Moradores do Feijão Cru há 190 anos

No dia 2 de novembro de 1831, o Juiz de Paz Manoel Moutinho da Rocha encaminhou para o governo provincial a Relação dos Habitantes do Curato de São José do Paraíba, Termo da Nobre e Muito Leal Vila de Barbacena. Nesta contagem foram encontrados 142 fogos, ou seja, 142 moradias uni ou multi familiares.

Estudos sobre as famílias listadas indicam que a partir do número 80 estavam os moradores do que viria a constituir o Curato de São Sebastião do Feijão Cru alguns anos depois. Nem todos, porém, foram mencionados nas fontes existentes sobre os primórdios da unidade administrativa que seria emancipada como Vila Leopoldina em 1854. Tomando por datas limite o censo de 1831 e o registro de propriedades em 1856, foram incluídas na análise destes 25 anos as duas contagens populacionais do Feijão Cru, de 1835 e 1843.

Verificou-se, assim, que 34 chefes de família de 1831 já não constavam do censo de 1835. Numa análise reversa, para testar a hipótese de que os chefes teriam falecido mas seus sucessores continuavam na localidade, foram buscados os filhos ou cônjuges deles, sem sucesso. Entretanto, considerando que não havia regularidade no método de informar nomes e sobrenomes, é possível que alguns nomes de 1831 estejam na relação de 1835 com nomes diferentes.

Reduzido o grupo de 1831 para 28 famílias, repetiu-se o processo comparativo com o censo do Feijão Cru de 1843 constatando-se que 22 permaneciam na localidade. Entre as que se ausentaram a partir de 1835, foi possível verificar que duas se transferiram para a província fluminense e uma se transferiu para o Espírito Santo.

Chefes das famílias que estavam no Feijão Cru desde 1831 até a emancipação da Vila Leopoldina:

  • Antonio Gomes Moreira
  • Antonio Rodrigues Gomes
  • Bento Rodrigues Gomes
  • Bernardo José da Fonseca
  • Bernardo José Gonçalves Montes
  • Feliciano José da Silva Rodrigues
  • Francisco Barbosa da Silva
  • Francisco Joaquim de Almeida Gama
  • João Gualberto Ferreira Brito
  • João Ides de Nazareth Filho
  • João Gonçalves Neto
  • Joaquim Cesário de Almeida
  • Joaquim Ferreira Brito
  • Joaquim Machado Neto
  • José Ferreira Brito Júnior
  • José Joaquim Cordeiro
  • Manoel Antonio de Almeida
  • Manoel Barbosa de Souza
  • Manoel Ferreira Brito
  • Manoel José Monteiro de Barros, filho
  • Manoel Rodrigues Coelho
  • Romão Pinheiro Corrêa de Lacerda

Pioneiros de Conceição da Boa Vista

Quando nos dedicamos ao estudo das famílias pioneiras de nossa região, corremos o risco de buscar um modelo único, pessoas que se assemelhem por um conjunto de elementos que estariam presentes na vida da comunidade como um todo. Mas tal simplificação é impossível. O ser humano é sempre único em suas características pessoais e acreditamos que na multiplicidade está a riqueza maior.Por esta razão, estabelecemos um desafio para nossos estudos: investigar o que for possível sobre a trajetória das pessoas que, ao se transferirem para a nossa região, construíram uma identidade coletiva especial, legando-nos um passado específico, só nosso, que se comunica com a história de outros lugares e ao mesmo tempo deles nos distingue.

Não temos a pretensão de construir um trabalho de grandeza inquestionável. Pelo contrário, queremos apenas reunir, aqui neste blog, o que nos foi possível apurar até então. Através da vida de nossos antepassados, buscamos vislumbrar um pouco da generalidade e da singularidade, das demandas e contingências que os afetaram e que, por isto mesmo, são as colunas de sustentação da nossa história.

