163 – O Arraial se torna o distrito de Tebas

O arraial de Santo Antonio do Monte Alegre se tornou distrito com o nome de Santo Antonio de Tebas pela lei nº 2675 de 30.11.1880, conforme ficou dito no artigo anterior. No ano seguinte, em outubro o distrito foi elevado à categoria[1] de freguesia. Ao tempo do Império, como não havia separação entre Igreja e Estado, tornar-se freguesia significava que o poder eclesiástico avalizava a criação do distrito. Na prática, ao se tornar freguesia a Igreja de Santo Antonio de Tebas passou a ter livros próprios e os eventos não mais deveriam ser registrados nos livros da Freguesia de Bom Jesus do Rio Pardo [Argirita] ou de Nossa Senhora da Piedade [Piacatuba].

Um pouco antes, mais precisamente em agosto, o diretor geral dos Correios criou[2] uma agência em Tebas. Segundo o Jornal Liberal Mineiro[3], na sessão da Assembleia Legislativa de 09.08.1883, foram transferidas para Tebas algumas propriedades até então pertencentes à freguesia do Rio Pardo.

E neste mesmo ano de 1883 foram criadas[4] duas cadeiras de instrução primária na povoação, sendo uma para o sexo feminino e outra para o masculino. Fontes orais indicam que o prédio da imagem abaixo é de uma escola criada no final dos anos oitocentos.


No censo de 1890 o distrito de Santo Antonio de Tebas aparece com um total de 2.226 habitantes sendo 1161 do sexo masculino. Dessa população, 19 homens e 17 mulheres eram nativos e um total de 61 homens e 42 mulheres eram estrangeiros.

Quanto aos 36 nativos (indígenas) apontados pelo censo é oportuno lembrar a referência feita por Francisco de Paula Ferreira Resende[5] que chegou a Leopoldina em 1861:

“Quando vim para a Mata, ainda tive ocasião de ver um grande número desses índios na fazenda da Soledade que pertencia ao capitão Quirino; e vi também ainda algum tempo depois uma espécie de pequeno aldeamento deles, um pouco para lá do atual arraial de Tebas na estrada que ia para o Rio Pardo. Eram apenas alguns pequenos ranchos muito imundos e onde eles pareciam estar sempre a cozinhar preguiça. Nunca soube-lhes o número ao certo; mas parece que deveriam ser uns dez ou doze […] Eu já disse que estes índios eram aqui conhecidos pelo nome de Puris”

Em 1895 Francisco Gonçalves da Rocha Andrade, por contrato lavrado com a Câmara Municipal[6] encarregou-se da empreitada da estrada de Tebas, na seção à Fazenda da Constança, na extensão de 6 km.

Francisco foi subdelegado, segundo o periódico A Voz de Thebas[7] e, 2º Juiz de Paz de Tebas, conforme a Gazeta de Leopoldina[8].

Na década de 1890 e por curto período de tempo, circularam em Tebas dois periódicos: A Voz de Thebas, de 1894 a 1897 e, o Arame, de 1898 a 1899. Ambos se tornaram conhecidos pelas posições críticas e contestadoras que assumiram.

Em 1894 uma epidemia de febre amarela atingiu a sede do município de Leopoldina obrigando ao fechamento do cemitério local pela impossibilidade de receber mais corpos. A contaminação assustava de tal modo que a administração municipal se viu obrigada a transferir o centro administrativo para o distrito de Tebas.

Com esta lembrança triste o Trem de História de hoje fica por aqui. Na próxima edição ele voltará para falar de Manoel Joaquim Ferreira e seus descendentes. Até lá!

