Itapiruçu deixa de ser distrito de Leopoldina

Comentar sobre o território desmembrado após a quebra do vínculo com o distrito de Conceição da Boa Vista seria fugir do escopo deste trabalho. Por esta razão não pretendemos nos aprofundar na história de Itapiruçu. Até porque ela é objeto da atenção de Joaquim Ricardo Machado, que mantém o blog História de Cisneiros, Palma e Itapiruçu Portanto, hoje acrescentaremos apenas uma questão sobre aquela localidade, relativa ao período de transição entre a subordinação a Leopoldina e a transferência para Palma.

 Segundo apuramos, no território do distrito atual não teriam existido grandes fazendas em meados do século XIX. Os registros da Arrecadação Tributária de Leopoldina fazem referência a somente duas propriedades sujeitas ao Imposto da Terra: as fazendas da Pedra e São Luiz.Como informado ontem, a fazenda da Pedra tinha área equivalente a 82 alqueires mineiros.Já a São Luiz, que em 1858 estendia-se por cerca de 120 alqueires, ao ser vendida em 1874 media apenas 70 alqueires.

Como entender a inexistência de grandes propriedades em Itapiruçu, já que a média de Conceição da Boa Vista era outra?

Uma das hipóteses seriam os desmembramentos por inventário. Entretanto, um olhar mais detido vai nos mostrando peculiaridades destas divisões. No caso da fazenda Bom Retiro, a área comprada por Antônio Augusto Monteiro de Barros Galvão de São Martinho estava abaixo da medida sujeita a tributação.Um pouco antes de sua morte em 1887, já haviam sido vendidas algumas “sortes de terras” daquela parte da fazenda. Entre outros compradores, verificamos que Manoel Barbosa da Fonseca, já então Visconde de São Manoel, aparece como proprietário de uma destas “sortes de terras” mas continuava residindo na Belmonte, localizada onde hoje é Recreio.Querino Ribeiro de Avelar Rezende, o proprietário da fazenda da Pedra, teria adquirido outra um pouco antes de morrer, em 1875. E muitos outros nomes vão surgindo na documentação, a grande maioria adquirindo algo em torno dos 10 alqueires.

 Ressalte-se, por oportuno, que os fazendeiros citados no parágrafo anterior, além do proprietário da fazenda São Luiz, não devem ter tido sua residência principal em Itapiruçu. Esta conclusão está baseada no fato de terem sido contribuintes e eleitores qualificados em outra região de Conceição da Boa Vista.Aliás, os quatro foram sepultados no cemitério de Conceição da Boa Vista.

Ainda sobre as divisões, personagens como Antônio José de Menezes Júnior, Antônio José das Neves, Antônio Pedro de Lima Fernandes, José Lemos da Silva e os Barroso foram adquirindo, no decorrer da década de 1880, “situações” pertencentes ao distrito de Itapiruçu.

 Reformulemos nossa questão: qual o interesse em adquirir pequenas porções de terras em Itapiruçu, numa época em que a agricultura e a pecuária ainda incipiente demandavam maiores extensões?

Pode estar aí a chave do movimento político que resultou na criação do distrito em 1883. Talvez, até, resultando na transferência do distrito para outra região administrativa, oito anos depois.

Desmembramento para formação do distrito de Itapiruçu

Conforme informamos em nosso post de 05 de maio, Itapiruçu é distrito de Palma atualmente. Mas foi criado pela Lei nº 3171 de 18 de outubro de 1883, pertencendo ao município de Leopoldina, com território desmembrado de Conceição da Boa Vista. Posteriormente, com o Decreto nº 374 de 13 de dezembro de 1891, foi incorporado a Palma.

A origem do povoado remonta aos anos de 1850, quando descendentes dos pioneiros teriam construído a Capela das Dores do Monte Alegre do Pomba, alguns anos mais tarde referida como Nossa Senhora das Dores do Tapirussu ou Dores do Tapirussu.

Os documentos que analisamos indicam um movimento dos pioneiros de Conceição da Boa Vista em direção ao rio Pomba, com o objetivo de escoar a produção. Assim é que surgem localidades denominadas Porto das Madeiras e Porto de Antônio José, este último referindo-se a um serviço de barqueiros.

Na década de 1880, registros de compra e venda de bens de raiz informam que uma das propriedades divisava com a “lavra”, provavelmente referência a algum ponto onde se praticou a mineração. Esta atividade deu origem ao nome de um curso d’água ainda hoje conhecido como Córrego do Ouro, pertencente ao distrito de Angaturama.

A imagem imagem acima é do território do distrito no século XX, a partir do qual fizemos um estudo para localização dos pontos referidos na documentação do século anterior.

