153 – Caminhos percorridos pelo homem livre

Conforme prometido no Trem de História anterior, os caminhos percorridos pelo homem livre formam a “bagagem” para a viagem de hoje.

Quando se fala em antigos caminhos é comum se pensar em rios como estradas. Mas é preciso observar que nem sempre estes cursos d’água se prestavam a isto, simplesmente porque muitas das vezes não eram navegáveis.

Na verdade, os caminhantes seguiam os rios, nos dois sentidos, muito mais como forma segura de orientação para avançar pelas matas, já que as águas correntes não retornam ao ponto de onde vieram e porque lhes dava a certeza da direção a seguir no retorno.

Agora, mergulhem num tempo em que a mão humana contava com poucos equipamentos que lhe facilitassem a jornada. Esqueçam o GPS – Global Position System, e se imaginem no meio de uma floresta. Imaginem quantas vezes estas pessoas terão seguido um curso d’água que seria afluente do que acabaram de deixar para trás? Esta era a realidade.

E saiba que estas observações se referem aos primeiros entrantes e não às famílias que viriam mais tarde se estabelecer na Mata Mineira. É lícito supor que os primeiros homens livres que exploraram a região chegaram a pé, por picadas muitas vezes abertas pelos nativos, porque não existiam estradas carroçáveis.

Conforme lembrou Sérgio Buarque de Holanda[1], mesmo para transporte de cargas os cavalos foram “de escasso préstimo, preferindo-se os carros de bois sempre que houvesse estrada capaz”. Embora o autor se referisse aos sertões de São Paulo no século XVIII, a situação na capitania mineira nos primeiros anos do século seguinte não era diferente. Somente quanto da mudança da “família estendida”[2] para o novo endereço, quando já havia caminho que o permitisse, eram utilizados carros de bois para o transporte da carga. E mesmo aí, as pessoas continuavam viajando a pé.

É ainda de Sérgio Buarque a indicação de que, em alguns casos, eram contratados indígenas, mamelucos ou escravos de carga. O que não justifica as histórias contadas de que os fazendeiros possuíam numerosa escravaria, contada às centenas.

Até porque pelo que foi apurado nas contagens populacionais de 1831, 1834 e 1843 do Feijão Cru, a média de escravos por unidade era de 4,45 nos dois primeiros censos e, no terceiro, por terem aumentado as famílias sem escravos, a média diminuiu para 2,91 escravos por fogo[3].

Numa visita à cidade de Descoberto (MG), na década de 1990, foi entrevistado um antigo morador, descendente de militar da tropa que encontrou o então denominado “Descoberto do Rio Novo”. Declarou ele que a tropa saiu do Rio Pomba na Cachoeira Alta, entrando por um riacho que nasce na Serra do Descoberto. Do sopé da Serra eles teriam seguido o córrego Pouso Alegre, afluente do Ribeirão do Descoberto que deságua no Rio Novo. Seu antepassado teria sido designado para ficar de guarda no Arraial do Descoberto.

No Encontro de Pesquisadores do Caminho Novo[4] de 2014, o pesquisador Geraldo Barroso apresentou uma comunicação sobre rotas a leste do Caminho Novo. Segundo ele, “os tropeiros do lado oriental do Caminho Novo enfrentavam dificuldades em suas viagens e tiveram que abrir novos caminhos que ficaram conhecidos por Caminhos de Dentro”. Um deles, que passa por Cipotânea, segue em direção a Mercês, depois vai aos municípios de Rio Pomba e Rio Novo de onde busca a cidade de Mar de Espanha.

Tropeiros do Caminho de Dentro

O pesquisador apresentou fotos de tropeiros do início do século XX que continuavam a fazer o mesmo trajeto, ressaltando que, apesar de mais tortuoso, desviava da trilha montanhosa e passava por várias localidades onde eles vendiam, compravam e trocavam produtos, reabasteciam e evitavam a exaustão de seus animais.

Os dois relatos indicam percurso que coincide, em parte, com o trajeto da primeira diligência chefiada por Galvão de São Martinho. A diferença básica é que depois de Roça Grande a diligência caminhou e tomou a direção do Terra Corrida, descendo pelo Ribeirão Aventureiro e atingindo o Paraíba do Sul.

