Localização do casal Manoel e Maria Josefa

No   decorrer de nossos comentários, outras pistas serão fornecidas sobre as terras ocupadas pelos pais de Ignacio e Francisco Ferreira Brito. Entretanto, como nosso objetivo é falar das antigas famílias de Recreio, vamos agora mencionar os vizinhos da família segundo o Registro de Terras de 1856.

Embora não tenha sido identificado um Registro de Terras em nome de Manoel Ferreira Brito, concluímos que este personagem viveu no território entre Recreio e o atual distrito de Ribeiro Junqueira, a partir das seguintes evidências:

– na descrição das posses de Joaquim Mendes do Valle, Francisco Mendes do Valle, Salvador Mendes do Valle, João Mendes do Valle e Francisco Baptista de Paula, seus vizinhos eram: ao sul, Antonio Augusto Monteiro de Barros; a leste e norte, Manoel Ferreira Brito; a oeste, João Baptista d’Almeida e Francisco José de FreitasLima.

– João Baptista de Almeida declarou avizinhar-se ao sul e oeste comFrancisco José de Freitas Lima; ao norte com o Recreio, Francisco Barboza, Manoel Ferreira Britto e Águas Vertentes; ao Leste com Manoel Ferreira Brito, Águas Vertente se os Mendes.

– Francisco da Silva Barbosa informou que sua propriedade dividia-se com José Thomaz de Aguiar (ou Aquino) Cabral, D. Marianna de tal,Processo José Correia, Manoel José de Novais, Manoel Ferreira Brito e João Baptista de Almeida.

Portanto, concluímos não só pela localização das terras de Manoel Ferreira Brito como pela existência de uma propriedade chamada Recreio já em 1856.

Informes sobre Manoel Ferreira Brito e Maria Josefa da Silva

Segundo o que pudemos apurar, Manoel Ferreira Brito nasceu por volta de 1790, em Aiuruoca, MG. Parece ter sido o único filho de José Ferreira Brito e Maria José Rodrigues, já que encontramos uma segunda esposa para José, com quem teve filhos a partir de 1795. Maria José Rodrigues era natural na Borda do Campo, filha de Domingos José Rodrigues Carneiro e Ana Lourença de São José. Seu pai também viveu em nossa região, tendo sido eleitor no então chamado Terceiro Quarteirão do Feijão Cru em 1851. Uma sua irmã, Mariana da Silveira, foi casada com um irmão de José Ferreira Brito de nome Bento Ferreira Brito.Maria Josefa da Silva, a mãe de Ignacio e Francisco Ferreira Brito, nasceu em Aiuruoca e, como já informamos, era filha de José Gonçalves Neto e Ana Custódia. O casamento com Manoel Ferreira Brito foi celebrado na Ermida dos Lacerda, em Bom Jardim de Minas, no primeiro dia de junho de 1813.

Francisco e Ignacio Ferreira Brito

Apesar de alguns esforços, ainda não conseguimos definir, com precisão, a ascendência destes dois personagens. Acreditamos que eram filhos de Manoel Ferreira Brito e Maria Josefa da Silva, sendo netos paternos de José Ferreira Brito e Maria José Rodrigues e maternos de José Gonçalves Neto e Ana Custódia. Portanto, o apelido “Neto”, muitas vezes agregado ao nome de Francisco Ferreira Brito, não teria relação com o nível de parentesco e sim com o sobrenome de seu avô materno. Se nossa hipótese estiver correta, os pais de Inácio e Francisco chegaram à região do Feijão Cru antes de 1831.Segundo a contagem dos moradores da bacia do rio Angu, Manoel e Maria Josefa constituíam a família de número 86. Através deste que foi o mais antigo documento encontrado sobre os moradores da região, Inácio e Francisco ainda não eram nascidos. No documento seguinte, a contagem dos moradores realizada em 1842, o casal já contava com mais alguns filhos, tendo Inácio nascido entre 1831 e 1835. Já o Francisco teria nascido entre 1835 e 1837.Os outros filhos do casal, nascidos em Bom Jardim de Minas, foram: João (nascido por volta de 1814), Ana Maria (1820), José (1821), Domingos (1823), Joaquim (1825), Manoel (1827) e Mariana (1828). Não pudemos precisar onde teria nascido a filha Maria (1830). Entre as duas contagens, e portanto no território que hoje pertence ao município de Recreio, nasceram também Emerenciana (1831), Maximiana (1832-1836) e Antonio (1838).

