, e na de 13 de abril de 1738, para conceder Sesmarias a moradores dela, que mas pedirem. Hei por bem fazer mercê como por esta faço, de conceder em nome de Suas Majestades, ao dito Fernando Affonso Correia de Lacerda, por Sesmaria meia légua de terra em quadra nas pedidas, sem interpolação de outras, ainda que sejam inúteis na referida paragem, não tendo outra, e não sendo esta em parte ou todo dela em áreas proibidas, e dentro das confrontações acima mencionadas, fazendo pião aonde pertencer, com declaração porém que será obrigado dentro de um ano, que se contará da data desta, a demarcá-la judicialmente, sendo para esse efeito notificados os vizinhos com quem partir, para alegarem o que for a bem de sua justiça; e ele fará também a povoar, e cultivar a dita meia légua de terra, ou parte dela, dentro de dois anos, a qual não compreenderá a situação e logradouros de algum arraial ou capela em que se administrem ao povo sacramentos com licença do Ordinário, até a distância de um quarto de légua; nem também compreenderá ambas as margens de algum rio navegável, porque neste caso ficará de uma e outra banda dele a terra que baste para o uso público de passageiros, e de uma das bandas junto à passagem do mesmo rio se deixará livre meia légua de terra para comodidade pública, e de quem arrendar a dita passagem como determina a Ordem de 11 de março de 1754, reservando os sítios dos vizinhos com quem partir esta sesmaria, suas vertentes e logradouros, sem que eles com este pretexto seguirão apropriando demasiadas em prejuízo desta mercê que faço ao suplicante, a qual não impedirá a Repartição dos Descobrimentos de terras minerais que no tal sítio hajam ou possam haver, nem os caminhos e serventias públicas que nele houver, e pelo tempo adiante pareça conveniente abrir para maior utilidade do bem comum, com declaração que partindo as ditas terras por mato virgem com outra sesmaria se deixará na sua extremidade por essa parte uma linha de duzentos palmos, e além disto se conservará a décima parte dos matos virgens das referidas terras, sendo a metade desta porção designada junto aos córregos ou rios que por elas correrem para a criação e conservação das madeiras necessárias para o uso público, a qual porção de terra assim reservada não poderá o suplicante roçar sem licença deste Governo, nem impedir que nela se cortem madeiras para os serviços minerais, proporcionalmente a arbítrio de Bom Varão, tudo na forma do Bando de 13 de maio de 1736, e possuirá a dita meia légua de terra com condição de nela não sucederem religiões, igrejas, ou eclesiásticos por título algum, e acontecendo possuí-las será com o encargo de pagar delas dízimos, como quaisquer seculares, e será outrossim obrigado a mandar requerer a Sua Majestade pela Mesa do Desembargo do Paço, confirmação desta Carta de Sesmaria dentro de quatro anos, que correrão da data desta em diante, a qual lhe concedo salvo sempre o Direito Régio, e prejuízo de terceiro, e faltando ao referido não terá vigor, e se julgará por devoluta a dita meia légua de terra, dando-a a quem a denunciar, tudo na forma das Reais Ordens. Pelo que o Juiz das Sesmarias do Termo da dita Vila dará posse ao suplicante da referida meia légua de terra em quadra nas pedidas, não sendo em parte ou todo dela em árias proibidas, e prejudiciais aos Reais Interesses, porque em tal caso se lhe não dará a dita posse nem terá efeito esta concessão; feita a demarcação e notificação como Ordeno, de que se fará Termo no Livro a que pertencer e assento nas costas desta para a todo o tempo constar o referido. E por firmeza de tudo lhe mandei passar a presente por mim assinada, e selada com o selo de minhas Armas, e que se cumprirá inteiramente como nela se contém, registrando-se nos Livros da Secretaria deste Governo, e onde mais tocam. Francisco José Teixeira Chaves a fez. Dada em Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, a 13 de outubro. Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, de mil oitocentos e dezessete. O Secretário do Governo João José Lopes Mendes Ribeiro a fez escrever. Dom Manoel de Portugal e Castro.
Carta de Sesmaria de Jerônimo Pinheiro Corrêa de Lacerda

Carta de Sesmaria

Dom Manoel de Portugal e Castro, do Conselho de Sua Majestade e do da Sua Real Fazenda, Governador e Capitão Geral da Capitania de Minas Gerais.