Muitos são os nomes de pioneiros esquecidos. A distância no tempo apagou memórias familiares. Nos tempos atuais já não cultivamos o agradável “proseado” com nossos parentes mais velhos. E perdemos, assim, a oportunidade de ouvir os “causos” deliciosos que os narradores mais antigos mantinham vivos pela oralidade.

Pesquisando a documentação ainda existente, descobrimos nomes de pessoas que desbravaram a serra dos Monos, abriram áreas de cultivo nas nascentes de nossos ribeirões, decidiram a rota dos caminhos que foram abertos e mais tarde, quando as bases da povoação já estavam bem definidas, provavelmente afastaram-se da vida pública e seus nomes caíram no esquecimento.

Como terá sido, por exemplo, a família que recebeu o número 71 no Mapa de Habitantes de 1838? Sabemos apenas que era chefiada por Ana Joaquina, mulher solteira, de 30 anos, que vivia com os filhos Francisca, Manoel, Lucinda e Laura.O pai das crianças seria um tropeiro que passava tanto tempo longe de casa a ponto de não ser computado entre os moradores locais? Ou seriam nativos? Mas como, se a história nos diz que os índios viviam agrupados, em formações familiares diferentes das famílias nucleares que habitualmente conhecemos?

E a família número 75, chefiada por Antonio Valentim, casado, 32 anos? O Mapa de Habitantes informa que ele era casado com Tereza Maria de 20 anos em 1838. Com o casal vivia o filho João, de 1 ano. A mesma casa abrigava também um provável irmão de Antonio chamado Fortunato Valentim, de 26 anos, casado com Luzia Maria, 19 anos. Todos eram lavradores e analfabetos.

Estes são apenas dois exemplos de famílias que sabemos terem habitado o Curato de Nossa Senhora da Conceição da Boa Vista nos pródomos da nossa história. Embora nada mais saibamos sobre eles, decidimos registrar-lhes os nomes como forma de agradecer-lhes por aqui estarem quando o povoamento começou.

Visitando outros Temas

Em abril de 1841 foi criado o Município de São João Nepomuceno abrangendo, entre outros, os distritos de Rio Pardo (Argirita), Cágado (Mar de Espanha), São José do Paraíba (Além Paraíba), Madre de Deus do Angu (Angustura) e Feijão Cru (Leopoldina). Esta nova subordinação perdurou por 10 anos.

A Lei nº 387, elaborada pelo Legislativo e assinada pelo Imperador no dia 19 de agosto de 1846, regulamentava as eleições e, pela primeira vez, definiu data única para os pleitos em todo o Império do Brasil. Entre outras normas, condensava dispositivos anteriores sobre a maneira de proceder à qualificação dos eleitores. Que, conforme já foi dito, funcionava a partir do Mapa de Habitantes ou Mapa de Fogos. Para nós, que procuramos o TRE quando atingimos a idade mínima, pode parecer estranho que só pudessem alistar um número de eleitores proporcional ao de habitantes e/ou moradias. Por isto procuramos alertar, sempre, para o risco de uma interpretação anacrônica dos acontecimentos. É necessário conhecermos o contexto em que se deu um fato e só então procurarmos analisá-lo.

Neste momento não pretendemos nos aprofundar nas demais regras sobre a qualificação de eleitores. Citamos o normativo legal apenas para pontuar o momento em que o distrito de São João Nepomuceno cumpriu o Artigo 8 do Aviso de 28 de junho de 1849, da Presidência da Província de Minas Gerais, que mandava reunir os cidadãos em assembléia para qualificação dos votantes segundo a Lei de 1846.

Do território que viria a constituir a cidade de Leopoldina alguns anos depois, encontramos atas de assembléias de três Curatos em 1849: Santa Rita da Meia Pataca (Cataguases), Bom Jesus do Rio Pardo (Argirita) e São Sebastião do Feijão Cru (Leopoldina). Deste último é a ata que abrange o futuro distrito de Conceição da Boa Vista. Os trabalhos foram iniciados no dia 19 de janeiro de 1851 e encaminhados para a Presidência da Província no dia 8 de abril do mesmo ano.Os Juizes de Paz que dirigiram os trabalhos foram Antônio José Monteiro de Barros, Joaquim Antônio de Almeida Gama e Romão Pinheiro Corrêa de Lacerda.