Os números 1 e 3 marcam os locais que, por volta de 1880, eram citados como Volta do Pomba. O primeiro deles também aparece como “águas vertentes da volta do Pomba”.

Entre as antigas fazendas de Itapiruçu encontramos aquela que se chamou São Luiz, tendo sido formada pelo paulista José Gomes dos Santos por volta de 1850 e vendida por seu neto a Francisco Celidônio Gomes dos Reis em 1874. A fazenda divisava com as propriedades de Francisco Joaquim dos Reis, José Francisco do Amorim, Nicolau Antonio Lombardo e com o rio Pomba. Por outro lado, diversos pequenos proprietários declararam, nos registros, serem vizinhos das mesmas pessoas e terem comprado suas terras de herdeiros das fazendas Província, Bom Retiro e Cachoeira Alegre. O número 2 no desenho acima indica a provável localização da fazenda São Luiz, que passou a ser chamada de Catadupa depois que foi adquirida por Francisco Celidônio Gomes dos Reis.

Já a fazenda Bom Retiro estaria localizada a alguma distância do Pomba, tendo sido formada por Felicíssimo Vital de Moraes por volta de 1830. Uma pequena parte dela foi vendida a Antônio Augusto Monteiro de Barros Galvão de São Martinho e, com sua morte, dividida em muitas pequenas propriedades, todas pertencentes a Itapiruçu. A parte maior da fazenda Bom Retiro permaneceu com os descendentes de Felicíssimo Vital de Moraes e ficou para o distrito de Angaturama.

Marcamos com o número 4 a provável localização da Fazenda da Pedra, composta de quatro porções de terras vendidas por Francisco Antonio Dias, Domiciano José da Silva, João Francisco de Azevedo e Aniceto Rodrigues Vicente a Querino Ribeiro de Avelar Rezende entre 1869 e 1871, totalizando 82 alqueires. Uma dúvida sobre a Fazenda da Pedra surgiu com a declaração de Querino Ribeiro de Avelar Rezende de que suas terras divisavam com a Fazenda Soledade, que recebeu do sogro como dote pelo casamento com Maria da Purificação Monteiro de Barros Galvão de São Martinho. Ocorre que o pai de Maria da Purificação, Manoel José Monteiro de Barros (filho), informou no Registro de Terras de 1856 que a Fazenda Soledade estaria localizada bem mais ao sul, mais precisamente em território que ao final do século veio a pertencer ao distrito de Providência. Permanece, portanto, a dúvida sobre a localização destas terras.

A outra indicação, marcada no mapa/estudo com o número 5, refere-se a uma região que sofreu alterações entre 1890 e 1891. Em 1890, a divisa com Conceição da Boa Vista seria um pouco mais à esquerda. Já em 1891, uma revisão dos limites do distrito de Recreio modificou a linha divisória para a que se vê no mapa utilizado neste estudo.

Segundo apuramos nos livros do Cartório de Notas de Itapiruçu, entre 1883 e 1890 a jurisdição do cartório chegava até bem perto do arraial de São Joaquim, futuro distrito de Angaturama, atuando também sobre uma parte ao sul do Laranjal.

Como exemplo da área de jurisdição, temos diversos registros relativos à fazenda Baraúna, na margem esquerda do rio Pomba, realizados pelo cartório de Itapiruçu. Consta que esta propriedade teria sido formada pela família de Manoel José de Novaes e posteriormente uma parte foi vendida a Manoel José de Oliveira. Na década de 1880, herdeiros deste último venderam diversas “sortes de terras” da fazenda Baraúnas, cada uma de medida variando entre 2 e 8 alqueires. Na mesma fonte observamos que, antes do falecimento de Manoel José de Oliveira, descendentes de Ezaú e Processo Correia de Lacerda estavam entre os herdeiros da mesma fazenda.

Verificamos ainda que propriedades indicadas como vizinhas do córrego do Ouro e da fazenda Província, mais tarde incluídas em Angaturama, tiveram registro de compra e venda em Itapiruçu. No caso da fazenda Província, os antigos registros dão conta de ter sido formada por Lauriano José de Carvalho, genro do já citado Felicíssimo Vital de Moraes.

A partir do ponto número 5, e até encontrar o primeiro marco, temos referências aos proprietários Benjamin Monteiro de Barros, Domingos Custódio Neto, Felicíssimo Vital de Moraes, Francisco das Chagas Ferreira, José Gomes dos Santos e Manoel José Ferreira, todos pertencentes a São Joaquim, hoje Angaturama. Esclarecemos que o penúltimo, José Gomes dos Santos, era neto do formador da fazenda São Luiz, vendida a Francisco Celidônio Gomes dos Reis em 1874. Já o Manoel José Ferreira parece ser um irmão de Francisco e Ignacio Ferreira Brito.

