Sesmarias concedidas no território do Feijão Cru

A análise das cartas das sesmarias concedidas a Fernando Afonso Corrêa de Lacerda e a seu irmão Jerônimo Pinheiro Corrêa de Lacerda, é, antes de tudo, uma tentativa de resgatar informações que não estão presentes em relatos históricos sobre Leopoldina.

Embora outras concessões tenham ocorrido antes destas duas, em território que pertenceu ao município de Leopoldina, estas cartas se destacam por um dado definitivo: foram as únicas a citar, literalmente, o córrego do Feijão Cru.

Datadas respectivamente de 13 e 14 de outubro de 1817[1], foram concedidas a tios de dois personagens dos primórdios do povoamento. Filhos de Antônio Carlos Corrêa de Lacerda e Ana de Souza da Guarda, os dois beneficiados eram irmãos de Álvaro Pinheiro Corrêa de Lacerda, pai de Francisco e Romão Pinheiro Corrêa de Lacerda[2].

Se em 1817 o córrego já fora denominado Feijão Cru em documento oficial, não resta a menor dúvida de que a região fora trilhada, antes disso, por falantes da língua compreendida pelos dirigentes da província. Não nos cabe discutir a lenda tida como origem do nome por fugir aos objetivos deste trabalho.

Os beneficiários das duas sesmarias jamais devem ter tocado o solo leopoldinense. O que se pôde apurar é que, por volta de 1828, delegaram a seus sobrinhos Francisco e Romão a incumbência de fazer cumprir o que determinava a legislação da época. Ou seja: demarcar, povoar e cultivar as terras recebidas.

Por essa ocasião Francisco já estava casado com Mariana Maria de Macedo[3], filha de Joaquim Ferreira Brito e Joana Maria de Macedo. Romão era solteiro e exercia o cargo de procurador da Câmara de Valença, RJ[4].

Na mesma época, outros personagens entram na história. Manoel Antônio de Almeida, sogro de um filho de Joaquim Ferreira Brito e Joana Maria de Macedo, migra da Serra da Ibitipoca para o Feijão Cru, acompanhado de parentes e escravos.

Ora, os personagens até aqui citados moravam na Ibitipoca, Bom Jardim ou Aiuruoca[5]. As famílias Lacerda, Ferreira Brito e Almeida estavam ligadas por casamentos. Francisco estava encarregado de povoar a terra doada aos tios e Manoel Antônio de Almeida passa pela região. Como abandonar a hipótese de que tenham vindo em tropa, conhecer e analisar o território?

A provável vinda para o Feijão Cru na década de 1820 pode ser presumida por outros indicadores. Entre eles a função de tropeiro exercida por um dos sobrinhos de Manoel Antônio, conforme consta na identificação de moradores da Serra da Ibitipoca[6]. Posteriormente a família deste tropeiro estava morando no Feijão Cru.

Parece-nos claro que os prazos determinados na concessão não foram cumpridos. Segundo a carta, em um ano as terras deveriam ser demarcadas e em dois anos deveriam ser povoadas e cultivadas. No entanto, só encontramos indícios de demarcação com venda de terras mais de uma década depois[7]. E acompanhando os nascimentos de netos de Joaquim Ferreira Brito e Manoel Antônio de Almeida, chegamos ao ano de 1829 como tendo sido o da vinda das famílias dos pioneiros para as terras de São Sebastião do Feijão Cru.

Carta de Sesmaria de Fernando Afonso Corrêa de Lacerda

CARTA DE SESMARIA CONCEDIDA A FERNANDO AFONSO CORRÊA DE LACERDA

Dom Manoel de Portugal e Castro, do Conselho de Sua Majestade e do da Sua Real Fazenda, Governador Capitão General da Capitania de Minas Gerais.