A primeira providência era formar a Turma, ou seja, a equipe responsável pela qualificação, que deveria ser composta por votantes qualificados em datas anteriores. No caso em estudo, foram organizadas duas Turmas presididas pelos eleitoresFrancisco José de Freitas Lima e Querino Ribeiro de Avelar Rezende. A primeira se completou com João Gualberto Ferreira Brito e Ezaú Antônio Corrêa de Lacerda. Para a segunda Turma foram designados Manoel Ferreira Brito e Antônio Prudente de Almeida. No decorrer dos trabalhos foram assinaladas as ausências de Antônio José Monteiro de Barros, José Augusto Monteiro de Barros, Manoel José Monteiro de Castro, Francisco José de Almeida Ramos, José Joaquim Ferreira Monteiro de Barros, Domingos Rodrigues Carneiro e um outro Almeida Ramos cujo primeiro nome está ilegível. Optamos por listar todos estes nomes para que se tenha uma idéia do número de eleitores qualificados até então. Lembramos, por oportuno, que alguns eleitores tinham apenas o direito de votar. Para qualificar-se ao direito de ser votado o eleitor deveria comprovar renda anual acima do mínimo estabelecido.

O distrito de São Sebastião do Feijão Cru estava dividido em 8 quarteirões.Pela localização de suas propriedades, a distribuição resultou no seguinte quadro:

QUARTEIRÃO

ELEITORES

LOCALIZAÇÃO

47

Sede

45

Piacatuba

45

Margem direita do Pomba, de Piacatuba a Itapiruçu.

64

Conceição da Boa Vista

63

Margem esquerda do Pirapetinga, até atingir o Paraíba do Sul

23

Aventureiro

34

Região do atual distrito de Providência

36

Região do atual distrito de Tebas

 

Entre outras conseqüências da qualificação eleitoral do início do ano 1851, algumas localidades alcançaram autonomia administrativa e foram criados diversos Distritos de Paz na Província de Minas Gerais. Na nossa região aconteceram as duas situações, como veremos a seguir.

Divisão Administrativa

Ao tempo em que se estabeleceram as correntes povoadoras da nossa região, a Província de Minas Gerais encontrava-se dividida em 5 comarcas: Ouro Preto, Rio das Mortes, Rio das Velhas, Serro Frio e Paracatu.A Comarca do Rio das Mortes constava de 8 Termos: São João del Rei, São José, Barbacena, Tamanduá, Campanha da Princesa, Sapucaí, Baependi e São Carlos do Jacuí. O Termo da vila de Barbacena abrangia 4 Freguesias: Barbacena, Engenho do Mato, Simão Pereira e Ibipitoca. A freguesia de Barbacena, no final do século XVIII, dividia-se em 21 Distritos, um delesentão denominado Rio da Pomba e Peixe que deu origem à Freguesia do Mártir São Manoel do Rio da Pomba e Peixe dos Indios Croatos e Cropós.

Na esteira das modificações geradas pela Independência, que culminaram na Assembléia Nacional Constituinte promulgada a 7 de abril de 1831, em 1832 entrou em vigor um novo Código de Processo Criminal. Este normativo determinava que os distritos seriam divididos em quarteirões compostos de, no mínimo 25 fogos.Oras, todo o movimento de emancipação administrativa sempre foi calcado nos representantes locais junto à administração central. O número de quarteirões no distrito correspondia a uma quantidade de fogos que daria direito a um determinado número de representantes nas eleições. Assim, os moradores que se estabeleceram em nossa região antes de 1831 estavam subordinados aos políticos eleitos por toda a paróquia que, no nosso caso, era São Manoel do Pomba.