Faço saber aos que esta minha Carta de Sesmaria virem que, atendendo ao a mim apresentado por sua petição Jerônimo Pinheiro de Lacerda, que em um córrego chamado Feijão Cru que deságua no rio da Pomba no Distrito de Santo Antonio do Porto do Ubá, Termo de Barbacena, se acham terras devolutas; e que o suplicante requeria possuir por legítimo título de Sesmaria, me pedia lhe concedesse na dita paragem meia légua de terra em quadra, na forma das Ordens, ao que atendendo-se e ao que responderam os oficiais da Câmara da dita Vila, e o Doutor Procurador da Casa e Fazenda desta Capitania, aos quais ouvi, disse-lhe não oferecer dúvida alguma na concessão por não encontrar inconveniente que a proibisse; e pela faculdade que Sua Majestade me permite nas Suas Reais Ordens, e na de 13 de abril de 1738, para conceder Sesmarias das terras desta capitania aos moradores dela que mas pedirem. Hei por bem fazer mercê como por esta faço, de conceder em nome de Sua Majestade ao dito Jerônimo Pinheiro de Lacerda por Sesmaria meia légua de terra em quadra nas pedidas, sem interpolação de outras, ainda que sejam inúteis na referida paragem, não tendo outra, e não sendo esta em parte ou todo dela, em árias proibidas, e dentro das confrontações acima mencionadas, fazendo pião onde pertencer; com declaração porém que será obrigado dentro em um ano, que se contará da data desta, a demarcá-la judicialmente, sendo para esse efeito notificados os vizinhos com quem partir, para alegarem o que for a bem de sua justiça; e ele deverá também a povoar, e cultivar a dita meia légua de terra ou parte dela dentro em dois anos, a que não compreenderá a situação, e logradouros de algum arraial, ou capelas em que se administrem ao povo sacramentos com licença do Ordinário, até a distância de um quarto de légua, nem também compreenderá ambas as margens de algum rio navegável, porque neste caso ficará de uma a outra banda dele a terra que baste para o uso público dos passageiros; e de uma das bandas junto a passagem do mesmo rio se deixará livre meia légua de terra para comodidade pública e de quem arrendar a dita passagem, como determina a Ordem de 11 de março de 1754, reservando os sítios dos vizinhos com quem partir esta Sesmaria, suas vertentes, e logradouros, sem que eles com este pretexto seguirão a apropriar de demasiadas em prejuízo desta mercê que faço ao suplicante, o qual não impedirá a Repartição dos Descobrimentos de terras minerais, que no tal sítio hajam ou possam haver, nem os caminhos e serventias públicas que nele houver, e pelo tempo adiante pareça conveniente abrir para melhor utilidade do bem comum, com declaração que partindo das ditas terras por mato virgem com outra Sesmaria se deixará na sua extremidade por essa parte uma linha de duzentos palmos e além disto se conservará a décima parte dos matos virgens das referidas terras, sendo a metade desta porção designada junto aos córregos, ou rios que por elas correrem, para a criação e conservação das madeiras necessárias para o uso público, a qual porção de terra assim reservada não poderá roçar sem licença deste Governo, nem impedir que nela se cortem madeiras para os serviços minerais vizinhos, proporcionalmente a arbítrio de Bom Varão, tudo na forma do Bando de 13 de maio de 1736, e possuirá a dita meia légua de terras com condição de nela não sucederem religiões, igrejas ou eclesiásticos, por título algum, e acontecendo possuí-las será com o encargo de pagar delas dízimos, como quaisquer seculares, e será outrossim obrigado a mandar requerer a Sua Majestade, pela Mesa do Desembargo do Paço, confirmação desta Carta de Sesmaria dentro em quatro anos, que correrão da data desta em diante, a que lhe concedo salvo sempre o Direito Régio, o prejuízo de terceiro, e falhando ao referido não terá vigor, e se julgará por devoluta a dita meia légua de terra, dando a quem a denunciar, tudo na forma das Reais Ordens. Pelo que o Juiz das Sesmarias do Termo da dita Vila dará posse ao suplicante da referida meia légua de terra em quadra nas pedidas, não sendo em parte ou todo dela em árias proibidas, e prejudiciais aos Reais Interesses, porque em todo caso se lhe não dará a dita posse, e nem terá efeito esta concessão; feita a demarcação e notificação como ordeno, de que se fará Termo no livro a que pertencer, e assento nas costas desta, para a todo o tempo constar o referido. E para firmeza de tudo lhe mandei passar a presente por mim assinada, e selada com o selo de minhas Armas, que se cumprirá inteiramente, como nela se contém, registrando-se nos livros da Secretaria deste Governo, e onde mais tocar.

Francisco José Teixeira Chaves a fez. Dado em Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, aos 14 de outubro. Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e dezessete. O Secretário do Governo, João José Lopes Mendes Ribeiro a fez escrever. Dom Manoel de Portugal e Castro.

[1] Códice 363, folhas 190 e 192verso, livros de Cartas de Sesmarias disponíveis no Arquivo Público Mineiro.

[2] Para o parentesco entre os personagens, ver banco de dados de Nilza Cantoni, baseado em pesquisas realizadas nos livros paroquiais da região da Serra da Ibitipoca.

[3] Cálculo de nascimento dos filhos segundo os Mapas de População de São José do Além Paraíba e São Sebastião do Feijão Cru, arquivados no Arquivo Público Mineiro.

[4] CASTRO, Celso Falabella de Figueiredo. Os sertões de Leste – Achegas para a história da zona da mata. Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1987. pág. 69

[5] Pesquisa de Nilza Cantoni nos livros paroquiais de Conceição de Ibitipoca.

[6] Mapas de População de Santa Rita do Ibitipoca e Santana do Garambéu, arquivados no Arquivo Público Mineiro.

[7] Antônio Rodrigues Gomes Filho declarou ter adquirido terras a Francisco Pinheiro Corrêa de Lacerda, em data de 20.04.1829, conforme Registro de Terras de 1856, arquivado no Arquivo Público Mineiro.

De Minas para o Espírito Santo

Desde nosso primeiro contato, em dezembro de 2001, um tema é freqüente nas conversas que tenho mantido com Zélia Cassa: o motivo que trouxe os Alves Araújo, Ribeiro Soares e demais parentes para os sertões do rio Pardo.

Sempre concluímos que serão necessários mais alguns anos de pesquisa para encontrarmos a resposta. Por essa razão, a Zélia pediu-me para abordar a proto-história da região, pois os motivos de seus parentes podem ter sido os mesmos que levaram outros homens livres a habitar aquela região.