Faço saber ao que esta minha Carta de Sesmaria virem, que tendo consideração a Fernando Affonso Correia de Lacerda a mim apresentado por sua petição, que em um córrego que deságua no rio da Pomba chamado Feijão Cru, no Distrito de Santo Antônio do Porto do Ubá, Freguesia da Vila de Barbacena, se acham terras devolutas e o suplicante as queria para ter o legítimo título de Sesmaria, me pediu lhe conceder naquela paragem meia légua de terra em quadra na forma das Ordens; digo atendendo eu e ao que responderam os oficiais da Câmara da dita Vila e o Desembargador Procurador da Coroa e Fazenda desta Capitania, aos quais ouvi, disse lhe não oferecer dúvida alguma à concessão por não encontrar inconveniente que a proibisse, e pela faculdade que Sua Majestade me permite nas Suas Reais Ordens, e na de 13 de abril de 1738, para conceder Sesmarias a moradores dela, que mas pedirem. Hei por bem fazer mercê como por esta faço, de conceder em nome de Suas Majestades, ao dito Fernando Affonso Correia de Lacerda, por Sesmaria meia légua de terra em quadra nas pedidas, sem interpolação de outras, ainda que sejam inúteis na referida paragem, não tendo outra, e não sendo esta em parte ou todo dela em áreas proibidas, e dentro das confrontações acima mencionadas, fazendo pião aonde pertencer, com declaração porém que será obrigado dentro de um ano, que se contará da data desta, a demarcá-la judicialmente, sendo para esse efeito notificados os vizinhos com quem partir, para alegarem o que for a bem de sua justiça; e ele fará também a povoar, e cultivar a dita meia légua de terra, ou parte dela, dentro de dois anos, a qual não compreenderá a situação e logradouros de algum arraial ou capela em que se administrem ao povo sacramentos com licença do Ordinário, até a distância de um quarto de légua; nem também compreenderá ambas as margens de algum rio navegável, porque neste caso ficará de uma e outra banda dele a terra que baste para o uso público de passageiros, e de uma das bandas junto à passagem do mesmo rio se deixará livre meia légua de terra para comodidade pública, e de quem arrendar a dita passagem como determina a Ordem de 11 de março de 1754, reservando os sítios dos vizinhos com quem partir esta sesmaria, suas vertentes e logradouros, sem que eles com este pretexto seguirão apropriando demasiadas em prejuízo desta mercê que faço ao suplicante, a qual não impedirá a Repartição dos Descobrimentos de terras minerais que no tal sítio hajam ou possam haver, nem os caminhos e serventias públicas que nele houver, e pelo tempo adiante pareça conveniente abrir para maior utilidade do bem comum, com declaração que partindo as ditas terras por mato virgem com outra sesmaria se deixará na sua extremidade por essa parte uma linha de duzentos palmos, e além disto se conservará a décima parte dos matos virgens das referidas terras, sendo a metade desta porção designada junto aos córregos ou rios que por elas correrem para a criação e conservação das madeiras necessárias para o uso público, a qual porção de terra assim reservada não poderá o suplicante roçar sem licença deste Governo, nem impedir que nela se cortem madeiras para os serviços minerais, proporcionalmente a arbítrio de Bom Varão, tudo na forma do Bando de 13 de maio de 1736, e possuirá a dita meia légua de terra com condição de nela não sucederem religiões, igrejas, ou eclesiásticos por título algum, e acontecendo possuí-las será com o encargo de pagar delas dízimos, como quaisquer seculares, e será outrossim obrigado a mandar requerer a Sua Majestade pela Mesa do Desembargo do Paço, confirmação desta Carta de Sesmaria dentro de quatro anos, que correrão da data desta em diante, a qual lhe concedo salvo sempre o Direito Régio, e prejuízo de terceiro, e faltando ao referido não terá vigor, e se julgará por devoluta a dita meia légua de terra, dando-a a quem a denunciar, tudo na forma das Reais Ordens. Pelo que o Juiz das Sesmarias do Termo da dita Vila dará posse ao suplicante da referida meia légua de terra em quadra nas pedidas, não sendo em parte ou todo dela em árias proibidas, e prejudiciais aos Reais Interesses, porque em tal caso se lhe não dará a dita posse nem terá efeito esta concessão; feita a demarcação e notificação como Ordeno, de que se fará Termo no Livro a que pertencer e assento nas costas desta para a todo o tempo constar o referido. E por firmeza de tudo lhe mandei passar a presente por mim assinada, e selada com o selo de minhas Armas, e que se cumprirá inteiramente como nela se contém, registrando-se nos Livros da Secretaria deste Governo, e onde mais tocam. Francisco José Teixeira Chaves a fez. Dada em Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, a 13 de outubro. Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, de mil oitocentos e dezessete. O Secretário do Governo João José Lopes Mendes Ribeiro a fez escrever. Dom Manoel de Portugal e Castro.
Carta de Sesmaria de Jerônimo Pinheiro Corrêa de Lacerda

Carta de Sesmaria

Dom Manoel de Portugal e Castro, do Conselho de Sua Majestade e do da Sua Real Fazenda, Governador e Capitão Geral da Capitania de Minas Gerais.

Faço saber aos que esta minha Carta de Sesmaria virem que, atendendo ao a mim apresentado por sua petição Jerônimo Pinheiro de Lacerda, que em um córrego chamado Feijão Cru que deságua no rio da Pomba no Distrito de Santo Antonio do Porto do Ubá, Termo de Barbacena, se acham terras devolutas; e que o suplicante requeria possuir por legítimo título de Sesmaria, me pedia lhe concedesse na dita paragem meia légua de terra em quadra, na forma das Ordens, ao que atendendo-se e ao que responderam os oficiais da Câmara da dita Vila, e o Doutor Procurador da Casa e Fazenda desta Capitania, aos quais ouvi, disse-lhe não oferecer dúvida alguma na concessão por não encontrar inconveniente que a proibisse; e pela faculdade que Sua Majestade me permite nas Suas Reais Ordens, e na de 13 de abril de 1738, para conceder Sesmarias das terras desta capitania aos moradores dela que mas pedirem. Hei por bem fazer mercê como por esta faço, de conceder em nome de Sua Majestade ao dito Jerônimo Pinheiro de Lacerda por Sesmaria meia légua de terra em quadra nas pedidas, sem interpolação de outras, ainda que sejam inúteis na referida paragem, não tendo outra, e não sendo esta em parte ou todo dela, em árias proibidas, e dentro das confrontações acima mencionadas, fazendo pião onde pertencer; com declaração porém que será obrigado dentro em um ano, que se contará da data desta, a demarcá-la judicialmente, sendo para esse efeito notificados os vizinhos com quem partir, para alegarem o que for a bem de sua justiça; e ele deverá também a povoar, e cultivar a dita meia légua de terra ou parte dela dentro em dois anos, a que não compreenderá a situação, e logradouros de algum arraial, ou capelas em que se administrem ao povo sacramentos com licença do Ordinário, até a distância de um quarto de légua, nem também compreenderá ambas as margens de algum rio navegável, porque neste caso ficará de uma a outra banda dele a terra que baste para o uso público dos passageiros; e de uma das bandas junto a passagem do mesmo rio se deixará livre meia légua de terra para comodidade pública e de quem arrendar a dita passagem, como determina a Ordem de 11 de março de 1754, reservando os sítios dos vizinhos com quem partir esta Sesmaria, suas vertentes, e logradouros, sem que eles com este pretexto seguirão a apropriar de demasiadas em prejuízo desta mercê que faço ao suplicante, o qual não impedirá a Repartição dos Descobrimentos de terras minerais, que no tal sítio hajam ou possam haver, nem os caminhos e serventias públicas que nele houver, e pelo tempo adiante pareça conveniente abrir para melhor utilidade do bem comum, com declaração que partindo das ditas terras por mato virgem com outra Sesmaria se deixará na sua extremidade por essa parte uma linha de duzentos palmos e além disto se conservará a décima parte dos matos virgens das referidas terras, sendo a metade desta porção designada junto aos córregos, ou rios que por elas correrem, para a criação e conservação das madeiras necessárias para o uso público, a qual porção de terra assim reservada não poderá roçar sem licença deste Governo, nem impedir que nela se cortem madeiras para os serviços minerais vizinhos, proporcionalmente a arbítrio de Bom Varão, tudo na forma do Bando de 13 de maio de 1736, e possuirá a dita meia légua de terras com condição de nela não sucederem religiões, igrejas ou eclesiásticos, por título algum, e acontecendo possuí-las será com o encargo de pagar delas dízimos, como quaisquer seculares, e será outrossim obrigado a mandar requerer a Sua Majestade, pela Mesa do Desembargo do Paço, confirmação desta Carta de Sesmaria dentro em quatro anos, que correrão da data desta em diante, a que lhe concedo salvo sempre o Direito Régio, o prejuízo de terceiro, e falhando ao referido não terá vigor, e se julgará por devoluta a dita meia légua de terra, dando a quem a denunciar, tudo na forma das Reais Ordens. Pelo que o Juiz das Sesmarias do Termo da dita Vila dará posse ao suplicante da referida meia légua de terra em quadra nas pedidas, não sendo em parte ou todo dela em árias proibidas, e prejudiciais aos Reais Interesses, porque em todo caso se lhe não dará a dita posse, e nem terá efeito esta concessão; feita a demarcação e notificação como ordeno, de que se fará Termo no livro a que pertencer, e assento nas costas desta, para a todo o tempo constar o referido. E para firmeza de tudo lhe mandei passar a presente por mim assinada, e selada com o selo de minhas Armas, que se cumprirá inteiramente, como nela se contém, registrando-se nos livros da Secretaria deste Governo, e onde mais tocar.

