175 – Fazenda Campo Limpo de Manoel José de Novaes

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Hoje o Trem de História traz, em seu vagão principal, a propriedade da família Novaes que fazia divisa com a Fazenda Recreio abordada na última edição. E assim como o nome da propriedade de Antonio José Dutra e Mariana Teresa Pereira Duarte faz algumas pessoas pensarem no vizinho município de Recreio, também a Fazenda Campo Limpo já causou engano em alguns estudiosos.

Portanto, necessário se faz esclarecer que houve, pelo menos, duas fazendas com o nome Campo Limpo no território de Leopoldina. Uma delas é a citada pelo Cônego Raimundo Trindade e que pertenceu a Felisberto da Silva Gonçalves. Felisberto era sobrinho do alferes Tiradentes. Ele e a esposa receberam duas sesmarias no córrego do Glória em 1813. Esta sua fazenda Campo Limpo ficava localizada entre as fozes dos atuais ribeirões São Bento e Campo Alegre no Rio Pardo e o filho de Felisberto, Antonio Felisberto da Silva Gonçalves, nela residia em 1867.

A outra fazenda Campo Limpo, cuja história hoje se conta, teve sua origem no Sítio Saudades, pertencente a Manoel José de Novaes e sua esposa Ana Francisca Garcia. Propriedade que em 1874 já recebia o nome de Fazenda Campo Limpo e permanecia com os mesmos 300 alqueires citados no Registro em 1856.

O casal formador dessa Campo Limpo chegou ao Feijão Cru entre 1831 e 1835, com seis filhos. Estabeleceram-se às margens do Rio Pomba onde foram vizinhos de Mariana Pereira Duarte [fazenda Recreio], Francisco da Silva Barbosa [Fazenda Boa Vista], Processo José Corrêa de Lacerda [Fazenda Tabuleiro], Pedro Baldoino da Silva [Fazenda Boa Sorte], Pedro de Oliveira e Silva [Fazenda Pedro Velho], além de Pedro Moreira de Souza e Francisco Martins de Andrade cujas propriedades não foram registradas pelo pároco do Feijão Cru.

A propriedade de Pedro Moreira era a legítima paterna de sua esposa, Gertrudes Balbina de São José, que era irmã de Francisca de Paula Reis, esposa de Pedro Baldoino da Silva. Gertrudes e Francisca eram filhas de Maria Felicia dos Reis e José Ignacio de Souza que era natural do Quilombo, atual Bias Fortes, filho de José Mendes de Souza e Ursula Maria. Lá se casou, em 1809, com Maria Felicia dos Reis, nascida em 1792 em Santa Rita de Ibitipoca. Era filha de Miguel Esteves dos Reis e Clara Teodora de Castro. José Ignacio faleceu em Leopoldina em julho de 1844.

José Ignacio e Maria Felicia foram pais de: 01 – Maria Carolina de Jesus cc José Casemiro da Costa e em 1856 vizinhos da fazenda Pedro Velho; 02 – José Simpliciano dos Reis, que em 1856 foi citado como vizinho da fazenda Tabuleiro, era casado com Mariana Constança de Assunção; 03 – Gertrudes Balbina de São José nascida em 1816 no Quilombo, cc Pedro Moreira de Souza; 04 – Candida Ozoria de Rezende se casou com Antonio Garcia de Novaes, filho do formador da fazenda Saudades ou Campo Limpo; 05 – Francisca de Paula Reis cc Pedro Baldoíno da Silva que registrou a fazenda Boa Sorte em 1856; 06 – Cesario José dos Reis, nascido por volta de 1823; e, 07 – Julia nascida por volta de 1838.

Segundo seu inventário, José Ignacio de Souza formou a fazenda Bocaina, provavelmente em terras adquiridas de Manoel Ferreira Brito que teria sido o fundador da Fazenda São Manoel da Bocaina.

Sobre o casal formador da Fazenda Saudade ou Campo Limpo, registre-se que a matriarca Ana Francisca Garcia nasceu em Aiuruoca, filha de José Garcia e Maria do Rosário. Casou-se com Manoel José de Novaes a 22.06.1808, em Bom Jardim de Minas onde ele nasceu, filho de Domingos José de Novaes e Genoveva Maria do Rosário.

Vale observar que pela proximidade de origem com os Ferreira Brito e os Almeida Ramos, é possível que o casal tenha migrado para o Feijão Cru a convite deles.