Falar dos primórdios implica, necessariamente, voltar ao século anterior ao do início do seu povoamento. De modo geral, os leitores menos avisados remetem a história de toda a Minas Gerais para o século do ouro, esquecendo-se que o metal deixou de apresentar-se, em grande escala, poucos anos depois de iniciada a “corrida do ouro”. Uma autora que bem sintetizou a realidade mineira do século XVIII foi a Professora Laura de Mello e Souza, em “Opulência e Miséria das Minas Gerais”, 1981, pela Editora Brasiliense. Diz a autora, nas páginas 47 e 48:

“As Minas do século XVIII foram uma capitania pobre. Constituíram exceção alguns senhores opulentos de lavras…

…a maioria das grandes fortunas devia sua opulência mais ao comércio do que à atividade mineradora.

[…] O comércio de muares e cavalares, que articulava os núcleos mineradores com os campos distantes do sul da Colônia…também deu origem a fortunas consideráveis, o tropeiro tornando-se, assim, um elemento de destaque no cenário social e econômico das Minas. Não era, pois, o dono da botica ou do pequeno armazém que conseguia uma vida farta e desprovida de preocupações em torno da sobrevivência, mas os grandes atravessadores de gêneros, ou, como são mais comumente chamados em nossos dias, os intermediários”.

A origem do topônimo Feijão Cru é creditada a tropeiros que estariam às margens de um córrego, sem, contudo, se fixarem datas ou mais algum detalhe que permitisse apurar melhor o fato. Pela análise de dados posteriores, acreditamos que tais tropeiros, eternizados pela lenda, estariam classificados em uma categoria um tanto distinta daqueles abonados intermediários de gêneros. É ainda a Professora Laura de Mello e Souza que nos apresenta uma descrição que muito se aproxima do que temos apurado em nossas pesquisas. Diz ela na página 54, da obra citada:

“…quando muito pouco restava do ouro aluvional…entrou em cena a pequena empresa, a faiscagem que se arrastou por mais de um século, a figura do mineiro pobre sendo parte integrante da paisagem de Minas”.

Este morador das Minas constituiu, em grande parte, o efetivo das tropas que desbravaram as então “áreas proibidas”. Quando o Governador Luiz da Cunha Menezes – “o fanfarrão minésio” das “Cartas Chilenas” – expediu os bandos exploratórios para os Sertões do Leste, abriu oportunidade de trabalho para muitos homens nas tropas que acompanharam Pedro Afonso Galvão de São Martinho em suas duas investidas por aquela área, até então de acesso proibido.

Por ocasião da segunda diligência, São Martinho escreve carta ao Governador, em que fica claro ter havido um plano de ocupação daqueles sertões. É Celso Fallabela quem nos traz o conteúdo parcial da carta, em “Os Sertões do Leste – Achegas para a história da Zona da Mata”, página 28, da segunda edição particular do autor, 2001:

“…no primeiro ano de ocupação apenas quarenta pessoas haveriam de acomodar-se nas novas terras, afora duzentos escravos. As terras seriam divididas entre aqueles que quisessem explorá-las”.

Acrescente-se, ainda, que no decorrer da ocupação e com vistas a melhor proteção contra invasores, o Governo mineiro instituiu ainda um incentivo para os moradores do Centro de Minas, que se fixassem nos extremos de seu território: seriam dispensados de tributação por um período de até 10 anos.

Este conjunto de fatores foi o móvel para as inúmeras Cartas de Sesmarias, expedidas nos últimos anos do século XVIII e primeiros dos oitocentos. Temos tido oportunidade de analisar a trajetória de alguns daqueles beneficiados, concluindo que, não raras vezes, o sesmeiro jamais ocupou as terras recebidas. Pelo contrário, muitos dividiram suas posses e as revenderam para outros moradores, seus vizinhos, até então radicados nas Comarcas de Rio das Mortes e de Vila Rica.

A queda do poder econômico nas Minas, que já havia se acentuado desde meados do século anterior, levou a população a viver de forma quase inconcebível. Em “Os Sertões do Leste – Áreas Proibidas”, obra de Paulo Mercadante pela Zahar Editores, de 1973, encontramos, na página 24, um depoimento relativo ao estado de uma granja que fora de média importância, revisitada nos primeiros vinte anos do século XIX:

“A casa era uma barraca miserável, com muros de taipa de barro, sem vidraça, roída pelo tempo e mal defendida contra as chuvas. O chão era a terra úmida e negra, sem ladrilhos nem sobrado, saturada de imundícies e endurecida pelo perpassar dos moradores, homens e cevados, que viviam numa promiscuidade repugnante. Por camas, enxergas duras para os amos, um couro ou uma esteira sobre o chão para os servos. A ninhada das crianças alegrava-se seminua, esfarrapada e descalça, as mulheres enfezadas e pobremente vestidas, e o chefe da casa, indolentemente embrulhado na capa, com os socos nos pés, vigiava o trabalho dos negros, lavando o cascalhinho com a sempre mantida esperança da descoberta de um depósito abundante de ouro”.