Francisco José Teixeira Chaves a fez. Dado em Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, aos 14 de outubro. Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e dezessete. O Secretário do Governo, João José Lopes Mendes Ribeiro a fez escrever. Dom Manoel de Portugal e Castro.

[1] Códice 363, folhas 190 e 192verso, livros de Cartas de Sesmarias disponíveis no Arquivo Público Mineiro.

[2] Para o parentesco entre os personagens, ver banco de dados de Nilza Cantoni, baseado em pesquisas realizadas nos livros paroquiais da região da Serra da Ibitipoca.

[3] Cálculo de nascimento dos filhos segundo os Mapas de População de São José do Além Paraíba e São Sebastião do Feijão Cru, arquivados no Arquivo Público Mineiro.

[4] CASTRO, Celso Falabella de Figueiredo. Os sertões de Leste – Achegas para a história da zona da mata. Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1987. pág. 69

[5] Pesquisa de Nilza Cantoni nos livros paroquiais de Conceição de Ibitipoca.

[6] Mapas de População de Santa Rita do Ibitipoca e Santana do Garambéu, arquivados no Arquivo Público Mineiro.

[7] Antônio Rodrigues Gomes Filho declarou ter adquirido terras a Francisco Pinheiro Corrêa de Lacerda, em data de 20.04.1829, conforme Registro de Terras de 1856, arquivado no Arquivo Público Mineiro.

São Sebastião da Cachoeira Alegre

Freguesia de 1887, pertencente à Paróquia de São Paulo de Muriaé, São Sebastião da Cachoeira Alegre ocupava grande extensão territorial, com 470 fazendas e 4.000 habitantes na década de 1870.

No seu extremo sul apareceu, ao final dos anos de 1880, o povoado de Bom Jesus da Cachoeira Alegre com metade da extensão territorial e população. Quando Palma alcançou autonomia administrativa, a população somada de São Sebastião e Bom Jesus era 40% superior à de Palma. No processo de incorporação, os 4.200 habitantes de São Sebastião permaneceram vinculados a Muriaé e os de Bom Jesus passaram a Palma que teve, então, sua população aumentada de 5.000 para quase 8.000 habitantes.

Houve muita disputa política entre o final do século anterior e a primeira década do século XX, com os administradores de Palma querendo exercer o poder sobre São Sebastião da Cachoeira Alegre. Em 1911 veio a decisão a favor de Palma,  o que não agradou aos moradores. Prosseguiram as disputas até que, em 1920, São Sebastião da Cachoeira Alegre passou para o distrito de Silveira Carvalho, pertencendo a Muriaé. Entre os mentores desta nova divisão administrativa encontram-se, entre outros, os Silveira Carvalho, Duarte, Almeida, Rocha, Lammoglia, Meloni e Montovani.

Bom Jesus da Cachoeira Alegre permaneceu em Palma até 1962, quando o distrito de Morro Alto foi elevado a município com o nome de Barão de Monte Alto. O principal motivo da separação foi o abandono a que estava relegado o distrito de Morro Alto, ao qual Bom Jesus havia sido incorporado.

Na década de 1920 as localidades de Morro Alto, Bom Jesus e São Sebastião receberam muitos imigrantes portugueses, atraídos pelo baixo preço das terras esgotadas pela monocultura de café. Desde o final do século anterior já havia grande número de imigrantes, especialmente italianos, em São Sebastião da Cachoeira Alegre. A multiplicação de pequenas propriedades, onde outrora existiram verdadeiros latifúndios produzindo apenas café, modificou sensivelmente o panorama local. Muriaé, que foi o 16º município brasileiro em produção cafeeira  naquele 1920, aos poucos passou a dedicar-se a outras atividades, liberando grande extensão de terras para os neo-agricultores. Assim, portugueses e italianos atingiram o sonho da terra própria. Infelizmente, porém, foram os mais atingidos pela quebradeira de 1929.

Entre outras famílias que participaram desta retomada do crescimento está a do tio do poeta Miguel de Torga, que saiu de Leopoldina para comprar a Fazenda de Santa Cruz em São Sebastião da Cachoeira Alegre, na época distrito de Muriaé com o nome de Silveira Carvalho. Seus familiares estão profundamente vinculados ao movimento político que resultou na criação do município de Cachoeira Alegre e permaneciam em sua administração até a realização desta pesquisa, em 2001.

Quanto aos descendentes de italianos, a geração nascida a partir de 1930 conheceu dificuldades inomináveis. Embora a energia elétrica tenha chegado a Muriaé em 1910, seus distritos só a conheceram dez anos mais tarde. Por outro lado, Palma só teve energia elétrica a partir de 1920 e até 1964 este benefício não tinha chegado ao distrito de Morro Alto.