Estudos sobre os irmãos Ferreira Brito

A despeito de críticas que o método recebe de alguns estudiosos, as biografias são um poderoso instrumento para a compreensão dos fatos do passado. Analisar a trajetória dos cidadãos comuns, e não só dos grandes heróis que povoam o material didático tradicional, permite reconstruir os hábitos e atitudes de determinada sociedade em um certo período histórico. E este é um trabalho que pode despertar prazer até mesmo nos jovens estudantes, conforme relata Verena Alberti, em Biografia dos avós: uma experiência de pesquisa no ensino médio. (Rio de Janeiro: CPDOC, 2006. 10p.)Em nossos estudos sobre o povoamento dos Sertões do Leste, cedo concluímos que seria impossível compreender a história local sem nos determos nas trajetórias individuais. Ao nos convencermos da necessidade de pesquisar a vida concreta dos homens e mulheres que viveram na região, conseguimos compreender algumas interpretações publicadas e encontramos explicações para ações e estratégias adotadas por aqueles grupos.Sendo assim, passaremos a publicar as informações que pudemos recolher sobre os mais antigos moradores do território que veio a constituir o município de Recreio. E iniciaremos pelos irmãos Ferreira Brito.

Homem Branco, Homem Livre

O primeiro documento a registrar os moradores antigos de um lugar, de acordo com as normas vigentes desde a era pombalina, recebia o nome de Mapa de População.

Quando os moradores se reuniam na capela da região para organizar o pedido de criação do distrito, a primeira providência cabia ao padre em conjunto com o Juiz de Paz. Definida a área de abrangência da unidade administrativa que se pretendia, todas as moradias existentes dentro daqueles limites eram visitadas para o “recenseamento”. Ao final dos trabalhos estava composto o Mapa a ser encaminhado para a sede da província, justificando a necessidade de elevação do arraial a distrito, medida que traria para o local os essenciais serviços de atendimento aos moradores. Ressalte-se que o mesmo procedimento poderia ser determinado pelas autoridades em outras ocasiões. Afinal, os Mapas serviam também para controlar a arrecadação de impostos.

Com variações mais ou menos significativas entre lugares e datas diferentes, os Mapas de População registravam o nome do chefe da família, sua idade, cor, estado civil e profissão. Algumas vezes era incluída também a escolaridade de cada uma das pessoas livres listadas. Abaixo do chefe da família eram anotados, pela ordem, a mulher, os filhos, os escravos e os agregados. É curioso observar que, se os agregados eram parentes do patriarca, geralmente vinham listados entre os filhos e os escravos. Já os capatazes, capitães-do-mato, meeiros e outros agregados ficavam ao final do grupo.

Muitos destes mapas eram preenchidos de acordo com os quarteirões, ou seja, dentro das unidades em que estavam divididos os distritos. Mesmo quando tais quarteirões não aparecem explicitamente nos mapas, é possível identificar onde começa e terminada cada uma das divisões. De modo geral os moradores de cada quarteirão aparecem listados em seqüência.

Cada chefe de família recebia um número seqüencial e o total deles representava o número de “fogos”. Para nós, brasileiros, nem sempre será fácil entender uma publicação atual que se refira àconstrução de fogos num quarteirão que está sendo urbanizado. Entretanto, esta linguagem erausual no Brasil ao tempo da expansão povoadora de nossa região.