Algumas pessoas poderão surpreender-se com tal descrição, por terem se acostumado a ler/ouvir apenas a versão dourada ou cor-de-rosa da história de Minas Gerais. Em nossas pesquisas, de há muito concluímos que a vida na Província era extremamente difícil, facilitando para aquelas famílias a decisão de enfrentar a mata com todos os seus perigos. Aparentemente qualquer coisa seria melhor do que deixar-se levar pela degeneração que atingia fazendas e fazendeiros, faiscadores ou comerciantes. Jovens solteiros empregavam-se, com alguma freqüência, em tropas que demandavam o interior das Gerais, no comércio de gêneros de subsistência. Chefes de família também o faziam, muitas vezes, por verem na tropa o único trabalho que garantiria o sustento de sua prole miúda. E quando um parente distante os vinha visitar, propagando maravilhas das terras que estavam à venda nas “áreas proibidas”, muitos fazendeiros incorporavam-se em alguma tropa que fosse trilhar aquelas paragens. Durante alguns meses vasculhavam o território, analisavam as condições e realizavam a compra. Voltavam, então, ao seu lugar de origem, vendiam os bens impossíveis de serem transportados e empreendiam nova jornada acompanhados da família, escravaria e alguns pertences. Tivemos oportunidade de ler um relato sobre umas dessas jornadas que, infelizmente, não trazia indicação que nos permitisse saber quem foi seu autor e para qual região da mata levou a família. A exemplo de muitos outros registrados em livros de história, aquele grupo se deslocava durante 6 horas por dia, em média, quando então procurava local adequado para “assentar pouso”. Inexistindo algum povoado nas proximidades, os homens montavam frágeis barracas que lhes serviriam de abrigo, por uma noite apenas, e as mulheres cuidavam da alimentação de todos. Dia seguinte recomeçavam a jornada, sempre um pouco antes do nascer do Sol. Algumas vezes desviavam-se do roteiro que nos pareceria mais curto, para encontrarem abrigo em casa de algum parente que tivesse migrado anteriormente. Temos visto casos em que, nestas paradas, acertaram casamento de algum filho com alguém da casa que os hospedava.

Parece-nos que foi essa a trajetória de um dos povoadores de Leopoldina. Até onde nos foi possível apurar, em 1826 ou 27 o “Comendador” Manoel Antônio de Almeida acompanhou uma tropa através da hoje conhecida Zona da Mata Mineira. E, nas margens do Feijão Cru, adquiriu as terras onde formou a Fazenda do Feijão Cru Pequeno.

Em setembro de 1828 Manoel Antônio de Almeida levou a família para a nova morada. Parece-nos que, em viagem, teria passado pelo atual município de Astolfo Dutra onde ficou um de seus filhos. Também consta sua assinatura, como testemunha, na Escritura de doação do patrimônio de Santa Rita do Meia Pataca, em maio de 1828, significando, pois, que ele ali estivera no período em que acompanhou a tropa ou que estava organizando a moradia para ir buscar a família. O fato é que, conforme registram alguns historiadores antigos, a vinda dos Almeidas, dos Britos e dos Netos para o Feijão Cru desencadeou uma grande movimentação de parentes, até então radicados na Serra da Ibitipoca. Entre o momento da aquisição das terras e o Primeiro Registro de Terras Públicas – 1856, inúmeras foram as divisões de propriedades realizadas por aqueles primeiros moradores.

O primeiro documento a se referir aos habitantes do Feijão Cru é o Mapa de Habitantes de 1831. Nessa época os Alves de Araújo e os Ribeiro Soares ainda não são identificados por ali. Acreditamos mesmo que os patriarcas destes ramos ainda residiam com suas famílias na região de Ibitipoca, conforme demonstramos para a Zélia, através do Mapa de Habitantes da então Capela da Senhora das Dores do Quilombo, Termo da Vila de Barbacena. Da mesma forma não os pudemos encontrar nos Mapas de Habitantes de 1838 e de 1843, que se referem ao atual território dos municípios de Além Paraíba, Argirita, Cataguases, Guarará, Leopoldina, Mar de Espanha e Santo Antônio do Aventureiro, bem como uma parte de São João Nepomuceno. Ainda estamos analisando as famílias que residiam no distrito da Santíssima Trindade do Descoberto, em 1839, pendente ainda de confirmação de alguns sobrenomes.

Para a década de 50 dos oitocentos, quando a oralidade familiar informa que já viviam no território do Feijão Cru, estamos comparando os Registros de Terras da Zona da Mata com os da Serra da Ibitipoca, sem ter ainda encontrado alguns deles. Apesar dos livros paroquiais de grande parte da região já terem sido por nós pesquisados, pretendemos fazer uma nova consulta aos que se encontram na Igreja Matriz de Mar de Espanha. Sem determinar o período em que migraram para a região, seria irresponsabilidade nossa manifestar opinião sobre o motivo que os trouxe. Em nossos estudos, temos por hábito analisar a história antiga de Leopoldina dividindo-a em três etapas. Do início do povoamento a 1850, temos a chegada do homem livre e a organização social baseada na empresa familiar, com desmatamento e agricultura diversificada para subsistência. A partir daí e até 1880, observamos o crescimento acelerado da mão-de-obra escrava, na maioria dos casos, em fazendas dedicadas ao plantio do café. No período seguinte, limitando-se à virada para o século XX, a monocultura do café vai sendo paulatinamente substituída por outras atividades produtivas, no mais das vezes, em função do melhor conhecimento demonstrado pelo imigrante no trato com a terra, já que aqueles últimos anos do século XIX veriam aumentar enormemente a população de origem européia na região.

Dessa forma, acreditamos que os ancestrais de nossa amiga Zélia tenham migrado para o Rio Pardo no segundo período, aquele em que a economia do lugar estava em franco crescimento. Não tendo encontrado ali o pouso ideal, continuaram a marcha em busca de lugar mais adequado, encontrando, no sul do Espírito Santo, a conjugação de fatores que os atraiu e os fixou.

