Entre 1844 e 1851 o povoado, em homenagem a Nossa Senhora da Piedade, abrangia uma vasta região em torno de uma capela filial, curada da Freguesia de São Sebastião do Feijão Crú. Para melhor explicarmos sua evolução, lembremo-nos do significado de cada um dos termos próprios da divisão administrativa, no século dezenove, bem como a sua aplicação.
A Província de Minas Gerais era administrada por um Conselho Geral, presidido pelo Governador da Província, que encaminhava os pedidos de criação de Vilas e Cidades para a Assembléia Geral Legislativa do Império. Aprovado o pedido, era então emitido o Decreto Imperial que sancionava a criação, estabelecendo que a Vila teria uma Câmara Municipal e determinando qual seria sua área de abrangência. Procedia-se à eleição dos Vereadores e marcava-se a data de Instalação da Vila. O mais votado, assumia como Presidente da Câmara.
No decurso de sua atuação, as Câmaras Municipais avaliavam a necessidade de criar subdivisões administrativas que melhor atendessem às necessidades da população. O Decreto Imperial de 11 de setembro de 1830, estabelecia que a criação de Distritos cabia às Câmaras Municipais. Esta determinação foi modificada por Lei Provincial Mineira de 12 de agosto de 1834 e a criação de Distritos passou para a alçada do Presidente da Província. Distrito é, pois, a divisão civil de uma Vila ou Cidade.
Durante o processo de criação e algumas vezes somente depois de criado o Distrito, era encaminhada ao Bispado a solicitação de Instituição Canônica da Freguesia, também conhecida por Confirmação Episcopal.
Geralmente, a criação de um Distrito se dava em torno de um povoado, onde já existia uma Capela. Em todas as grandes fazendas, o proprietário mandava construir, no mínimo, um Oratório para o serviço religioso de sua própria família. Se localizada a grande distância da Freguesia , após acordo com os fazendeiros vizinhos, o proprietário fazia a Doação do Patrimônio ao Santo de sua devoção.
Na prática, isto significava uma Escritura de transferência de seus direitos sobre um pedaço de terra para o Bispado, a que estivesse subordinado. De posse do Patrimônio, a Cúria Episcopal autorizava a realização de serviços religiosos naquela capela. O padre era então designado e poderia ser um Vigário Colado ou um Cura. A diferença está em que, na Vigairia Colativa, o salário do padre era pago pela Fazenda Real e era chamado de Côngrua. No Curato, os rendimentos do padre eram um percentual das taxas pagas pelos Fregueses para a realização dos atos religiosos.
Da estrutura do Bispado fazia parte a realização das Visitas Pastorais que, entre outras obrigações, fiscalizava os livros de cada uma das Igrejas de sua jurisdição. Observando um crescimento da população e, conseqüentemente, o aumento dos atos realizados no período, iniciava-se o processo de elevação do Curato em Freguesia.
Antes de prosseguirmos, queremos deixar claro que não havia uma regularidade no processo, e dois Bispados poderiam agir de forma bastante diferente. A história da criação do Curato de Nossa Senhora da Piedade, bem como do Curato do Tesouro de São Sebastião do Feijão Crú e alguns vizinhos, foi um tanto diferente de outros na mesma província. Isto porque, embora localizados dentro do território de Minas Gerais, sua Instituição Canônica foi realizada pelo Bispado do Rio de Janeiro.

Assim, o Curato de Nossa Senhora da Piedade foi instituído em terras doadas por Domingos de Oliveira Alves, em 1844, como capela filial curada da Freguesia de São Sebastião do Feijão Crú do Bispado do Rio de Janeiro. Foi elevado a distrito pela lei número 533 de 10 de outubro de 1851, pertencente ao município de Mar de Espanha. Com a elevação do Feijão Crú a Cidade e Vila de Leopoldina, em 1854, passou para esta jurisdição.
