190 – A origem da fazenda Dois Irmãos de Abaíba

A origem da Fazenda Dois Irmãos de Abaíba pode ser parcialmente contada a partir do primeiro processo de divisão da propriedade onde se formou tal Fazenda. Um processo datado de 1881, que permitiu esclarecer a origem do território e o nome da propriedade. E tomar conhecimento que a Dois Irmãos era composta de duas sesmarias e de frações de Terras de Posse[1].

A primeira sesmaria, concedida[2] a Jesuina Francisca de Paula, medindo meia légua em quadra, correspondia a 225 alqueires de 4,84 hectares cada; a segunda, concedida[3] ao alferes José Ignacio da Silva Maior Souto, cujo nome correto é José Ignácio da Silva Souto Maior, com os seus aproximados 225 alqueires; e, as frações de Terras de Posse que ocupavam 236 alqueires.

Essas terras de posse serão mais bem conhecidas a partir do que se segue.

Primeira Sesmaria

A primeira sesmaria foi concedida a Jesuina Francisca de Paula em 21 de fevereiro de 1818 e localizava-se entre as serras Bonita, Feia, Limoeiro e Conceição. A primeira hipótese foi a de que poderia estar em terras que atualmente pertenceriam aos municípios de Pirapetinga ou Estrela Dalva.  Isto porque encontramos a Carta de Sesmaria junto ao processo de divisão de propriedade[4] requerido por Joaquim Dias Ferraz em 1894. Nesse processo encontra-se uma escritura de 11 de abril daquele ano em que Antonio Joaquim Vieira Cardoso, morador de Pirapetinga, vende para Joaquim Dias Ferraz a fazenda Vigillância que fora comprada de Sabino José da Silveira, morador de Estrela Dalva, no mês anterior. Como as confrontações da área transacionada nada esclareciam, por terem sido citados nomes de propriedades comuns na região, ficou a dúvida se a Dois Irmãos poderia ser por ali.

Partimos, então, para investigar quem foi a beneficiária daquela Carta. Quem era a senhora Jezuina Francisca de Paula, também referida como Jesuína Cândida de Paula? E nessa busca, segundo estudo[5] sobre seu pai, descobriu-se que Jesuína nasceu por volta de 1788, sendo a última filha de José Joaquim Corrêa, nascido na freguesia da Candelária, no Rio de Janeiro, filho de Antônio Francisco Costa e Isabel Maria de Jesus.

José Joaquim se casou com Francisca Antônia de Paula aos 21 de agosto de 1774, em São João del Rei. Ela, filha de Josefa Joaquina da Câmara, natural do Rio de Janeiro, neta materna de Antônio Martins Branco e Josefa Caetana da Rosa. Josefa Joaquina foi casada com Manoel Caetano de Azedias.  Separou-se e foi morar em São João Del Rei onde teve dois filhos: Francisca Antônia e Manoel Joaquim Marreiros.

Ressaltamos ainda que o Sargento Mor José Joaquim Corrêa recebeu sesmaria[6] no dia 12 de dezembro de 1817, no sertão do Paraíba aquém da Serra Bonita, no caminho para o Canta Galo e a Carta também se encontra anexada ao processo[7] da segunda divisão da fazenda Dois Irmãos. Além de Jesuína, suas filhas Mariana, Bárbara e Bernardina também receberam sesmaria[8] na mesma localização.

Estudo do Projeto Compartilhar informa que Jesuína Cândida de Paula se casou com o Capitão Mor João Pereira Pimentel que recebeu sesmaria[9] no dia 16 de fevereiro de 1818 no sertão do Paraíba, aquém da Serra Bonita, no caminho para o Canta Galo, sendo que a sesmaria não foi requerida por ele, mas por Bárbara Marcelina de Paula que era irmã de sua mulher Jesuína Candida de Paula.

É bom registrar, também, que no Auto de Medição e Demarcação da sesmaria recebida por Jesuina, de 09 de agosto de 1825, é citado o Ribeirão Pirapetinga. E que além do Auto de Posse, o processo de 1894 traz o Auto de Arrematação da sesmaria concedida ao marido de Jesuina, por Jacinto Manoel Monteiro da Cunha aos 28 de novembro de 1836. Provavelmente o Jacinto antes citado seria Jacinto Manoel Monteiro de Castro, avô materno de Jacinto Manoel Monteiro de Barros, um dos requerentes do primeiro processo de divisão da fazenda Dois Irmãos.

