153 – Caminhos percorridos pelo homem livre

Conforme prometido no Trem de História anterior, os caminhos percorridos pelo homem livre formam a “bagagem” para a viagem de hoje.

Quando se fala em antigos caminhos é comum se pensar em rios como estradas. Mas é preciso observar que nem sempre estes cursos d’água se prestavam a isto, simplesmente porque muitas das vezes não eram navegáveis.

Na verdade, os caminhantes seguiam os rios, nos dois sentidos, muito mais como forma segura de orientação para avançar pelas matas, já que as águas correntes não retornam ao ponto de onde vieram e porque lhes dava a certeza da direção a seguir no retorno.

Agora, mergulhem num tempo em que a mão humana contava com poucos equipamentos que lhe facilitassem a jornada. Esqueçam o GPS – Global Position System, e se imaginem no meio de uma floresta. Imaginem quantas vezes estas pessoas terão seguido um curso d’água que seria afluente do que acabaram de deixar para trás? Esta era a realidade.

E saiba que estas observações se referem aos primeiros entrantes e não às famílias que viriam mais tarde se estabelecer na Mata Mineira. É lícito supor que os primeiros homens livres que exploraram a região chegaram a pé, por picadas muitas vezes abertas pelos nativos, porque não existiam estradas carroçáveis.

Conforme lembrou Sérgio Buarque de Holanda[1], mesmo para transporte de cargas os cavalos foram “de escasso préstimo, preferindo-se os carros de bois sempre que houvesse estrada capaz”. Embora o autor se referisse aos sertões de São Paulo no século XVIII, a situação na capitania mineira nos primeiros anos do século seguinte não era diferente. Somente quanto da mudança da “família estendida”[2] para o novo endereço, quando já havia caminho que o permitisse, eram utilizados carros de bois para o transporte da carga. E mesmo aí, as pessoas continuavam viajando a pé.

É ainda de Sérgio Buarque a indicação de que, em alguns casos, eram contratados indígenas, mamelucos ou escravos de carga. O que não justifica as histórias contadas de que os fazendeiros possuíam numerosa escravaria, contada às centenas.

Até porque pelo que foi apurado nas contagens populacionais de 1831, 1834 e 1843 do Feijão Cru, a média de escravos por unidade era de 4,45 nos dois primeiros censos e, no terceiro, por terem aumentado as famílias sem escravos, a média diminuiu para 2,91 escravos por fogo[3].

Numa visita à cidade de Descoberto (MG), na década de 1990, foi entrevistado um antigo morador, descendente de militar da tropa que encontrou o então denominado “Descoberto do Rio Novo”. Declarou ele que a tropa saiu do Rio Pomba na Cachoeira Alta, entrando por um riacho que nasce na Serra do Descoberto. Do sopé da Serra eles teriam seguido o córrego Pouso Alegre, afluente do Ribeirão do Descoberto que deságua no Rio Novo. Seu antepassado teria sido designado para ficar de guarda no Arraial do Descoberto.

No Encontro de Pesquisadores do Caminho Novo[4] de 2014, o pesquisador Geraldo Barroso apresentou uma comunicação sobre rotas a leste do Caminho Novo. Segundo ele, “os tropeiros do lado oriental do Caminho Novo enfrentavam dificuldades em suas viagens e tiveram que abrir novos caminhos que ficaram conhecidos por Caminhos de Dentro”. Um deles, que passa por Cipotânea, segue em direção a Mercês, depois vai aos municípios de Rio Pomba e Rio Novo de onde busca a cidade de Mar de Espanha.

Tropeiros do Caminho de Dentro

O pesquisador apresentou fotos de tropeiros do início do século XX que continuavam a fazer o mesmo trajeto, ressaltando que, apesar de mais tortuoso, desviava da trilha montanhosa e passava por várias localidades onde eles vendiam, compravam e trocavam produtos, reabasteciam e evitavam a exaustão de seus animais.

Os dois relatos indicam percurso que coincide, em parte, com o trajeto da primeira diligência chefiada por Galvão de São Martinho. A diferença básica é que depois de Roça Grande a diligência caminhou e tomou a direção do Terra Corrida, descendo pelo Ribeirão Aventureiro e atingindo o Paraíba do Sul.