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 416 no jornal Leopoldinense, janeiro de 2021

Fontes consultadas:
[1] Arquivo Público Mineiro. Lei N. 2848 de 25 de outubro de 1881. Art. 1
[2] O Leopoldinense. 28 ago 1881. p.1 col. 3
[3] Jornal Liberal Mineiro, 23.08.1883, Ed. 88, p.1. col. 3
[4] Arquivo Público Mineiro. Livro da Lei Mineira tomo I Parte Primeira Folha N. 11 Lei N. 3127 18 de outubro de 1883.
[5] REZENDE. Francisco de Paula Ferreira de. Minhas Recordações. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988. p. 364.
[6] O Leopoldinense, 28.07.1895, ed. 59, p. 2, col. 5.
[7] A Voz de Thebas, 1897, ed. 29, p.2, col. 3.
[8] A Gazeta de Leopoldina, 01.05.1898, ed. 3, p.2, col. 4. 

154 – Sesmarias até para filhos ainda não nascidos

Em artigo anterior o Trem de História trouxe a informação de que alguns dos beneficiários das primeiras sesmarias concedidas na região foram parentes dos membros da tropa comandada por Pedro Afonso Galvão de São Martinho. E citou o exemplo de dois sobrinhos de Tiradentes e suas respectivas esposas, beneficiados com quatro sesmarias em 1813. Duas delas na divisa do Curato do Feijão Cru com o distrito de Bom Jesus do Rio Pardo (atual Argirita).

Hoje a viagem parte de um estudo iniciado após a leitura em Francisco de Paula Ferreira de Rezende[1] e Celso Falabella de Figueiredo Castro[2] que registram o fato de que uma das famílias povoadoras do Feijão Cru teria obtido “sesmarias até para filhos ainda não nascidos”.

Buscando compreender o assunto, foram consultadas inúmeras obras, encontrando informação semelhante em Lígia Osorio Silva[3], quando a autora afirma que: até o século XVIII […] houve casos de várias sesmarias concedidas a um mesmo indivíduo, e casos de indivíduos que as requeriam em nome “das mulheres, dos filhos e filhas, de crianças que estavam no berço e das que ainda estavam por nascer”.

Na verdade, a autora se referia a texto de Nadir Domingues Mendonça[4] que replicou informação de Alcides Lima[5] em História Popular do Rio Grande do Sul, que falava a respeito do ocorrido em outros pontos do Brasil.

Restava, então, saber se Rezende e Falabella também replicaram outros autores ou se, de fato, isto aconteceu em nossa região. Concluiu-se daí que a busca precisava continuar.

E para sustentar teoricamente a pesquisa, era necessário ler um pouco mais a respeito da legislação sobre concessão de sesmarias, iniciando-se pelos Anais do VIII Simpósio Nacional de Professores de História, de 1976, complementados por artigos de NOZOE (2006)[6] e mais recentemente revisado com a leitura de ALVEAL (2015)[7].

Numa segunda etapa a busca consistiu em selecionar, na Revista do Arquivo Público Mineiro de 1988, os sesmeiros que obtiveram Carta de Sesmaria no Termo de Barbacena, indicando local próximo ao Sertão do Feijão Cru.

Mas o exaustivo levantamento realizado no arquivo mineiro apenas ampliou de 6.642 para 7.985 as sesmarias com que até então trabalhavam os historiadores, nada acrescentando no sentido de esclarecer a tal concessão a filhos não nascidos.

No caso de Leopoldina sabe-se que, embora iniciada no final da década de 1990, esta listagem continua em atualização constante, seja pela descoberta de nomes não identificados anteriormente entre os povoadores ou, por ser encontrada uma referência topográfica antes não observada.

Com o seguir dos estudos, outras fontes de informação a respeito da ocupação do território onde se formou o arraial do Feijão Cru passaram a ser utilizadas e permanecem no horizonte da pesquisa como, por exemplo, os registros de terras de 1856, inventários, testamentos e processos de divisão de propriedades. Só que, para compreendê-los, é necessário agregar outra fonte que veio comprovar a necessidade de um trabalho multidisciplinar quando se pretende escrever história. Além do conhecimento das já mencionadas mudanças de legislação, é preciso conhecer e compreender as unidades de medida e os instrumentos utilizados nas demarcações ao longo do tempo, o que será assunto do próximo Trem de História.

Quanto à resposta definitiva sobre a existência, em Leopoldina, de sesmaria concedida à pessoa ainda não nascida, continua, por enquanto, um tema em aberto.