Pelo Decreto Imperial de 11 de setembro de 1830 as Câmaras Municipais foram encarregadas da eleição de Juízes de Paz em todas as capelas filiais curadas que abrangessem um número mínimo de 75 fogos. A determinação foi cumprida pelos Juizes de Paz então existentes. O nosso Distrito de Paz era o Curato de São José do Além Paraíba, cujo Juiz foi notificado por correspondência de 15 de agosto de 1831. No dia 2 de novembro do mesmo ano o resultado da contagem foi encaminhado, tendo sido computado um total de 1350 habitantes em 142 fogos, dos quais 63 pertenciam ao Curato de São Sebastião do Feijão Cru.

A listagem de 1831 resultou na criação da Paróquia de São José do Além Paraíba em julho de 1832, abrangendo os Curatos de São Sebastião do Feijão Cru e de Nossa Senhora das Mercês do Cágado (Mar de Espanha). No mesmo ano de 1831 o Curato de Mar de Espanha contara 1185 moradores em 90 fogos.

Dada a pequena diferença de fogos para o mínimo necessário ao direito de eleger seu Juiz de Paz, é lícito supor que os moradores do Feijão Cru não ficaram satisfeitos e empreenderam esforços para obter maior autonomia. Considerando que precisariam atingir um número mínimo de fogos que permitisse a formação de maior quantidade de quarteirões, um dos olhares possíveis sobre a corrente expansionista da primeira metade do século XIX pode ser dirigido ao desejo de seus moradores organizarem-se administrativamente. Acreditamos, inclusive, que este movimento encontrou resposta na decisão de membros da família Monteiro de Barros, agraciados com sesmarias em 1818, de finalmente ocuparem as terras. Ao mesmo tempo os Corrêa de Lacerda cuidavam de tomar posse de outras glebas, indo vendê-las a moradores da Serra da Ibitipoca. Estas providências aparecem refletidas no 1º Mapa de Habitantes de São Sebastião do Feijão Cru, concluído em novembro de 1835: o Curato abrangia, agora, 105 fogos divididos em 4 quarteirões. O número de habitantes chegou a 1274 habitantes, representando um crescimento de 46,2% em 4 anos.

O objetivo dos moradores não foi atingido por causa de mudança na legislação. Minas tinha promulgado, em agosto de 1834, uma Carta de Lei Provincial que transferia a criação de distritos para a alçada do Presidente da Província. Sendo assim, o Mapa de Habitantes foi devolvido pela Câmara de Rio Pomba e somente em setembro de 1838 foi encaminhado para a presidência de Minas.

Tudo leva a crer que a demora no encaminhamento deveu-se, também, a questões relativas a mudanças do Código de Processo Criminal. Por esta época começaram a surgir opiniões favoráveis ao estabelecimento de número de habitantes e não mais de fogos necessários para cada vaga de eleitor. Ressalte-se que os habitantes eram, então, divididos em três “categorias”: escravos, forros e livres. Pretendia-se estabelecer uma proporção entre o número de vagas de eleitorese o de habitantes livres.

Sabemos que em 1840 algumas localidades da Comarca do Rio das Mortes tiveram que refazer a contagem das moradias, gerando um documento adicional denominado Mapa de Fogos.Não temos notícias de que procedimento do gênero tenha sido levado a efeito no Feijão Cru. Entretanto, com a regulamentação do Código de Processo em 1842, realizou-se nova contagem dos moradores – o Mapa de Habitantes de 1843, que encontrou 213 fogos com 2.171 habitantes.

Fontes:

Mapas de Habitantes de 1831, 1834, 1838, 1839 e 1843, dos curatos de São José do Além Paraíba, Bom Jesus do Rio Pardo, Nossa Senhora das Mercês do Pomba, Espírito Santo do Mar de Espanha, Santíssima Trindade do Descoberto e São João Nepomuceno.

