75 – O Feijão Cru: antes de ser Villa Leopoldina

O Trem de História agora inicia uma viagem por tempos mais antigos. Lança dormentes e trilhos nas primeiras clareiras abertas na Mata Mineira para a formação do povoado do Feijão Cru. E começa no ano de 1847, quando foi produzida a “Carta topographica dos seus (Municipios) e Termos do Presídio, Pomba e São João Nepomuceno cum noticias do Paiz que delles segue até o mar pela costa oriental”, por João José da Silva Teodoro. Parte desse documento que é, até aqui, a mais antiga representação conhecida da região a incluir o então Distrito do Feijão Cru, uma importante informação sobre o processo de ocupação do lugar.

Como se sabe, na divisão eclesiástica a localidade de São Sebastião do Feijão Cru pertenceu oficialmente ao Bispado do Rio de Janeiro até 1897. Fato que dificulta enormemente a localização de fontes daqueles primeiros tempos porque nada é encontrado em Mariana e nos centros de documentação do Rio há apenas pistas esparsas que até hoje não conduzem aos instrumentos legais que criaram não só o povoado como a freguesia e o distrito civil do Feijão Cru. Assim, são poucas as informações sobre o estágio em que se encontrava o Feijão Cru quando de sua emancipação político administrativa.

Sabe-se, por exemplo, que a primeira contagem populacional, antes mesmo da existência do distrito, encontrou 62 ‘fogos’ em 1831, ou seja, 62 unidades habitacionais com 589 moradores no território que mais tarde viria a formar o Curato de São Sebastião do Feijão Cru. E que em 1835, quando o povoado passou a Distrito de São Sebastião do Feijão Cru, Termo da Vila do Pomba, o censo encontrou 135 unidades habitacionais ocupadas por 1.294 moradores. Em 1843, dois anos depois da elevação da povoação de São João Nepomuceno a Vila, abrangendo entre outros o distrito do Feijão Cru, aqui existiam 213 fogos com 2.171 moradores.

Importante esclarecer que tais ‘fogos’ estavam espalhadas por todo o grande território do distrito e, pelo mapa de Teodoro, observa-se que o Feijão Cru se estendia da margem direita do Rio Novo até a Serra Bonita e da margem direita do Rio Pomba até a margem esquerda do Paraíba do Sul.

A representatividade da população do Feijão Cru pode ser medida, também, pelo número de eleitores. Mas para melhor situar o tema é preciso lembrar que o Curato de Nossa Senhora das Mercês do Kágado (Mar de Espanha) era filial do Curato de São José da Parahyba (Além Paraíba) desde julho de 1832. Quando se deu a emancipação de São João Nepomuceno, o Kágado e São José do Parahyba foram incorporados à nova vila, assim como Conceição do Rio Novo, Santíssima Trindade do Descoberto, Bom Jesus do Rio Pardo (Argirita), Espírito Santo (Guarará), Madre de Deus do Angu (Angustura), Porto de Santo Antonio (Astolfo Dutra) e o Feijão Cru.

Ainda no final daquela década de 1840, forças políticas lutavam para emancipar o distrito do Kágado e um alistamento eleitoral, realizado entre junho de 1850 e fevereiro de 1851, serviria como argumento para preservar São João Nepomuceno com autonomia, abrangendo os distritos de Rio Novo, Descoberto, Astolfo Dutra, Feijão Cru e Rio Pardo. Nesse alistamento foram qualificados 1071 eleitores assim distribuídos: 357 eram moradores do Feijão Cru, 247 em Rio Novo, 171 em São João Nepomuceno, 164 no Rio Pardo, 80 em Descoberto e 52 no Porto de Santo Antonio. Mas São João Nepomuceno perdeu a batalha e em setembro de 1851 a sede da Vila foi transferida para o Arraial do Kágado, com a denominação de Villa do Mar de Hespanha, e, no mês seguinte, foi suprimida a Freguesia de São João Nepomuceno. Naquele momento, como se vê, o Feijão Cru era a maior unidade em território e população entre as que foram incorporadas ao Kágado.

Dois anos e sete meses depois, a 27 de abril de 1854, quando Mar de Espanha ainda nem tinha conseguido instalar toda a burocracia de seu novo status, foi a vez do Feijão Cru emancipar-se pela lei nº 666, com o nome de Vila Leopoldina, levando consigo os distritos da Piedade, do Rio Pardo, de Madre de Deus, de São José do Parahyba, de Conceição da Boa Vista, da Capivara, de Laranjal e do Meia Pataca.