Por hoje o Trem de História fica por aqui. Mas a viagem com Pioneiros de Leopoldina continuará na próxima edição do Jornal. Até lá!

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 406 no jornal Leopoldinense de 16 de junho de 2020

Fontes consultadas:

[1] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos do Sertão. In: Revista de História, São Paulo, v. 28 n. 57, pp-59-111, 1964. p.73

[2] O significado mais usual para ‘família estendida’ é grupo composto por pais, filhos, irmãos e outros parentes próximos.

[3] Fogo era o nome dado a cada unidade habitacional que podia ser composta de uma ou mais moradias.

[4] BARROSO, Geraldo. Caminhos de Dentro. In V Encontro de Pesquisadores do Caminho Novo, Juiz de Fora, junho 2014.

151 – As decisões do governo Cunha Menezes

Seguindo viagem com os pioneiros, o Trem de História hoje passeia um pouco pelo acontecido antes da ocupação oficial, pelo homem livre, da região que abrange o território que constitui o município de Leopoldina. Um tempo em que todo o leste da província das Minas era extensa “zona proibida”, a mata fechada à ocupação para evitar desvios do ouro.

Ressalte-se de início, que muitos autores se debruçaram sobre o assunto, permitindo que se tornassem mais ou menos conhecidas as estratégias utilizadas no processo de abertura de novas fronteiras agrícolas na Mata Mineira.

Mas no caso particular de Leopoldina, é imperativo conhecer as decisões administrativas do governo da Capitania na segunda metade do século XVIII para compreender o ocorrido. Afinal de contas, foi nesta época que a região hoje conhecida como zona da mata sul foi oficialmente aberta ao povoamento, impulsionada principalmente por decisões do governador Cunha Menezes.

Segundo Xavier da Veiga[1], Luís da Cunha Menezes foi o 9º governador efetivo da Capitania de Minas Gerais e em seu governo “fez toda a sorte de alicantinas[2] e desmandos”. E o mesmo autor ainda registra que foi da época de seu governo o recebimento de dois alvarás bastante incisivos. Um datado de 10.01.1785, ordenando ao Governador de Minas Gerais “atacar contrabandistas em Macacu” (RJ). E o outro, de 26.01.1785, dando ordem “para abolir pela brandura ou por violência” as fábricas, manufaturas etc nesta Capitania.[3] O que dá mostra do nível dos problemas que teve que enfrentar.

Mas, conforme declarou Celso Falabella[4], por mais arbitrário e confuso que tenha sido Luís da Cunha Menezes, que governou a Capitania entre 1783 e 1788, foram dele as ordens para a realização de duas importantes diligências que, de fato, abriram os sertões do leste ao homem livre.

Por outro lado, é necessário fazer um esforço de abstração para abandonar a realidade atual e mergulhar num tempo em que a mão humana contava com poucos equipamentos que lhe facilitassem a jornada por estas terras só conhecidas pelos nativos. Num tempo em que não era fácil sair de um lugar conhecido, com alguma estrutura disponível, e embrenhar-se literalmente na mata em busca de um futuro incerto, como fizeram as pessoas que primeiro entraram na região do Feijão Cru. Pessoas que sonharam com melhores condições de sobrevivência e, movidos pela confiança na própria capacidade de progredir e estimulados por narrativas que sempre chegaram aos mais longínquos rincões, jogaram seus pertences nas costas, em carroças ou carro de bois e saíram caminhando em busca de um hipotético pote de ouro que estaria além do arco-íris. Trilhando por onde os caminhos eram raros; rios navegáveis, poucos; e, informações seguras, quase nenhuma. De real e concreto, restava-lhes apenas a alternativa de seguir a “picada” aberta por tropeiros ou as inúmeras trilhas que os indígenas sempre abriram nas florestas.

E sobre estas trilhas, aqui vale uma observação. A história tradicional costumava incensar alguns personagens, dando-lhes a autoria deste ou daquele caminho. Atualmente, isto já não se faz. Graças a pesquisas cuidadosas, hoje se sabe que vias como o nosso muito conhecido Caminho Novo foram formadas ao longo de centenas de anos em que os naturais da terra, coletores por natureza, se movimentavam em busca da safra disponível nas diferentes épocas do ano. Assim também ocorreu com as vértebras ou, vicinais do Caminho Novo que se ramificaram pela zona da mata. E não só em Minas, como se constata em Sérgio Buarque de Holanda ao declarar[5] que “mesmo antes da colonização europeia, algumas trilhas de índios [não eram] mais do que picadas incultas e intratáveis”.