MATOS, Raimundo José da Cunha. Corografia Histórica da Provínia de Minas Gerais (1837). Belo Horizonte: Itatiaia, 1981

SANTIAGO, Sinval. Município de Rio Pomba Síntese Histórica. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1991

Desmembramento de Território de Conceição da Boa Vista: uma hipótese

Segundo divulgação da Secretaria Estadual de Cultura de Minas Gerais, Laranjal foi pouso para os tropeiros que transitavam entre São Paulo do Muriaé, Presídio (Visconde do Rio Branco) e Santa Rita da Meia Pataca (Cataguases). O nome, segundo a mesma fonte, teria origem numa grande plantação de laranjeiras que teria existido no lugar onde se formou o arraial.

Em nossas pesquisas apuramos que a Lei nr. 533, de 10 de outubro de 1851, criou o Distrito de Paz com o nome de Nossa Senhora da Conceição do Laranjal, tendo o seu território sido desmembrado do distrito de Santa Rita do Meia Pataca. A referência geográfica para localização do novo distrito era o ribeirão São João e ambos, o Laranjal e o Meia Pataca, pertenciam até então ao município do Presídio (Visconde do Rio Branco). O normativo legal assim o descreveu:

Art. 4º Os limites do novo Districto de Nossa Senhora da Conceição do Laranjal, principião na Barra do Ribeirão de Santo Antonio, no Pomba, e por aquelle acima com a Serra do Muriaé, circulando as cabeceiras do Ribeirão do Capivara, e o de S. João; comprehendendo as vertentes do corrego do Pury até o Rio Pomba.

A mesma Lei informa, ainda, que:

Art. 9º Ficão pertencendo:

[…]

§ 5º Ao Municipio do Mar de Hespanha, os novos Districtos de S. Francisco de Assis no Capivara, e de Nossa Senhora da Conceição do Laranjal sobre o Rio de S. João, desmembrados do Municipio do Presidio.

Lembrando que Distrito era denominação civil, acrescentamos que a Lei nr. 534, do mesmo dia 10 de outubro de 1851, determinou

Art. 1º Fica elevado a Parochia o Curato de Santa Rita do Meia Pataca, comprehendendo os Curatos de S. Francisco de Assis do Capivara, e de Nossa Senhora da Conceição do Laranjal, com os limites dos mesmos Curatos.

Em abril de 1854 o distrito do Meia Pataca foi transferido para Leopoldina no momento em que esta localidade alcançou sua autonomia administrativa. Desta forma, os Curatos do Laranjal e da Capivara passaram também a subordinar-se a Leopoldina. Pouco mais de um ano depois, ou seja, em maio de 1855, foi revogada a criação do distrito de paz de Nossa Senhora da Conceição do Laranjal que só voltou a esta categoria em julho de 1857.

Em 1875, com a elevação do distrito de Santa Rita do Meia Pataca a município, o Laranjal foi desmembrado de Leopoldina e passou a pertencer a Cataguases. Em 1890, a autonomia administrativa da Capivara (Palma) transferiu o Laranjal para o novo município. Um ano depois, entretanto, Cataguases voltou a tê-lo como distrito. Sua emancipação político-administrativa ocorreu por lei de 17 de dezembro de 1938.

Observa-se que o nascimento do Laranjal esteve inserido em movimento concernente a Visconde do Rio Branco e depois a Cataguases. Seria de esperar que, em conseqüência, não houvesse mais estreita ligação do Laranjal com o antigo Feijão Cru, já que Leopoldina tem toda a sua história desenvolvida através dos povoadores que habitaram a margem direita do rio Pomba, quase todos oriundos da Serra do Ibitipoca. Já a margem esquerda, especialmente Cataguases e Palma, teriam sido povoadas por pessoas originárias do Presídio (Visconde do Rio Branco). Para nossa surpresa, descobrimos que não poderíamos estabelecer vínculos tão definitivos. E aqui entra a participação do Laranjal na história de Conceição da Boa Vista.