Segunda Sesmaria

Segundo o processo[10] da primeira divisão da fazenda Dois Irmãos, a segunda sesmaria que constituía a fazenda foi a concedida[11] ao alferes José Ignácio da Silva Souto Maior aos 28 de fevereiro de 1818. E a indicação constante da carta informa que as terras ficavam no Sertão do Paraíba, entre as serras: Bonita, Feia, Conceição e Limoeiro.

Ao realizar os primeiros estudos sobre as sesmarias na região de Leopoldina, foi levada em consideração a informação[12] de Celso Falabella para quem Souto Maior está entre os que receberam sesmaria no Louriçal, Córrego Jacaré, Córrego Bom Jardim e no Sertão do Cágado. No entanto, no inventário[13] do beneficiado consta entre os bens de raiz “uma sorte de terras compradas ao Sargento Mor Antonio José de Barros e a seu filho Joaquim José de Barros, que se compõe de capoeiras e campos de criar 620$000”. 

Tais vendedores muito provavelmente eram os Monteiro de Barros e talvez tenha havido uma troca com terras de Manoel José Monteiro de Barros e seu filho José Joaquim Monteiro de Barros.

Interessante observar que Maria Vitória Ferreira de Jesus, primeira mulher de Souto Maior, também recebeu sesmaria no Sertão do Paraíba, entre Conceição e Serra Feia, no dia 02 de julho de 1818, fazendo divisa com a sesmaria recebida pelo marido quatro meses antes.

Medição da fazenda Dois Irmãos

No Memorial da medição da fazenda Dois Irmãos, em 1881, o agrimensor informou que a mesma compreendia duas Sesmarias e Terras de Posse, fazendo divisa com as fazendas da Soledade, Cachoeira, Harmonia, Santa Rosa e Moinhos. Mencionou os beneficiários originais das duas sesmarias e informou que a área delas era de 2.245 hectares e 77 ares, ou seja, aproximadamente 463 alqueires. E as Terras de Posse, segundo a medição, se estendiam por 1.147 hectares e 43 ares, o que corresponde a 236 alqueires, totalizando aproximados 699 alqueires. Considerou-se que o alqueire da região de Leopoldina equivalia a 4,84 hectares e que as sesmarias concedidas eram de meia légua em quadra ou 225 alqueires. A pequena diferença para mais nas terras da fazenda, medidas em 1880, pode ser creditada ao aprimoramento dos instrumentos de medição, e parece mais próximo da realidade dizer que a fazenda Dois Irmãos teria área equivalente a três sesmarias.

O nome Dois Irmãos

Os requerentes da divisão em 1881 foram Antônio José Monteiro de Rezende e Jacinto Manoel Monteiro de Barros. Mas eles não foram os formadores da propriedade, já que Antônio José nasceu por volta de 1830, Jacinto Manoel nasceu em 1852 e eles não eram irmãos.

Antônio José Monteiro de Rezende era filho de Manoel Pereira de Rezende Alvim e de Agostinha Carolina Monteiro de Barros Galvão de São Martinho, sendo neto materno de Inês de Castro Galvão de São Martinho e Manoel José Monteiro de Barros Filho e por este, bisneto de Manoel José Monteiro de Barros e Margarida Eufrásia da Cunha Matos.

            Jacinto Manoel Monteiro de Barros era filho de Maria da Conceição Monteiro de Castro e Vicente Ferreira Monteiro de Barros, sendo neto paterno de outra Maria da Conceição Monteiro de Castro e José Joaquim Monteiro de Barros e por este, bisneto dos mesmos Manoel José Monteiro de Barros e Margarida Eufrásia da Cunha Matos bisavós de Antônio José.

Sendo assim, a hipótese é a de que o nome da fazenda faz referência aos irmãos Manoel José Monteiro de Barros Filho e José Joaquim Monteiro de Barros.

Em 1880, no processo[14] de divisão da fazenda Harmonia, foi apresentada a certidão de venda feita por Jacinto Manoel Monteiro de Barros de um quarto de terras daquela fazenda em que ele declara que as terras foram havidas por herança de seu finado avô Jacinto Manuel Monteiro de Castro. E em 1881, no processo[15] de divisão das fazendas Cachoeira e Harmonia, há indícios de que ambas eram partes já desmembradas da fazenda Dois Irmãos.