A história dos Pioneiros de Leopoldina continua, mas por hoje o Trem de História fica por aqui. Na próxima edição virão as diligências de Pedro Afonso Galvão de São Martinho e seu grupo. Aguardem!

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 404 no jornal Leopoldinense de 15 de maio de 2020

Fontes consultadas:

[1] VEIGA, José Pedro Xavier da. Efemérides Mineiras 1664-1897. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1998. p.885.

[2] Antigo termo jurídico, alicantina significa ardil, trapaça.

[3] VEIGA, José Pedro Xavier da. Efemérides Mineiras 1664-1897. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1998. p.139.

[4] Castro, Celso Falabella de Figueiredo. Os sertões do leste: achegas para a história da Zona da Mata. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1987. p.18-19

[5] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Monções e Capítulos de expansão paulista. 4. ed. São Paulo: Companhia daLuiz da Cunha fala Letras, 2014. p.44

Comando da Guarda Nacional em Leopoldina

Efemérides LeopoldinensesSegundo esta notícia, a partir de 1868 Leopoldina teve Comando da Guarda Nacional. Mas a primeira informação que encontramos sobre constituição deste corpo militar no município é de fevereiro de 1873, no mesmo jornal Diário de Minas, informando que José Antônio Pereira fora nomeado Major Ajudante de Ordens.

Segundo Sérgio Buarque de Holanda[1], não há fundamento para a ideia de que “a Guarda Nacional foi sempre uma tropa de elite”. Entre outros argumentos, ele ressalta a aceitação de escravos libertos e lembra que “todos os brasileiros, sem distinção de raça” podiam fazer parte da organização e que foi a “Guarda Nacional a primeira corporação oficial que fez cessar expressamente a distinção racial”.

O grande historiador lembra que a Guarda Nacional brasileira foi criada segundo modelo da francesa, reorganizada pela lei daquele país de 22 de março de 1831. O primeiro desfile da nossa Guarda Nacional ocorreu no dia 2 de dezembro de 1832, no aniversário de D. Pedro II.

Para Holanda, num segundo momento – de 1850 A 1888 – a GN passou por um “início da aristocratização dos seus quadros dirigentes”, tornando-se “milícia eleiçoeira”, ou seja, uma “força de oficiais sem soldados”. É neste período que ela é organizada em Leopoldina e em municípios vizinhos.

A então considerada milícia cidadã passou a ter seus membros nomeados pelos governos provinciais e os oficiais se tornaram contribuintes de um reforço no orçamento público, já que, para entrar em exercício, tinham que pagar o “imposto do selo e das patentes”.

Sérgio Buarque de Holanda declara que, na terceira fase, a Guarda Nacional foi sendo absorvida pelo Exército Brasileiro “até seu total desaparecimento em 1922”.

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[1] HOLANDA, Sérgio Buarque de (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1985 Tomo II O Brasil Monárquico v. 4 p. 284, 282, 285 e 274

Atualidade de Sérgio Buarque de Holanda

Em outubro de 2014 foi postado, aqui neste blog, um link para uma das palestras do seminário com este título, realizado em 2011.

Rever aqueles vídeos fazia parte da releitura de Sérgio Buarque de Holanda iniciada no final de 2013. Além dos clássicos já conhecidos, foram lidos também o Vale do Paraíba: velhas fazendas e Capítulos de História do Império, ainda não conhecidos. E como uma coisa puxa outra, foram relidos também alguns volumes da História Geral da Civilização Brasileira porque o objetivo era relembrar a obra deste importante autor.

Completando o programa, mas sem considerá-lo ainda finalizado, aqui vai um convite para artigo de mesmo título, de Jurandir Malerba, publicado na Revista ArtCultura de 2012.