Da mesma forma teve influência a baixa escolarização dos habitantes. Apesar de Muriaé oferecer educação nos distritos desde o final do século XIX, as disputas políticas em São Sebastião da Cachoeira Alegre impediram a criação de escolas antes de sua re-anexação à antiga sede. Enquanto Muriaé contava com 36 núcleos de educação básica em 1916, o município vizinho atendia apenas a população da área urbana em suas 6 escolas.

Este texto foi composto a partir de informações obtidas em:

– entrevistas com descendentes dos Correia da Rocha;

– entrevistas com descendentes de italianos;

– relatórios da Presidência da Província de Minas Gerais;

– dados estatísticos fornecidos pelo Centro de Documentação da Fundação IBGE;

– dados estatísticos da Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais;

– Fundação Henrique Hastenreiter e sua Revista de Historiografia Muriaeense;

– Revista Municípios, número dedicado a Muriaé;

– FARIA, Maria Auxiliadora de. O que ficou dos 178 anos da história de Muriaé. Itaperuna, RJ: Damadá, 1985.

Piacatuba: evolução administrativa e origem do nome

Entre 1844 e 1851 o povoado, em homenagem a Nossa Senhora da Piedade, abrangia uma vasta região em torno de uma capela filial, curada da Freguesia de São Sebastião do Feijão Crú. Para melhor explicarmos sua evolução, lembremo-nos do significado de cada um dos termos próprios da divisão administrativa, no século dezenove, bem como a sua aplicação.

A Província de Minas Gerais era administrada por um Conselho Geral, presidido pelo Governador da Província, que encaminhava os pedidos de criação de Vilas e Cidades para a Assembleia Geral Legislativa do Império. Aprovado o pedido, era então emitido o Decreto Imperial que sancionava a criação, estabelecendo que a Vila teria uma Câmara Municipal e determinando qual seria sua área de abrangência. Procedia-se à eleição dos Vereadores e marcava-se a data de Instalação da Vila. O mais velho entre os eleitos assumia como Presidente da Câmara.

No decurso de sua atuação, as Câmaras Municipais avaliavam a necessidade de criar subdivisões administrativas que melhor atendessem às necessidades da população. O Decreto Imperial de 11 de setembro de 1830, estabelecia que a criação de Distritos cabia às Câmaras Municipais. Esta determinação foi modificada por Lei Provincial Mineira de 12 de agosto de 1834 e a criação de Distritos passou para a alçada do Presidente da Província. Distrito é a divisão civil de uma Vila ou Cidade.

Durante o processo de criação, e algumas vezes somente depois de criado o Distrito, era encaminhada ao Bispado a solicitação de Instituição Canônica da Freguesia, também conhecida por Confirmação Episcopal.

Geralmente a criação de um Distrito se dava em torno de um povoado onde já existia uma Capela. Em todas as grandes fazendas, o proprietário mandava construir, no mínimo, um Oratório para o serviço religioso de sua própria família. Se localizada a grande distância da Freguesia, após acordo com os fazendeiros vizinhos o proprietário fazia a Doação do Patrimônio ao Santo de sua devoção.

Na prática, isto significava uma Escritura de transferência de seus direitos sobre um pedaço de terra para o Bispado a que estivesse subordinado. De posse do Patrimônio, a Cúria Episcopal autorizava a realização de serviços religiosos naquela capela. O padre era então designado e poderia ser um Vigário Colado ou um Cura. A diferença está em que na Vigairia Colativa o salário do padre era pago pela Fazenda Real e era chamado de Côngrua. No Curato, os rendimentos do padre eram um percentual das taxas pagas pelos Fregueses para a realização dos atos religiosos.

Da estrutura de funcionamento do Bispado fazia parte a realização das Visitas Pastorais que, entre outras obrigações, fiscalizava os livros de cada uma das Igrejas de sua jurisdição. Observando um crescimento da população e, consequentemente, o aumento dos atos realizados no período, iniciava-se o processo de elevação do Curato em Freguesia.

Antes de prosseguirmos, queremos deixar claro que não havia regularidade no processo, e dois Bispados poderiam agir de forma bastante diferente. A história da criação do Curato de Nossa Senhora da Piedade, bem como do Curato do Tesouro de São Sebastião do Feijão Cru e alguns vizinhos, foi um tanto diferente de outros na mesma província. Isto porque, embora localizados dentro do território de Minas Gerais, sua Instituição Canônica foi realizada pelo Bispado do Rio de Janeiro.

O Curato de Nossa Senhora da Piedade foi instituído em terras doadas por Domingos de Oliveira Alves, em 1844. Foi elevado a distrito pela lei número 533 de 10 de outubro de 1851, fazendo parte do então recém-criado município de Mar de Espanha. Com a emancipação do Feijão Cru a Vila Leopoldina, em 1854, passou para esta jurisdição.

A lei número 2027, de 1º de dezembro de 1873, criou a Paróquia de Nossa Senhora da Piedade. De acordo com a legislação da época, isto significava conceder autonomia para ampliar o raio de ação, podendo o padre atender aos fregueses residentes fora de sua área administrativa. Acreditamos que esta lei tenha sido uma consequência do que já vinha ocorrendo na prática. Desde 1851 é possível encontrar assentos paroquiais de atos realizados nas capelas do Porto de Santo Antônio (Astolfo Dutra) e de Santana de Cataguases, lançados nos livros da Igreja de Nossa Senhora da Piedade.

Alguns autores consideram que não houve Instituição Canônica, ou que a lei acima foi tornada sem efeito, em virtude do contido na lei número 3798 de 16 de agosto de 1889, que tratava da elevação à Freguesia. Pedimos permissão para manifestar uma opinião algo divergente. Analisando Atas de Visitas Comarcais do período, concluímos que pode ter havido algum processo interrompido, mas que a legislação civil acatou a lei de 1873, passando a referir-se à Freguesia de Nossa Senhora da Piedade da Leopoldina. Nos atos eclesiásticos, porém, consta que ainda era Curato quando foi transferido para a Diocese de Mariana, por Ato Pontifício de 16 de julho de 1897, com o nome de Piedade da Leopoldina.