Nos próximos textos desta série, serão trazidas informações sobre as antigas propriedades formadas no território que em 1854 constituiu a Villa Leopoldina. Antes, porém, será necessário abordar as unidades de medida e instrumentos de demarcação da época.

O Trem de História faz uma parada para carregar a bagagem da próxima viagem. Até lá!

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 407 no jornal Leopoldinense de 1 de julho de 2020


Fontes consultadas:

[1] REZENDE, Francisco de Paula Ferreira de. Minhas Recordações. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988. p. 347.

[2] CASTRO, Celso Falabella de Figueiredo. Os Sertões de Leste: achegas para a história da zona da mata. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1987. p.66

[3] SILVA, Lígia Osorio. Terras Devolutas e Latifúndio: Efeitos da Lei de 1850. Campinas, SP: UNICAMP,1996. p. 45.

[4] MENDONÇA, Nadir Domingues Mendonça. A propriedade rural. In: Anais do VIII Simpósio Nacional de Professores de História, São Paulo, 1976, p. 852.

[5] LIMA, Alcides. História popular do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Barcelos, Bertaso & Cia, 1935.

[6] NOZOE, Nelson. Sesmarias e Apossamento de Terras no Brasil Colônia. Economia, Brasília, v. 7, n. 3, p. 587-605, set-dez 2006

[7] ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira. Transformações na legislação sesmarial, processo de demarcação e manutenção de privilégios nas terras das capitanias do norte do Estado do Brasil. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 28, nº 56, p. 247-263, julho-dezembro 2015.

150 – A ocupação do território que constitui o município

Logomarca Trem de História

Há quase três anos os autores do Trem de História publicaram o resultado de um estudo sob o título “200 anos do Registro Civil do Feijão Cru”[1] para marcar o aniversário de batismo do curso d’água que deu nome ao arraial mais tarde emancipado com o nome de Villa Leopoldina. Naquele outubro de 2017, o tema foi a concessão de duas sesmarias em cujas cartas, datadas de 13 e 14 de outubro de 1817, pela primeira vez foi mencionado o nome “Córrego do Feijão Cru”, mais tarde renomeado como Ribeirão do Feijão Cru.

Hoje o Trem de História retoma o assunto para que, nesta edição do jornal Leopoldinense em que se comemoram os 166 anos de emancipação administrativa, possam os autores tratar de um tema que lhes é muito caro: a ocupação do território que constitui o município de Leopoldina, nas terras do antigo Feijão Cru. E com este retorno ao tema, dar início a uma nova série de artigos sobre “Os pioneiros de Leopoldina”.

A pesquisa

Como se sabe, uma pesquisa sempre começa por uma questão que desperta o interesse e a curiosidade do pesquisador. No caso em pauta, melhor expressá-la em três ou quatro perguntas. Por onde chegaram os homens livres que ocuparam as terras indígenas neste sertão? Quando começaram a chegar? Onde se estabeleceram? Do quê se ocupavam?

Foi a partir de uma leitura mais atenta da história tradicional, na década de 1960, que os autores começaram a buscar respostas para estas questões. No início, de forma desorganizada. Mas ao longo do tempo o projeto de pesquisa foi esboçado em bases mais sólidas e as buscas começaram a dar frutos.

Um destes frutos decorreu de leituras despertadas pelo capítulo 4 do livro “Os Sertões do Leste”, de Celso Falabella publicado em 1987.

Tratando da ‘segunda diligência’ empreendida por Pedro Afonso Galvão de São Martinho, o autor cita trecho de uma carta do então Governador da Capitania de Minas, Luiz da Cunha Menezes, que se tornou conhecido pela alcunha de “Fanfarrão Minézio” como a ele se referiu o poeta Tomás Antonio Gonzaga na famosa obra “Cartas Chilenas”.