Zélia está preparando um livro contando a saga de sua família. Estamos colaborando com dados históricos e genealógicos sobre os que viveram em nosso território. São dois grupos interligados que viveram no Rio Pardo:

1 – João Alves de Araújo casado com Inácia Cândida de Jesus, pais de:

Joaquim Marques de Araújo

Cândido Alves de Araújo

João Alves de Araújo Júnior

João Batista Alves de Araújo nascido por volta de 1852 em Argirita, MG

2 – Antonia Maria de Jesus viúva de José Ribeiro Soares, filhos:

José Ribeiro Soares, filho

Manoel Ribeiro Soares

Vicente Ribeiro Soares

Resultado de uma Eleição em 1852

Em setembro de 1852 foi realizada, em Piacatuba, uma Assembleia Paroquial para eleger sete vereadores para formar a Câmara Municipal de Mar de Espanha, e quatro juízes de paz para o Distrito do Feijão Cru.

Resultado apurado para vereador:

Nomes:Votos
Francisco Correa Pinto93
Joaquim Vidal Leite Ribeiro79
Domiciano Mateus Monteiro de Castro70
José Joaquim Ferreira Monteiro de Barros69
Joaquim Antonio de Almeida e Gama67
Domingos Eugenio Pereira62
Domingos da Costa Matos51
Emidio José de Barros41
Antônio José de Carvalho39
Custódio Ferreira Leite27
José Dutra Nicacio22
José Garcia de Matos20
Domiciano Alves Garcia17
Francisco Soares Valente16
José Augusto Monteiro de Barros08
Francisco de Paula Galdino Leite08
Francisco Teixeira Alves03
Manoel José Pires02
João Pereira da Silva02
João Gualberto Ferreira Brito02
Antonio José Monteiro de Barros02
José Antonio de Matos01
José Eugênio Teixeira Leite01
Antonio Avelino Teixeira Alves01
Manoel José Monteiro de Barros Galvão de São Martinho01
José Soares Valente01
Joaquim Cláudio Nogueira01
Claudino Vieira da Silva01

Resultado para Juiz de Paz:

Nome:Votos
Claudino Vieira da Silva77
Custódio Dias Moreira *71
Antônio Pereira da Silva *71
Joze Henriques da Mata68
Manoel de Sá Rocha21
Luiz Pereira da Silva20
João Patricio de Moura e Silva20
Francisco Henriques Júnior18
Teodoro Antunes da Costa15
Ezequiel Henriques Brandão06
João Batista Mendes06
Vital Antonio de Mendonça05
José Fajardo de Melo02
Domingos Henriques de São Nicácio02
Hipólito Pereira da Silva01
Manoel Henriques01

Instalação da Vila Leopoldina

RECONTOS DE UM RECANTO

Voltamos às páginas da Gazeta para contar um pouco mais sobre a história de Leopoldina.

E, nesta edição comemorativa, começamos pela transcrição do Auto da Instalação da Vila, do primeiro livro de atas.

~ Auto da installação da Villa Leopoldina ~

Aos vinte dias do mez de Janeiro do Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e cincoenta e cinco, trigesimo quarto da Independencia e do Imperio, na sala destinada para as Sessões da Camara Municipal da Villa Leopoldina, creada pela Lei Provincial numero seiscentos e sessenta e seis, de vinte e sete de Abril do anno proximo passado, achando-se o Doutor Domiciano Matheus Monteiro de Castro, vereador, servindo de Presidente da Camara Municipal da Villa do Mar d’Hespanha, comigo Secretario da mesma Camara, e reunidos os vereadores eleitos, o Capitão Manoel José Monteiro de Castro, Doutor José Joaquim Ferreira Monteiro de Barros, Francisco José de Freitas Lima, Major João Vidal Leite Ribeiro , Capitão João Gualberto Ferreira Britto, e José Vieira de Resende e Silva, o mesmo Presidente, em cumprimento do Decreto de treze de Novembro de mil oitocentos e trinta e dous, e da Portaria do Excellentissimo Presidente da Provincia de vinte e cinco de Novembro de mil oitocentos e cincoenta e quatro, deferio-lhes juramento, e deo posse, não tendo comparecido o Vereador eleito Custodio Teixeira Leite, ficando assim installada a referida Villa Leopoldina. Para constar mandou o mesmo Presidente lavrar este Auto, em que se assigna com os mencionados Vereadores empossados. Eu José de Souza Lima, Secretario, o escrevi.

Assinaturas no Auto de Instalação da Vila Leopoldina

Identificação das assinaturas:

Domiciano Matheus Monteiro de Castro (Câmara de Mar de Espanha);

Manoel José Monteiro de Castro;

Joze Joaquim Ferreira Monteiro de Barros;

Francisco José de Freitas Lima;

José Vieira de Resende e Silva; e,

João Gualberto Ferreira Brito

Naquele 20 de janeiro de 1855 começava nossa independência administrativa. Mais de 50 anos depois que os primeiros homens livres escolheram as margens do Feijão Cru para viver.

Vale registrar que se os primeiros aventureiros cruzaram a mata virgem por volta de 1780, foi no alvorecer do século dezenove que a administração pública passou a localizá-los em documentos, concedendo-lhes terras, as sesmarias, nos então chamados “sertões do leste”. E a não mais de quarenta homens teria sido permitida a fixação de residência no caminho trilhado por Pedro Afonso Galvão de São Martinho quando da primeira diligência, em 1784, por estas matas até então proibidas.

Somente a partir das cartas concedidas em 1811 encontramos os “fregueses” do futuro Curato do Feijão Crú. Deste momento em diante é que passamos a observar a presença de famílias que deixaram descendentes dentro dos limites do que veio a constituir, quase vinte anos depois, o distrito do Feijão Cru, da então Vila de São Manoel do Pomba.