Por hoje o Trem de História fica por aqui. Mas a viagem com Pioneiros de Leopoldina continuará na próxima edição do Jornal. Até lá!

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 406 no jornal Leopoldinense de 16 de junho de 2020

Fontes consultadas:

[1] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos do Sertão. In: Revista de História, São Paulo, v. 28 n. 57, pp-59-111, 1964. p.73

[2] O significado mais usual para ‘família estendida’ é grupo composto por pais, filhos, irmãos e outros parentes próximos.

[3] Fogo era o nome dado a cada unidade habitacional que podia ser composta de uma ou mais moradias.

[4] BARROSO, Geraldo. Caminhos de Dentro. In V Encontro de Pesquisadores do Caminho Novo, Juiz de Fora, junho 2014.

101 – Pelos 164 anos de emancipação de Leopoldina: as Exportações da Produção do Feijão Cru

Logomarca Trem de História

 

O Trem de História mostra hoje um pouco dos diferentes meios e modos de escoamento da produção desde os primórdios do Feijão Cru e da Vila de Leopoldina, passando pelos primeiros tempos da cidade e os dias atuais.

Quando se pensa em contar a história da exportação de produtos de Leopoldina vem logo a imagem dos vagões de trens abarrotados de café, caminhões pipas transportando leite ou, carrocerias lotadas de cereais e engradados com aves vivas. Se história de um tempo mais recente, com negócios geridos por exportadores versados nos ensinamentos do conterrâneo José Augusto de Castro(1), certamente se imaginarão carretas refrigeradas e caminhões baú.

 Mas houve um tempo no qual a produção partia do Feijão Cru por caminhos bem diferentes. Se a carga era de animais vivos, boiadas principalmente eram tocadas a pé pelas estradas por treinados boiadeiros. Se cargas da lavoura ou dos engenhos, eram geralmente levadas por tropas de muares e carros de bois para o Registro do Porto Novo do Cunha, na atual Além Paraíba ou, para o Registro do Porto da Barra do Pomba, localizado na foz do rio deste nome no Paraíba do Sul, em território hoje pertencente à cidade de Aperibé (RJ). Isto, muito antes da presidência da república ser ocupada por Washington Luís (1926 a 1930), deposto pelo Estado Novo, ter tido como lema de governo o seu célebre “Governar é abrir estradas”.

Porto das Barcas, Aperibé, RJ: neste local funcionava o porto da foz do Rio Pomba no Rio Paraíba do Sul, por onde se escoava a produção do Feijão Cru até 1870.

Entre 1841 e 1880, tais partidas de mercadorias, conforme documentos do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro(2) relativos à exportação de produtos da região de Leopoldina para a Corte, seguiam estes caminhos. Principalmente as mais antigas, de 1841 e 1842, que passaram pelo Registro de Porto Novo do Cunha, em cujo termo de abertura consta a declaração de que o livro serviria ao registro das guias de remessa dos gêneros sujeitos a imposto.

Vale lembrar que de tais guias constam itens como: açúcar, azeite, café, cavalo, feijão, galinha, polvilho, queijo, toucinho e varas de pano (provavelmente tecido grosseiro de algodão). Mas já para o ano de 1859 só foram encontrados mapas da arrecadação de imposto sobre o café exportado através daquele Porto para a Província do Rio de Janeiro, não sendo possível identificar os exportadores e nem mesmo assegurar quais deles eram da então Villa Leopoldina.

A partir de 1860, num livro do Registro do Porto da Barra do Pomba, de Aperibé (RJ), os registros passam a ser mais precisos e já se consegue identificar a propriedade exportadora e o café como principal produto comercializado.

Da Villa Leopoldina, excluídos seus então distritos Angu, Capivara e Laranjal, naquele ano de 1860 os seguintes produtores exportaram café para o porto de São Fidelis-RJ(3), de onde seria revendido para a Corte e outras províncias: Agostinho Luiz de Menezes; Antonio Bittencourt de Castro; Antonio José Rodrigues; Bento Pereira da Cruz; Caetano Pedro de Matos; Carlos Augusto Cabral; Cesário José dos Reis; Diogo Gonçalves de Medeiros; Felicíssimo Vital de Moraes; Francisco Antonio de Lima; Francisco Pereira da Ponte; Jacinto Monteiro de Barros; João Paulo Coutinho; Joaquim Corrêa; Joaquim José da Costa Cruz; Joaquim Machado Neto; Joaquim Manuel; José Ignacio Couto; José Joaquim Ferreira Monteiro de Barros; José Rodrigues Gomes; José Tavares de Oliveira; José Teixeira Lopes Guimarães; Luiz Manoel de Castro e Silva; Maria Antonia; Maria do Carmo Monteiro de Barros; Mariano Pacheco Couto; Thomaz Furtado Branquinho; e, Vicente Ferreira Monteiro de Barros.