Dois pontos fora da curva na história de Leopoldina

Diante destas afirmações cabe comentar dois pontos que se considera fora da curva da verdadeira história da cidade. Versões repetidas com certa frequência. Trechos da história contada por dois autores sobejamente conhecidos e que, de certa forma, acabaram por distorcer o estágio em que Leopoldina se encontrava na segunda metade do século XIX.

O primeiro deles é Francisco de Paula Ferreira de Rezende, um dos mais citados memorialistas da cidade que desconsiderou as reais condições econômicas e de desenvolvimento da região para dizer que Leopoldina, em 1861, encontrava-se “em um ponto de atraso extraordinário”, que o “Angu e S. José […] como em tudo o mais estavam mil furos adiante de Leopoldina” e que Leopoldina “deveria ter umas setenta ou oitenta casas”.  Informações estas que não espelham a realidade trazida pelos documentos compulsados.

Pode-se imaginar que ele tenha escrito isto por falta de informação ou porque, como se pode deduzir da sua obra, aqui chegara aborrecido por não ter conseguido ser reconduzido ao cargo de Juiz Municipal e de Órfãos de Queluz (Conselheiro Lafaiete), para o qual houvera sido indicado por políticos, mas que para mantê-lo precisava do apoio dos votantes locais. Ainda assim, não se deve descartar suas posições. Antes, deve-se aprofundar a pesquisa para confrontar as informações e estabelecer um panorama sustentado nas fontes ainda existentes.

O outro autor que cometeu deslizes foi Alfredo Moreira Pinto, em “Apontamentos para o Dicionário Geográfico do Brasil”. No verbete Feijão Cru, declara que se baseou em informações do vigário, embora não informe o nome desse religioso. Uma rápida consulta aos livros paroquiais foi o bastante para verificar que o Vigário era o Padre José Francisco dos Santos Durães, chegado a Leopoldina provavelmente em 1879 e que desde 1881 era também inspetor de ensino. Possivelmente foi o criador da lenda do Feijão Cru, que veio a público inicialmente pelo Almanaque de Leopoldina de 1886 e foi quase integralmente copiada pelo autor dos Apontamentos.

Depois de sua morte, uma segunda obra de Alfredo Moreira Pinto foi publicada por seu filho Justiniano Moreira Pinto, com o título Supplemento aos Apontamentos para o Diccionario Geographico do Brazil. Nela o autor manifesta opinião pessoal de uma visita a Leopoldina que talvez não tenha durado mais que um dia. Segundo se apurou, durante o período em que escreveu seus livros, Moreira Pinto viajava de trem e descia nas estações que lhe agradavam para colher os informes. E por este método pouco ortodoxo conclui ele que os povoadores de Leopoldina “foram infelicíssimos” na escolha do local onde estabeleceram a sede do município e que “seus prédios, em número de 450, são antigos e de feia aparência”. Embora declare que o comércio movimentava “avultado capital”, que a cidade contava, dentre outras atividades, com cinco médicos, cinco hotéis, dois engenhos de beneficiar café, duas tipografias, quatro escolas estaduais, uma escola municipal, dois colégios particulares e um curso noturno subsidiado pela Câmara. Informou, também, que Leopoldina era abastecida por água de boa qualidade e servida por rede de esgotos, contando com cerca de três mil moradores na área urbana.

Mas apesar de todas as farpas perpetradas, assim como foi dito sobre o Ferreira Rezende, reiteramos que nem por isto se pode desconsiderar Moreira Pinto. Até porque, são dele informações que não se encontram em outras fontes, como a existência de cinco cemitérios, “três dos quais extintos”: “o do Aterrado, para os lados de Cataguazes, o do morro da Forca e o da Matriz”. Dos ainda existentes na época, indicou a localização de apenas um deles: “no extremo da cidade, na ponta do morro que limita a chácara denominada do João Neto com a de José Alves”.

Mas isto pode ser assunto para um futuro Trem de História, porque o de hoje ficará por aqui. Até o próximo Jornal.


Fontes consultadas:

Arquivo Público Mineiro. Mapa da População de Além Paraíba – 1831CX 07 DOC 07; Mapa da População do Feijão Cru, 1835 e 1843 CX 03 DOC 06 e CX 03 DOC 04; Alistamento Eleitoral de São João Nepomuceno PP 11 cx 36 pacote 29.

Decreto Imperial de 14 de julho de 1832.