Conta-nos Sinval Santiago, em “Município do Pomba – Síntese Histórica”, que os distritos do Feijão Crú e da Santíssima Trindade do Descoberto foram os primeiros criados pela Câmara Municipal do Pomba, com base no Decreto Imperial de 11.09.1830. Infelizmente os incêndios freqüentemente citados nos livros de história também constituem justificativa para o desaparecimento dos documentos que esclareceriam melhor a gênese de Leopoldina.

Sabemos que em 1828 os principais moradores do Feijão Cru foram testemunhas da doação do patrimônio da futura capela de Santa Rita do Meia Pataca, o que nos confirma já existir por aqui algum tipo de organização social para “enviar” representantes para participar de um ato de tal importância.

Isto nos leva a colocar em dúvida o ano de 1831 como sendo o do nascimento do nosso povoado. Ainda mais se considerarmos que encontramos os pioneiros do Feijão Cru em registros paroquiais nos seus povoados de origem, basicamente as capelas da Serra da Ibitipoca, somente até bem antes da data que historiadores antigos consideram como de nossa fundação. E mais dúvidas se podem acrescentar quando encontramos filhos dos primeiros moradores que, ao se casarem, declararam terem nascido no nosso Feijão Cru.

Mas a incúria de alguns detentores de cargos públicos do passado obriga-nos a repetir a palavra “infelizmente”. Porque o descaso deles permitiu que desaparacessem  livros paroquiais que nos contariam a história completa deste recanto da Mata.

Verdade é que, documentado em nosso território desde o início do século dezenove, o homem livre conseguira, finalmente, em 1854, realizar o sonho de organizar-se em uma sociedade. Nascia, então, no território da Vila de São Manoel do Pomba, à qual pertenceu até 10 de setembro de 1851, o Feijão Cru, pela Lei 666 de 27 de abril de 1854.     E a 20 de janeiro de 1855, antes de completados nove meses da promulgação da Lei, o presidente da câmara municipal da Vila de Mar de Espanha deu posse aos nossos primeiros representantes, presididos pelo senhor Manoel José Monteiro de Castro, o mais velho dentre os eleitos para a Câmara de Leopoldina, sendo coadjuvado na administração pelos senhores Francisco José de Freitas Lima, João Gualberto Ferreira Brito, José Joaquim Ferreira Monteiro de Barros e José Vieira de Resende e Silva.

josé luiz machado rodrigues

nilza cantoni

Piacatuba: evolução administrativa e origem do nome

Entre 1844 e 1851 o povoado, em homenagem a Nossa Senhora da Piedade, abrangia uma vasta região em torno de uma capela filial, curada da Freguesia de São Sebastião do Feijão Crú. Para melhor explicarmos sua evolução, lembremo-nos do significado de cada um dos termos próprios da divisão administrativa, no século dezenove, bem como a sua aplicação.

A Província de Minas Gerais era administrada por um Conselho Geral, presidido pelo Governador da Província, que encaminhava os pedidos de criação de Vilas e Cidades para a Assembleia Geral Legislativa do Império. Aprovado o pedido, era então emitido o Decreto Imperial que sancionava a criação, estabelecendo que a Vila teria uma Câmara Municipal e determinando qual seria sua área de abrangência. Procedia-se à eleição dos Vereadores e marcava-se a data de Instalação da Vila. O mais velho entre os eleitos assumia como Presidente da Câmara.

No decurso de sua atuação, as Câmaras Municipais avaliavam a necessidade de criar subdivisões administrativas que melhor atendessem às necessidades da população. O Decreto Imperial de 11 de setembro de 1830, estabelecia que a criação de Distritos cabia às Câmaras Municipais. Esta determinação foi modificada por Lei Provincial Mineira de 12 de agosto de 1834 e a criação de Distritos passou para a alçada do Presidente da Província. Distrito é a divisão civil de uma Vila ou Cidade.

Durante o processo de criação, e algumas vezes somente depois de criado o Distrito, era encaminhada ao Bispado a solicitação de Instituição Canônica da Freguesia, também conhecida por Confirmação Episcopal.

Geralmente a criação de um Distrito se dava em torno de um povoado onde já existia uma Capela. Em todas as grandes fazendas, o proprietário mandava construir, no mínimo, um Oratório para o serviço religioso de sua própria família. Se localizada a grande distância da Freguesia, após acordo com os fazendeiros vizinhos o proprietário fazia a Doação do Patrimônio ao Santo de sua devoção.

Na prática, isto significava uma Escritura de transferência de seus direitos sobre um pedaço de terra para o Bispado a que estivesse subordinado. De posse do Patrimônio, a Cúria Episcopal autorizava a realização de serviços religiosos naquela capela. O padre era então designado e poderia ser um Vigário Colado ou um Cura. A diferença está em que na Vigairia Colativa o salário do padre era pago pela Fazenda Real e era chamado de Côngrua. No Curato, os rendimentos do padre eram um percentual das taxas pagas pelos Fregueses para a realização dos atos religiosos.

Da estrutura de funcionamento do Bispado fazia parte a realização das Visitas Pastorais que, entre outras obrigações, fiscalizava os livros de cada uma das Igrejas de sua jurisdição. Observando um crescimento da população e, consequentemente, o aumento dos atos realizados no período, iniciava-se o processo de elevação do Curato em Freguesia.

Antes de prosseguirmos, queremos deixar claro que não havia regularidade no processo, e dois Bispados poderiam agir de forma bastante diferente. A história da criação do Curato de Nossa Senhora da Piedade, bem como do Curato do Tesouro de São Sebastião do Feijão Cru e alguns vizinhos, foi um tanto diferente de outros na mesma província. Isto porque, embora localizados dentro do território de Minas Gerais, sua Instituição Canônica foi realizada pelo Bispado do Rio de Janeiro.