Escreveu o Professor Malerba,

“ainda nos anos 1980, pela época de minha graduação, partia de boa porção de meus professores uma espécie de interdição velada àquele historiador. […] Compensava-se a bibliografia com fartura de […] toda estirpe de nossos melhores – e piores – historiadores marxistas de diferentes épocas”

E prosseguiu declarando que a retomada de Sérgio Buarque de Holanda resultou na:

“[…] chegada, sempre tardia, de algumas perspectivas e alguns tópicos de pesquisa ao Brasil, de procedência indisfarçavelmente francesa (mas também inglesa) – como mentalidades, privacidade, quotidiano, a perspectiva dos “debaixo”, da história das pessoas comuns–, abriu campo para o resgate da obra de Sérgio, que, de resto, nunca fora totalmente ofuscada.”

Leia todo o artigo neste endereço.

Resumo:

Aula magna proferida na inauguração da Cátedra Sérgio Buarque de Holanda de Estudos Brasileiros, Lateinamerika Institut, Berlim, trata da presença de Sérgio Buarque de Holanda na historiografia brasileira, com ênfase na observação de seu estilo de escrita.

Richard Graham: a eleição como um drama

Esta semana estou revendo uma série de vídeos do seminário Atualidade de Sérgio Buarque de Holanda, realizado em 2011. Estão disponíveis na internet há pouco mais de dois anos mas foram vistos relativamente poucas vezes. Por isto agora, ao revê-los, resolvi postar aqui um dos mais interessantes da série. Trata-se de palestra do historiador Richard Graham, professor emérito da Universidade do Texas em Austin, EUA, a respeito das eleições no tempo do Império como foram descritas por Sérgio Buarque de Holanda em do Império à República, da coleção História Geral da Civilização Brasileira. Um drama com plateia, figurino, atores e tudo o que é necessário a um evento teatral.

Releituras: Sérgio Buarque de Hollanda

Bastou falar em livros e alguns seguidores deste blog escreveram pedindo sugestões. Então, hoje indico um pequeno livro da coleção Sabor Literário, editora José Olympio.

Refiro-me a Vale do Paraíba: velhas fazendas, de Sérgio Buarque de Hollanda, com desenhos de Tom Maia. A primeira edição saiu em 1975 pela Companhia Editora Nacional. Este que acabo de reler foi publicado em 2010.

Vale do Paraiba: Velhas FazendasE como sempre faço quando indico livros, seguem dois trechos:

“Segundo a versão mais geralmente acreditada, do café que por volta de 1760 levou do Maranhão ao Rio de Janeiro o desembargador João Alberto Castelo Branco, procedem as plantações do padre João Lopes e depois do padre Antônio do Couto, na fazenda do Mendanha, situada na freguesia de Campo Grande”. (pag. 59-60)

“O pintor Rugendas, que conhecia bem essa província [São Paulo], escreveu, com efeito, que já podiam então ser consideradas importantes as fazendas com 34 escravos e outros tantos cavalos e bois”. (pag. 68)

Considerando que o período abordado é o século XIX, ressalto que em alguns municípios da zona da mata mineira, na mesma época, fazendas importantes contavam com quantidade semelhante de escravos. E quanto à origem do café, a referência ao Maranhão consta em alguns estudos recentes, posteriores à primeira edição desta obra de Sérgio Buarque de Hollanda. Antes, em obras históricas sobre a zona da mata sul, constava que as sementes vieram diretamente de outros países para o Vale do Paraíba e dali adentraram o território mineiro.

Revista Brasileira de História

Sumário
Rev. Bras. Hist. vol.30 no.59 São Paulo jun. 2010

Dossiê: História e historiadores

· Capistrano de Abreu, viajante
· Fazer história, escrever a história: sobre as figurações do historiador no Brasil oitocentista
· O ofício do historiador e os índios: sobre uma querela no Império
· A institucionalização dos estudos Africanos nos Estados Unidos: advento, consolidação e transformações
· A teoria da história como hermenêutica da historiografia: uma interpretação de Do Império à República, de Sérgio Buarque de Holanda
· História do Brasil para o “belo sexo”: apropriações do olhar estrangeiro para leitoras do século XIX
Artigos
· Um rei indesejado: notas sobre a trajetória política de D. Antônio, Prior do Crato
· Novos elementos para a história do Banco do Brasil (1808-1829): crónica de um fracasso anunciado
· A floresta mercantil: exploração madeireira na capitania de Ilhéus no século XVIII
· Subsistemas de comércio costeiros e internalização de interesses na dissolução do Império Colonial português (Santos, 1788-1822)
· Modernizando a repressão: a Usaid e a polícia brasileira