Concluímos este comentário repetindo o que dissemos em post anterior: não consideramos definitivo este estudo. Muito pelo contrário, nosso objetivo é apresentar a versão extraída da análise dos registros de compra e venda de bens de raiz e comparada ao conteúdo dos demais documentos do século XIX, com vistas a discutí-la com estudiosos do assunto.

Uso e Propriedade do Solo

Antes de prosseguirmos comentando os desmembramentos do território de Conceição da Boa Vista, necessário se faz recuperar informes sobre a ocupação e formação das fazendas. Conforme nos ensina Lígia Osório Silva, no livro Terras Devolutas e Latifúndio – Efeitos da Lei de 1850, “as relações entre os proprietários de terras e o Estado constituem um aspecto fundamental para a compreensão da dinâmica da sociedade brasileira” (1996, p. 13). Contudo, apesar de existirem muitos estudos sobre o assunto, ainda podemos encontrar publicações que repetem à exaustão algumas lendas sobre a posse da terra. Para não nos estendermos em demasia, vamos nos restringir ao que ocorreu em Conceição da Boa Vista, ou seja, ao século XIX.

Segundo apuramos, depois que Pedro Afonso Galvão de São Martinho foi encarregado das diligências de 1784 e 1786, que oficialmente objetivavam combater o contrabando de ouro no Descoberto do Macuco, os caminhos abertos por suas tropas tiveram intensa utilização por tropeiros e viajantes. Nos primeiros anos do século XIX, as margens destes caminhos começaram a ser doadas emsesmarias.Entre 1813 e 1821, identificamos 46 sesmarias (VEJA) localizadas nos atuais municípios de Além Paraíba, Argirita, Aventureiro, Leopoldina e Pirapetinga. Destas, 14 foram concedidas aos Monteiro de Barros, sendo importante lembrar que uma filha de Pedro Afonso Galvão de São Martinho casou-se com Manoel José Monteiro de Barros (filho) e deste casal descendem os Galvão de São Martinho que viveram em território de Conceição da Boa Vista.

Dois sesmeiros, os irmãos Fernando Afonso e Jerônimo Pinheiro Correia de Lacerda, não tomaram posse das terras que receberam em 1817. Optaram por delegar a seus sobrinhos Francisco e Romão Pinheiro Correia de Lacerda, a incumbência de cumprir o que determinavam as cartas de doação: demarcar, povoar e cultivar as terras recebidas gratuitamente.Por uma opção interpretativa de autores do século passado, passou-se a considerar que Francisco Pinheiro Correia de Lacerda foi o fundador de Leopoldina. No nosso entendimento, porém, este personagem apenas tratou de vender as duas sesmarias e tomar posse de outras terras, vendendo-as também. Ou seja: transferiu aos compradores a obrigação de povoar e cultivar.

Os pioneiros de Conceição da Boa Vista não foram posseiros. Muitos compraram terras que Francisco Pinheiro Correia de Lacerda ocupou, sem contudo tê-las requerido como sesmarias. Sob certo ponto de vista, entende-se que seriam ocupações ilegais. Algumas exceções: os Monteiro de Barros ocuparam legitimamente as terras que ganharam; José Ferreira Brito e um seu irmão teriam comprado a sesmaria de um outro beneficiado; Bernardo José Gonçalves Montes ampliou seu domínio comprando parte de uma outra sesmaria concedida nos termos da lei.

Informa-nos Lígia Osório da Silva, citando Ulisses Lins (p.45), que a “medição e demarcação eram rudimentares”, sendo feitas da seguinte maneira: “O medidor enchia o cachimbo, acendia-o e montava o cavalo, deixando que o animal marchasse a passo. Quando o cachimbo apagava, acabado o fumo, marcava uma légua”. Portanto, não devemos considerar rigorosamente as medidas informadas nas cartas de sesmaria. Somente ao final do século XIX começaram a aparecer, em nossa região, demarcadores que usavam métodos mais adequados.

Até o advento da Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850, a propriedade da terra tinha um sentido provisório. Com este normativo pretendeu-se revalidar as concessões de sesmarias, desde que as terras estivessem sendo cultivadas. Mas a regulamentação só veio com o Decreto nº 1318 de 30 de janeiro de 1854, criando-se os mecanismos necessários à execução da Lei. Entre eles, a Repartição Geral das Terras Públicas, através de repartições criadas nas províncias, nomeou delegados e oficiais para procederem ao registro das terras. Assim é que vamos encontrar no Registro de Terras de Leopoldina, realizado entre o final de 1855 e meados de 1856, os ocupantes declarando suas terras, o que os transformou, daí em diante, em legítimos proprietários. No mesmo período o procedimento foi levado a efeito nas demais paróquias da nossa região, gerando os documentos que temos consultado e que se encontram no Arquivo Público Mineiro.