O Curato de Nossa Senhora da Piedade foi instituído em terras doadas por Domingos de Oliveira Alves, em 1844. Foi elevado a distrito pela lei número 533 de 10 de outubro de 1851, fazendo parte do então recém-criado município de Mar de Espanha. Com a emancipação do Feijão Cru a Vila Leopoldina, em 1854, passou para esta jurisdição.

A lei número 2027, de 1º de dezembro de 1873, criou a Paróquia de Nossa Senhora da Piedade. De acordo com a legislação da época, isto significava conceder autonomia para ampliar o raio de ação, podendo o padre atender aos fregueses residentes fora de sua área administrativa. Acreditamos que esta lei tenha sido uma consequência do que já vinha ocorrendo na prática. Desde 1851 é possível encontrar assentos paroquiais de atos realizados nas capelas do Porto de Santo Antônio (Astolfo Dutra) e de Santana de Cataguases, lançados nos livros da Igreja de Nossa Senhora da Piedade.

Alguns autores consideram que não houve Instituição Canônica, ou que a lei acima foi tornada sem efeito, em virtude do contido na lei número 3798 de 16 de agosto de 1889, que tratava da elevação à Freguesia. Pedimos permissão para manifestar uma opinião algo divergente. Analisando Atas de Visitas Comarcais do período, concluímos que pode ter havido algum processo interrompido, mas que a legislação civil acatou a lei de 1873, passando a referir-se à Freguesia de Nossa Senhora da Piedade da Leopoldina. Nos atos eclesiásticos, porém, consta que ainda era Curato quando foi transferido para a Diocese de Mariana, por Ato Pontifício de 16 de julho de 1897, com o nome de Piedade da Leopoldina.

A derradeira mudança de nome veio muito tempo depois. Na divisão administrativa de Minas Gerais levada a efeito pela Lei número 843 de 7 de setembro de 1923, foram trocados os nomes de 324 sedes distritais, sendo que, de 177, foram substituídas as denominações de origem cristã. Enquadra-se, neste caso, o Distrito da Piedade que, a partir daí, passou a ter uma palavra de origem tupi como seu topônimo.

O nome Piacatuba é formado dos seguintes termos: PIA que significa coração, CATU que significa bom e BA que significa lugar. Portanto Piacatuba, na língua geral, significa LUGAR DE GENTE DE BOM CORAÇÃO, numa alusão aos índios puris que foram seus primeiros habitantes e que, então, eram considerados pacíficos.

Infelizmente, temos uma nota dissonante a este respeito. Embora o nome sugerido pelo Senador Basílio de Magalhães, por ocasião da discussão da Lei número 843 acima citada, tenha sido evidentemente explicado conforme documentação que compõe os anais da Assembleia Legislativa Estadual, muitos não compreenderam ou não quiseram aceitar seu significado. Data desta época a versão “Piracatuba” para o nome do distrito, constante em algumas obras oficiais, como a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, editada 26 anos depois.

Mais uma vez, pedimos licença para manifestar opinião pessoal. É que a substituição de “Pia” por “Pira” modificaria o significado do topônimo. No lugar de ser conhecida como “Terra de gente de bom coração”, seria conhecida como “Terra de incendiários”, numa linguagem atualizada. No entanto, os autores de tal absurdo demonstraram o completo desconhecimento da língua geral. Isoladamente, “Pirá” era palavra utilizada pelos índios para designar peixe, donde temos, por exemplo, o peixe chamado “pirarucu”. Quanto a “Pyrá”, do grego, e “Pyra”, do latim, ambas se relacionam a “fogo e fogueira”. Uma hipotética aglutinação de Pyrá + Catu + Ba significaria, mais ou menos, “lugar bom para queimar”. Se considerada de exclusiva origem do tupi, Pira + Catu + Ba significaria “lugar bom para peixe” ou para pescar. O que não é, historicamente falando, o caso de Piacatuba.

Pelo que pudemos apurar em algumas lendas familiares, a troca de nome do lugar teria sido alimentada por pessoas de pouco siso, cujo único objetivo seria achincalhar a origem da Cruz Queimada, episódio que foi berço da religiosidade séria e respeitável de toda a “Gente de Bom Coração”. O início da década de 1920 viu nascer disputas acirradas de praticantes das religiões protestantes contra os católicos, como se pode observar nos jornais A Noite, A União, A Razão, Correio da Manhã, O Brasil e O Combate, publicações da capital federal e da capital mineira. E justamente naquela época começou a ser construído o Monumento da Cruz Queimada.

Além da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, outras publicações utilizaram o nome Piracatuba ao longo do século XX:

Sino Azul – Rio de Janeiro – Revista da CTB, 1964, ed 1, p 13, col 2.

Correio da Manhã. 27 maio 1924, ed 9212, p 5, col 1;

Brazil-Ferro-Carril. Revista Semanal de Transportes Economia e Finanças, 15 out 1925, p 507, col 2;

O Jornal. 15 fev 1928, ed 2824, última página, col 7;

Revista Excelsior – Rio de Janeiro. set 1931, ano IV, nr 44, p 73, col 2;

O Jornal. 01 abril 1949, ed 8872, Segundo Caderno, p 1, col 7;

Texto publicado em outubro de 2001 por Lucimary Vargas de Oliveira e Nilza Cantoni e atualizado em abril de 2018 e abril de 2024 por Nilza Cantoni.