O mito da decadência de Minas Gerais no século XIX

Afonso Alencastro Graça Filho iniciou sua apresentação ressaltando que embora seja um tema já ultrapassado na nova historiografia mineira, ainda há alguns autores resistindo às evidências de que a Capitania de Minas Gerais, com o declínio da mineração, não viveu um momento de miséria terrível ou de uma decadência assombrosa.
Lembrou que Celso Furtado, cuja obra ainda é muito considerada, marcou a geração de uma época anterior às novas metodologias. Portanto, a visão daquele autor de que Minas teria vivido a maior retração econômica das Américas, e que só se recuperaria com a introdução do café, na segunda metade do século XIX, é uma postura tradicional que se perpetuou e que a nova historiografia de Minas Gerais tem descartado.
Em 1979, Maria Yeda Linhares publicou palestras que havia feito em Minas Gerais, questionando as evidências da decadência e sugeriu aos pesquisadores que voltassem seus olhos para a dinâmica da história econômica, olhando para a economia de abastecimento, ou seja, a pecuária e a lavoura de alimentos. Estes aspectos tinham sido desconsiderados pela antiga historiografia. Além disso, a autora se referiu ao escravismo que teria contribuído para um consumo atrofiado, pela falta de condições daquela fatia da população. Foi, portanto, um chamado para que as pessoas fizessem pesquisas mais aprofundadas, observando se o impacto da crise do ouro havia sido geral em Minas Gerais ou localizado nas áreas mineradoras, e que levassem em consideração a economia de abastecimento.
Afonso Alencastro prosseguiu lembrando que alguns autores, como Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, haviam percebido que, mesmo se tivesse ocorrido uma queda consequente ao ocaso da mineração, uma parte de Minas teria se salvado. No caso, seria oSul de Minas que, em tempos remotos, era a Comarca do Rio das Mortes. Sendo assim, a região de São João del Rei, que foi cabeça da Comarca, é um lugar privilegiado para se falar da História de Minas Gerais.
Com o alerta de Maria YedaLinhares, os estudos começaram a ser redirecionados nos anos de 1980. Muitos nomes de destaque da historiografia desde então atenderam ao chamado e passaram a trabalhar em busca da diversidade de atividades econômicas, da transformação do trabalho e se tornaram referência para a visão de Minas como exportadora de alimentos para outras capitais. Entre os autores citados, estão Roberto Martins, Douglas Libby, Robert Slenes e Alcir Lenharo.
O ponto levantado por Roberto Martins era como Minas teria preservado a maior população de escravos numa economia em decadência. A partir daí, para responder a esta questão demográfica, houve um movimento de busca da resposta. Roberto Martins concluiu que não havia grandes trocas comerciais com outras capitanias. Douglas Libby demonstrou a grande diversidade de atividades econômicas.
O palestrante mencionou que uma das hipóteses levantadas para o grande número de escravos é que seria um resíduo do auge da mineração e que teria havido uma reprodução endógena da escravaria. Slenes e Lenharo acrescentaram que as relações externas de Minas Gerais não eram desprezíveis. Com os olhares voltados para as listas nominativas de habitantes de 1831, os pesquisadores verificaram que a maioria dos fogos não contava com escravos e, entre os que possuíam escravos, metade tinha até 5 indivíduos em tal condição. São, portanto, raras as grandes escravarias.
Lembrando que a consulta às fontes primárias é fundamental para o trabalho do pesquisador, Afonso Alencastro mencionou o professor João Fragoso, em cuja tese de 1992 é informado que, entre 1825 e 1830, 43% dos escravos saídos do Rio de Janeiro foram direcionados para Minas. Como seria possível se este foi justamente o período em que a antiga historiografia definiu como o da terrível decadência?
Foi informado que a análise da economia de mercado é o grande elemento de revisão do funcionamento geral da economia colonial brasileira, mas que apesar dos caminhos da nova historiografia, ainda existem resistentes, embora minoritários, que insistem na visão já ultrapassada. Neste caso, foi citado Wilson Cano, que persiste na linha da decadência pós-mineração.
Encerrando sua fala, o palestrante ressaltou que as antigas obras sobre o ciclo do ouro esconderam outros aspectos da história mineira como, por exemplo, a concessão de cartas de sesmaria a demonstrar que a mineração conviveu com significativa produção de alimentos. Exortou a todos para a necessidade de encarar a historiografia com mais seriedade, realizando pesquisas embasadas em fontes primárias, com a exploração exaustiva do que dizem tais fontes, para verificar como foi realmente o passado de Minas Gerais.