A derradeira mudança de nome veio muito tempo depois. Na divisão administrativa de Minas Gerais levada a efeito pela Lei número 843 de 7 de setembro de 1923, foram trocados os nomes de 324 sedes distritais, sendo que, de 177, foram substituídas as denominações de origem cristã. Enquadra-se, neste caso, o Distrito da Piedade que, a partir daí, passou a ter uma palavra de origem tupi como seu topônimo.

O nome Piacatuba é formado dos seguintes termos: PIA que significa coração, CATU que significa bom e BA que significa lugar. Portanto Piacatuba, na língua geral, significa LUGAR DE GENTE DE BOM CORAÇÃO, numa alusão aos índios puris que foram seus primeiros habitantes e que, então, eram considerados pacíficos.

Infelizmente, temos uma nota dissonante a este respeito. Embora o nome sugerido pelo Senador Basílio de Magalhães, por ocasião da discussão da Lei número 843 acima citada, tenha sido evidentemente explicado conforme documentação que compõe os anais da Assembleia Legislativa Estadual, muitos não compreenderam ou não quiseram aceitar seu significado. Data desta época a versão “Piracatuba” para o nome do distrito, constante em algumas obras oficiais, como a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, editada 26 anos depois.

Mais uma vez, pedimos licença para manifestar opinião pessoal. É que a substituição de “Pia” por “Pira” modificaria o significado do topônimo. No lugar de ser conhecida como “Terra de gente de bom coração”, seria conhecida como “Terra de incendiários”, numa linguagem atualizada. No entanto, os autores de tal absurdo demonstraram o completo desconhecimento da língua geral. Isoladamente, “Pirá” era palavra utilizada pelos índios para designar peixe, donde temos, por exemplo, o peixe chamado “pirarucu”. Quanto a “Pyrá”, do grego, e “Pyra”, do latim, ambas se relacionam a “fogo e fogueira”. Uma hipotética aglutinação de Pyrá + Catu + Ba significaria, mais ou menos, “lugar bom para queimar”. Se considerada de exclusiva origem do tupi, Pira + Catu + Ba significaria “lugar bom para peixe” ou para pescar. O que não é, historicamente falando, o caso de Piacatuba.

Pelo que pudemos apurar em algumas lendas familiares, a troca de nome do lugar teria sido alimentada por pessoas de pouco siso, cujo único objetivo seria achincalhar a origem da Cruz Queimada, episódio que foi berço da religiosidade séria e respeitável de toda a “Gente de Bom Coração”. O início da década de 1920 viu nascer disputas acirradas de praticantes das religiões protestantes contra os católicos, como se pode observar nos jornais A Noite, A União, A Razão, Correio da Manhã, O Brasil e O Combate, publicações da capital federal e da capital mineira. E justamente naquela época começou a ser construído o Monumento da Cruz Queimada.

Além da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, outras publicações utilizaram o nome Piracatuba ao longo do século XX:

Sino Azul – Rio de Janeiro – Revista da CTB, 1964, ed 1, p 13, col 2.

Correio da Manhã. 27 maio 1924, ed 9212, p 5, col 1;

Brazil-Ferro-Carril. Revista Semanal de Transportes Economia e Finanças, 15 out 1925, p 507, col 2;

O Jornal. 15 fev 1928, ed 2824, última página, col 7;

Revista Excelsior – Rio de Janeiro. set 1931, ano IV, nr 44, p 73, col 2;

O Jornal. 01 abril 1949, ed 8872, Segundo Caderno, p 1, col 7;

Texto publicado em outubro de 2001 por Lucimary Vargas de Oliveira e Nilza Cantoni e atualizado em abril de 2018 e abril de 2024 por Nilza Cantoni.

Joaquim Antonio Dutra: médico e político

Ensaio biográfico sobre um dos mais influentes políticos mineiros, o médico Doutor Joaquim Antonio Dutra.

 

Indígenas em Leopoldina

Os indígenas são mencionados em todos os trabalhos sobre o povoamento de Leopoldina. Entretanto, nem sempre o que foi publicado sobre o assunto condiz com o registrado em fontes documentais.

Este texto traz algumas informações que apuramos principalmente em livros paroquiais de Leopoldina e seus antigos distritos, região habitada pelos Puris antes da chegada do homem branco. As imagens foram extraídas dos livros dos viajantes estrangeiros que visitaram os Sertões do Leste. A exceção é Debret que desenhou baseado em relatos de terceiros.

Segundo Spix e Martius[1]