Vale relembrar que em 1784 e 1786 foram realizadas duas diligências com o objetivo de estancar o desvio do ouro pelas então mencionadas ‘zonas proibidas’, denominação que remete ao fato de que não era permitido ao homem livre se estabelecer nesta região da zona da mata. Ambas comandadas por Galvão de São Martinho e, entre seus membros, figurava o militar Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

As concessões de sesmarias

Antes da segunda diligência, Cunha Menezes escreveu a carta a Galvão de São Martinho na qual procurou divulgar a informação de que permitiria o estabelecimento de quarenta pessoas e duzentos escravos na região trilhada pela tropa, e que se estendia desde a cidade de Rio Pomba até o Porto do Cunha, registro criado em 1784.

Oficializada ou não a disposição escrita pelo Governador, o fato é que na última década do século XVIII foram concedidas algumas sesmarias no início do percurso e em 1810 tais concessões já chegavam às margens do Rio Novo. Alguns dos beneficiários eram parentes dos membros da tropa comandada por Galvão de São Martinho. Entre eles, dois sobrinhos de Tiradentes e suas respectivas esposas foram beneficiados com quatro sesmarias concedidas em novembro de 1813. Duas delas, concedidas a Felisberto da Silva Gonçalves e sua esposa Ana Bernarda da Silveira, estão na origem da Fazenda do Glória em território que mais tarde marcaria a divisa do Curato do Feijão Cru com o distrito de Bom Jesus do Rio Pardo.

Registre-se que o Córrego do Glória, cuja denominação inicial se perdeu na história, margeava o Monte Redondo, conforme referência de 1842 na folha 27 do primeiro livro do Cartório de Notas de Bom Jesus do Rio Pardo.

Mas não só os parentes de Tiradentes se estabeleceram por aqui. Também os de Pedro Afonso Galvão de São Martinho foram beneficiados com sesmarias ao longo do percurso daquelas diligências. Segundo Francisco de Paula Ferreira de Rezende, citado como exagero por Celso Falabella[2], os Monteiro de Barros teriam requerido sesmarias até para uma filha que ainda não nascera[3].

Do que foi até agora possível apurar, as sesmarias concedidas aos Monteiro de Barros, descendentes de Galvão de São Martinho, tiveram suas cartas datadas entre março e maio de 1818.

A última sesmaria concedida em território que comprovadamente fez parte do Distrito do Feijão Cru foi concedida em setembro de 1821.

Efetiva ocupação das terras

Estas terras foram concedidas, mas a ocupação nem sempre ocorreu na mesma data. Foi esta a conclusão a que se chegou na comparação entre as datas das Cartas de Sesmaria, os denominados Mapas de Habitantes e os poucos registros paroquiais das duas primeiras décadas do século XIX que já foram identificados.

De um lado, observou-se que Felisberto da Silva Gonçalves, sobrinho de Tiradentes, juntamente com a esposa, parece ter se estabelecido no Monte Redondo quase dez anos antes de fazer o requerimento que resultou na concessão das duas sesmarias ao casal. No outro extremo, as sesmarias concedidas aos Monteiro de Barros em 1818 não estavam ocupadas até 1831, quando foi feita a contagem dos habitantes do território.

Já as sesmarias doadas aos sogros de Bernardo José Gonçalves Montes em março de 1818 teriam sido ocupadas por ele em 1822.

Fernando e Jerônimo Corrêa de Lacerda receberam sesmarias em 1817 e, ao que parece, não residiram nestas terras. Encarregaram o sobrinho Francisco Pinheiro Corrêa de Lacerda de vendê-las. E consta que ele só se estabeleceu em terras do Feijão Cru em 1828, como agregado na propriedade de seu sogro Joaquim Ferreira Brito, a quem havia vendido parte de uma das ditas sesmarias doadas a seus tios.

Uma correção da história

Neste ponto um registro importante se faz necessário repetir para que se corrija um desvio da história de Leopoldina.