Livros importantes para um Historiador

Em agosto de 2010 Fabricio Leal de Souza publicou o resultado de uma pesquisa realizada com os leitores de seu blog sobre os livros indispensáveis na vida de um historiador.

1º. Apologia da História (Marc Bloch)

2º. Raízes do Brasil (Sérgio Buarque de Holanda)

3º. Casa-Grande & Senzala (Gilberto Freyre)

4º. Era dos Extremos (Eric Hobsbawm)

5º. História e Memória (Jacques Le Goff )

6º. Formação do Brasil Contemporâneo (Caio Prado Júnior) e O Queijo e os Vermes (Carlo Ginzburg)

7º. Domínios da História (Ciro Flamarion Cardoso)

8º. Mitos, Emblemas, Sinais (Carlo Ginzburg)

9º. A Escrita da História (Peter Burke), A Ideologia Alemã (Friedrich Engels), O Capital (Karl Marx) e Como se escreve a História (Paul Veyne)

10º. A Escola dos Annales (Peter Burke), A Escrita da História (Michel de Certeau), O Príncipe (Nicolau Maquiavel) e Passagens da Antiguidade para o Feudalismo (Perry Anderson)

Ainda que alguém discorde da ordem de preferência dos leitores do Fabrício, não se pode negar o valor das obras mais votadas.

 

Imigração e Colonização no Brasil

Este é o título de um trabalho de José Fernando Domingues Carneiro, publicado pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1950. Na abertura o médico e professor esclarece que o trabalho é constituído de “duas aulas”: a primeira é um resumo da história da imigração no Brasil e a segunda relata o êxito da colonização europeia no sul do país.

Fernando Carneiro divide a história da imigração em 3 períodos: 1808 a 1886; 1887 a 1930 e 1931 em diante. Caracteriza o primeiro como o da coexistência com o trabalho escravo, o segundo como aquele em que o imigrante veio substituir a mão de obra cativa e no terceiro, segundo esclarece, já não havia mais necessidade de braços para a lavoura. O autor faz críticas às Theses sobre Colonização no Brasil, do conselheiro João Cardoso de Menezes e Souza, publicação de 1875, procurando demonstrar “o homem medíocre que era o conselheiro” (pag. 13). E afirma que as causas para a pequena entrada de imigrantes no país, no primeiro período, foram a existência da escravidão, o clima e a febre amarela.

O trabalho é uma leitura interessante para conhecer as diferentes visões que o assunto imigração despertou nos mais diferentes pensadores. E em tempos de patrulhamento contra a destruição do planeta, torna-se curioso ler que os métodos de abertura das lavouras de café, com derrubada de mata e queimadas, foi a alternativa encontrada para domar a terra. O autor informa que a riqueza do solo foi um obstáculo à aplicação de processos aperfeiçoados na agricultura. Segundo ele, a cana de açúcar plantada em solo rico gerava plantas com muito caldo e pouco açúcar. Para o café, significava obter bela vegetação e maus frutos. Seria esta a razão para que o Senador Vergueiro mandasse derrubar a mata e aproveitar a terra durante alguns anos em outras culturas, deixando posteriormente que crescessem capoeiras para só depois receberem as primeiras mudas de café.

Ao mencionar o assunto, Fernando Carneiro cita Sérgio Buarque de Holanda, em prefácio à obra Memórias de um Colono no Brasil, de Tomaz Davatz, publicada em 1941:

“A agricultura do tipo europeu era sobretudo impraticável nos lugares incultos e remotos, para onde, na míngua de outros, se encaminhariam cada vez mais os imigrantes, na ilusão de que a uberdade do solo compensava as contrariedades da distância.”