“Todos os índios que chegamos a conhecer aqui, das tribos de Puris, Coropós e Coroados, surpreendentemente, pouco se diferençavam entre si na estatura e nas feições; os traços individuais pareciam, provavelmente por falta de desenvolvimento, dominados pelos traços gerais da raça do que é o caso, nas outras raças.
Os índios são baixos ou de estatura mediana; os homens têm quatro a cinco pés de altura, as mulheres, em geral, pouco mais de quatro pés; todos têm corpos robustos, largos e atarracados. Só raramente se encontram entre eles alguns de estatura mais alta e esbelta. Têm ombros largos, pescoço curto e grosso; os seios das mulheres não são tão frouxos e descaídos como os das negras; o ventre é fortemente protruso, o umbigo muito bulboso, porém menos que nos negros; as partes masculinas são muito menores que as dos negros, e não, como as destes últimos, em constante turgidez; as extremidades são curtas, as inferiores não são nada carnudas, são, sobretudo, franzinas as barrigas das pernas e as nádegas; as superiores são cheias e musculosas. O pé, estreito no calcanhar, é muito largo na frente e o dedo grande aparta-se dos outros; as mãos estão quase sempre frias, os dedos relativamente finos, e as unhas, que eles roem constantemente, costumam ser muito curtas. O colorido da tez é vermelho-cúprico, mais ou menos carregado, diferençando-se segundo a idade, a ocupação e estado de saúde do indivíduo. As crianças recém-nascidas são de cor branco-amarelada, como os mulatos; os doentes tornam-se de cor amarelo-pardacenta, e só excepcionalmente se encontram, entre eles, albinos ou malhados de escuro. Em geral, são de cor tanto mais escura, quando mais robustos e ativos. Nas partes inferiores do corpo e nas extremidades, o vermelho-cúprico passa, às vezes, para colorido mais escuro; na face interna das articulações, ao contrário, a cor esvaece e torna-se esbranquiçada.
O índio, propriamente, não pode corar, e o humano “Etubescit, salva res est” não tem aplicação para essa rude raça humana. Só depois de longa convivência com os brancos, notamos entre os índios a mudança de cor, como sinal de emoção.
A sua pele é muito fina, macia, brilhante e, exposta ao sol, sujeita a transpirar; o cheiro que exala (catinga) não é tão intenso como o dos negros, mas é acre, amoniacal. O cabelo negro, brilhante, comprido, escorrido, cai espesso e emaranhado da cabeça. Nas axilas e sobre o peito, não se nota em geral cabelo algum; nas partes sexuais e no queixo dos homens, apenas leve penugem. Entretanto, há exceções, embora raras; vimos alguns deles de peito cabeludo e barba cerrada. O característico da cabeça é corresponder ao peito largo a largura especialmente da parte parietal ; na face avultam maçãs salientes. A testa é baixinha, o sinus frontal saliente na base, em cima estreita e inclinada muito para trás. O occipício é muito mais saliente do que o dos negros, cujo crânio é mais estreito e alongado que o dos índios. O rosto é largo e anguloso, e não é tão proeminente como o dos negros, porém, mais do que o dos calmucos ou dos europeus. As orelhas são pequenas, bonitas, um tanto saídas para fora, não são furadas e nem desfiguradas por objetos pesados. São pequenos os olhos, pardo-escuros, oblíquos, o canto interior volvido para o nariz, protegidos por sobrancelhas de poucos pêlos, que, no meio, se recurvam para cima; o nariz é curto, em cima pouco achatado e chato na ponta, entretanto não tão chato como o dos negros; as narinas são largas e apenas pouco viradas para fora; os lábios muito menos grossos e salientes que os dos negros; não é o lábio inferior, porém o superior que se salienta um pouco, ou então são ambos iguais; a boca é pequena e mais fechada que a dos negros. São muito alvos os dentes, os incisivos largos e bem alinhados; salientam-se os caninos. Em geral, o corpo o índio é entroncado, largo e baixo, ao passo que o dos negros é alto e esguio; ele, com isso, aproxima-se mais das outras raças, sobretudo dos chineses e calmucos, conquanto estes sejam de tez mais clara e de traços melhor conformados. Deformados e aleijados nós tampouco encontramos nos índios, pelo que alguns supõem que costumam dar cabo deles, logo ao nascerem.”


Assentos paroquiais como fonte de pesquisa

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Interpretar os antigos assentos paroquiais requer leituras e releituras atentas, além de análise comparativa com outros documentos que ajudem a esclarecer o significado dos termos utilizados pelos padres. Em muitos estudos, observa-se um certo açodamento dos autores ao fixarem sentido único para termos que foram utilizados de forma variada. É o que ocorre, por exemplo, com as palavras párvulo, inocente e ingênuo. Tomados à primeira vista com o mesmo sentido, nem sempre assim o foram entendidos pelos padres que deles fizeram uso. Nos primeiros livros paroquiais da Matriz de Leopoldina e da Igreja de Nossa Senhora da Piedade, em geral o nome da criança é precedido da palavra “innocente”[2]. Já nos assentos das igrejas de Bom Jesus do Rio Pardo e Conceição da Boa Vista, o termo mais frequente é “párvulo”.  Mas em todos estes livros pode-se encontrar, assim como nos da Igreja de Santo Antonio de Tebas, batismos em que o nome da criança não é precedido de nenhuma outra indicação.

Outra observação importante é a respeito das indicações posteriores ao nome da criança. A primeira informação é bem clara, registrando “filho natural de” ou “filho legítimo de” para distinguir as crianças nascidas de matrimônios celebrados pela Igreja daquelas que nasceram de mães solteiras. Em pequeno número de casos aparece “filho adulterino de” e em um único caso, na Igreja de Santo Antônio de Tebas em 1885, foi encontrado “filho natural de” seguido do nome do pai da criança. No caso dos mancípios, após o nome de cada um dos pais há indicação do nome do proprietário. Com certa frequência temos, também, casos em que a criança filha de escravizada e nascida antes de 1872 foi libertada pelo senhor no ato do batismo.

Nem sempre aparece indicação mais detalhada sobre os escravizados pais da criança batizada. Mas, especialmente no primeiro livro de batismos de Bom Jesus do Rio Pardo, período 1838 a 1864, são frequentes indicações como crioulo, mina, de nação, africano (a) e pardo (a).

Ressalte-se que, em livros de outras Freguesias mineiras, muitas vezes encontramos o nome da criança antecedido da palavra ingênuo (a). Já nas igrejas acima citadas, este termo, quando aparece, não está antes do nome da criança mas após o nome da mãe. É o que ocorre, por exemplo, no assento da página 82 verso de um livro de batismos da Igreja de Santo Antonio de Tebas, informando-se que no dia 25 de dezembro de 1882 o padre Eugenio Martins do Couto Reis batizou Ventura, do sexo masculino, “nascido a 4 de outubro de 1882, filho natural de Belmira, ingenua de Candido José de Almeida”. Este formato repete-se em vários assentos das igrejas de Nossa Senhora da Piedade e Bom Jesus do Rio Pardo, em alguns casos com um complemento: “ingenua puri”.

No primeiro livro de Bom Jesus do Rio Pardo, página 26, encontra-se: “fº natural de Florinda India Puri” e “f. natural de Felisbina Purí”. Na página 18 deste mesmo livro consta: “Aos vinte hum dias do mez de Fevereiro de mil oito centos e quarenta hum Baptizei solemnemente e pus os Santos Oleos nos Puris seguintes Antonio fº de Anna, e Maria fª de Maria” [3].