Conforme já foi dito em outros textos desta coluna Trem de História, Francisco Pinheiro Corrêa de Lacerda, inúmeras vezes citado pela história tradicional como fundador de Leopoldina, não o foi. Também não foi o primeiro a chegar às terras do Feijão Cru, como se vê acima. E nem estava mais aqui quando o arraial se tornou o Distrito de São Sebastião do Feijão Cru. Em verdade ele foi, tão somente, o emissário de seus tios, Fernando e Jerônimo Corrêa de Lacerda, na venda das terras que eles ganharam[4] em 1817. E, tão logo concluiu essa venda, seguiu o curso do Rio Pomba e se estabeleceu próximo à foz no Paraíba do Sul, onde veio a falecer[5] antes mesmo do Curato do Feijão Cru ter seus limites territoriais estabelecidos.

Mapa de Habitantes

Após identificar o período em que foram concedidas sesmarias do Termo de Barbacena que viriam a formar o território do Arraial do Feijão Cru, o passo seguinte foi analisar os moradores que aqui estavam em 1831, conforme apurado no Mapa de Habitantes daquele ano.

Naquela época, os mapas eram uma espécie de recenseamento que tinha como um dos objetivos a arrecadação de tributos.

Ressalte-se que só eram computados os moradores livres e seus cativos, sem qualquer registro ou notícia dos naturais da terra.

Outro objetivo da contagem populacional era demonstrar ao poder central que a localidade já atingira o número suficiente de habitantes para ser alçada ao patamar de comunidade organizada, ou seja, em condição de se tornar distrito.

O distrito do Feijão Cru

Naquele ano de 1831, o distrito do Feijão Cru ainda não existia e os primeiros moradores daqui passaram a compor o distrito então criado: São José do Paraíba, que deu origem ao atual município de Além Paraíba.

A cronologia documentada diz que em meados da década de 1820, a área onde está o atual município de Leopoldina deixou de fazer parte do Termo de Barbacena.

Em 1829 a capela de São João Nepomuceno, à qual o Feijão Cru pertencia, era filial da Freguesia do Mártir de São Manoel, que se tornou[6] a Vila de São Manuel do Pomba em 1831.

Sinval Santiago[7] registra que o Decreto Imperial de 11 de setembro de 1830, que autorizava as Câmaras Municipais a criar distritos e eleger seus Juízes de Paz, vigorou até 1834 e sob ele o Distrito do Feijão Cru teria sido criado.

Entretanto, a mais antiga referência ao Distrito do Feijão Cru é posterior à Carta de Lei de 12 de agosto de 1834 que transferiu para a presidência da província a prerrogativa da criação de distritos. Mais especificamente, o Distrito do Feijão Cru teria sido criado após 29 de novembro de 1835, quando Manoel Ferreira Brito assinou[8] o “mapa dos indivíduos” moradores no “Novo Curato de São Sebastião do Feijão Cru”.

Por outro lado, o mais antigo documento oficial a citar a denominação Distrito de São Sebastião do Feijão Cru foi assinado[9] por João Ferreira da Silva a 7 de setembro de 1838. Este documento encapava uma lista de habitantes distribuídos em 135 fogos[10], número superior ao mínimo necessário para criação de um distrito.

Reafirma-se, portanto, que o Distrito de São Sebastião do Feijão Cru foi criado entre novembro de 1835 e setembro de 1838.

O distrito fazia divisa com a Aldeia da Pedra (Itaocara) ao norte, distante 10 léguas; ao sul com o Espírito Santo (Guarará), distante 6 léguas; com São José do Paraíba (Além Paraíba) a 4 léguas e com Santa Rita do Meia Pataca (Cataguases) a 3 léguas.

Conclusão

Como se vê, a história de Leopoldina começou a ser desenhada no alvorecer do século XIX. Ao final da década de 1830 foi criado o Distrito de São Sebastião do Feijão Cru que foi emancipado[11] como Vila Leopoldina em abril de 1854.

Naquela primeira metade do século o homem livre chegou, ocupou as margens de córregos, ribeirões e rios, e formou fazendas que no final da década de 1850 entraram num novo patamar: as lavouras de milho foram substituídas pelas de café.

No final dos anos de 1800, ao lado da ocupação territorial, o emprego da mão de obra disponível na época gerou a necessidade de se recorrer à imigração, um dos temas que ocupou muitos vagões e viagens do Trem de História.