Sesquicentenário de Piacatuba 1851 – 2001

O patrimônio para a capela de Nossa Senhora da Piedade foi doado, por escritura de 23 de agosto de 1844, pelo capitão Domingos de Oliveira Alves. Até então, haviam sido criadas as seguintes capelas nas proximidades: 1811 – São João Nepomuceno; 1816 – Santo Antônio do Porto Alegre do Ubá (Astolfo Dutra); 1824 – Santíssima Trindade do Descoberto; 1828 – Santa Rita da Meia Pataca (Cataguases); 1831 – São Sebastião do Feijão Cru (Leopoldina); 1839 – Senhor Bom Jesus do Rio Pardo (Argirita).

Matriz de Nossa Senhora da Piedade, distrito de Piacatuba, Leopoldina, MG. Século XIX.

É necessário observar que, antes da existência de uma capela devidamente instituída canonicamente, os moradores de determinado povoado estavam sempre vinculados à capela que frequentassem, já que os atos da vida civil eram realizados sob o controle e fiscalização da Igreja. Assim, embora encontremos referências a fatos anteriores à criação da Capela de Nossa Senhora da Piedade, não podemos falar na existência do Curato, até então.

A primeira capela de Piacatuba foi construída por volta de 1845. E a lei número 533, de 10 de outubro de 1851, trata da criação do Distrito de Nossa Senhora da Piedade, pertencente ao município de Mar de Espanha. Isso significa que nos meses anteriores à promulgação desta lei foi indicado um Padre para trabalhar no novo distrito e autorizada a abertura dos livros fiscais de batismos, casamentos e óbitos. Portanto, a data oficial de criação de Piacatuba é o ano de 1851.

Quem eram os moradores do antigo Curato de Nossa Senhora da Piedade? Quem foram os desbravadores das matas aqui existentes?

Para responder estas questões é necessário lembrar que, até a metade do século dezoito, a área então conhecida como “sertões do leste” estava vedada à entrada do colonizador, como uma das medidas para impedir o extravio do ouro. Com a queda da mineração, iniciou-se uma grande migração em busca de outras atividades produtivas. Já que o centro da província estava intensamente povoado começou a haver um movimento, de início ainda tímido, em direção aos “sertões do leste”. No caso da região em que se insere Piacatuba, isto resultou na criação da Freguesia do Mártir São Manuel do Rio da Pomba e Peixe dos Índios Croatos e Cropós. A 25 de dezembro de 1767, o Padre Manoel de Jesus Maria celebrou a primeira missa na atual cidade de Rio Pomba.

Alguns anos depois, com o aumento da navegação pelo Rio Paraíba do Sul, houve necessidade de instalar um posto de fiscalização em suas margens. Em torno de um destes postos, localizado onde hoje é o município de Além Paraíba, aos poucos formou-se um povoado. No dia 25 de agosto de 1811 o alféres Maximiano Pereira de Souza fez a escolha do terreno para a Igreja de São José do Paraíba, perto dos terrenos do Padre Miguel Antônio de Paiva. Por esta época, também, foi construída a Capela de Nossa Senhora das Mercês do Cágado (Mar de Espanha).

Desta forma, podemos observar que o colonizador vinha se instalando próximo de Piacatuba desde meados do século dezoito. No final daquele século, bem como no início dos anos novecentos, foram inúmeras as sesmarias concedidas na região.

Entre 1800 e 1831, grande número de moradores do Termo de Barbacena deslocou-se para as proximidades do Rio Novo. Enquanto parte deles seguiu o percurso deste rio, à procura de um sítio onde se instalar, outro grupo veio encontrá-los descendo pelo Rio Pomba. Assim, quando foi realizada a contagem de habitantes em 1831, em 70 das 142 residências de São José do Paraíba constavam nomes de moradores do local que viria a formar o território de Leopoldina e Piacatuba.

Nos anos seguintes, o afluxo continuou crescendo. Em 1835, no Mapa de Habitantes da Freguesia de São Sebastião do Feijão Cru, contaram-se 135 residências. Um terço delas de moradores do futuro Curato de Nossa Senhora da Piedade.

Baseando-nos ainda nas Contagens de Habitantes, não podemos deixar de mencionar a que foi realizada na Santíssima Trindade do Descoberto, em 1839. Especialmente nos quarteirões então chamados Estiva e Arraial, onde foram registradas 94 residências, identificamos nomes ligados à história de Piacatuba em 10% delas.

Assim, podemos concluir que o Curato de Nossa Senhora da Piedade foi se formando ao longo de mais de vinte anos. Com a doação do terreno para constituir o Patrimônio de Nossa Senhora da Piedade por Domingos de Oliveira Alves, foi possível à comunidade requerer a competente instalação canônica. Os motivos para a demora de quase sete anos, entre a doação e a instalação, podem ter sua origem na divisão eclesiástica da época. Porque, embora território da província de Minas Gerais, pertenceram ao Bispado do Rio de Janeiro as seguintes igrejas: Nossa Senhora das Mercês do Cágado (Mar de Espanha), Divino Espírito Santo (Maripá), Madre de Deus do Angu (Angustura), Santo Antônio do Aventureiro (Aventureiro), São Sebastião do Feijão Cru (Leopoldina), Nossa Senhora da Piedade (Piacatuba), Nossa Senhora da Conceição da Boa Vista (Recreio) e São José do Paraíba (Além Paraíba).

No dia 20 de abril de 1851, quando o Padre Francisco Ferreira Monteiro realizou o primeiro batismo na Igreja de Nossa Senhora da Piedade, deu-se início à história oficial de Piacatuba.

Texto atualizado em fevereiro de 2022.