Dois dos antigos moradores do território onde foi criado o Curato de Nossa Senhora da Conceição da Boa Vista levaram-nos a refletir sobre a possibilidade deste Curato abranger, também, moradores da margem esquerda do rio Pomba. Os nomes destes pioneiros: Ezaú Antônio Correia de Lacerda e Processo José Correia de Lacerda. Provavelmente irmãos, aparecem nos antigos Mapas de Habitantes como residentes no quarteirão que viria a ser o distrito de Conceição da Boa Vista. Mais tarde são encontrados em Alistamentos Eleitorais do quarteirão equivalente a Laranjal. Em 1876, recebem o título de eleitor em Conceição da Boa Vista.

Em virtude da homonímia, que dificulta sobremaneira o estudo destes personagens, ainda não podemos afirmar a exata localização das fazendas formadas por eles. Mas já nos foi possível descobrir que o Processo mais velho, nascido por volta de 1810, assim como o Ezaú de idade semelhante, eram vizinhos de proprietários estabelecidos na margem esquerda do rio Pomba. A partir desta constatação, passamos a trabalhar com a hipótese de que a parte sul do atual município do Laranjal pode ter sido ocupada, na primeira metade do século XIX, por familiares daqueles que povoaram Conceição da Boa Vista. Sendo assim, o primeiro desmembramento territorial de Conceição da Boa Vista seria o seguinte:

As regiões numeradas correspondem a citações de propriedades de:

1 – Ezaú Antônio Correia de Lacerda

2 – Manoel José de Novaes

3 – Processo José Correia de Lacerda

4 – descendentes de Ezaú Antônio Correia de Lacerda.

Queremos deixar claro que esta não é uma conclusão definitiva. A falta de informações confiáveis sobre os antigos nomes dos ribeirões existentes no Curato de Nossa Senhora da Conceição do Laranjal é o óbice maior. Ainda assim, optamos por divulgar este estudo na expectativa de encontrarmos interessados em debater o tema.

Recreio, MG: A presença dos Estrangeiros

A contagem populacional de 1872 é o primeiro documento mais seguro para o exame da composição de moradores por nacionalidade. Dificilmente podemos identificar os imigrantes das décadas precedentes. Sendo assim, é comum estabelecer aquele ano como primeiro momento da análise.

No distrito de Conceição da Boa Vista viviam 301 estrangeiros na época. Entre eles, 160 africanos escravos e 7 africanos livres. O estudo desta parcela da população é sobremaneira dificultado pela falta de especificação dos registros.

Das demais nacionalidades foram contados:

– 7 homens franceses, (3 solteiros e 4 casados);

– 13 homens italianos, (6 solteiros e 7 casados);

– 102 homens portugueses, (38 solteiros, 32 casados e 12 viúvos);

– 8 mulheres portuguesas (5 casadas e 3 viúvas);

– 3 homens suíços (1 solteiro, 1 casado e 1 viúvo);

– 1 mulher suíça, casada.

De modo geral, é possível identificar os componentes deste grupo de estrangeiros através dos registros paroquiais e civis. Entretanto, no que se refere aos portugueses a pesquisa pode não atingir um bom resultado porque nem sempre o padre e o escrivão indicavam a nacionalidade.

O recenseamento de 1890 indica a presença de apenas 276 estrangeiros no distrito de Conceição da Boa Vista. Em busca de outros informes a respeito, consultamos os livros das hospedarias e observamos que os imigrantes europeus chegaram na região a partir de 1870, com aumento significativo nos anos de 1888 e 1889. Mas até o momento só encontramos referência à estação de Recreio, como local de desembarque dos imigrantes, em 1895 e 1896. Segundo os livros da Hospedaria Horta Barbosa, os contratados nestes anos seguiram para a Fazenda Belmonte, de Theophilo Barbosa da Fonseca Moura.

Recreio, MG: Escolarização

Muitas vezes temos lido a respeito da condição de analfabetismo das pessoas que fizeram a história deste ou daquele lugar. Acreditamos ser uma simplificação baseada num anacronismo que, por si , é pouco convincente. Falar da falta de escolaridade numa época em que as escolas eram raras e caras significa desconhecer os valores sustentados por aquela sociedade.