E assim, cada nova fonte trazia uma surpresa e despertava novas questões.

Questões como, por exemplo, a descoberta recente de que, entre as bacias do Rio Pardo e do Ribeirão do Feijão Cru, existiu um curso d’água com águas vertentes do Quilombo, denominação assumida por uma propriedade rural assim identificada em 1862. Um tema que, considerando que o termo ‘quilombo’ remete a um local de moradia e esconderijo de pessoas escravizadas que teriam fugido da servidão, pode ser indício de que ali tenha habitado algum grupo de resistência.

Questões que deixam a certeza de que há, ainda, muita história a ser contada. Muitas questões em aberto. E a certeza de que Leopoldina merece ter seu passado conhecido e preservado. Leopoldina merece cultivar a Lenda do Feijão Cru, sabendo que é lenda, mas conhecendo a sua história.

No próximo Jornal o Trem de História seguirá viagem, a partir de agora, percorrendo as sesmarias que se transformaram em propriedades ocupadas pelos pioneiros de Leopoldina. Até lá!

Fontes Consultadas:

[1] CANTONI, Nilza e MACHADO, Luja. 200 Anos do Registro Civil do Feijão Cru. Disponível em <https://www.academia.edu/34989583/200_ANOS_DO_REGISTRO_CIVIL_DO_FEIJ%C3%83O_CRU>

[2] CASTRO, Celso Falabella de Figueiredo. Os Sertões de Leste: Achegas para a história da Zona da Mata. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1987, p.70.

[3] REZENDE, Francisco de Paula. Minhas Recordaões. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1944, p.369.

[4] Arquivo Público Mineiro, Secretaria de Governo da Capitania, seção Colonial. SC-363 fls 190v e 192v.

[5] Arquivo Permanente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – COARPE – TJMG. Inventario in vitae dos sogros, processo 38404416 fls 4 img 7

[6] Decreto Imperial de 13 de outubro de 1831

[7] SANTIAGO, Sinval. Município de Rio Pomba - Síntese Histórica. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1991. p.480-481

[8] Arquivo Público Mineiro. Mapa da População do Feijão Cru CX 03 DOC 06, Termo da Vila da Pomba fl.1

[9] Arquivo Público Mineiro. Ofício ao Presidente da Província de Minas. CX 03 DOC 06, Termo da Vila da Pomba fl.23

[10] Fogos eram unidades habitacionais que poderiam ser compostas por uma ou mais casas de moradia.

[11] Lei Mineira nº 66 de 27 de abril de 1854.


Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 403 no jornal Leopoldinense de 30 de abril de 2020

75 – O Feijão Cru: antes de ser Villa Leopoldina

O Trem de História agora inicia uma viagem por tempos mais antigos. Lança dormentes e trilhos nas primeiras clareiras abertas na Mata Mineira para a formação do povoado do Feijão Cru. E começa no ano de 1847, quando foi produzida a “Carta topographica dos seus (Municipios) e Termos do Presídio, Pomba e São João Nepomuceno cum noticias do Paiz que delles segue até o mar pela costa oriental”, por João José da Silva Teodoro. Parte desse documento que é, até aqui, a mais antiga representação conhecida da região a incluir o então Distrito do Feijão Cru, uma importante informação sobre o processo de ocupação do lugar.

Como se sabe, na divisão eclesiástica a localidade de São Sebastião do Feijão Cru pertenceu oficialmente ao Bispado do Rio de Janeiro até 1897. Fato que dificulta enormemente a localização de fontes daqueles primeiros tempos porque nada é encontrado em Mariana e nos centros de documentação do Rio há apenas pistas esparsas que até hoje não conduzem aos instrumentos legais que criaram não só o povoado como a freguesia e o distrito civil do Feijão Cru. Assim, são poucas as informações sobre o estágio em que se encontrava o Feijão Cru quando de sua emancipação político administrativa.