Esperamos ter deixado claro que não há como garantir a exatidão das medidas informadas pelos proprietários em 1856. Observamos que a provável extensão territorial do Curato de Conceição da Boa Vista, assim como de Leopoldina e outras localidades consultadas, era bem maior do que o total dos Registros existentes. Por outro lado, a falta de instrumentos adequados para a medição gerou números a serem vistos com muito cuidado. Nossa hipótese é de que havia ainda terra desocupada mas os proprietários evitaram que isto fosse percebido, não declarando corretamente todos os seus vizinhos. Dessa forma puderem ampliar suas posses ocupando áreas que, do contrário, seriam consideradas terras devolutas.

Sob este aspecto, há um documento que nos faz refletir sobre os problemas que vieram em seguida. Para a Arrecadação Tributária de 1858, parece-nos que foram consideradas todas as terras, e não só aquelas que constaram da declaração de 1856. Como resultado, muitos proprietários buscaram desonerar-se do imposto cobrado, alegando que suas fazendas estavam abaixo do limite de área sujeito a tributação.

Ao analisarmos os registros de compra e venda de bens de raiz, entre 1864 e 1884, concluímos que as unidades de medida utilizadas obedeciam à seguinte equivalência: 1 sesmaria = 225 alqueires ou 10,89 km2Considerando-se a área de Recreio atualmente, teríamos aqui cerca de 22 sesmarias.Todavia, embora o território de Conceição da Boa Vista fosse aproximadamente o dobro do atual município de Recreio, encontramos apenas 41 registros, totalizando o equivalente a 19 sesmarias.

Em nosso próximos comentários voltaremos a tratar dos desmembramentos que reduziram o Curato de Nossa Senhora da Conceição da Boa Vista ao pequeno distrito hoje pertencente a Recreio.

Desmembramento de Território de Conceição da Boa Vista: uma hipótese

Segundo divulgação da Secretaria Estadual de Cultura de Minas Gerais, Laranjal foi pouso para os tropeiros que transitavam entre São Paulo do Muriaé, Presídio (Visconde do Rio Branco) e Santa Rita da Meia Pataca (Cataguases). O nome, segundo a mesma fonte, teria origem numa grande plantação de laranjeiras que teria existido no lugar onde se formou o arraial.

Em nossas pesquisas apuramos que a Lei nr. 533, de 10 de outubro de 1851, criou o Distrito de Paz com o nome de Nossa Senhora da Conceição do Laranjal, tendo o seu território sido desmembrado do distrito de Santa Rita do Meia Pataca. A referência geográfica para localização do novo distrito era o ribeirão São João e ambos, o Laranjal e o Meia Pataca, pertenciam até então ao município do Presídio (Visconde do Rio Branco). O normativo legal assim o descreveu:

Art. 4º Os limites do novo Districto de Nossa Senhora da Conceição do Laranjal, principião na Barra do Ribeirão de Santo Antonio, no Pomba, e por aquelle acima com a Serra do Muriaé, circulando as cabeceiras do Ribeirão do Capivara, e o de S. João; comprehendendo as vertentes do corrego do Pury até o Rio Pomba.

A mesma Lei informa, ainda, que:

Art. 9º Ficão pertencendo:

[…]

§ 5º Ao Municipio do Mar de Hespanha, os novos Districtos de S. Francisco de Assis no Capivara, e de Nossa Senhora da Conceição do Laranjal sobre o Rio de S. João, desmembrados do Municipio do Presidio.

Lembrando que Distrito era denominação civil, acrescentamos que a Lei nr. 534, do mesmo dia 10 de outubro de 1851, determinou

Art. 1º Fica elevado a Parochia o Curato de Santa Rita do Meia Pataca, comprehendendo os Curatos de S. Francisco de Assis do Capivara, e de Nossa Senhora da Conceição do Laranjal, com os limites dos mesmos Curatos.

Em abril de 1854 o distrito do Meia Pataca foi transferido para Leopoldina no momento em que esta localidade alcançou sua autonomia administrativa. Desta forma, os Curatos do Laranjal e da Capivara passaram também a subordinar-se a Leopoldina. Pouco mais de um ano depois, ou seja, em maio de 1855, foi revogada a criação do distrito de paz de Nossa Senhora da Conceição do Laranjal que só voltou a esta categoria em julho de 1857.

Em 1875, com a elevação do distrito de Santa Rita do Meia Pataca a município, o Laranjal foi desmembrado de Leopoldina e passou a pertencer a Cataguases. Em 1890, a autonomia administrativa da Capivara (Palma) transferiu o Laranjal para o novo município. Um ano depois, entretanto, Cataguases voltou a tê-lo como distrito. Sua emancipação político-administrativa ocorreu por lei de 17 de dezembro de 1938.