A segunda Divisão

Em 1881 a fazenda Dois Irmãos pertencia a dois condôminos. Logo depois começaram as vendas de partes dos seus 700 alqueires. Muitas vezes eram partes bem pequenas, como os 6 alqueires vendidos a José Maria de Brito que os revendeu 1883, ou os 11 alqueires que Jacinto Manoel vendeu para Antônio José Monteiro de Rezende em 1882. Houve, também, adjudicação de parte da fazenda para pagamento de dívidas ao Barão de Porto Novo, hipoteca de outra parte para Macedo Sobrinho Abreu & Quartin e hipoteca ou venda de partes maiores pelos dois condôminos originais resultando em multiplicação dos condôminos que se tornaram 20 em 1894.

Além disso, durante a segunda divisão houve novas vendas de partes que foram devidamente delimitadas e registradas. Em 1896 restavam, por dividir, apenas as terras de 16 condôminos e os maiores quinhões passaram a ser o de Joaquim Dias Ferraz com 6.807.479 metros quadrados [680 hectares] e Marciana de Magalhães, viúva do Barão de Porto Novo, Luiz de Souza Brandão, com 5.420.800 metros quadrados [542 hectares]. Antônio José Monteiro de Rezende detinha 529.400 metros quadrados e Jacinto Manoel Monteiro de Barros dividia com Protásio Antônio Monteiro da Silva um quinhão de 2.906.419 metros quadrados.

Esclarecimentos adicionais

As duas sesmarias e as Terras de Posse que compuseram a original fazenda Dois Irmãos estavam em território do antigo distrito do Feijão Cru, segundo João José da Silva Teodoro[16].

Em 1851 o território da fazenda passou a constituir o distrito de Conceição da Boa Vista. Em 1856, não houve registro das terras da fazenda.

Em 1884, na primeira divisão, continuava pertencendo a Conceição da Boa Vista. Em 1890, com a criação do distrito de Santa Izabel, o que restava da Dois Irmãos ficou para o novo distrito. Sua área foi representada da forma abaixo por ocasião do segundo processo de divisão.

Em 1926 a sede da outrora fazenda foi marcada[17] em território de Santa Izabel, atual Abaíba.

Fontes Consultadas


[1] Processo 38401515 Divisão da fazenda Dois Irmãos, autuação em setembro de 1881

[2] Arquivo Público Mineiro – APM – SC 377 página 46

[3] APM – SC 377 página 51

[4] Processo 38405205 Divisão da fazenda Dois Irmãos, autuação em janeiro de 1894.

[5] SETTE, Bartyra e JUNQUEIRA, Regina Moraes. Projeto Compartilhar. Sargento Mor José Joaquim Corrêa. Disponível em http://www.projetocompartilhar.org/Familia/JoseJoaquimCorrea.htm. Acesso em 23 jul 2013.

[6] APM – SC 377  página 48

[7] Processo 38405205 Divisão da fazenda Dois Irmãos, autuação em janeiro de 1894.

[8] APM – SC 377 páginas 44, 45 e 47

[9] APM – SC 377 página 42

[10] Processo 38401515 Divisão da fazenda Dois Irmãos, autuação em setembro de 1881

[11] APM – SC 377 página 51

[12] CASTRO, Celso Falabella de Figueiredo. Os Sertões de Leste: Achegas para a história da Zona da Mata. Belo Horizonte:  Imprensa Oficial, 1987. pag. 57-58

[13] SETTE, Bartyra e JUNQUEIRA, Regina Moraes. Projeto Compartilhar. Inventário de José Inácio da Silva Souto Maior. Disponível em http://www.projetocompartilhar.org/DocsMgGL/joseinaciodasilvasoutomaior1838.htm.  Acesso 16. 09.16

[14] Processo 38404728, divisão da fazenda Harmonia requerida por Custódio de Souza Pinto e outros. Img 172

[15] Processo 38406061, divisão da sesmaria da Cachoeira e metade da Harmonia, requerida por Lucas Antônio Monteiro de Rezende

[16] TEODORO, João José da Silva, Carta Topográfica dos Termos do Presídio, Pomba e São João Nepomuceno. Acervo da Biblioteca Nacional: 1847

[17] Commissão Geographica e Geologica de Minas Geraes. Carta Geográfica de Cataguases Folha nº 20 S2 E3 (São Paulo, Cayeiras e Rio: Secção Cartographica da Companhia Melhoramentos (Weisflog Irmãos incorporada), 1926.).