Sabe-se, por exemplo, que a primeira contagem populacional, antes mesmo da existência do distrito, encontrou 62 ‘fogos’ em 1831, ou seja, 62 unidades habitacionais com 589 moradores no território que mais tarde viria a formar o Curato de São Sebastião do Feijão Cru. E que em 1835, quando o povoado passou a Distrito de São Sebastião do Feijão Cru, Termo da Vila do Pomba, o censo encontrou 135 unidades habitacionais ocupadas por 1.294 moradores. Em 1843, dois anos depois da elevação da povoação de São João Nepomuceno a Vila, abrangendo entre outros o distrito do Feijão Cru, aqui existiam 213 fogos com 2.171 moradores.

Importante esclarecer que tais ‘fogos’ estavam espalhadas por todo o grande território do distrito e, pelo mapa de Teodoro, observa-se que o Feijão Cru se estendia da margem direita do Rio Novo até a Serra Bonita e da margem direita do Rio Pomba até a margem esquerda do Paraíba do Sul.

A representatividade da população do Feijão Cru pode ser medida, também, pelo número de eleitores. Mas para melhor situar o tema é preciso lembrar que o Curato de Nossa Senhora das Mercês do Kágado (Mar de Espanha) era filial do Curato de São José da Parahyba (Além Paraíba) desde julho de 1832. Quando se deu a emancipação de São João Nepomuceno, o Kágado e São José do Parahyba foram incorporados à nova vila, assim como Conceição do Rio Novo, Santíssima Trindade do Descoberto, Bom Jesus do Rio Pardo (Argirita), Espírito Santo (Guarará), Madre de Deus do Angu (Angustura), Porto de Santo Antonio (Astolfo Dutra) e o Feijão Cru.

Ainda no final daquela década de 1840, forças políticas lutavam para emancipar o distrito do Kágado e um alistamento eleitoral, realizado entre junho de 1850 e fevereiro de 1851, serviria como argumento para preservar São João Nepomuceno com autonomia, abrangendo os distritos de Rio Novo, Descoberto, Astolfo Dutra, Feijão Cru e Rio Pardo. Nesse alistamento foram qualificados 1071 eleitores assim distribuídos: 357 eram moradores do Feijão Cru, 247 em Rio Novo, 171 em São João Nepomuceno, 164 no Rio Pardo, 80 em Descoberto e 52 no Porto de Santo Antonio. Mas São João Nepomuceno perdeu a batalha e em setembro de 1851 a sede da Vila foi transferida para o Arraial do Kágado, com a denominação de Villa do Mar de Hespanha, e, no mês seguinte, foi suprimida a Freguesia de São João Nepomuceno. Naquele momento, como se vê, o Feijão Cru era a maior unidade em território e população entre as que foram incorporadas ao Kágado.

Dois anos e sete meses depois, a 27 de abril de 1854, quando Mar de Espanha ainda nem tinha conseguido instalar toda a burocracia de seu novo status, foi a vez do Feijão Cru emancipar-se pela lei nº 666, com o nome de Vila Leopoldina, levando consigo os distritos da Piedade, do Rio Pardo, de Madre de Deus, de São José do Parahyba, de Conceição da Boa Vista, da Capivara, de Laranjal e do Meia Pataca.

Dois pontos fora da curva na história de Leopoldina

Diante destas afirmações cabe comentar dois pontos que se considera fora da curva da verdadeira história da cidade. Versões repetidas com certa frequência. Trechos da história contada por dois autores sobejamente conhecidos e que, de certa forma, acabaram por distorcer o estágio em que Leopoldina se encontrava na segunda metade do século XIX.

O primeiro deles é Francisco de Paula Ferreira de Rezende, um dos mais citados memorialistas da cidade que desconsiderou as reais condições econômicas e de desenvolvimento da região para dizer que Leopoldina, em 1861, encontrava-se “em um ponto de atraso extraordinário”, que o “Angu e S. José […] como em tudo o mais estavam mil furos adiante de Leopoldina” e que Leopoldina “deveria ter umas setenta ou oitenta casas”.  Informações estas que não espelham a realidade trazida pelos documentos compulsados.