Outras referências aos indígenas


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Na correspondência de Guido Thomaz Marlière são encontradas diversas referências aos nativos que viviam no Rio Pardo. Entre outras, numa carta do Secretário da Junta Militar da Conquista Ignacio José Nogueira da Gama a Marlière, de 1816, informa-se que foi autorizado o pagamento da fatura do moinho de que necessitam os Indios Puris, aldeados no Rio Pardo e Paraíba, além da compra de tachos, enxadas e vestuário para os mesmos índios[4]. Segundo se verá adiante, a construção do moinho ficou a cargo de José Paradellas, que seria encarregado do aldeamento no Rio Pardo. Sobre este personagem, aliás, no livro Tombo da Igreja de Bom Jesus do Rio Pardo consta o registro de teor seguinte.

José Paradella senhor e possuidor da Fazenda Fortaleza, fez um voto ao Bom Jesus se os seus dois filhos não fossem recrutados para a Revolução Mineira de 1842, doar o patrimonio e construir uma capellinha do Bom Jesus, e tendo sido saptisfeito, edificou uma capellinha de palmitos e determinou as divisas vertentes de 15 alqueires mais ou menos de terra, fazendo divisas com a Fazenda Salvação, a começar num corrego e atravessando a estrada e vertendo o dito corrego até galgar um vallo, seguindo este e atravessando um outro, até a parte que vem do arrayal Feijão Crú, e seguindo o espigão, e descendo numa grota, onde tem uma aguinha até a estrada e indo ao Rio Pardo e por este a Salvação.

Rio Pardo 25 de Dezembro de 1842

Segundo o Mapa de Habitantes do Curato do Espírito Santo do Mar de Espanha[5], que abrangia o território de Guarará, Maripá, parte de Argirita e Tebas, em 1831 ali vivia a família Paradellas, de cor parda. Há estudiosos que julgam ser esta a cor indicada para os indígenas, o que acreditamos ser uma interpretação apressada, já que os nativos dificilmente teriam sido recenseados por não atenderem a um pressuposto básico: residirem num “fogo”, ou seja, terem moradia fixa. A 20 de outubro de 1840 os Paradella venderam 60 alqueires da Fazenda Fortaleza para Felisberto da Silva Gonçalves[6], sendo que a venda só foi regularizada em 1851 quando os descendentes do patriarca residiam na Fazenda Bom Retiro.

Recorremos ao Registro de Terras de 1856[7] para acrescentar que Antonio Custodio Nogueira declarou ser proprietário da Fazenda Monte Claro, cujas terras adquiriu de José da Silva Paradellas,

ao qual foi concedida pelo Governo Provincial em indemnização de hum moinho por elle feito para uso dos Indios, como tudo melhor consta dos titulos existentes em seo poder, começando na quadra da Sesmaria do Alferes Candido Antonio da Silveira, seguindo corrego maior acima a fazer deviza na ultima caxoeira do dito corrego e corrego menor, lagrimais, e todas as vertentes de hum e outro lado do dito corrego, confrontando estas terras com o dito Alferes Candido, herdeiros de Joaquim Gonçalves, e outros.

No mesmo ano, em Mar de Espanha foi colhida a declaração do próprio Paradellas[8]

Declaro eu abaixo assignado que possuo nesta Villa do Mar de Hespanha huma demarcação sita na Rua das Caissaras tendo de frente cincoenta e cinco palmos e fundos athe o Rio divide a direita com Felis de tal, e esquerda com Candido de tal. Mar de Hespanha vinte de Abril de mil oito centos e cincoenta e seis. José da Silva Paradellas.


Conclusão

Poder-se-ia realizar um novo levantamento nos livros paroquiais das Igrejas de Argirita, Piacatuba, Tebas, Conceição da Boa Vista e Leopoldina, com vistas ao registro da presença de indígenas no território do antigo Curato de São Sebastião do Feijão Cru. Para o texto que ora se encerra foram inseridas apenas algumas informações que comprovam a presença de nativos na região, sabendo-se que a representatividade é ínfima, uma vez que a grande maioria não foi cristianizada. Deste modo, acredita-se que qualquer pesquisa neste sentido estará sempre aquém da realidade.

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Oiliam José[9] informa que na Serra dos Puris, à margem da BR 116, e na Lajinha (Piacatuba), existiram aldeias puris onde foram encontradas duas machadinhas destes que teriam sido os derradeiros indígenas da Zona da Mata. Segundo o autor, as peças pertenciam à coleção de Mauro de Almeida Pereira. Acrescente-se que esta informação circulava entre as pessoas que conviviam com o Mauro na década de 1960, mas sem indicação do período do achamento ou de análise da idade dos materiais. Sabe-se, entretanto, que Candido José de Almeida, citado no assento transcrito do livro da Igreja de Santo Antonio de Tebas, era irmão do avô materno de Mauro de Almeida Pereira e bisavô da autora deste texto. O mesmo Candido foi Juiz de Paz em Tebas, entre 1883 e 1890, onde residiu a partir de meados da década de 1850. Lendas familiares dão conta de que, além de um bom plantel de escravos libertos, em suas terras viviam diversos puris.

Considerando que este personagem viveu em Tebas no final do século XIX, levanta-se uma questão: os últimos indígenas de Tebas teriam desaparecido no alvorecer dos anos novecentos?


[1] Spix, Johann Baptist von, e MARTIUS, Carls Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1976. p. 202-203

[2] No século XIX, a palavra era grafada com duas letras “n”.

[3] Foi mantida a ortografia do original.

[4] Revista do Arquivo Público Mineiro, ano X, pág. 407.

[5] Mapa da População do Curato do Espírito Santo – 1831, fl. 18-a fam. 157.

[6] Cartório de Notas de Argirita – 1841-1854, fls. 117-verso.

[7] Registro de Terras de Bom Jesus do Rio Pardo, TP 180, fls. 6, nr. 24, Arquivo Público Mineiro

[8] Registro de Terras de Nossa Senhora das Mercês da Vila de Mar de Espanha, TP 116, fls. 43, s/nr.

[9] JOSÉ, Oiliam. Indígenas em Minas Gerais. Belo Horizonte: MP, 1965. p. 125-126

Homem Branco, Homem Livre

O primeiro documento a registrar os moradores antigos de um lugar, de acordo com as normas vigentes desde a era pombalina, recebia o nome de Mapa de População.