Aniversário: Conceição da Boa Vista

O Curato de Conceição da Boa Vista, criado em outubro de 1851, foi elevado à categoria de Paróquia há 150 anos, no dia 19 de julho de 1872.

Em comemoração, convidamos para releitura de alguns textos publicados sobre a história deste que foi o berço do atual município de Recreio.
Capítulos da História de Recreio

171 – O registro de terras e os vizinhos de Antonio e Bento Rodrigues Gomes

Logomarca Trem de História

Quando o Trem de História iniciou a série sobre os Pioneiros de Leopoldina surgiram indagações sobre como foram feitas as primeiras concessões de terras a particulares em Leopoldina. Assim, a viagem de hoje começa contando como isto se deu.

O ponto de partida é ter em mente que não houve concessão de sesmarias após a Independência, em 1822. E que dali em diante, até 1850, esteve em discussão o ordenamento jurídico sobre a propriedade da terra no país. Finalmente, em 1850 foi aprovada a chamada Lei de Terras[1] e a 30 de janeiro de 1854 o governo baixou o Decreto nº 1318 que regulamentou a mencionada Lei e criou os mecanismos para sua execução.

Entre estes mecanismos estava a obrigatoriedade dos proprietários de terras particulares levá-las a registro. Este registro se fazia através de declarações de área, localização e confrontações da propriedade, informadas ao Padre que fazia, então, o Registro de Terras em livro próprio. Uma declaração baseada unicamente em medidas muitas vezes acrescidas da expressão “pouco mais ou menos” e poucas referências além da indicação de um curso d’água, cachoeira ou montanha; e confrontações tão imprecisas que às vezes o declarante “A” omitia “B” que em registro mais adiante declarava “A” como vizinho. 

No caso de Leopoldina, este procedimento de registro foi realizado entre 21 de fevereiro e 20 de abril de 1856 e o documento gerado se encontra no Arquivo Público Mineiro[2]. Trata-se de um caderno com 23 folhas utilizadas em frente e verso, nas quais foram feitos 95 lançamentos, sendo que em alguns deles há mais de uma propriedade descrita e há caso de propriedade com vários sócios, onde todos são mencionados num só registro.

Ressalte-se, ainda, que o registro era feito por Freguesia. Assim, lembrando que a Vila Leopoldina era um imenso território que abrangia outras freguesias, como Santa Rita do Meia Pataca e Bom Jesus do Rio Pardo, por exemplo, é fácil imaginar que é necessário consultar mais de um daqueles livros para abranger todos os proprietários que aqui viviam. Sem contar que diversos proprietários fizeram o registro em freguesias então vizinhas, como Santo Antônio de Pádua, o que foi o caso de residentes no então extenso distrito de Conceição da Boa Vista.

Outro fato a destacar é que após o registro da propriedade era necessário demarcá-la, atitude que nem sempre foi tomada de imediato, por razões as mais diversas.

Segundo Lígia Osório Silva[3], para iniciar o processo de medição era preciso fazer um requerimento ao Juiz Comissário, figura que não pertencia aos quadros da Magistratura. Entretanto, parece que no interior o papel era exercido pelo Juiz de Direito e Juiz Municipal, conforme se observa nos processos de Leopoldina analisados pelos autores desta série. O Juiz nomeava, com aprovação dos interessados, os profissionais que realizariam o trabalho, como o agrimensor e os “louvados” que eram as duas testemunhas de todo o processo.

Conforme ficou dito anteriormente, na época da chegada dos pioneiros os cursos d´água eram os principais marcadores para localização das propriedades. Mas é bom lembrar que nem todos cursos conservam hoje a denominação usual do início da história do lugar. No esquema adiante, por exemplo, é o caso do Córrego das Palmeiras que já se chamou João Ides e, do Córrego das Virgens, cujo primeiro nome foi Recreio, conforme consta em registros e processos de divisão das propriedades. Há, também, a hipótese de que o atual Ribeirão Jacareacanga tenha sido inicialmente denominado Córrego do Bagre, em referência à propriedade que Bento Rodrigues Gomes formou na barra do córrego deste nome.