Observa-se que o nascimento do Laranjal esteve inserido em movimento concernente a Visconde do Rio Branco e depois a Cataguases. Seria de esperar que, em conseqüência, não houvesse mais estreita ligação do Laranjal com o antigo Feijão Cru, já que Leopoldina tem toda a sua história desenvolvida através dos povoadores que habitaram a margem direita do rio Pomba, quase todos oriundos da Serra do Ibitipoca. Já a margem esquerda, especialmente Cataguases e Palma, teriam sido povoadas por pessoas originárias do Presídio (Visconde do Rio Branco). Para nossa surpresa, descobrimos que não poderíamos estabelecer vínculos tão definitivos. E aqui entra a participação do Laranjal na história de Conceição da Boa Vista.

Dois dos antigos moradores do território onde foi criado o Curato de Nossa Senhora da Conceição da Boa Vista levaram-nos a refletir sobre a possibilidade deste Curato abranger, também, moradores da margem esquerda do rio Pomba. Os nomes destes pioneiros: Ezaú Antônio Correia de Lacerda e Processo José Correia de Lacerda. Provavelmente irmãos, aparecem nos antigos Mapas de Habitantes como residentes no quarteirão que viria a ser o distrito de Conceição da Boa Vista. Mais tarde são encontrados em Alistamentos Eleitorais do quarteirão equivalente a Laranjal. Em 1876, recebem o título de eleitor em Conceição da Boa Vista.

Em virtude da homonímia, que dificulta sobremaneira o estudo destes personagens, ainda não podemos afirmar a exata localização das fazendas formadas por eles. Mas já nos foi possível descobrir que o Processo mais velho, nascido por volta de 1810, assim como o Ezaú de idade semelhante, eram vizinhos de proprietários estabelecidos na margem esquerda do rio Pomba. A partir desta constatação, passamos a trabalhar com a hipótese de que a parte sul do atual município do Laranjal pode ter sido ocupada, na primeira metade do século XIX, por familiares daqueles que povoaram Conceição da Boa Vista. Sendo assim, o primeiro desmembramento territorial de Conceição da Boa Vista seria o seguinte:

As regiões numeradas correspondem a citações de propriedades de:

1 – Ezaú Antônio Correia de Lacerda

2 – Manoel José de Novaes

3 – Processo José Correia de Lacerda

4 – descendentes de Ezaú Antônio Correia de Lacerda.

Queremos deixar claro que esta não é uma conclusão definitiva. A falta de informações confiáveis sobre os antigos nomes dos ribeirões existentes no Curato de Nossa Senhora da Conceição do Laranjal é o óbice maior. Ainda assim, optamos por divulgar este estudo na expectativa de encontrarmos interessados em debater o tema.

Angaturama, Recreio, Minas Gerais

Complementando nosso comentário de 21 de abril, este último território desmembrado de Conceição da Boa Vista recebeu oficialmente o nome de São Joaquim em 1890. Segundo alguns registros, seria o santo invocado por capela existente na Fazenda Monte Alegre. Com este nome encontramos uma propriedade dos descendentes de Manoel Ferreira Brito que divisava com Francisco José de Freitas Lima, João Baptista de Paula Almeida e Pedro Teixeira de Carvalho.

O distrito recebeu o nome atual em 1943, na esteira de várias modificações de topônimos que excluíam referências ao calendário cristão. Segundo Ribeiro Costa emToponímia de Minas Gerais, trata-se da junção anga + catú + rama, significando alma bondosa na língua tupi. Entretanto, um dinossauro que viveu na Chapada do Araripe, no Ceará, recebeu este nome e podemos encontrar referências ao distrito de Angaturama como sendo nome de um grande animal que vivia na região. A nós não nos parece, entretanto, adequada esta interpretação.

Sua história confunde-se com a de Itapiruçu, sendo possível que os dois locais formassem um “subdistrito” de Conceição da Boa Vista desde o início da ocupação. Quando aquele distrito foi criado, em 1883, incorporou parte do território de Conceição da Boa Vista, incluindo algumas fazendas que viriam, mais tarde, a pertencerem ao distrito de São Joaquim.

Por ocasião da criação do distrito, as divisas de São Joaquim foram marcadas pelas propriedades das famílias de Benjamin Monteiro de Barros, Domingos Custódio Neto, Felicíssimo Vital de Moraes, Francisco das Chagas Ferreira, José Gomes dos Santos e Manoel José Ferreira. O primeiro destes fazendeiros havia comprado, em 1884, uma propriedade na “localidade do Tapirussu”. Quando desmembrado o território para formar São Joaquim, a fazenda de Benjamin Monteiro de Barros passou a pertencer a este último distrito.