Pelo que temos apurado, o ideal de “instruir” os filhos esteve sempre presente. Variava, tão somente, o significado da palavra. Muitos a entendiam por dar aos filhos a oportunidade de aprender uma profissão. Que, dependendo da época, poderia dispensar a educação institucionalizada. Na região onde veio a ser criado o distrito de Conceição da Boa Vista, entre os primeiros moradores estavam um oficial de ferreiro e um ourives. Ambos analfabetos. Mas nem por isso podem ser considerados “sem instrução” se respeitarmos a configuração econômica daquele momento.

No que se refere à educação institucionalizada, sabemos que os pioneiros da região puderam contar com um tipo de escola e que a função de professor aparece nos documentos mais antigos. Em 1875, por exemplo, Antonio Maximiano de Oliveira Leite era professor em Conceição da Boa Vista e o cargo de professora para o sexo feminino encontrava-se vago. Porém, importa lembrar que até 1906 o sistema de ensino era baseado nas salas de “aulas públicas” que, apesar do nome, muitas vezes cobravam mensalidade dos alunos. Em Minas, a Inspetoria Geral de Instrução Pública pagava um profissional que se ocupava de ensinar “as primeiras letras”, reunindo as crianças numa sala alugada com esta finalidade ou, como ocorria na maioria das vezes, em cômodo de sua própria casa. Em 1884, todos os distritos de Leopoldina contavam comaulas públicas”.

Foi somente a partir da decisão do governo mineiro de 1906 que as salas de aulas foram reunidas no que se chamou Grupo Escolar. Assim, as crianças não estudariam mais em salas mistas, com alunos de variados níveis de conhecimento a cargo de um único profissional. Entretanto parece-nos que, no município de Leopoldina, somente a área urbana do primeiro distrito contou com grupos escolares até a segunda década do século XX.

Pelo Mapa de População de 1838, soubemos que 20 dos 32 grupos familiares residentes no 3º quarteirão eram chefiados por pessoa alfabetizada. Entretanto, ressaltamos que aos escravos não era dada a oportunidade de aprender a ler e escrever. Como entre os 12 analfabetos estavam 10 pessoas não brancas, pode-se considerar que a população livre era alfabetizada.

para o ano de 1872 temos algumas informações complementares. A população que tinha permissão para freqüentar escolas somava 3.019 pessoas, sendo que 13% não atingira os 6 anos de idade. Entre 6 e 15 anos, idade então determinada para a escolarização, contavam-se 283 moradores livres, 23% deles freqüentando a escola. Há que se considerar que alguns poderiam tê-la concluído quando foi feito o recenseamento e outros, por viverem em local distante, ficariam realmente analfabetos. O resumo que nos apresenta o documento aponta para 47% dos moradores livres como alfabetizados. Infelizmente os escravos continuavam sem acesso à escola.

Gostaríamos, também, de mencionar uma informação que temos encontrado com regularidade. Trata-se de considerar que as mulheres livres eram analfabetas. Se isto for verdade para algum grupo social, não significa que se possa generalizar. Para os antigos moradores de Conceição da Boa Vista, é importante destacar que o grupo dos alfabetizados era composto por 54% de homens e 46% de mulheres.

Para concluir este nosso comentário, informamos que a pesquisa realizada em 1890 pode ser a fonte da generalização sobre o analfabetismo, que pela primeira vez este aspecto foi pesquisado entre os ex-cativos. Relegados a condições de privação quase total, aqueles seres humanos tiveram negada a possibilidade de trabalho em muitas áreas porque não haviam sido “instruídos” para os diferentes misteres da nova ordem econômica. Em Conceição da Boa Vista, 46% dos moradores de 1872 eram escravos. Nos dezoito anos que separam as duas contagens populacionais, chegaram os imigrantes europeus, cerca de 40% deles analfabetos. E é assim que este fator aparece como característica da população: apenas 15% dos moradores de 1890 sabiam ler e escrever.