Ana Francisca faleceu no dia 28.06.1852 e em seu inventário consta uma informação esclarecedora. Segundo declaração do agrimensor, a propriedade da família estendia-se da margem do Rio Pomba até as terras da Bocaina. Indicando, portanto, que a área urbana no arraial depois distrito de Campo Limpo surgiu na confrontação entre as duas fazendas.

Manoel José faleceu no dia em 05.09.1872 e o inventário foi aberto em maio de 1874. Naquele momento, seus bens já se encontravam sob administração dos herdeiros, incluindo seu vizinho e genro, Processo Lacerda.

Manoel José de Novaes e Ana Francisca Garcia foram pais de: 01 – João Batista, nascido por volta de 1817 e falecido em Campo Limpo em 1873, incapaz, foi representado por curador no inventário do pai; 02 – Maria Vitoria, cc Processo José Corrêa de Lacerda de quem se falará na próxima edição; 03 – Sebastião José cc Francisca Maria de Jesus; 04 – Antonio Garcia de Novaes cc Candida Maria de Rezende, filha de José Ignacio de Souza, da fazenda Bocaina; 05 – Francisco José, nascido por volta de 1830 e falecido solteiro logo depois da morte da mãe; e, 06 – Pedro José cc Candida Pompilia Tavares, casal que viveu no distrito de Tebas.

Chegado à estação, o Trem de História irá preparar a carga de outra propriedade que esteve profundamente ligada a Campo Limpo.

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 427 no jornal Leopoldinense, dezembro de 2021

Fontes Consultadas: 
Arquivo Público Mineiro PP 1/10 CX 01 DOC 04, Termo de São João Del Rei, Mapa da População de Bom Jardim - 1831, quarteirão 2, fogo 2 e CX 03 DOC 06, Termo da Vila da Pomba, Mapa da População do Feijão Cru, 1835 fls 21 fam 82; Carta de Sesmaria. SC 352 fls 76 e Coleção Casa dos Contos do APM, cx 87, item3; Seção Colonial, TP 114. Registro de Terras de Leopoldina. nº 56, nº 77 e nº 78 
Igreja N. S. da Piedade, Barbacena, MG, lv bat 1811-1830 fls 128v; lv cas 1795-1812 fls 199; lv cas 1808-1826 fls 1v; lv bat 1788-1798 fls 454 
Inventários de Ana Francisca Garcia, Felisberto da Silva Gonçalves, João Ignacio de Souza e Inventário de Manoel José de Novaes. 
TRINDADE, Cônego Raimundo. Velhos Troncos Mineiros. São Paulo: Gráfica Revista dos Tribunais, 1955. v.2 p.198/199

159 – Fazenda Feijão Cru

A mais antiga referência sobre esta propriedade é a declaração[1] de Manoel Antonio de Almeida, em 1856. Segundo esta fonte, a fazenda estava localizada no Ribeirão do Feijão Cru, contendo duas sesmarias de terras.

Sua sede ficava na margem direita do ribeirão que lhe empresta o nome, no local onde hoje se encontra o Colégio Estadual Professor Botelho Reis.

Na sede da fazenda passou a funcionar a Farmácia Central, fundada[2] por volta de 1866 pelo farmacêutico Antônio José Alves Ramos, cuja esposa Amélia Carolina Pereira Pinto era parente de Manoel Antônio.

Luiz Eugênio Botelho[3] relembra esta farmácia quando registra que o carnaval de 1898 contou com diversas representações e uma delas foi “a reconstituição de uma das batalhas da guerra russo-japonesa e teve como campo de batalha a praça Visconde do Rio Branco, defronte do sobrado de D. Amélia Ramos (onde está hoje edificado o Colégio Leopoldinense)”.

Em 1895, a Câmara Municipal de Leopoldina autorizou[4] a compra do prédio que na época pertencia aos herdeiros de Antonio José Alves Ramos, pelo poder público. Mas esta transação, ao que parece, não foi concluída imediatamente porque em 1896 a viúva ainda constou como contribuinte do imposto[5] sobre prédio urbano e farmácia.

Segundo informações orais, a venda somente se efetivou em 1902, ano em que a Câmara Municipal o transferiu para o político Ribeiro Junqueira que, juntamente com seus sócios, ali fundou a escola particular então denominada Gymnasio Leopoldinense.