Leis Mineiras nr. 202, 01 abril 1841; nr. 514, 10 setembro 1851; nr. 542, 9 outubro 1851; nr. 666 27 abril 1854.

PINTO, Alfredo Moreira. Apontamentos para o Diccionario Geographico do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1899.

_______, Suplemento aos Apontamentos para o Diccionario Geographico do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1935.

REZENDE, Francisco de Paula Ferreira de. Minhas Recordações. Rio de Janeiro: José Olympio, 1944.

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 330 no jornal Leopoldinense de 27 de abril  de 2017

Disputas de limites entre Rio e Minas

Pelo Alvará de 9 de março de 1814, criando a Vila de Cantagalo, ficou estabelecido que as divisas entre Rio de Janeiro e Minas Gerais seriam marcadas pelo rio Paraíba do Sul.

Conta-nos Xavier da Veiga[i] que não havia disputa entre as províncias até que, em 1833, surgiu um questionamento sobre as divisas entre autoridades de Aldeia da Pedra e do distrito de Santa Rita do Meia Pataca (atual Cataguases). Em 1836 voltaram a ocorrer disputas, agora entre as câmaras de Campos dos Goytacazes e do Pomba. Três anos depois, os juizes de paz de Aldeia da Pedra e Feijão Cru (hoje Leopoldina) enfrentaram-se sobre o mesmo tema, passando o ano de 1839 a marcar o início de uma série de desordens que se estenderam até 1842.

A solução do problema veio através do Decreto Imperial nº 297 de 19 de maio de 1843, que estabelecia, em seu Artigo 1º:

os limites entre a Província do Rio de Janeiro e de Minas Gerais ficam provisoriamente fixados da maneira seguinte: começando pela foz do Riacho Prepetinga no Parahyba, subindo pelo dito Prepetinga acima até o ponto fronteiro à barra do ribeirão de Santo Antônio no Pomba, e dahi por uma linha recta à dita barra de Santo Antonio, correndo pelo ribeirão acima até a serra denominada Santo Antonio e dahi a um logar do rio Muriahé, chamado Poço Fundo, correndo pela serra do Gavião até a cachoeira dos Tombos do rio Carangola, e seguindo a serra do Carangola até encontrar a província do Espírito Santo.

Divisas Rio-Minas

 

No alto, à esquerda, destacada em vermelho a linha divisória entre Rio e Minas segundo cartografia de 1856, e a localização de Leopoldina, antigo Feijão Cru.

Ocorre que, em de outubro de 1842, Honório Hermeto Carneiro Leão (depois Marquês do Paraná) como Presidente da Província do Rio de Janeiro havia lavrado uma Portaria alterando os limites estabelecidos em 1814. Esta atitude gerou inúmeros protestos, tanto de autoridades mineiras como fluminenses. Logo depois Carneiro Leão deixou a presidência e assumiu a pasta da Justiça. No cargo de Ministro do Império foi-lhe fácil obter a promulgação do Decreto Imperial nº 297 que abonava a Portaria que ele, Carneiro Leão, havia definido inadequadamente, já que como presidente de província não tinha poderes para alterar as divisas. Nem assim o agora Ministro conseguiu aplacar os ânimos.

Ainda em outubro de 1843 foi requerido o levantamento topográfico dos municípios do Presídio (Visconde do Rio Branco), Pomba e São João Nepomuceno. No decorrer do processo de revisão dos limites foram confirmadas as divisas estabelecidas pelo Decreto 297 que, desta forma, deixaram de ser provisórias. No que concerne a Leopoldina, então Curato de São Sebastião do Feijão Cru, seus limites com a província do Rio de Janeiro “tanto no civil como no eclesiástico” ficaram assim definidos: “começando da barra do rio Pomba no Parahyba, e por este acima até o riacho Perapetinga, abrangendo todas as suas vertentes”.

Entretanto, autoridades fluminenses questionaram o direito de Minas legislar sobre o Curato do Feijão Cru, por estar subordinado ao Bispado do Rio de Janeiro. Mas não encontraram respaldo no governo central e ficou definido que o limite entre Rio e Minas, naquela região, começaria na foz do Pirapetinga no rio Paraíba do Sul, subiria pelo Pirapetinga até encontrar o ponto fronteiro à barra do ribeirão Santo Antônio do Pomba, seguindo daí em diante o curso do Santo Antônio até o ponto do rio Muriaé chamado Poço Fundo, em seguida correndo pela serra do Gavião até a cachoeira dos Tombos, no rio Carangola, e seguindo a serra do Carangola até chegar na divisa com o Espírito Santo.