Entendemos a palavra fogo comofenômeno que consiste no desprendimento de calor e luzproduzidos pela combustão de um corpo”, conforme nos ensina o Dicionário Houaiss. Fogo,paranós, é a chama, o lume ou a labareda que queima e eventualmente destrói. Mas nossosantepassados usavam o mesmo termo para significar o local onde se fazia fogo”. Sendo assim, porfogo” devemos entender também o fogão, a lareira e a fogueira. E, por extensão, a casa dehabitação, porque nela existe um compartimento destinado à produção do calor que cozinha osalimentos e aquece a água.

Nos tempos coloniais, denominavam-se “fogos” as habitações. Um conjunto de fogos formava o “quarteirão”, palavra que ainda preserva o significado de conjunto de habitações existentes entrealgumas vias de trânsito. A diferença é que, no século XIX, os quarteirões não eram delimitados necessariamente por caminhos transitáveis. Assim é que uma determinada fazenda poderia fazerparte do mesmo quarteirão da vizinha, embora entre elas não houvesse sequer um caminho.

Um conjunto de quarteirões, no século XIX, formava o “Distrito”: unidade administrativasubordinada ao Inspetor de Quarteirão. Os distritos formavam a “Freguesiaque, em princípio, deveria corresponder à jurisdição da Paróquia. Em freguesias dividiam-se os “Termosque, por suavez, eram as divisões administrativas das “Comarcas”.

Apresentamos um resumo bastante simplificado pois o objetivo é apenas explicar os termos que compunham o documento denominado Mapa de Habitantes ou Mapa de População ou, ainda, Lista Nominativa de Moradores, que traz ainda a coluna destinada ao registro das profissões. Quase sempre está preenchida no caso das pessoas livres com mais de 10 anos e raramente contém informação no caso dos escravos. Do universo pesquisado encontramos um único caso de escravo “carapina”, ou seja, carpinteiro. Todos os demais profissionais listados abaixo do núcleo familiar, de qualquer cor, eram pessoas livres.

Desses antigos mapas emergem algumas constatações: índios livres não eram computados; escravos negros não tinham sobrenome; nossa região contava com um significativo número de habitantes pretos livres; mestiços eram identificados por terminologia variada e possuir escravos não era privilégio das pessoas brancas.

Sobre o último aspecto faz-se necessário um comentário adicional. Sempre lembrando que o universo pesquisado é a Comarca do Rio das Mortes, com algumas poucas exceções, o número de cativos por unidade nem sempre está de acordo com o que demonstram outros documentos. Especificamente nos mapas relativos a Leopoldina, anos 1831, 1838 e 1843, observa-se a individualização de “fogos” para pessoas da mesma família e a listagem dos escravos de todos eles sob um único nome. Deve-se avaliar a possibilidade de que o número de escravos, por representar o poder econômico do proprietário, tenha sido manipulado com objetivos políticos.

Um dado que pode surpreender os menos afeitos ao assunto: pretos também tinham escravos. Na descrição de atividades produtivas de algumas fazendas, são citados serviços entregues à responsabilidade de proprietários vizinhos que os mandavam realizar pelos escravos que cada um possuía. Ou seja: ex-escravos compravam escravos e os empregavam junto a terceiros, adquirindo assim a renda que lhes permitia ascender socialmente. Nos anos posteriores, mais especificamente a partir de 1850, já podemos identificar a presença de escravos em casa de pretos livres e não recebendo tratamento de cativos. Provavelmente trabalhando “a jornal” para reunirem a soma necessária à compra de suas cartas de alforria.

Para um aprofundamento sobre o assunto, sugerimos obras sobre a história da ocupação do solo brasileiro, especialmente sobre a Lei de Terras. Também interessante é o Dicionário de Termos e Conceitos Históricos de Antônio Carlos do Amaral Azevedo, da editora Nova Fronteira, e o Dicionário do Brasil Colonial, organizado por Ronaldo Vainfas, editora Objetiva.