Recreio, MG: Profissões dos Antigos Moradores

Ao lembrarmos dos escravos, uma nova questão se levanta da observação da contagem populacional. Vejamos como estavam distribuídos os moradores de 1872 segundo suas profissões.

Uma das leituras possíveis deste quadro diz respeito aos 1129 habitantes sem profissão definida. Seria uma grande simplificação dizer que estão as mulheres livres, esposas e filhas dos proprietários. Segundo o trabalho analisado, a composição deste grupo é a seguinte:



Sabemos que as estatísticas podem ser vistas por diversos ângulos. Aqui apresentamos um deles para reforçar o que temos dito em outros posts: nosso objetivo é estimular a imaginação dos leitores, no sentido de buscarem sentido para as informações apresentadas.


Recreio, MG: Panorama da População

Com a ressalva de que nossos estudos devam ser vistos sempre como parciais, já que inconclusos, queremos voltar a mencionar as contagens populacionais para analisar os dados que nos trazem os recenseamentos de 1872 e 1890, período das transformações que vimos abordando até aqui. Inicialmente é preciso lembrar que, à diferença das contagens realizadas na primeira metade do século XIX, estes procedimentos não poderiam individualizar os habitantes como outrora, em virtude do crescimento demográfico que se verificara.

Necessário também esclarecer que todos os dados aqui mencionados são da Paróquia e Distrito de Conceição da Boa Vista, ou seja, para o ano de 1872 incluem moradores dos futuros distritos de São Joaquim (Angaturama), Recreio, Santa Isabel (Abaíba) e parte de Providência. Já na contagem de 1890, a Paróquia de Conceição da Boa Vista incluía apenas os distritos de São Joaquim e Recreio.

Os documentos pesquisados dão conta de uma população total de 5.630 habitantes em 1872 e, dezoito anos depois, 10.178 moradores recenseados. Entretanto, os números servem apenas de sugestão para nossos estudos, já que a própria “Synopse do Recenseamento do Brazil de 31 de dezembro de 1890”, disponível no Centro de Documentação do IBGE no Rio de Janeiro, traz alguns alertas em sua Introdução. A destacar a informação de que a República trouxera necessidade de reorganizar o serviço público, resultando em dificuldade de manter o rigor com que fora cumprida a determinação de D. Pedro II em 1872.

Contudo, faremos uma primeira observação. Considerando que em 1890 o distrito de Conceição de Boa Vista já não abrangia a população de Santa Isabel e Providência, em dezoito anos a população cresceu vertiginosamente. A sua distribuição por sexos também sofreu alteração.

Não podemos nos esquecer que a primeira contagem foi realizada durante a vigência da escravatura. Há os que acreditam numa debandada geral dos libertos, o que não é o nosso caso. Estudando a história de Leopoldina, tivemos oportunidade de verificar dois pontos que vão contra a história oficializada: poucos fazendeiros trabalhavam exclusivamente com escravos quando foi assinada a Lei Áurea e muitos libertos continuaram vivendo e trabalhando nas fazendas sob nova forma de contratação. Aumentaram, na medida em que avançava a década de 1880, o número de trabalhadores jornaleiros dos dois sexos. Alguns, ao serem alforriados, passaram a morar na área urbana e trabalhar “a jornal” para as pessoas que lhes deram moradia.

 

Processo José Correia de Lacerda

Concluímos nossos comentários sobre os antigos moradores, referidos nos Mapas de População, com este membro da família Lacerda. Sua esposa é algumas vezes referida como Maria Teodora e em outras como Maria Vitória. O casal procedia da região de Bom Jardim de Minas.

Na propriedade denominada Taboleiro, vizinha de Manoel José de Novaes, Francisco da Silva Barbosa e da fazenda da Bocaina, Processo e Maria viveram com os filhos Generosa, Manoel, Maria, e Processo.

O nome deste morador é encontrado nos documentos eleitorais de 1851, 1872 e 1873, sempre vinculado ao então distrito de Conceição da Boa Vista. No Almanaque da Província de Minas Gerais de 1875, aparece como fazendeiro de café.