Sobre esta transferência, comenta Estevam de Oliveira[6] que ela se afigurou um “escandaloso e revoltante privilégio” uma vez que o politico “obteve no orçamento elevado subsídio para um instituto de ensino de sua propriedade em Leopoldina”.

Quanto aos vizinhos, é sabido que uma das divisas da Fazenda Feijão Cru, declarada por Manoel Antonio em 1856, era com a Fazenda da Cachoeira. Esta Fazenda da Cachoeira foi formada por Joaquim Ferreira Brito e havia sido dividida no final de 1846, quando os proprietários fizeram a partilha dos bens entre seus herdeiros[7] e uma parte dela foi vendida para Antonio José Monteiro de Barros.

Outra divisa era com a Fazenda da Onça, cujo primeiro proprietário foi Bernardino José Machado, falecido em outubro de 1846. Conforme se verifica em seu inventário[8], as terras da Onça que divisavam com a Fazenda Feijão Cru couberam a dois genros de Bernardino.

Também declarada por Manoel Antonio de Almeida foi a divisa com Manoel Joaquim de Thebas, que hoje se sabe ser Manoel Joaquim Ferreira, formador da Fazenda Monte Alegre em cujas terras surgiu o atual distrito de Tebas.

Manoel Antonio declarou, ainda, ser vizinho de D. Thereza viúva de José Carlos. Este casal é identificado como Tereza Joaquina de Jesus, viúva de José Carlos de Oliveira falecido[9] em julho de 1852, sendo ele filho de Vital Antonio de Oliveira e Maria Narciza de Jesus, formadores da fazenda Rio Pardo que foi dividida em 1849 por ocasião da abertura do inventário[10] de Maria Narciza, que havia falecido em abril de 1843.

Os vizinhos seguintes da Fazenda Feijão Cru eram Carlos de Assis Pereira, Francisco Luiz Pereira e João Ribeiro.

O primeiro era neto de um irmão de Manoel Antonio de Almeida e viera para Leopoldina junto com a mãe, Joaquina Eucheria de Almeida, terceira esposa de João Gualberto Ferreira Brito. Ainda não se sabe o nome e a localização desta sua propriedade.

O segundo era o proprietário da Fazenda Ribeirão da Samambaia que mais tarde ficou conhecida como Fazenda Francisco Luiz, depois como Fazenda Samambaia e Fazenda Indaiá.

O último vizinho da Feijão Cru era João Antonio Ribeiro, proprietário da Fazenda Campo Limpo que se supõe ter sido um desmembramento das sesmarias recebidas por Felisberto da Silva Gonçalves e sua mulher Ana Bernarda da Silveira em 1813. Tal suposição encontra respaldo no Cônego Trindade[11] e em Artur Vieira[12] que indicaram a fazenda Campo Limpo como local de residência do filho do casal, Antonio Felisberto da Silva Gonçalves, em 1850. Esta fazenda Campo Limpo localizava-se a sudoeste da sede municipal, próximo à foz do ribeirão Samambaia no rio Pardo.

O Trem de História fica por aqui. Na próxima viagem, trará informações sobre outros vizinhos da fazenda Feijão Cru, assim como os nomes de seus sucessores. Até a próxima edição!

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA
Publicado na edição 412 no jornal Leopoldinense de 1 de novembro de 2020

Fontes Consultadas:
[1] Registro de Terras de Leopoldina. Arquivo Público Mineiro, Seção Colonial, TP 114, termo 18.
[2] Inventário de Manoel Rodrigues Coelho processo 38402233 COARPE/TJMG img 25, nota de venda de remédios.
[3] BOTELHO, Luiz Eugênio. Leopoldina de Outrora. Belo Horizonte: s.n, 1963. p. 43
[4] Lei Municipal nº 54, 22 de fevereiro de 1895.
[5] O Mediador. Leopoldina, MG. 01.11.1896 ed 50 p. 1 col 4.
[6] OLIVEIRA, Estevam de. Notas e Epístolas. Juiz de Fora-MG: Typographia Brasil, 1911. p. 163
[7] Inventário in vitae processo 38404416 COARPE – TJMG
[8] Inventário de Bernardino José Machado processo 38403334 COARPE – TJMG fls 2 img 4.
[9] , Inventário de José Carlos de Oliveira processo 38403280 COARPE – TJMG
[10] Inventário de Maria Narciza de Jesus processo 38404173 COARPE – TJMG
[11] TRINDADE, Cônego Raimundo. Velhos Troncos Mineiros. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1955. v. 2 p. 197.
[12] REZENDE, Arthur Vieira de. Genealogia Mineira. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1937. v. IV p. 271