Em futuros comentários pretendemos abordar outras propriedades compreendidas entre as divisas citadas. Por hoje queremos apenas registrarque a arrecadação tributária de 1858 nos faz crer que Angaturama nasceu como centro de convergência das fazendas dos filhos de Manoel Ferreira Brito. Sabemos que a Francisco e Ignacio couberam terras na área de Recreio. Mas os outros filhos podem ter vivido em São Joaquim, que Domingos e Manoel aparecem em livros do Cartório de Conceição da Boa Vista como vizinhos de moradores de . Além disso, descendentes de outros irmãos ali se encontravam nos primeiros anos do século XX.

Pelos registros sabemos que a região próxima à divisa com Itapiruçu pertencia a José Gomes dos Santos que ali formou, antes de 1858, a Fazenda São Luiz. Também informamos que Felicíssimo Vital de Mores fundou a Fazenda Bom Retiro nas proximidades do córrego Água Comprida, onde seus descendentes viviam quando da criação de São Joaquim. Resta-nos pesquisar os nomes de outras fazendas constantes da documentação em análise.

Outra fazenda de Angaturama chamava-se Córrego do Ouro, e fazia divisa, em 1885, com a Estação São Joaquim. Segundo registros de compra e venda de bens de raiz, nesta época o local pertencia ao distrito de “Tapirussu” e a Córrego do Ouro pertencia a várias pessoas, entre as quais são citados Felipe Ignacio de Santiago, João Francisco de Azevedo Júnior e João Augusto do Carmo.

Distritos de Leopoldina que fazem divisa com Recreio

ABAÍBA – Conforme informamos, a palavra significa difícil, trabalhoso, íngreme e foi nome de antiga fazenda no então distrito de Conceição da Boa Vista. Em 1890 tornou-se o distrito de Santa Isabel, que recebeu o nome atual em 1943.

PROVIDÊNCIANome de antiga fazenda do local, parte de seu território pertencia a Conceição da Boa Vista, tendo sido desmembrada na constituição do distrito, com este nome, em 1890.

RIBEIRO JUNQUEIRA – Distrito de Campo Limpo, criado em 1878, com parte do território tendo pertencido a Conceição da Boa Vista. O nome seria uma extensão da denominação dada ao local na época em que foi construída a estação da Estrada de Ferro Leopoldina, ali inaugurada em 1876. Recebeu o nome atual em 1948, em homenagem a José Monteiro Ribeiro Junqueira, político nascido em território então pertencente a Conceição da Boa Vista.

Significados e Mudanças de Nomes das Localidades

Hoje trazemos algumas informações sobre as denominações dos antigos povoados. Nossa fonte principal é a obra Toponímia de Minas Gerais, de Joaquim Ribeiro Costa, edição de 1993 pela Itatiaia, de Belo Horizonte.

Ao mencionar os topônimos representados por nomes do calendário cristão, o autor lembra ser este um atestado do sentimento religioso daqueles que desbravaram o território e fundaram os antigos povoados. De modo geral, a formação do arraial iniciava-se em torno de uma igreja erguida em homenagem ao santo de devoção, cujo nome estendia-se para toda a localidade. Assim é que Leopoldina, por exemplo, chamou-se Tesouro de São Sebastião do Feijão Cru.

Obedecendo ao “Esquema Genealógico” constante na página 93 da obra de Ribeiro Costa, temos que de Leopoldina foram desmembrados os seguintes atuais municípios: Argirita, Astolfo Dutra, Barão do Monte Alto, Cataguases, Dona Eusébia, Itamarati de Minas, Laranjal, Miraí, Palma, Recreio e Santana de Cataguases. Para os objetivos deste comentário, vamos nos referir a Laranjal, Palma e Recreio.

PALMA – O Curato de São Francisco de Assis da Capivara foi incorporado a Leopoldina em 1854, transferido para São Paulo do Muriaé em 1871, depois para Cataguases em 1875 e elevado a município em 1890, compreendendo os distritos de Laranjal e Aliança (hoje Cisneiros). Em 1891 incorporou os distritos de Itapiruçu e São Sebastião da Cachoeira Alegre.

LARANJAL – A Paróquia de Nossa Senhora da Conceição do Laranjal foi incorporada ao município de Leopoldina em 1871, transferida para São Francisco de Assis da Capivara (Palma) em 1890, para Cataguases em 1891 e elevada a município em 1938, compreendendo o distrito sede e o de São João da Sapucaia. Até onde pudemos apurar, a mudança de nomes foi apenas pela supressão do santo invocado na denominação original.