Pode-se imaginar que ele tenha escrito isto por falta de informação ou porque, como se pode deduzir da sua obra, aqui chegara aborrecido por não ter conseguido ser reconduzido ao cargo de Juiz Municipal e de Órfãos de Queluz (Conselheiro Lafaiete), para o qual houvera sido indicado por políticos, mas que para mantê-lo precisava do apoio dos votantes locais. Ainda assim, não se deve descartar suas posições. Antes, deve-se aprofundar a pesquisa para confrontar as informações e estabelecer um panorama sustentado nas fontes ainda existentes.

O outro autor que cometeu deslizes foi Alfredo Moreira Pinto, em “Apontamentos para o Dicionário Geográfico do Brasil”. No verbete Feijão Cru, declara que se baseou em informações do vigário, embora não informe o nome desse religioso. Uma rápida consulta aos livros paroquiais foi o bastante para verificar que o Vigário era o Padre José Francisco dos Santos Durães, chegado a Leopoldina provavelmente em 1879 e que desde 1881 era também inspetor de ensino. Possivelmente foi o criador da lenda do Feijão Cru, que veio a público inicialmente pelo Almanaque de Leopoldina de 1886 e foi quase integralmente copiada pelo autor dos Apontamentos.

Depois de sua morte, uma segunda obra de Alfredo Moreira Pinto foi publicada por seu filho Justiniano Moreira Pinto, com o título Supplemento aos Apontamentos para o Diccionario Geographico do Brazil. Nela o autor manifesta opinião pessoal de uma visita a Leopoldina que talvez não tenha durado mais que um dia. Segundo se apurou, durante o período em que escreveu seus livros, Moreira Pinto viajava de trem e descia nas estações que lhe agradavam para colher os informes. E por este método pouco ortodoxo conclui ele que os povoadores de Leopoldina “foram infelicíssimos” na escolha do local onde estabeleceram a sede do município e que “seus prédios, em número de 450, são antigos e de feia aparência”. Embora declare que o comércio movimentava “avultado capital”, que a cidade contava, dentre outras atividades, com cinco médicos, cinco hotéis, dois engenhos de beneficiar café, duas tipografias, quatro escolas estaduais, uma escola municipal, dois colégios particulares e um curso noturno subsidiado pela Câmara. Informou, também, que Leopoldina era abastecida por água de boa qualidade e servida por rede de esgotos, contando com cerca de três mil moradores na área urbana.

Mas apesar de todas as farpas perpetradas, assim como foi dito sobre o Ferreira Rezende, reiteramos que nem por isto se pode desconsiderar Moreira Pinto. Até porque, são dele informações que não se encontram em outras fontes, como a existência de cinco cemitérios, “três dos quais extintos”: “o do Aterrado, para os lados de Cataguazes, o do morro da Forca e o da Matriz”. Dos ainda existentes na época, indicou a localização de apenas um deles: “no extremo da cidade, na ponta do morro que limita a chácara denominada do João Neto com a de José Alves”.

Mas isto pode ser assunto para um futuro Trem de História, porque o de hoje ficará por aqui. Até o próximo Jornal.


Fontes consultadas:

Arquivo Público Mineiro. Mapa da População de Além Paraíba – 1831CX 07 DOC 07; Mapa da População do Feijão Cru, 1835 e 1843 CX 03 DOC 06 e CX 03 DOC 04; Alistamento Eleitoral de São João Nepomuceno PP 11 cx 36 pacote 29.

Decreto Imperial de 14 de julho de 1832.

Leis Mineiras nr. 202, 01 abril 1841; nr. 514, 10 setembro 1851; nr. 542, 9 outubro 1851; nr. 666 27 abril 1854.

PINTO, Alfredo Moreira. Apontamentos para o Diccionario Geographico do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1899.

_______, Suplemento aos Apontamentos para o Diccionario Geographico do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1935.

REZENDE, Francisco de Paula Ferreira de. Minhas Recordações. Rio de Janeiro: José Olympio, 1944.

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 330 no jornal Leopoldinense de 27 de abril  de 2017