Com base nas fontes citadas, os autores desta série montaram o esquema[4] abaixo para facilitar a localização das antigas fazendas na área que se estende a nordeste do centro urbano de Leopoldina em direção ao distrito de Ribeiro Junqueira. Nele as iniciais indicam: AV = Águas Vertentes; B = Boa Vista dos Barbosas; BL= Barra das Laranjeiras; CB = Cachoeira do Bagre; F = Fortaleza; Rc = Recreio; Rs = Residência; S = Santana dos Miranda; SC = Santa Cruz.

A fazenda Águas Vertentes, de Antonio Rodrigues Gomes, fazia divisa com as propriedades de seu irmão Bento Rodrigues Gomes e também com Antonio Carlos Teles Faião, Antonio Joaquim Teixeira, João Gualberto Ferreira Brito, José Thomaz de Aquino Cabral e Mariana Pereira Duarte.

O Trem de História pretende trazer algumas informações sobre estes confrontantes e esclarecer casos como o de Antonio Carlos da Silva Teles Faião[5] que não indicou o nome de sua propriedade. Mas isto vai ficar para a próxima viagem, porque a carga de hoje está completa. Até lá.

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 423 no jornal Leopoldinense, agosto de 2021


Fontes consultadas: 
[1] Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850 
[2] Registro de Terras de Leopoldina, Arquivo Público Mineiro, Seção Colonial, TP 114, nº 11 
[3] SILVA, Lígia Osorio. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da Lei de 1850. Campinas, SP: Editora da Unicampo, 1996. p.168 
[4] Decalque de recorte da Carta do Brasil 1:50 000 - 1977 - Folhas SF-23-X-D-II-4 Cataguases e SF-23-X-D-V-2 Leopoldina - Instituto de Geociências Aplicadas de Minas Gerais - Diretoria de Geodésia e Cartografia 
[5] Registro de Terras de Leopoldina, Arquivo Público Mineiro, Seção Colonial, TP 114, nº 8.

167 – Fazendas Thezouro e Cachoeira da Boa Vista

Logomarca Trem de História

Percorrer os caminhos traçados pelos primeiros entrantes no território do atual município de Leopoldina tem sido o combustível e a razão de muitas viagens do Trem de História. Hoje, com estes mesmos ingredientes, ele visita a Fazenda Thezouro e a sua filha, a Fazenda Cachoeira da Boa Vista.

É bom lembrar, de início, que numa região montanhosa como este leste mineiro é natural que a maioria dos rios e ribeirões contem com quedas d’água ou cachoeiras que, por via de consequência, acabaram entrando na composição do nome de diversas fazendas. Fato que às vezes confunde um pouco a pesquisa em documentos da época, pela repetição do nome em vários pontos do município.

FAZENDA THEZOURO

A fazenda Thezouro foi formada no início do povoamento do Feijão Cru por Luciana Esméria de Almeida, filha de Manoel Antonio de Almeida e seu marido Joaquim Cesário de Almeida, que vinha a ser sobrinho materno do mesmo Manoel Antonio. Joaquim Cesário faleceu[1] aos 18 de março de 1855 e a propriedade passou a ser administrada por sua esposa que a registrou[2] em 1856 pelo tamanho de uma sesmaria, ou seja, mais ou menos 225 alqueires.

Divisava com Bernardo José Gonçalves Montes, José Ferreira Brito e Francisco José de Freitas Lima que mais tarde se tornaram sogros de filhos do casal Luciana-Joaquim Cesário. Eram também vizinhos da Fazenda do Tesouro: Manoel José Monteiro de Castro (1º Barão de Leopoldina) e Antonio Augusto Monteiro de Barros Galvão de São Martinho.

No processo[3] de Derrota[4], em 1868, consta que a Fazenda Thezouro divisava com “um corrigo chamado da Independencia”; com Domiciano Antonio Monteiro de Castro; com os vizinhos originais, Bernardo José Gonçalves Montes (que veio a ser sogro de João Basílio de Almeida), José Ferreira Brito e Francisco José de Freitas Lima. Divisava, ainda, com Prudente Vital de Oliveira que havia comprado 8.512 braças quadradas de Domiciano Antonio Monteiro de Castro, conforme escritura transcrita no processo de Derrota; e com o filho do casal João Basílio e seus cunhados Antonio Venancio de Almeida e Antonio Augusto de Almeida.

