Amores Escravos e Amores Mestiços

Consultar a obra de Mary del Priore para escrever uma postagem foi oportunidade para reler alguns trechos coincidentes com o encontrado em registros de Conceição da Boa Vista. Referimo-nos ao livro História do Amor no Brasil, de onde copiamos para este comentário o título de um dos capítulos. Diz a autora que as relações entre homens brancos e mulheres escravas, caso “se prolongassem, adentrando a velhice do parceiro, este não se decidindo por providenciar um casamento com uma mulher branca, acabava por fazer de seus filhos mulatos os únicos herdeiros de seus bens”. (p. 185) Mais adiante Del Priore refere-se ao historiador Robert Sleenes que analisou documentos paulistas onde o assunto aparece. E nós, dentro da singeleza de nosso trabalho, chegamos à mesma conclusão.

Conforme pode ser visto no Livro do Cartório de Notas de Nossa Senhora da Conceição da Boa Vista (1869-1871), folhas 105verso a 106verso, Antônio de Aguiar Vieira concedeu, em 02.07.1870, liberdade para a escrava Maria Ritta e seus filhos Ritta, Manoel e Antão, através de carta cujo registro a seguir transcrevemos.

 Escriptura de liberdade que fas Antonio de Aguiar Vieira, como a baixo se declara

Saibão quantos este publico instrumento de escriptura de liberdade virem, que sendo no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezuz Christo, de mil oito centos e setenta, aos vinte dias do mes de Novembro do dito anno, neste Districto de Nossa Senhora da Conceição da Boa Vista, Termo da Cidade Leopoldina, e Comarca do Pomba, em caza de residencia delle outorgante, onde eu escrivão fui vindo, e ahi compareceo como outorgante Antonio de Aguiar Vieira, morador neste mesmo Districto, reconhecido pelo proprio de mim escrivão, e das duas testemunhas ao diante nomiadas e assignadas; do que tudo dou fé. E pelo mesmo outorgante Antonio de Aguiar Vieira, me foi apresentada a carta de liberdade do thior seguinte.=Eu antonio de Aguiar Vieira, abaixo assignado declaro que de muito su digo que muito de minha livre vontade, e sem constrangimento de pessoa alguma, dou plena liberdade aos meus escravos Maria Ritta, crioula, de idade de trinta annos pouco mais o menos, e aos seus tres filhos Ritta parda, idade de ceis annos, Manoel de idade quatro annos pardo, e Antão de hum anno pouco mais ou menos pardo, os quaes tenho possuido livres e dezembaraçados sem algum embaraço de hypotheca ou pinhora, os quaes todos ficão gozando de liberdades que concedo lhes de hoje em diante como se de ventre livre nascessem, as quais liberdades declaro concedo gratuitamente pelos bons servissos prestados por Maria Ritta, may dos tres libertos Ritta, Manoel, e Antam, e pesso as justissas do Imperio para que sejão os rifiridos libertos mantenidos por vertude desta carta em suas liberdades sem que possão já mais ser chamados ao cativeiro por mim o meus herdeiros e por assim ser verdade, mandei passar esta na qual me assigno em presença das testemunhas abaixo assignadas. Conceição da Boa Vista dous de junho de mil oitocentos e setenta. Antonio de Aguiar Vieira, testemunha Francisco Hypolito Vallory. Desta que fis e vi assignar Antonio José de Almeida.=Declaro que a carta estava sellada com estampilha de duzentos reis.= Nada mais se continha em a dita carta de liberdade, na qual me reporto. E por nada mais se conter nesta escriptula de liberdade, e estarem satisfeitas, se pedirão que lhes fizesse esta escritptura que fis e lhes li asceitarão assignarão em presença das testemunhas Carlos Pereira de Sousa, e Francisco Hypolito Vallory, todos reconhecidos de mim Manoel José do Carmo Brandão escrivão qui o escrivi e assigno.

