O distrito de São Joaquim

Por ser parte integrante do município de Recreio, o distrito de São Joaquim, atual Angaturama, tem sido mencionado freqüentemente neste blog. No comentário de hoje abordamos os moradores e fazendas que já pudemos identificar. Lembremos que as primeiras referências ao arraial foram encontradas nos registros de compra e venda de bens de raiz da década de 1860. Entretanto, sabemos que a corrente de povoamento chegou ao local por volta de 1831.

Para auxiliar os leitores que não conheçam a região, iniciamos pelo desenho que montamos para nossos estudos.

À esquerda, o número 1 marca a região da divisa com o distrito de Ribeiro Junqueira, pertencente ao município de Leopoldina. Basicamente todas as propriedades próximas desta divisa seriam desmembramentos da fazenda São Manoel da Bocaina que, como visto no post sobre aquele distrito, foi formada por Manoel Ferreira Brito, pai de Francisco e Ignacio Ferreira Brito.

Utilizamos o número 2 para indicar a linha pontilhada, na metade esquerda da figura, que marca a divisa de Angaturama com o distrito sede de Recreio. Esta linha divisória, logo depois de passar pelas terras desmembradas da fazenda São Manoel da Bocaina, entra pelas propriedades que tiveram origem na fazenda Recreio, também citada no post sobre Ribeiro Junqueira. Depois da mudança de curso, direcionando-se para o lado direito, os limites entre Recreio e Angaturama passam por pequenas propriedades ainda não totalmente identificadas.

No alto, à direita, o número 3 indica propriedades de herdeiros de Antônio Rodrigues Gomes citados no post sobre Itapiruçu. O número 4 indica propriedades que tiveram origem em terras de Felicíssimo Vital de Moraes. Finalmente, marcamos com o número 5 a região onde viveram descendentes de Lauriano José de Carvalho.

O curso do ribeirão dos Monos, que praticamente divide o distrito de Angaturama em duas partes, é referência para divisas de muitas propriedades organizadas no século XIX. Isto nos leva a crer que os habitantes pioneiros de Conceição da Boa Vista compraram terras às margens do ribeirão e depois expandiram suas propriedades. No sentido sul-norte, as primeiras referências que encontramos indicam que Francisco Barbosa da Silva ocupou as terras da margem esquerda, ali formando a fazenda Boa Vista. Na margem direita estariam as terras onde Lauriano José de Carvalho formou a fazenda Buraco Quente, vizinha das terras ocupadas por seu sogro Felicíssimo Vital de Moraes, formador das fazendas Barreiros e Bom Retiro.

A parte norte do distrito de Angaturama teria sido ocupada, do lado esquerdo do Monos, por familiares de Manoel José de Novaes, Processo José Correia de Lacerda, Lauriano José de Carvalho e alguns Ferreira Brito. Por ali estariam as fazendas Água Limpa da Boa Vista, Bom Jardim, Cachoeirinha da Serra, Córrego do Ouro, Duas Barras e Entre Monos. Encontramos muitas referências a Domingos Ferreira Brito, Domingos Ferreira Neto, Domingos Custódio e Domingos Custódio Neto. Suspeitamos que todos estes nomes refiram-se ao Domingos irmão de Francisco e Ignacio Ferreira Brito. Mas até o momento nada podemos afirmar a respeito.

Cachoeira dos Monos e os Tropeiros

Além de ser uma das belezas naturais de Recreio, a Cachoeira dos Monos representa um marco histórico para a cidade. Seu nome refere-se ao ribeirão dos Monos, de cujas águas é formada, e à serra de mesmo nome que abriga as nascentes dos tributários do ribeirão.

A primeira referência encontrada sobre a serra dos Monos vem da Carta da Província de Minas Gerais, elaborada pelo geógrafo Friedrich Wagner em trabalho conjunto com o engenheiro civil Heinrich Wilhelm Ferdinand Halfeld. Entre 1836 e 1855 os dois autores coligiram todas as informações possíveis, seja em material já publicado ou anotações de expedições próprias pelas diferentes regiões de Minas. Lembrando que Leopoldina, nesta época, limitava-se a leste com São Fidélis (RJ), observa-se na referida Carta que a serra dos Monos localiza-se na divisa entre São Fidélis e Leopoldina, estendendo-se pela margem esquerda do Pirapetinga desde as proximidades da nascente do Feijão Cru até o ponto em que o Pirapetinga muda seu curso para o sul em direção ao rio Paraíba do Sul.

Sabemos que o rio Paraíba (do Sul) já era bem conhecido desde o século XVIII, conforme pode ser observado em diversos documentos provinciais. Entretanto, foi somente no final daquele século que o presidente do Conselho de Minas Gerais ordenou que fossem explorados dois de seus afluentes próximos da divisa com o Rio de Janeiro: o Pomba e o Muriaé. Informa-nos Raimundo José da Cunha Matos, em Corografia Histórica da Província de Minas Gerais, que a partir daí foram colhidas notícias circunstanciadas destes rios. Portanto, considerando que a serra dos Monos faz parte da bacia do rio Pomba no local referido, naturalmente concluímos que ela já era conhecida quando chegaram os pioneiros.

Não sabemos quem batizou a serra e o rio com este nome. Imagina-se que tenha sido uma referência aos primatas ali encontrados.Sabe-se que a espécie Muriqui, ou Mono-Carvoeiro, era endêmica na região sudeste do Brasil. Em antigos livros de Corografia, observamos que estes primatas são referidos apenas por Mono.

Prosseguindo com nossa hipótese, o ribeirão e a serra teriam recebido tropas que se deslocavam entre São Fidélis e os Sertões do Leste, muito tempo antes do período fixado para o nascimento dos povoados da nossa região. Sabe-se que os tropeiros, comerciantes da época, de tudo davam notícia aos habitantes dos locais por onde passavam. Sabe-se também que, entre os pioneiros de Leopoldina, havia proprietários de tropas. Portanto, acreditamos serem plausíveis as notícias sobre a existência de um “recreio de tropeiros” nas proximidades da Cachoeira dos Monos já que, segundo José Alípio Goulart em Tropas e Tropeiros na Formação do Brasil, era comum que eles “batessem estaca” num ponto qualquer quando não fosse possível atingir o povoado mais próximo em horário compatível.

Ainda não encontramos o termo “recreio” nas obras que abordam o assunto. Entretanto, o uso pode ter sido estabelecido e não registrado por cronistas da época. De todo modo, entendendo-a por “intervalo entre duas jornadas”, o significado da palavra é muito apropriado para a prática daqueles homens que cruzavam nossas matas, rios e serranias. Diz o citado Goulart que as tropas montavam acampamento sempre nas proximidades de um rio, tomando o cuidado de atravessá-lo e buscar um pequeno promontório para “arriar a mercadoria”. Tal providência tinha por objetivo evitar a surpresa de uma cheia durante a noite. Os acampamentos eram percebidos, depois que a tropa partia, pelas estacas fincadas no solo e que serviam para amarrar os animais. Assim, a margem onde estivessem as estacas indicava a direção para a qual seguira a tropa.

Acrescenta o autor que os tropeiros jamais utilizavam as estacas de quem ali estivera anteriormente, porque acreditavam que isto desencadearia algum problema sobrenatural. Conseqüentemente, um local aprazível para o descanso da tropa ficaria, depois de algum tempo, marcado pelas estacas ali deixadas. Conclusão: o local de “recreio da tropa” poderia ser identificado muito tempo depois.

Sugerimos, aos leitores interessados no tema, o artigo O Tropeirismo no Brasil, de Claudio Recco, disponível no site Historianet http://www.historianet.com.br/