150 – A ocupação do território que constitui o município

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Há quase três anos os autores do Trem de História publicaram o resultado de um estudo sob o título “200 anos do Registro Civil do Feijão Cru”[1] para marcar o aniversário de batismo do curso d’água que deu nome ao arraial mais tarde emancipado com o nome de Villa Leopoldina. Naquele outubro de 2017, o tema foi a concessão de duas sesmarias em cujas cartas, datadas de 13 e 14 de outubro de 1817, pela primeira vez foi mencionado o nome “Córrego do Feijão Cru”, mais tarde renomeado como Ribeirão do Feijão Cru.

Hoje o Trem de História retoma o assunto para que, nesta edição do jornal Leopoldinense em que se comemoram os 166 anos de emancipação administrativa, possam os autores tratar de um tema que lhes é muito caro: a ocupação do território que constitui o município de Leopoldina, nas terras do antigo Feijão Cru. E com este retorno ao tema, dar início a uma nova série de artigos sobre “Os pioneiros de Leopoldina”.

A pesquisa

Como se sabe, uma pesquisa sempre começa por uma questão que desperta o interesse e a curiosidade do pesquisador. No caso em pauta, melhor expressá-la em três ou quatro perguntas. Por onde chegaram os homens livres que ocuparam as terras indígenas neste sertão? Quando começaram a chegar? Onde se estabeleceram? Do quê se ocupavam?

Foi a partir de uma leitura mais atenta da história tradicional, na década de 1960, que os autores começaram a buscar respostas para estas questões. No início, de forma desorganizada. Mas ao longo do tempo o projeto de pesquisa foi esboçado em bases mais sólidas e as buscas começaram a dar frutos.

Um destes frutos decorreu de leituras despertadas pelo capítulo 4 do livro “Os Sertões do Leste”, de Celso Falabella publicado em 1987.

Tratando da ‘segunda diligência’ empreendida por Pedro Afonso Galvão de São Martinho, o autor cita trecho de uma carta do então Governador da Capitania de Minas, Luiz da Cunha Menezes, que se tornou conhecido pela alcunha de “Fanfarrão Minézio” como a ele se referiu o poeta Tomás Antonio Gonzaga na famosa obra “Cartas Chilenas”.

Vale relembrar que em 1784 e 1786 foram realizadas duas diligências com o objetivo de estancar o desvio do ouro pelas então mencionadas ‘zonas proibidas’, denominação que remete ao fato de que não era permitido ao homem livre se estabelecer nesta região da zona da mata. Ambas comandadas por Galvão de São Martinho e, entre seus membros, figurava o militar Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

As concessões de sesmarias

Antes da segunda diligência, Cunha Menezes escreveu a carta a Galvão de São Martinho na qual procurou divulgar a informação de que permitiria o estabelecimento de quarenta pessoas e duzentos escravos na região trilhada pela tropa, e que se estendia desde a cidade de Rio Pomba até o Porto do Cunha, registro criado em 1784.

Oficializada ou não a disposição escrita pelo Governador, o fato é que na última década do século XVIII foram concedidas algumas sesmarias no início do percurso e em 1810 tais concessões já chegavam às margens do Rio Novo. Alguns dos beneficiários eram parentes dos membros da tropa comandada por Galvão de São Martinho. Entre eles, dois sobrinhos de Tiradentes e suas respectivas esposas foram beneficiados com quatro sesmarias concedidas em novembro de 1813. Duas delas, concedidas a Felisberto da Silva Gonçalves e sua esposa Ana Bernarda da Silveira, estão na origem da Fazenda do Glória em território que mais tarde marcaria a divisa do Curato do Feijão Cru com o distrito de Bom Jesus do Rio Pardo.

Registre-se que o Córrego do Glória, cuja denominação inicial se perdeu na história, margeava o Monte Redondo, conforme referência de 1842 na folha 27 do primeiro livro do Cartório de Notas de Bom Jesus do Rio Pardo.

Mas não só os parentes de Tiradentes se estabeleceram por aqui. Também os de Pedro Afonso Galvão de São Martinho foram beneficiados com sesmarias ao longo do percurso daquelas diligências. Segundo Francisco de Paula Ferreira de Rezende, citado como exagero por Celso Falabella[2], os Monteiro de Barros teriam requerido sesmarias até para uma filha que ainda não nascera[3].