Portanto, não restaram dúvidas de que o Curato do Feijão Cru, elevado a Vila e Cidade da Leopoldina pouco tempo depois, pertencia à província de Minas Gerais. Diferentemente do que aconteceu em Patrocínio do Muriaé e localidades adjacentes, com os moradores recusando-se ao alistamento[ii] por acharem-se sujeitos ao Rio de Janeiro, em Leopoldina não houve nenhum problema desta natureza. Quando começaram as disputas entre fluminenses e mineiros em 1882, o território reclamado já estava desmembrado de Leopoldina há mais de uma década. Diga-se, a bem da verdade, que os litígios do final do século XIX atingiam região que só esteve subordinado a Leopoldina entre 1854 e 1871.

Entre 1843 e 1897 porém, o território do antigo Curato do Feijão Cru esteve subordinado civilmente a Minas Gerais e suas igrejas vinculadas ao Bispado do Rio de Janeiro. Pelo que se pode observar na documentação remanescente[iii], a mudança para o Bispado de Mariana ocorreu sem conflitos.

Segundo certidão do Bispado de Mariana, extraída de registro do Cartório Eclesiástico de Mariana em 21 de janeiro de 1852, a dúvida a respeito dos limites entre os Bispados de Mariana e Rio de Janeiro teria origem na dificuldade de interpretar a Bula Condor Lucis Eterna, de 6 de dezembro de 1746, na qual o Papa Bento XIV criou o Bispado de Mariana, desmembrado do Bispado do Rio de Janeiro. O Cônego Luiz Antônio dos Santos foi encarregado de resolver a pendência em 1852, tendo confrontado os termos da citada Bula com o testemunho “dos homens mais antigos daqueles lugares”, como informa o registro do processo. Os limites foram assim definidos:

  • 1 – Desde a foz do Kagado até suas cabeceiras na serra de Domingos Ferreira, ficando a direita para o Bispado do Rio de Janeiro: Curato do Espírito Santo.

  • 2 – Por todo o espigão da dita serra até tocar no rio Pomba, perto do Meia Pataca, sendo do Bispado do Rio as Dores do Rabicho e todo o território cujas águas vertem para os rios Novo e Pomba.

  • 3 – Pelo rio Pomba abaixo até o espigão que divide as águas do rio Baraúna das águas do rio Capivara, sendo de Mariana o território cujas águas vertem para o Baraúna e do Rio de Janeiro o território cujas águas vertem para o Capivara.

  • 4 – Continuando pelo dito espigão até que as águas vertam para o rio São João e Capivara, e subindo até o espigão que divide as águas do Pomba das águas do Muriaé.

  • 5 – Subindo por este espigão para o Nascente até encontrar com a linha que divide as duas Províncias do Rio e Minas provisoriamente, e seguindo-a até o Poço Fundo do rio Muriaé.

  • 6 – Subindo do Poço Fundo ao território do Arraial dos Tombos, sendo de Mariana todas as famílias descendentes de Antônio Rodrigues dos Santos, fazendas de José de Lana, José Custódio e Lopes, e as mais que atualmente dão obediência a Mariana.

  • 7 – Dos Tombos subindo a serra, que divide as águas do Carangola das águas do rio Preto até a serra que fica à esquerda do rio Veado.

  • 8 – Da dita subindo a serra dos Pilões até a Província do Espírito Santo.

Desta forma, em 1855 pertenciam ao Bispado do Rio de Janeiro:

– Freguesia de Mar de Espanha com os curatos do Espírito Santo do Mar de Espanha (Guarará) e Santo Antônio do Aventureiro;

– Freguesia de São Sebastião da Leopoldina com os curatos de Madre de Deus do Angu (Angustura), Nossa Senhora da Piedade (Piacatuba), Nossa Senhora da Conceição da Boa Vista, São José do Além Paraíba e Bom Jesus do Rio Pardo (Argirita).

Nos anos subseqüentes alguns curatos foram elevados a freguesias e outros foram criados. Na década de 1860 aparecem também, nos domínios do Bispado do Rio de Janeiro, o Curato Nossa Senhora das Dores do Monte Alegre que corresponde ao atual distrito de Taruaçu, município de São João Nepomuceno; Santo Antônio do Mar de Espanha (Chiador), e São Francisco de Assis da Capivara, correspondente ao atual município de Palma.