Quando os moradores se reuniam na capela da região para organizar o pedido de criação do distrito, a primeira providência cabia ao padre em conjunto com o Juiz de Paz. Definida a área de abrangência da unidade administrativa que se pretendia, todas as moradias existentes dentro daqueles limites eram visitadas para o “recenseamento”. Ao final dos trabalhos estava composto o Mapa a ser encaminhado para a sede da província, justificando a necessidade de elevação do arraial a distrito, medida que traria para o local os essenciais serviços de atendimento aos moradores. Ressalte-se que o mesmo procedimento poderia ser determinado pelas autoridades em outras ocasiões. Afinal, os Mapas serviam também para controlar a arrecadação de impostos.

Com variações mais ou menos significativas entre lugares e datas diferentes, os Mapas de População registravam o nome do chefe da família, sua idade, cor, estado civil e profissão. Algumas vezes era incluída também a escolaridade de cada uma das pessoas livres listadas. Abaixo do chefe da família eram anotados, pela ordem, a mulher, os filhos, os escravos e os agregados. É curioso observar que, se os agregados eram parentes do patriarca, geralmente vinham listados entre os filhos e os escravos. Já os capatazes, capitães-do-mato, meeiros e outros agregados ficavam ao final do grupo.

Muitos destes mapas eram preenchidos de acordo com os quarteirões, ou seja, dentro das unidades em que estavam divididos os distritos. Mesmo quando tais quarteirões não aparecem explicitamente nos mapas, é possível identificar onde começa e terminada cada uma das divisões. De modo geral os moradores de cada quarteirão aparecem listados em seqüência.

Cada chefe de família recebia um número seqüencial e o total deles representava o número de “fogos”. Para nós, brasileiros, nem sempre será fácil entender uma publicação atual que se refira àconstrução de fogos num quarteirão que está sendo urbanizado. Entretanto, esta linguagem erausual no Brasil ao tempo da expansão povoadora de nossa região.

Entendemos a palavra fogo comofenômeno que consiste no desprendimento de calor e luzproduzidos pela combustão de um corpo”, conforme nos ensina o Dicionário Houaiss. Fogo,paranós, é a chama, o lume ou a labareda que queima e eventualmente destrói. Mas nossosantepassados usavam o mesmo termo para significar o local onde se fazia fogo”. Sendo assim, porfogo” devemos entender também o fogão, a lareira e a fogueira. E, por extensão, a casa dehabitação, porque nela existe um compartimento destinado à produção do calor que cozinha osalimentos e aquece a água.

Nos tempos coloniais, denominavam-se “fogos” as habitações. Um conjunto de fogos formava o “quarteirão”, palavra que ainda preserva o significado de conjunto de habitações existentes entrealgumas vias de trânsito. A diferença é que, no século XIX, os quarteirões não eram delimitados necessariamente por caminhos transitáveis. Assim é que uma determinada fazenda poderia fazerparte do mesmo quarteirão da vizinha, embora entre elas não houvesse sequer um caminho.

Um conjunto de quarteirões, no século XIX, formava o “Distrito”: unidade administrativasubordinada ao Inspetor de Quarteirão. Os distritos formavam a “Freguesiaque, em princípio, deveria corresponder à jurisdição da Paróquia. Em freguesias dividiam-se os “Termosque, por suavez, eram as divisões administrativas das “Comarcas”.

Apresentamos um resumo bastante simplificado pois o objetivo é apenas explicar os termos que compunham o documento denominado Mapa de Habitantes ou Mapa de População ou, ainda, Lista Nominativa de Moradores, que traz ainda a coluna destinada ao registro das profissões. Quase sempre está preenchida no caso das pessoas livres com mais de 10 anos e raramente contém informação no caso dos escravos. Do universo pesquisado encontramos um único caso de escravo “carapina”, ou seja, carpinteiro. Todos os demais profissionais listados abaixo do núcleo familiar, de qualquer cor, eram pessoas livres.

Desses antigos mapas emergem algumas constatações: índios livres não eram computados; escravos negros não tinham sobrenome; nossa região contava com um significativo número de habitantes pretos livres; mestiços eram identificados por terminologia variada e possuir escravos não era privilégio das pessoas brancas.

Sobre o último aspecto faz-se necessário um comentário adicional. Sempre lembrando que o universo pesquisado é a Comarca do Rio das Mortes, com algumas poucas exceções, o número de cativos por unidade nem sempre está de acordo com o que demonstram outros documentos. Especificamente nos mapas relativos a Leopoldina, anos 1831, 1838 e 1843, observa-se a individualização de “fogos” para pessoas da mesma família e a listagem dos escravos de todos eles sob um único nome. Deve-se avaliar a possibilidade de que o número de escravos, por representar o poder econômico do proprietário, tenha sido manipulado com objetivos políticos.

Um dado que pode surpreender os menos afeitos ao assunto: pretos também tinham escravos. Na descrição de atividades produtivas de algumas fazendas, são citados serviços entregues à responsabilidade de proprietários vizinhos que os mandavam realizar pelos escravos que cada um possuía. Ou seja: ex-escravos compravam escravos e os empregavam junto a terceiros, adquirindo assim a renda que lhes permitia ascender socialmente. Nos anos posteriores, mais especificamente a partir de 1850, já podemos identificar a presença de escravos em casa de pretos livres e não recebendo tratamento de cativos. Provavelmente trabalhando “a jornal” para reunirem a soma necessária à compra de suas cartas de alforria.

Para um aprofundamento sobre o assunto, sugerimos obras sobre a história da ocupação do solo brasileiro, especialmente sobre a Lei de Terras. Também interessante é o Dicionário de Termos e Conceitos Históricos de Antônio Carlos do Amaral Azevedo, da editora Nova Fronteira, e o Dicionário do Brasil Colonial, organizado por Ronaldo Vainfas, editora Objetiva.

Escolha de nomes: preferência de uma época

Análise da escolha de nomes dos filhos entre as famílias que viviam em Leopoldina na segunda metade do século XIX.