Nessa ocasião, Francisco José de Freitas Lima já havia comprado a legítima de Ignacio Ferreira Brito, que era genro do casal formador da fazenda. E o 1º Barão da Leopoldina havia comprado a legítima da esposa de Francisco Gonçalves Neto, que era filha do casal formador da fazenda.

Luciana Esméria de Almeida faleceu[5] dia 1 de agosto de 1864 e foi sucedida na administração dos bens do casal pelo filho mais velho, João Basílio de Almeida.

FAZENDA CACHOEIRA DA BOA VISTA

A história da fazenda Cachoeira da Boa Vista começa alguns anos antes de 30 de outubro de 1868, quando o piloto agrimensor Carlos Pereira de Souza apresentou o Memorial da Derrota[6] da “Fazenda Thezouro”. E, em linha gerais, a partir dos documentos a que se teve acesso, pode ser contada assim.

Algum tempo depois do falecimento de Luciana a fazenda Thezouro foi dividida. Na época, os condôminos eram João Basílio de Almeida e Antonio Augusto de Almeida que eram herdeiros da Tesouro; Antonio Venâncio de Almeida, João Ferreira de Almeida e Antonio de Freitas Lima (genros dos formadores da Tesouro), Francisco José de Freitas Lima (sogro de uma filha dos formadores da Tesouro) e o 1º Barão da Leopoldina, que havia comprado uma parte da fazenda.

A partir daí uma parte da Thezouro recebeu o nome de Fazenda da Cachoeira da Boa Vista e como tal funcionou por aproximadamente duas décadas.

Vinte anos depois, em 1884, Antonio José de Siqueira, um dos condôminos, requereu a divisão[7] da Fazenda Cachoeira da Boa Vista. Nessa ocasião eram condôminos: Antonio José de Freitas Lima; Bernardo Rodrigues Gomes e sua mulher Augusta Leopoldina de Rezende Montes; Manoel José de Siqueira Araújo e sua mulher Maria Virgilina de Almeida Siqueira, residentes na Corte; Romualdo Rodolfo Rodrigues Montes e sua mulher Blandina Leopoldina de Almeida; Antonio Pedro de Almeida; Joaquim Martins de Almeida; Filomena Ludovina de Almeida, filha do finado João Basílio de Almeida; Elisa de Almeida com seu tutor Bernardo Rodrigues Gomes; Dorcelina, Luciano e Eurico filhos de João Basilio de Almeida.

A Fazenda Cachoeira da Boa Vista divisava com as terras de: João Baptista Guimarães e sua mulher; Emidio Manoel Victorio da Costa; João Ferreira de Almeida e sua mulher Maria Cesaria de Almeida; Lucas e João, filhos de João Ferreira de Almeida; Antonio Augusto de Almeida e sua mulher Virginia Pereira Werneck; Antonio Venancio de Almeida e sua mulher Rita Virginia de Almeida; Antonio José de Freitas Lima e sua mulher Honorina Antonia de Almeida; José Antonio de Moraes e sua mulher; Francisco de Souza Guerra e sua mulher; José Luiz Machado e sua mulher; José de Moraes Lima e sua mulher Mariana Augusta de Almeida; Francisco de Moraes Lima e sua mulher; Miguel de Faria Coutinho e sua mulher Felicidade Perpétua de Freitas; Ana Eufrosina de Freitas Lima; Francisco José de Freitas Lima e sua mulher Francisca Margarida.

Em 04.07.1883 Augusta Leopoldina Rezende de Almeida vendeu[8] a Antonio José de Siqueira sua meação na Fazenda da Cachoeira da Boa Vista, que fazia divisa com herdeiros de Francisco José de Freitas Lima, com João Batista Guimarães, João Ferreira de Almeida, Antonio Augusto de Almeida, Antonio Venancio de Almeida e Emidio Manoel Victorio da Costa, num total de 137 hectares e 94 ares. E em 24.09.1883 nova escritura ratifica os termos da anterior registrando que a meação de Augusta Leopoldina Rezende de Almeida foi dada em pagamento a Antonio José de Siqueira.

Augusta Leopoldina Rezende de Almeida, viúva de João Basilio de Almeida, casou-se a segunda vez com Bernardo Rodrigues Gomes que passou, então, a ser condômino da fazenda.