A transferência que faria coincidir a subordinação civil com a paroquial veio com o Decreto Pontifício de 16 de julho de 1897. Depreende-se da leitura de Raimundo Trindade[iv] que neste Decreto Pontifício a Igreja antecipou-se ao governo civil, resolvendo também a disputa pelo território de Miracema alguns meses antes do Acordo civil de 4 de setembro de 1897.

© cantoni 2005

Fontes:


[i] VEIGA, João Pedro Xavier da. Notícias Histórica da Questão de Limites entre os Estados de Minas Geraes e Rio de Janeiro. Revista do Arquivo Público Mineiro, Ouro Preto, v. 4, p.332-376, 1899.

[ii] Por alistamento entenda-se o procedimento de identificar os moradores com vistas ao lançamento de tributos, à qualificação eleitoral e convocações militares.

[iii] DOCUMENTOS Eclesiásticos sobre as divisas do Bispado de Mariana. Revista do ArquivoPúblico Mineiro, Ouro Preto, v. 11, p.433-446, 1906.

[iv] TRINDADE, Raimundo da. Archidiocese de Mariana: subsídios para a sua história. São Paulo: SPLCJ, 1928-29, 3 volumes

Nossa Senhora das Dores do Monte Alegre do Rio Pomba

Segundo Joaquim Ribeiro Costa, Itapiruçu significa “a grande pedra elevada ou empinada”, resultado da aglutinação de “itá-apira”, ou pedra empinada e “açu”, grande. O “distrito policial de Tapirussú” conforme consta em sua lei de criação pertencia ao município de Leopoldina e permaneceria com as “actuaes divisas”. Ou seja, em 1883 já existia um povoado com o nome de Tapirussú.

No início de 2000 um visitante do site escreveu pedindo informações sobre Itapiruçu, especialmente sobre a família Vieira Pires. Informei que não tinha estudos sobre famílias da região, embora meu grande interesse pelo antigo distrito do Tapiruçu, terra onde viveram alguns de meus antepassados. Do sobrenome citado eu conhecia apenas um nome: Manoel José Vieira Pires, Solicitador em Palma, por volta de 1890. Não era o nome procurado pelo correspondente. Por conta disso trocamos diversas mensagens até que não mais recebi respostas. Daquele contacto ficou a vontade de conhecer a história do lugar.

Itapiruçu, Palma, MG

Segundo a memória familiar o casal Antonio Vicente Ferreira e Ana José Rodriguez vivia no território do distrito de Itapiruçu desde o nascimento. Antonio Vicente nasceu a 13 de junho de 1862 e foi batizado no dia 21 de junho[iv] do mesmo ano. Ana José nasceu no dia 1º de agosto de 1858 e foi batizada no dia 19 de setembro[v] seguinte. Os pais de ambos procediam da região da Serra da Ibitipoca e migraram para a zona da mata por volta de 1830. Vejamos pois, alguns detalhes sobre estas famílias.

José Rodrigues Carneiro Ferreira, também conhecido por José Rodrigues Carneiro de Bem, descendia de Manoel José de Bem e Tereza Maria de Jesus, ela filha da ilhoa Maria Teresa de Jesus e de Inácio Franco. Migrado para a zona da mata ainda criança, radicou-se no território do que veio a se constituir na Freguesia de Conceição da Boa Vista, onde se casou com Mariana Esméria de Sena, filha de João Gualberto Ferreira Brito e Maria Venância de Almeida. José e Mariana tiveram, pelo menos, 4 filhos batizados no Curato de Conceição da Boa Vista. O segundo destes filhos foi Ana José Rodriguez.

Segundo Joaquim Ribeiro Costa[i], Itapiruçu significa “a grande pedra elevada ou empinada”, resultado da aglutinação de “itá-apira”, ou pedra empinada e “açu”, grande. O “distrito policial de Tapirussú” conforme consta em sua lei de criação[ii] pertencia ao município de Leopoldina e permaneceria com as “actuaes divisas”. Ou seja, em 1883 já existia um povoado com o nome de Tapirussú.

De fato podemos comprovar que a antiga Capela das Dores do Monte Alegre do Rio Pomba já é citada em livros paroquiais de Conceição da Boa Vista em data bem anterior à criação do distrito policial. Como exemplo citamos o casamento de Antonio Vicente Ferreira e Ana José Rodriguez, realizado naquela capela no dia 10 de abril de 1875.[iii] Prosseguindo na busca de informações sobre a construção da Igreja de Itapiruçu nos deparamos com dados que podem interessar a todo estudioso da história da região.