RECREIO – Nome da fazenda onde foi construída a estação da estrada de ferro, conforme já mencionado nos primeiros posts deste blog. Distrito criado em território de Conceição da Boa Vista em 1890, elevado a município em 1938 com os distritos de Conceição da Boa Vista e São Joaquim (atual Angaturama).

Nos próximos comentários vamos tratar dos distritos.

Recreio, MG: Criação dos Novos Distritos

Hoje voltamos a abordar a divisão do território de Conceição da Boa Vista, tratando de um dos aspectos da criação do distrito de paz denominado São Joaquim, atual distrito de Angaturama. Segundo o Decreto nº 241 de 21 de novembro de 1890, a população que então pertencia à Freguesia de Conceição da Boa Vista passaria a constituir o novo distrito, cujos limites foram assim descritos:

Art. 2º. As divisas dos novos distritos serão:

§ 1º. De S. Joaquim, pela margem direita do Rio Pomba no lugar denominado – Poço da Onça – por esta acima até encontrar a divisa da fazenda da viuva Souza e seus herdeiros e por esta divisa a abranger a fazenda da Bôa Vista, tomando-se a cabeceira da Agua Limpa, abrangendo a fazenda do finado Felicissimo, tomando-se o espigão em frente á casa da fazenda e por êste acima até virar para o corrego do Barreiro; por êste acima até a serra do Ganjão; pelo alto desta a abranger a fazenda do capitão Benjamin Monteiro de Barros; desta á fazenda do finado Domingos Custodio a fechar na cabeceira do corrego das arêias e dêste a apanhar o espigão que divide as fazendas de Manoel José Ferreira e Manoel Ignacio Gomes em uma réta ao ponto de partida no Rio Pomba.

Assim fica esclarecido que as propriedades de Felicíssimo Vital de Moraes, Benjamin Monteiro de Barros, Domingos Custódio Neto, Manoel José Ferreira e Manoel Ignacio Gomes estavam dentro do território do novo distrito. Além disso, confirmamos que Água Limpa, além de denominar região no atual distrito de Abaíba, também denominava um ribeirão no distrito de São Joaquim. Outras duas denominações que guiam estudos sobre Recreio são Poço da Onça e Barreiro, sendo esta última bastante conhecida nos dias atuais.

Cachoeira dos Monos e os Tropeiros

Além de ser uma das belezas naturais de Recreio, a Cachoeira dos Monos representa um marco histórico para a cidade. Seu nome refere-se ao ribeirão dos Monos, de cujas águas é formada, e à serra de mesmo nome que abriga as nascentes dos tributários do ribeirão.

A primeira referência encontrada sobre a serra dos Monos vem da Carta da Província de Minas Gerais, elaborada pelo geógrafo Friedrich Wagner em trabalho conjunto com o engenheiro civil Heinrich Wilhelm Ferdinand Halfeld. Entre 1836 e 1855 os dois autores coligiram todas as informações possíveis, seja em material já publicado ou anotações de expedições próprias pelas diferentes regiões de Minas. Lembrando que Leopoldina, nesta época, limitava-se a leste com São Fidélis (RJ), observa-se na referida Carta que a serra dos Monos localiza-se na divisa entre São Fidélis e Leopoldina, estendendo-se pela margem esquerda do Pirapetinga desde as proximidades da nascente do Feijão Cru até o ponto em que o Pirapetinga muda seu curso para o sul em direção ao rio Paraíba do Sul.

Sabemos que o rio Paraíba (do Sul) já era bem conhecido desde o século XVIII, conforme pode ser observado em diversos documentos provinciais. Entretanto, foi somente no final daquele século que o presidente do Conselho de Minas Gerais ordenou que fossem explorados dois de seus afluentes próximos da divisa com o Rio de Janeiro: o Pomba e o Muriaé. Informa-nos Raimundo José da Cunha Matos, em Corografia Histórica da Província de Minas Gerais, que a partir daí foram colhidas notícias circunstanciadas destes rios. Portanto, considerando que a serra dos Monos faz parte da bacia do rio Pomba no local referido, naturalmente concluímos que ela já era conhecida quando chegaram os pioneiros.

Não sabemos quem batizou a serra e o rio com este nome. Imagina-se que tenha sido uma referência aos primatas ali encontrados.Sabe-se que a espécie Muriqui, ou Mono-Carvoeiro, era endêmica na região sudeste do Brasil. Em antigos livros de Corografia, observamos que estes primatas são referidos apenas por Mono.

Prosseguindo com nossa hipótese, o ribeirão e a serra teriam recebido tropas que se deslocavam entre São Fidélis e os Sertões do Leste, muito tempo antes do período fixado para o nascimento dos povoados da nossa região. Sabe-se que os tropeiros, comerciantes da época, de tudo davam notícia aos habitantes dos locais por onde passavam. Sabe-se também que, entre os pioneiros de Leopoldina, havia proprietários de tropas. Portanto, acreditamos serem plausíveis as notícias sobre a existência de um “recreio de tropeiros” nas proximidades da Cachoeira dos Monos já que, segundo José Alípio Goulart em Tropas e Tropeiros na Formação do Brasil, era comum que eles “batessem estaca” num ponto qualquer quando não fosse possível atingir o povoado mais próximo em horário compatível.