Do que foi até agora possível apurar, as sesmarias concedidas aos Monteiro de Barros, descendentes de Galvão de São Martinho, tiveram suas cartas datadas entre março e maio de 1818.

A última sesmaria concedida em território que comprovadamente fez parte do Distrito do Feijão Cru foi concedida em setembro de 1821.

Efetiva ocupação das terras

Estas terras foram concedidas, mas a ocupação nem sempre ocorreu na mesma data. Foi esta a conclusão a que se chegou na comparação entre as datas das Cartas de Sesmaria, os denominados Mapas de Habitantes e os poucos registros paroquiais das duas primeiras décadas do século XIX que já foram identificados.

De um lado, observou-se que Felisberto da Silva Gonçalves, sobrinho de Tiradentes, juntamente com a esposa, parece ter se estabelecido no Monte Redondo quase dez anos antes de fazer o requerimento que resultou na concessão das duas sesmarias ao casal. No outro extremo, as sesmarias concedidas aos Monteiro de Barros em 1818 não estavam ocupadas até 1831, quando foi feita a contagem dos habitantes do território.

Já as sesmarias doadas aos sogros de Bernardo José Gonçalves Montes em março de 1818 teriam sido ocupadas por ele em 1822.

Fernando e Jerônimo Corrêa de Lacerda receberam sesmarias em 1817 e, ao que parece, não residiram nestas terras. Encarregaram o sobrinho Francisco Pinheiro Corrêa de Lacerda de vendê-las. E consta que ele só se estabeleceu em terras do Feijão Cru em 1828, como agregado na propriedade de seu sogro Joaquim Ferreira Brito, a quem havia vendido parte de uma das ditas sesmarias doadas a seus tios.

Uma correção da história

Neste ponto um registro importante se faz necessário repetir para que se corrija um desvio da história de Leopoldina.

Conforme já foi dito em outros textos desta coluna Trem de História, Francisco Pinheiro Corrêa de Lacerda, inúmeras vezes citado pela história tradicional como fundador de Leopoldina, não o foi. Também não foi o primeiro a chegar às terras do Feijão Cru, como se vê acima. E nem estava mais aqui quando o arraial se tornou o Distrito de São Sebastião do Feijão Cru. Em verdade ele foi, tão somente, o emissário de seus tios, Fernando e Jerônimo Corrêa de Lacerda, na venda das terras que eles ganharam[4] em 1817. E, tão logo concluiu essa venda, seguiu o curso do Rio Pomba e se estabeleceu próximo à foz no Paraíba do Sul, onde veio a falecer[5] antes mesmo do Curato do Feijão Cru ter seus limites territoriais estabelecidos.

Mapa de Habitantes

Após identificar o período em que foram concedidas sesmarias do Termo de Barbacena que viriam a formar o território do Arraial do Feijão Cru, o passo seguinte foi analisar os moradores que aqui estavam em 1831, conforme apurado no Mapa de Habitantes daquele ano.

Naquela época, os mapas eram uma espécie de recenseamento que tinha como um dos objetivos a arrecadação de tributos.

Ressalte-se que só eram computados os moradores livres e seus cativos, sem qualquer registro ou notícia dos naturais da terra.

Outro objetivo da contagem populacional era demonstrar ao poder central que a localidade já atingira o número suficiente de habitantes para ser alçada ao patamar de comunidade organizada, ou seja, em condição de se tornar distrito.

O distrito do Feijão Cru

Naquele ano de 1831, o distrito do Feijão Cru ainda não existia e os primeiros moradores daqui passaram a compor o distrito então criado: São José do Paraíba, que deu origem ao atual município de Além Paraíba.

A cronologia documentada diz que em meados da década de 1820, a área onde está o atual município de Leopoldina deixou de fazer parte do Termo de Barbacena.

Em 1829 a capela de São João Nepomuceno, à qual o Feijão Cru pertencia, era filial da Freguesia do Mártir de São Manoel, que se tornou[6] a Vila de São Manuel do Pomba em 1831.

Sinval Santiago[7] registra que o Decreto Imperial de 11 de setembro de 1830, que autorizava as Câmaras Municipais a criar distritos e eleger seus Juízes de Paz, vigorou até 1834 e sob ele o Distrito do Feijão Cru teria sido criado.