Vicente Rodrigues Ferreira era filho de  Bento Rodrigues Gomes e Ana Joaquina de Jesus, tendo migrado de Santana do Garambeo para a zona da mata por volta de 1830. Em Conceição da Boa Vista casou-se com sua prima Luciana Francelina da Anunciação, filha de Antônio Rodrigues Gomes e Mariana Bernardina de São José. O novo casal residia na margem direita do Rio Pomba, a meio caminho entre São Joaquim (hoje Angaturama) e a atual divisa entre Palma e Santo Antônio de Pádua. É ainda a memória familiar que dá notícia da presença de eclesiásticos na fazenda onde residiam, nas diversas visitações realizadas pelo Bispado do Rio de Janeiro àquelas terras. Ainda não localizamos documentos sobre tais visitações, embora alguns autores as mencionem e citem como fonte o Arquivo da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Entre outras referências, Oswaldo Ribeiro[vi] informa que em 1851 Frei Bento, de Santo Antônio de Pádua, obteve provisão para a Capela de São Francisco da Capivara, atualmente Palma. Parece-nos que para atingir seu destino o padre teria forçosamente que passar por Itapiruçu. E provavelmente também visitasse alguns fazendeiros vizinhos ao casal que, segundo contam, seriam os doadores do patrimônio da Capela de Itapiruçu e dos quais falaremos adiante. Importa registrar ainda que os batismos dos 10 filhos de Vicente e Luciana podem ser encontrados nos livros paroquiais de Miracema, Santo Antônio de Pádua e Conceição da Boa Vista. O sétimo destes filhos foi Antônio Vicente Ferreira.

Analisando os mais diferentes documentos a que tivemos acesso, observamos que o antigo distrito de Tapiruçu pode ter ficado relegado pela autoridades em função das disputas ocorridas entre os Minas e Rio de Janeiro. Ou, hipótese levantada por um de nossos correspondentes, ter sido criado justamente para permitir melhor controle do território disputado. É sabido que não foi sem traumas que o atual município de Palma conseguiu firmar-se, havendo registros de desentendimentos do mais variado calibre com os povoados vizinhos. Entre outros transcrevemos parte de uma ata eleitoral que demonstra a dúvida existente entre os moradores do lugar. [vii]

“… Deu o Presidente conhecimento da Portaria do Governo que em seguida vai transcrita. Palácio da Presidência da Província de Minas Gerais Ouro Preto em 13 de Agosto de 1866. 1ª Sessão. Declaro a vossamercê para a devida inteligência e publicidade que essa paroquia criada pela Lei nº 1239 de 1864 deve dar na proxima Eleição se a esse tempo já tiver sido Canonicamente provida, três Eleitores para o território de que se compõe abrange cento e setenta e sete votantes e foi desmembrada da Paróquia da Meia Pataca que deu quinze Eleitores na Legislatura que vai findar e qualificou naquele ano novecentos e cinquenta e oito votantes. Conquanto a Lei citada anexa a essa Freguesia do Distrito do Laranjal devem os votantes nele compreendidos concorrer na Eleição na Freguesia da Meia Pataca, visto pertencer esta e o dito distrito ao Bispado de Mariana, e essa nova Freguesia a do Rio de Janeiro. … Joaquim José de Santa’Ana. Snr. Juiz de Paz mais votado da Paróquia do Capivara….”

Cartão de Visitas

Temos tentado levantar documentos sobre a doação do terreno onde foi construída a primeira Capela de Nossa Senhora das Dores do Monte Alegre do Rio Pomba, com vistas a confirmar ou não as hipóteses formuladas a partir da memória familiar. Consta que o casal Antonio Vicente e Ana José tinha como vizinhos as famílias Amorim, Felix, Melo, Menezes e Vieira. Curiosamente encontramos, dentro do Breviário da Missa que pertenceu a uma nora de Antonio Vicente e Ana José, o cartão de visitas acima, de Manoel José Vieira Pires.

Verso do Cartão de Visitas

Como se pode observar, no verso do cartão é feito um pedido de cópia da escritura de compra de terras realizada pelo Padre Manoel Martins Lopes, em março de 1890. Sabendo que a Capela existia desde pelo menos 1875, procuramos os livros do Cartório de Notas de Itapiruçu em busca de esclarecimentos. Infelizmente só pudemos encontrar um deles, do qual extraímos as seguintes informações:

–         21.03.1887 o Padre Manoel Lopes Martins compra uma sorte de terras anexas ao Patrimônio de Nossa Senhora das Dores [viii]. Vendedor: Antônio José de Menezes.