Ainda não encontramos o termo “recreio” nas obras que abordam o assunto. Entretanto, o uso pode ter sido estabelecido e não registrado por cronistas da época. De todo modo, entendendo-a por “intervalo entre duas jornadas”, o significado da palavra é muito apropriado para a prática daqueles homens que cruzavam nossas matas, rios e serranias. Diz o citado Goulart que as tropas montavam acampamento sempre nas proximidades de um rio, tomando o cuidado de atravessá-lo e buscar um pequeno promontório para “arriar a mercadoria”. Tal providência tinha por objetivo evitar a surpresa de uma cheia durante a noite. Os acampamentos eram percebidos, depois que a tropa partia, pelas estacas fincadas no solo e que serviam para amarrar os animais. Assim, a margem onde estivessem as estacas indicava a direção para a qual seguira a tropa.

Acrescenta o autor que os tropeiros jamais utilizavam as estacas de quem ali estivera anteriormente, porque acreditavam que isto desencadearia algum problema sobrenatural. Conseqüentemente, um local aprazível para o descanso da tropa ficaria, depois de algum tempo, marcado pelas estacas ali deixadas. Conclusão: o local de “recreio da tropa” poderia ser identificado muito tempo depois.

Sugerimos, aos leitores interessados no tema, o artigo O Tropeirismo no Brasil, de Claudio Recco, disponível no site Historianet http://www.historianet.com.br/

A divisão de Conceição da Boa Vista

É voz corrente que o desenvolvimento do distrito de Conceição da Boa Vista começou a declinar a partir do impasse com um fazendeiro que não queria a ferrovia cortando suas terras. Com a distância no tempo, sempre correremos o risco de uma leitura anacrônica dos fatos que então se passaram. Com esta ressalva, permitimo-nos suspeitar que não teria sido um único proprietário de terras a desencadear a revisão do traçado da ferrovia. Talvez tenha havido interferência de várias pessoas. Quem poderia nos afirmar que aquele proprietário não assumiu tal postura depois de ser convencido por seus vizinhos e amigos, com argumentos que foram perdidos no tempo? Acreditamos ser prudente não tomar como verdade absoluta as informações em torno daquele fazendeiro que passou à história como uma espécie de anti-herói, ou seja, como símbolo do atraso em que o distrito se viu mergulhado nos anos seguintes.

Já tivemos oportunidade de mencionar a dificuldade da abertura da estrada até Santa Isabel, hoje Abaíba. O terreno devia ser realmente difícil para as teconologias da época, ou não teria recebido este nome uma das primeiras fazendas do lugar. Segundo Joaquim Ribeiro Costa, em Toponímia de Minas Gerais, “abaíba” seria uma palavra da língua tupi para referir-se a difícil, trabalhoso ou íngreme.  E se observamos uma carta topográfica, perceberemos que os tributários São Vicente e Duas Pontes, que vão alcançar o ribeirão dos Monos um pouco acima de Conceição da Boa Vista, atravessam um terreno mais acidentado do que o entorno do percurso escolhido para a estrada de ferro.

Onde nos afiançarmos para analisar a atitude daqueles que desencadearam a revisão do trajeto da ferrovia? No momento queremos apenas observar que o ano de 1876 representou uma tomada de decisão importante: a partir daí, o escoamento da produção agrícola seria através da estação Santa Isabel ou Recreio. Portanto, muitas providências foram certamente tomadas com o objetivo de permitir o deslocamento até a estação. Quem pode nos garantir que os fazendeiros não tenham decidido em conjunto, talvez porque fosse difícil abrir novos caminhos carroçáveis de forma a que todas as propriedades chegassem com facilidade ao ponto de embarque em Conceição da Boa Vista?

Queremos ressaltar que a divisão de Conceição da Boa Vista se insere entre as conseqüências da abertura da Estrada de Ferro da Leopoldina, devendo ser analisada também sob o aspecto de outras possíveis forças que a determinaram. O surgimento dos distritos de Providência (maio 1890), Recreio (junho 1890), Santa Isabel e São Joaquim (novembro 1890) nos remetem a todo um movimento político que se desenvolvia há, pelo menos, uma década. Não foram estes os únicos distritos criados em Minas no seguimento de importantes mudanças, quais sejam a abolição gradual da escravatura oficializada em 1888 e a mudança no sistema de governo no ano seguinte.