Em 14.10.1864, o capitão Alfredo de Barros e Vasconcellos, Diretor de Obras Públicas da Província de Minas Gerais, e Antonio Rodrigues da Costa, Engenheiro Chefe, cumprindo as ordens de 11 de abril e 6 de maio daquele ano, encaminham à Corte planta e orçamento para o reparo e melhoramento indispensável da estrada que do ponto fronteiro à villa de S. Fidelis segue à Província de Minas Geraes pela margem esquerda dos rios Parahiba e Pomba, passando pela freguesia de Santo Antonio de Padua do mesmo município de S. Fidelis.

Interessante observar que, no mesmo documento, o Capitão Alfredo pondera ser uma obra que excede à verba decretada e informa que na margem fronteira corre paralelamente (até a foz do Pomba) uma outra estrada por planicie soalheira, e que além de dous ramaes que lança para as freguesias de São Sebastião do Alto e Santa Rita do Rio Negro de Cantagallo, por onde desce muito café desta provincia, vai directamente pela margem direita do Parahiba entroncar na estrada de ferro de D. Pedro 2º no Porto Novo do Cunha. Estrada que receberá melhoramentos já orçados a 20 de março de 1862 e que necessariamente teem de ser feitos, podendo ella dispensar a outra.

Chegada a era da Estrada de Ferro, a exportação deixou de ser feita pelo leito dos rios e estradas de acesso a eles e, com isso, os controles ou recebedorias passaram para as estações. A partir daí, no território pertencente a Leopoldina, esse controle passou a ser feito pelas estações inauguradas entre dezembro de 1874 e julho de 1877 – Providência, São Martinho, Santa Isabel (hoje Abaíba), Recreio, Campo Limpo (hoje Ribeiro Junqueira), Vista Alegre e Leopoldina. Na Estação de Campo Limpo, segundo os documentos pesquisados, havia armazém com capacidade para estocar a produção até o momento do embarque. E pelo livro de 1880 dessa estação, o mais antigo existente no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, observa-se que o café permanecia como principal produto de exportação e os produtores eram dos municípios de Leopoldina, São Paulo do Muriaé e Cataguases, não havendo identificação de cada um deles.

Mas exportação através da linha férrea já é uma outra história para uma futura viagem. Por hoje o Trem de História fica por aqui.


Fontes do consulta:

1 – CASTRO, José Augusto de. Exportação – Aspectos Práticos. 4. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2001

2 – Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Registro do Porto Novo do Cunha 1841-1842 e 1859; Registro da Barra do Pomba, 1860; Fundo Presidência da Provincia do Rio de Janeiro, Notação 439, 1864;  Registro do Campo Limpo, 1880

3 – São Fidelis (RJ) era a cidade de destino do memorialista Francisco de Paula Ferreira Rezende, autor de Minhas Recordações, quando, em 1861, chegou a Leopoldina.

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 354 no jornal Leopoldinense de 27 de abril de 2018

A zona da mata mineira em antigos cartogramas

RECONTOS DE UM RECANTO – 02 – Artigo de José Luiz Machado Rodrigues e Nilza Cantoni publicado na Gazeta de Leopoldina.

Para este artigo de hoje nos valemos, do “Mapa da Capitania de Minas Geraes, com a deviza de suas comarcas”, José Joaquim da Rocha, concluído em 1778; do “Mapa da Província de Minas Gerais,” de 1855, de Friedrich Wagner que, provavelmente, incorporou os levantamentos de João José da Silva Theodoro para as Cartas do Presídio, de São João Nepomuceno e do Pomba; dos Relatórios da Presidência da Província do período entre 1836 e 1855; e, das publicações do Centro de Estudos Históricos e Culturais da Fundação João Pinheiro – Coleção Mineiriana, principalmente os títulos: Geografia Histórica da Capitania de Minas Gerais e a Província Brasileira de Minas Gerais publicada em 1998 e que traz o artigo de Johann Jakob von Tschudi de 1862 que acompanhou o Mapa de 1855.