–         06.04.1887 o mesmo Padre compra terras no Porto das Madeiras[ix]. Vendedores: Francisco Joaquim dos Reis e sua mulher Virgínia Maria da Conceição.

Os vizinhos das terras compradas em março eram Francisco Joaquim dos Reis, José Francisco do Amorim, herdeiros de Luiz de Souza Melo e herdeiros de Nicolau Antonio Lombardo. A compra de abril foi de 2,5 alqueires na divisa com Balbino Teixeira Ramos, Rio Pomba, José Francisco de Amorim, Serafim José da Costa e a Fazenda Cachoeira Alegre. Em outra escritura do mesmo livro, folhas 37, vimos que Balbino Teixeira Ramos e sua mulher Vitalina Maria de Jesus haviam comprado terras de Francisco Joaquim dos Reis no Porto das Madeiras, e as revendem em setembro de 1887. Na escritura consta que os vizinhos eram José Francisco de Amorim, o Rio Pomba, herdeiros de Nicolau Antonio Lombardo e o patrimônio de Nossa Senhora das Dores do Monte Alegre do Rio Pomba.

Portanto, as famílias mencionadas nas memórias familiares estavam realmente presentes no distrito de Itapiruçu na época em que ali viveram Antonio Vicente Ferreira e Ana José Rodriguez. As compras realizadas pelo Padre Manoel Lopes Martins parecem indicar que ele pretendia ampliar as posses da Igreja, deixando claro que já havia um patrimônio regularmente inscrito. Resta-nos encontrar a doação inicial e assim nos aproximarmos da data em que foi construída a primeira Capela de Nossa Senhora das Dores do Monte Alegre do Rio Pomba.


Fontes:

[i] in Toponímia de Minas Gerais, Editora Itatiaia Ltda, 1993, Belo Horizonte, MG, página 262

[ii] Lei n. 3171 de 18.10.1883

[iii] Primeiro Livro de casamentos da Igreja de Conceição da Boa Vista, folhas 70 verso

[iv] Transcrição do Livro de Batismos de Conceição da Boa Vista no Livro 1 de batismos da Matriz de São Sebastião de Leopoldina, folhas 86, termo 464

[v] idem, folhas 38, termo 201

[vi] in História de Santo Antônio de Pádua, Edição do Autor em 1999, página 23

[vii] in Livro de Atas da Freguesia da Capivara, Arquivo da Câmara Municipal de Leopoldina, folhas 1 e verso

[viii] in Livro de Notas do Distrito de Tapirussu, Arquivo da Câmara Municipal de Leopoldina, folhas 9 verso

[ix] idem, folhas 16 verso

Instalação da Vila Leopoldina

RECONTOS DE UM RECANTO

Voltamos às páginas da Gazeta para contar um pouco mais sobre a história de Leopoldina.

E, nesta edição comemorativa, começamos pela transcrição do Auto da Instalação da Vila, do primeiro livro de atas.

~ Auto da installação da Villa Leopoldina ~

Aos vinte dias do mez de Janeiro do Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e cincoenta e cinco, trigesimo quarto da Independencia e do Imperio, na sala destinada para as Sessões da Camara Municipal da Villa Leopoldina, creada pela Lei Provincial numero seiscentos e sessenta e seis, de vinte e sete de Abril do anno proximo passado, achando-se o Doutor Domiciano Matheus Monteiro de Castro, vereador, servindo de Presidente da Camara Municipal da Villa do Mar d’Hespanha, comigo Secretario da mesma Camara, e reunidos os vereadores eleitos, o Capitão Manoel José Monteiro de Castro, Doutor José Joaquim Ferreira Monteiro de Barros, Francisco José de Freitas Lima, Major João Vidal Leite Ribeiro , Capitão João Gualberto Ferreira Britto, e José Vieira de Resende e Silva, o mesmo Presidente, em cumprimento do Decreto de treze de Novembro de mil oitocentos e trinta e dous, e da Portaria do Excellentissimo Presidente da Provincia de vinte e cinco de Novembro de mil oitocentos e cincoenta e quatro, deferio-lhes juramento, e deo posse, não tendo comparecido o Vereador eleito Custodio Teixeira Leite, ficando assim installada a referida Villa Leopoldina. Para constar mandou o mesmo Presidente lavrar este Auto, em que se assigna com os mencionados Vereadores empossados. Eu José de Souza Lima, Secretario, o escrevi.