A lei número 2027, de 1º de dezembro de 1873, criou a Paróquia de Nossa Senhora da Piedade. De acordo com a legislação da época, isto significava conceder autonomia para ampliar o raio de ação, podendo o padre atender aos fregueses residentes fora de sua área administrativa. Acreditamos que esta lei tenha sido uma conseqüência do que já vinha ocorrendo na prática. Desde 1851, podemos encontrar diversos assentos paroquiais, realizados nas capelas do Porto de Santo Antônio (Astolfo Dutra) e de Santana de Cataguases, registrados nos livros da Igreja de Nossa Senhora da Piedade.
Alguns autores consideram que não houve Instituição Canônica, ou que a lei acima foi tornada sem efeito, em virtude do contido na lei número 3798 de 16 de agosto de 1889, que tratava da elevação à Freguesia. Pedimos permissão para manifestar uma opinião algo divergente. Analisando Atas de Visitas Comarcais do período, concluímos que pode ter havido algum processo interrompido, mas que a legislação civil acatou a lei de 1873, passando a referir-se à Freguesia de Nossa Senhora da Piedade da Leopoldina. Nos atos eclesiásticos, porém, consta que ainda era Curato quando foi transferido para a Diocese de Mariana, por Ato Pontifício de 16 de julho de 1897, com o nome de Piedade da Leopoldina.
A derradeira mudança de nome veio muito tempo depois. Na divisão administrativa de Minas Gerais, levada a efeito pela Lei número 843 de 7 de setembro de 1923, foram trocados os nomes de 324 sedes distritais, sendo que, de 177, foram substituídas as denominações de origem cristã. Enquadra-se, neste caso, o Distrito da Piedade que, a partir daí, passou a ter uma palavra de origem tupi como seu topônimo.
O nome Piacatuba é formado dos seguintes termos: PIA que significa coração, CATU que significa bom e BA que significa lugar. Portanto, Piacatuba , na língua geral, significa LUGAR DE GENTE DE BOM CORAÇÃO, numa clara alusão aos pacíficos índios puris, seus primeiros habitantes.
Infelizmente, temos uma nota dissonante a este respeito. Embora o nome sugerido pelo Senador Basílio de Magalhães, por ocasião da discussão da Lei número 843 acima citada, tenha sido evidentemente explicado conforme documentação que compõe os anais da Assembléia Legislativa Estadual, muitos não compreenderam ou não quiseram aceitar seu significado. Data desta época a versão “Piracatuba” para o nome do distrito, constante em algumas obras oficiais, como a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, editada 26 anos depois.
Mais uma vez, pedimos licença para manifestar uma opinião pessoal. É que a substituição de “Pia” por “Pira” modificaria o significado do topônimo. No lugar de ser conhecida como “Terra de gente de bom coração”, seria conhecida como “Terra de incendiários”, numa linguagem atualizada. No entanto, os autores de tal absurdo demonstraram o completo desconhecimento da língua geral. Isoladamente, “Pirá” era palavra utilizada pelos índios para designar peixe, donde temos, por exemplo, o peixe chamado “pirarucu”. Quanto a “Pyrá”, do grego, e “Pyra”, do latim, ambas se relacionam a “fogo e fogueira”. Uma hipotética aglutinação de Pyrá + Catu + Ba significaria, mais ou menos, “lugar bom para queimar”. Se considerada de exclusiva origem do tupi, Pira + Catu + Ba significaria “lugar bom para peixe” ou para pescar. O que não é, historicamente falando, o caso de Piacatuba.
Ainda sobre esta abominável interpretação, acreditamos que terá sido o motivo para uma troca de correspondência entre Custódio Lustosa e o Senador Basílio de Magalhães, cuja explicação definitiva foi também publicada na Gazeta de Leopoldina de 9 de outubro de 1923.
Pelo que pudemos apurar, de algumas lendas familiares, a troca de nomes teria sido alimentada por pessoas de pouco siso, cujo único objetivo seria achincalhar a História da Cruz Queimada, episódio que foi berço da religiosidade séria e respeitável de toda a “Gente de Bom Coração”.
Texto publicado em outubro de 2001 por11
Lucimary Vargas de Oliveira e Nilza Cantoni.
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