A terra mineira, na época da viagem de Tschudi, estava dividida em 18 comarcas. Destas, destacaremos duas, a do Paraibuna e a do Muriaé, que são as mais próximas a Leopoldina.

A primeira delas, a do Paraibuna, contava cerca de 58.500 habitantes e abrangia:

Barbacena, composta pela sede de mesmo nome e pelas freguesias de Santa Rita de Ibitipoca e de Nossa Senhora da Conceição de Ibitipoca.  Rio Preto, com seus 7 mil habitantes distribuídos entre a Vila de Nossa Senhora dos Passos do Rio Preto e a Freguesia de São José do Rio Preto. Paraibuna, atual cidade de Juiz de Fora, com cerca de 13 mil habitantes, que incluía as freguesias de Simão Pereira e Engenho do Mato.

Dessa comarca vieram muitos do povoadores do Feijão Cru.

A segunda comarca que nos interessa é a que levava o nome de seu mais importante rio: o Muriaé.

Com 88 mil habitantes distribuídos em 4 municípios (Leopoldina – 23.000 habitantes, Mar de Espanha – 19.000,Ubá – 32.000 e Muriaé – 14.000), não mereceu de Tschudi as referências adequadas provavelmente por falta de conhecimento de seus informantes da “extraordinária expansão do povoamento” da região, em razão do plantio de café e toda a Zona da Mata.  Embora se deva ressaltar que em 1856, por ocasião da aplicação da chamada Lei de Terras (Lei nr.601 de 18.03.1850), o café ainda não aparecia como principal produto de nossa economia. Entre os proprietários de terras da região somente 15% declararam possuir plantações de café. Cerca de 65% mencionaram “planta de milho” e os demais não indicaram o produto de suas roças.

O primeiro município dessa comarca, Leopoldina, abrangia a Vila Leopoldina (3.000 habitantes) e as Freguesias de São José do Paraíba (3.000) e de Santa Rita do Meia Pataca (3.000, incluindo-se aí toda a povoação da margem esquerda do Pomba), além dos Curatos de Conceição da Boa Vista, Nossa Senhora da Piedade, Bom Jesus do Rio Pardo e Madre de Deus do Angu (que somavam 14.000).

O segundo município, Mar de Espanha, que incluía a Vila, a Freguesia do Rio Novo e também os Curatos do Aventureiro e do Espírito Santo do Mar de Espanha.

Ubá aparece como terceiro município dessa comarca e era composto pela Vila e as Freguesias de São João Batista do Presídio, Santa Rita do Turvo e São Sebastião dos Aflitos.

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O quarto município da Comarca é o que leva o nome do rio e que só seria elevado à categoria de “cidade” em 1865 como São Paulo do Muriaé. Dele faziam parte a sede e as Freguesias de Nossa Senhora do Glória e Nossa Senhora da Conceição dos Tombos.

Para finalizar transcrevemos o parágrafo de encerramento do artigo de Tschudi, com a tradução que encontramos na obra citada:

“Resta-me apenas acrescentar algumas palavras sobre o mapa anexo. Ele é o resultado de longos anos de trabalho do engenheiro civil Sr. Heinrich Wilhelm Ferdinand Halfeld, de Juiz de Fora, e do geógrafo da província de Minas Gerais, Sr. Friedrich Wagner, que faleceu no ano passado em sua residência em Ouro Preto. Embora não satisfaça às exigências que se fazem a uma carta geográfica precisa, é, no entanto, a melhor disponível sobre a província de Minas Gerais, e até mesmo a melhor sobre qualquer das províncias do Império. O auxílio pecuniário que foi colocado à disposição dos engenheiros por parte do governo provincial foi insuficiente para cobrir as despesas de medição do território, que tem mais de 16 mil milhas quadradas, e que apresenta tantas dificuldades topográficas. Ainda assim, esse mapa será de grande importância e valia para a futura elaboração de uma carta apoiada em medições trigonométricas, pela qual, porém, teremos certamente de esperar ainda durante muitas décadas.”