Registre-se que o processo ora analisado menciona o ribeirão São Lourenço em algumas passagens e, comparando-se com outras informações do mesmo processo, conclui-se que a fazenda se localizava em território que pertenceu ao distrito de Conceição da Boa Vista sendo desmembrado para a formação do distrito de Abaíba, criado em 1890.

Por hoje o Trem de História fica por aqui. Mas fique certo o eventual leitor que na próxima edição do Jornal um pouco mais da história da cidade ocupará este espaço. Até lá!

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 419 no jornal Leopoldinense, abril de 2021

Fontes consultadas:


[1] Cartório de Notas de Leopoldina, MG - 1º Ofício, Maço 20
[2] Arquivo Público Mineiro, Seção Colonial, TP 114, Registro de Terras de Leopoldina, nr 40
[3] Processo COARPE – TJMG 38405817. Divisão da Fazenda Cachoeira da Boa Vista.
[4] Derrota era o termo usado para denominar o processo de medição de uma propriedade rural.
[5] Cartório de Notas de Leopoldina, MG - 2º Ofício, Maço 64.
[6] Processo COARPE/TJMG 38405817. Divisão da Fazenda Cachoeira da Boa Vista.
[7] Idem
[8] Idem

Providência: 131 anos do distrito

Estrada de Ferro Leopoldina chega ao município que lhe deu o nome

… a estação de Providência foi aberta ao tráfego no dia 9 de dezembro de 1874.

Publicado 10/12/2015

Providência

O território que constituiu o distrito foi desmembrado de Conceição da Boa Vista e da sede do município.

Publicado 09/05/2014

Providência, Leopoldina, Minas Gerais

Representação cartográfica do distrito.

Publicado 23/05/2012

Autoridades em Providência

Autoridades distritais do século XIX.

Publicado 05/03/2002

Primeiros Moradores de Providência

Estudo sobre os primeiros moradores do distrito de Providência.

Publicado 02/06/2001

Veja todas as matérias que citam Providência neste link.

Família Gonçalves Neto

Estudo sobre uma das famílias povoadoras dos atuais municípios de Recreio e Leopoldina

1º de Setembro de 1835

Nasceu FRANCISCO, filho de Manoel Ferreira Brito e Maria Josefa da Silva.O menino que mais tarde adotaria o nome de Francisco Ferreira Neto, foi um dos principais artífices da constituição do distrito de Recreio, na penúltima década daquele século.

Foi proprietário da Fazenda Laranjeiras, em sociedade com seu irmão Ignacio Ferreira Brito, além de um sítio desmembrado da Fazenda Serrote, outro sítio que antes fizera parte da Fazenda Boa Vista e de uma parte da Fazenda Bocaina da qual foi herdeiro. Era conhecido como Coronel Chiquinho Ferreira

Em 1851 foi um dos eleitores da Assembléia na qual foram iniciados os procedimentos para a emancipação do Feijão Cru três anos mais tarde. Em 1875 foi eleito Juiz de Paz de Conceição da Boa Vista. No ano seguinte, foi qualificado com um dos moradores elegíveis do mesmo distrito.

Em 1884 tornou-se Membro da Comissão Permanente do Club da Lavoura de Conceição da Boa Vista, sociedade de fins econômicos então criada, e em 1899 foi eleito Presidente do Conselho Distrital de Recreio.

Foi casado com Messias Rodrigues Gomes, filha de Antonio Rodrigues Gomes Filho e Rita Esméria de Almeida, com quem teve os filhos Manoel Ferreira Brito (neto), Eleotéria, Francisco Honório, José Celestino e Antonio Pedro Ferreira Neto.

Faleceu em 1899, tendo sido sepultado no Cemitério de Recreio no dia 25 de setembro.

Pioneiros de Conceição da Boa Vista

Quando nos dedicamos ao estudo das famílias pioneiras de nossa região, corremos o risco de buscar um modelo único, pessoas que se assemelhem por um conjunto de elementos que estariam presentes na vida da comunidade como um todo. Mas tal simplificação é impossível. O ser humano é sempre único em suas características pessoais e acreditamos que na multiplicidade está a riqueza maior.Por esta razão, estabelecemos um desafio para nossos estudos: investigar o que for possível sobre a trajetória das pessoas que, ao se transferirem para a nossa região, construíram uma identidade coletiva especial, legando-nos um passado específico, só nosso, que se comunica com a história de outros lugares e ao mesmo tempo deles nos distingue.