Assinaturas no Auto de Instalação da Vila Leopoldina

Identificação das assinaturas:

Domiciano Matheus Monteiro de Castro (Câmara de Mar de Espanha);

Manoel José Monteiro de Castro;

Joze Joaquim Ferreira Monteiro de Barros;

Francisco José de Freitas Lima;

José Vieira de Resende e Silva; e,

João Gualberto Ferreira Brito

Naquele 20 de janeiro de 1855 começava nossa independência administrativa. Mais de 50 anos depois que os primeiros homens livres escolheram as margens do Feijão Cru para viver.

Vale registrar que se os primeiros aventureiros cruzaram a mata virgem por volta de 1780, foi no alvorecer do século dezenove que a administração pública passou a localizá-los em documentos, concedendo-lhes terras, as sesmarias, nos então chamados “sertões do leste”. E a não mais de quarenta homens teria sido permitida a fixação de residência no caminho trilhado por Pedro Afonso Galvão de São Martinho quando da primeira diligência, em 1784, por estas matas até então proibidas.

Somente a partir das cartas concedidas em 1811 encontramos os “fregueses” do futuro Curato do Feijão Crú. Deste momento em diante é que passamos a observar a presença de famílias que deixaram descendentes dentro dos limites do que veio a constituir, quase vinte anos depois, o distrito do Feijão Cru, da então Vila de São Manoel do Pomba.

Conta-nos Sinval Santiago, em “Município do Pomba – Síntese Histórica”, que os distritos do Feijão Crú e da Santíssima Trindade do Descoberto foram os primeiros criados pela Câmara Municipal do Pomba, com base no Decreto Imperial de 11.09.1830. Infelizmente os incêndios freqüentemente citados nos livros de história também constituem justificativa para o desaparecimento dos documentos que esclareceriam melhor a gênese de Leopoldina.

Sabemos que em 1828 os principais moradores do Feijão Cru foram testemunhas da doação do patrimônio da futura capela de Santa Rita do Meia Pataca, o que nos confirma já existir por aqui algum tipo de organização social para “enviar” representantes para participar de um ato de tal importância.

Isto nos leva a colocar em dúvida o ano de 1831 como sendo o do nascimento do nosso povoado. Ainda mais se considerarmos que encontramos os pioneiros do Feijão Cru em registros paroquiais nos seus povoados de origem, basicamente as capelas da Serra da Ibitipoca, somente até bem antes da data que historiadores antigos consideram como de nossa fundação. E mais dúvidas se podem acrescentar quando encontramos filhos dos primeiros moradores que, ao se casarem, declararam terem nascido no nosso Feijão Cru.

Mas a incúria de alguns detentores de cargos públicos do passado obriga-nos a repetir a palavra “infelizmente”. Porque o descaso deles permitiu que desaparacessem  livros paroquiais que nos contariam a história completa deste recanto da Mata.

Verdade é que, documentado em nosso território desde o início do século dezenove, o homem livre conseguira, finalmente, em 1854, realizar o sonho de organizar-se em uma sociedade. Nascia, então, no território da Vila de São Manoel do Pomba, à qual pertenceu até 10 de setembro de 1851, o Feijão Cru, pela Lei 666 de 27 de abril de 1854.     E a 20 de janeiro de 1855, antes de completados nove meses da promulgação da Lei, o presidente da câmara municipal da Vila de Mar de Espanha deu posse aos nossos primeiros representantes, presididos pelo senhor Manoel José Monteiro de Castro, o mais velho dentre os eleitos para a Câmara de Leopoldina, sendo coadjuvado na administração pelos senhores Francisco José de Freitas Lima, João Gualberto Ferreira Brito, José Joaquim Ferreira Monteiro de Barros e José Vieira de Resende e Silva.

josé luiz machado rodrigues

nilza cantoni

Autoridades do distrito de Dores do Monte Alegre do Pomba

O distrito de Dores do Monte Alegre do Rio Pomba, atual Itapiruçu, município de Palma, foi criado em território de Leopoldina.

No período em que esteve subordinado a Leopoldina, a Câmara Municipal empossou as autoridades abaixo, conforme constante nos códices 32 e 146 do Arquivo da Câmara Municipal de Leopoldina.

José Francisco de Amorim 1º suplente de Juiz de Paz 01.08.1890
Manoel Antonio da Mota Júnior 3º Juiz de Paz 14.01.1891
Manoel Inácio Gomes 2º suplente de Juiz de Paz 17.01.1891