Entretanto, a mais antiga referência ao Distrito do Feijão Cru é posterior à Carta de Lei de 12 de agosto de 1834 que transferiu para a presidência da província a prerrogativa da criação de distritos. Mais especificamente, o Distrito do Feijão Cru teria sido criado após 29 de novembro de 1835, quando Manoel Ferreira Brito assinou[8] o “mapa dos indivíduos” moradores no “Novo Curato de São Sebastião do Feijão Cru”.

Por outro lado, o mais antigo documento oficial a citar a denominação Distrito de São Sebastião do Feijão Cru foi assinado[9] por João Ferreira da Silva a 7 de setembro de 1838. Este documento encapava uma lista de habitantes distribuídos em 135 fogos[10], número superior ao mínimo necessário para criação de um distrito.

Reafirma-se, portanto, que o Distrito de São Sebastião do Feijão Cru foi criado entre novembro de 1835 e setembro de 1838.

O distrito fazia divisa com a Aldeia da Pedra (Itaocara) ao norte, distante 10 léguas; ao sul com o Espírito Santo (Guarará), distante 6 léguas; com São José do Paraíba (Além Paraíba) a 4 léguas e com Santa Rita do Meia Pataca (Cataguases) a 3 léguas.

Conclusão

Como se vê, a história de Leopoldina começou a ser desenhada no alvorecer do século XIX. Ao final da década de 1830 foi criado o Distrito de São Sebastião do Feijão Cru que foi emancipado[11] como Vila Leopoldina em abril de 1854.

Naquela primeira metade do século o homem livre chegou, ocupou as margens de córregos, ribeirões e rios, e formou fazendas que no final da década de 1850 entraram num novo patamar: as lavouras de milho foram substituídas pelas de café.

No final dos anos de 1800, ao lado da ocupação territorial, o emprego da mão de obra disponível na época gerou a necessidade de se recorrer à imigração, um dos temas que ocupou muitos vagões e viagens do Trem de História.

E assim, cada nova fonte trazia uma surpresa e despertava novas questões.

Questões como, por exemplo, a descoberta recente de que, entre as bacias do Rio Pardo e do Ribeirão do Feijão Cru, existiu um curso d’água com águas vertentes do Quilombo, denominação assumida por uma propriedade rural assim identificada em 1862. Um tema que, considerando que o termo ‘quilombo’ remete a um local de moradia e esconderijo de pessoas escravizadas que teriam fugido da servidão, pode ser indício de que ali tenha habitado algum grupo de resistência.

Questões que deixam a certeza de que há, ainda, muita história a ser contada. Muitas questões em aberto. E a certeza de que Leopoldina merece ter seu passado conhecido e preservado. Leopoldina merece cultivar a Lenda do Feijão Cru, sabendo que é lenda, mas conhecendo a sua história.

No próximo Jornal o Trem de História seguirá viagem, a partir de agora, percorrendo as sesmarias que se transformaram em propriedades ocupadas pelos pioneiros de Leopoldina. Até lá!

Fontes Consultadas:

[1] CANTONI, Nilza e MACHADO, Luja. 200 Anos do Registro Civil do Feijão Cru. Disponível em <https://www.academia.edu/34989583/200_ANOS_DO_REGISTRO_CIVIL_DO_FEIJ%C3%83O_CRU>

[2] CASTRO, Celso Falabella de Figueiredo. Os Sertões de Leste: Achegas para a história da Zona da Mata. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1987, p.70.

[3] REZENDE, Francisco de Paula. Minhas Recordaões. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1944, p.369.

[4] Arquivo Público Mineiro, Secretaria de Governo da Capitania, seção Colonial. SC-363 fls 190v e 192v.

[5] Arquivo Permanente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – COARPE – TJMG. Inventario in vitae dos sogros, processo 38404416 fls 4 img 7

[6] Decreto Imperial de 13 de outubro de 1831

[7] SANTIAGO, Sinval. Município de Rio Pomba - Síntese Histórica. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1991. p.480-481

[8] Arquivo Público Mineiro. Mapa da População do Feijão Cru CX 03 DOC 06, Termo da Vila da Pomba fl.1

[9] Arquivo Público Mineiro. Ofício ao Presidente da Província de Minas. CX 03 DOC 06, Termo da Vila da Pomba fl.23

[10] Fogos eram unidades habitacionais que poderiam ser compostas por uma ou mais casas de moradia.

[11] Lei Mineira nº 66 de 27 de abril de 1854.


Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 403 no jornal Leopoldinense de 30 de abril de 2020