Não temos a pretensão de construir um trabalho de grandeza inquestionável. Pelo contrário, queremos apenas reunir, aqui neste blog, o que nos foi possível apurar até então. Através da vida de nossos antepassados, buscamos vislumbrar um pouco da generalidade e da singularidade, das demandas e contingências que os afetaram e que, por isto mesmo, são as colunas de sustentação da nossa história.

Muitos são os nomes de pioneiros esquecidos. A distância no tempo apagou memórias familiares. Nos tempos atuais já não cultivamos o agradável “proseado” com nossos parentes mais velhos. E perdemos, assim, a oportunidade de ouvir os “causos” deliciosos que os narradores mais antigos mantinham vivos pela oralidade.

Pesquisando a documentação ainda existente, descobrimos nomes de pessoas que desbravaram a serra dos Monos, abriram áreas de cultivo nas nascentes de nossos ribeirões, decidiram a rota dos caminhos que foram abertos e mais tarde, quando as bases da povoação já estavam bem definidas, provavelmente afastaram-se da vida pública e seus nomes caíram no esquecimento.

Como terá sido, por exemplo, a família que recebeu o número 71 no Mapa de Habitantes de 1838? Sabemos apenas que era chefiada por Ana Joaquina, mulher solteira, de 30 anos, que vivia com os filhos Francisca, Manoel, Lucinda e Laura.O pai das crianças seria um tropeiro que passava tanto tempo longe de casa a ponto de não ser computado entre os moradores locais? Ou seriam nativos? Mas como, se a história nos diz que os índios viviam agrupados, em formações familiares diferentes das famílias nucleares que habitualmente conhecemos?

E a família número 75, chefiada por Antonio Valentim, casado, 32 anos? O Mapa de Habitantes informa que ele era casado com Tereza Maria de 20 anos em 1838. Com o casal vivia o filho João, de 1 ano. A mesma casa abrigava também um provável irmão de Antonio chamado Fortunato Valentim, de 26 anos, casado com Luzia Maria, 19 anos. Todos eram lavradores e analfabetos.

Estes são apenas dois exemplos de famílias que sabemos terem habitado o Curato de Nossa Senhora da Conceição da Boa Vista nos pródomos da nossa história. Embora nada mais saibamos sobre eles, decidimos registrar-lhes os nomes como forma de agradecer-lhes por aqui estarem quando o povoamento começou.

Área de Conceição da Boa Vista no século XX

Para concluir nossos comentários sobre os desmembramentos territoriais de Conceição da Boa Vista, apresentamos a seguir o desenho de sua área original, destacando na cor verde o que restou do distrito.

Estrada de Recreio para Conceição da Boa Vista

Confirmando nossas suspeitas sobre a dificuldade de acesso a Conceição da Boa Vista, encontramos em livro de Atas da Câmara Municipal de Leopoldina, relativo ao ano de 1880, alguns registros sobre a necessidade de construir uma ponte na estrada que ligava a Estação do Recreio ao arraial de Conceição da Boa Vista. Foi nomeada uma comissão, composta pelo vereador Moraes e por Francisco Ferreira (Brito) Neto, para orçar as obras que deveriam ser realizadas nas imediações do Sítio Novato. Algumas Atas mencionam a “dificuldade do trânsito público” entre as duas localidades.

Não se sabe se este foi o motivo para que o Juiz de Paz de Conceição da Boa Vista oficiasse à Presidência da Província sobre a impossibilidade de realizar as eleições daquele ano, que os livros encontravam-se com o Padre Manoel Luiz Corrêa, talvez o responsável pela Igreja no Arraial Novo do Recreio. De todo modo, em maio de 1881 o vereador Astolpho Pio reclamava uma decisão da Câmara sobre consertos na “estrada de Conceição da Boa Vista para Santa Cruz, no pontilhão de Marcelino Rodrigues de Carvalho”, trecho que tinha sido por ele visitado em companhia de José Maria de Gouvêa. Curiosidade: José Maria de Gouvêa era cidadão português, provavelmente irmão ou filho do alinhador Manoel Maria de Gouvêa.