No mesmo livro, folhas 121 a 122, encontramos uma escritura de perfiliação . Neste registro está a carta de 27 de março de 1871 em que Antônio de Aguiar Vieira reconhece a paternidade dos filhos que teve com Maria Rita, nos seguintes termos:

que tendo tres Filhos com huma escrava que foi minha por nome Maria Ritta, os quaes são os seguintes: - Ritta Parda, idade sete annos, Manoel Pardo, idade ceis annos, Antão Pardo, idade hum anno e sete mezes, os quaes reconheço serem meus Filhos proprios assim como os tenho. E para atodo tempo constar, mandei passar esta carta de Filiação

Voltamos a Mary del Priore para lembrar que estas ocorrências chamavam a atenção dos visitantes estrangeiros, os quais entendiam que a facilidade de reconhecimento dos filhos ilegítimos contribuía para uma certa aversão pelo casamento por parte dos homens livres (p.187)

Recreio, MG: Costureiras, Lavadeiras e Hotéis

Um leitor ewscreveu a respeito de nossos comentários de 22, 27 e 28 de janeiro, quando apresentamos os nomes de três mulheres foreiras de terrenos da Fazenda das Laranjeiras. Em sua opinião, as funções declaradas – costureiras e lavadeiras, seriam disfarces para a “profissão maisantiga da humanidade” segundo suas palavras. Com o respeito devido ao autor do comentário, gostaríamos de marcar nossa posição a respeito.

 Mary del Priore, em seu livro História do Amor no Brasil, esclarece que o conteúdo da obra não está relacionado às idéias e conceitos da autora, mas àqueles que vigoravam em cada época retratada. E convida “o leitor a olhar um pouco pelo retrovisor da História […] por meio dos variados documentos” (2006, p.17) que a autora menciona ao longo do livro. É o que temos tentado fazer neste blog, quando apresentamos informações pinçadas nos diversos documentos que pesquisamos. Entretanto, não podemos ir além do que ali está registrado. Seria irresponsabilidade nossa afirmar que as profissões declaradas pelas foreiras eram outras, já que não temos respaldo para isto.

 De todo modo, entendemos que o leitor faça ilações neste sentido, porque nossa maneira de pensar estrutura-se a partir das informações que vamos coletando ao longo da vida. Sabemos que outros autores publicaram referências como as que a professora Del Priore nos traz no capítulo sobre o amor no século XIX, quando comenta o estudo “A prostituição, em particular na cidade do Rio de Janeiro”, do médico Lassance Cunha.Este autor aborda as “meretrizes de sobradinho” que trabalhavam em hotéis ou nas chamadas “casas de costureiras”.Del Priore esclarece que o epíteto refere-se ao fato de serem comuns “que mulheres que tinham esse ofício, assim como tintureiras, lavadeiras e cabeleireiras, conservassem seu trabalho embora tivessem ligações passageiras” (p.198).

 Uma questão se nos apresenta: o fato de três mulheres assinarem um contrato, comprometendo-se a pagar alguns mil réis de foro anual, é garantia do tipo de profissão que elas exerciam? Podemos afirmar que lavadeiras e costureiras não teriam renda suficiente para honrar o compromisso? Ou seria um preconceito disfarçado, considerando-se que os rendimentos de outros foreiros também se inscreviam entre os tidos como parcos?

 Agradecemos ao leitor que nos enviou o comentário e esperamos ter esclarecido nossa posição a respeito do tratamento à informação que retiramos dos documentos da época. Temos tentado “olhar pelo retrovisor da História” conforme sugere Mary del Priore. Mas não podemos ultrapassar os registros a partir de interpretações que não encontrem suporte em material produzido no período analisado. Até o momento, nenhum indício encontramos sobre a presença ou atuação de profissionais do sexo durante o período de construção da Estação Recreio. Sendo assim, D. Josepha, D. Guilhermina e D. Ignez continuarão sendo, aos nossos olhos, lavadeiras e costureiras.

 Aproveitamos para informar, também, que não nos parece estranha a existência de dois hotéis no arraial que se organizava. Onde ficariam hospedados os trabalhadores da obra? É importante lembrar que estamos tratando da construção de uma ferrovia e que a Estação Recreio foi plantada no meio de uma fazenda, não nas proximidades de algum arraial já existente. Pelo que nos foi dado apurar até o momento, os operários, assim como seus superiores imediatos, foram contratados em localidades mais ou menos distantes. E, naquela época, seria impossível voltar para casa ao final da jornada diária.

Cachoeira dos Monos e os Tropeiros

Além de ser uma das belezas naturais de Recreio, a Cachoeira dos Monos representa um marco histórico para a cidade. Seu nome refere-se ao ribeirão dos Monos, de cujas águas é formada, e à serra de mesmo nome que abriga as nascentes dos tributários do ribeirão.

A primeira referência encontrada sobre a serra dos Monos vem da Carta da Província de Minas Gerais, elaborada pelo geógrafo Friedrich Wagner em trabalho conjunto com o engenheiro civil Heinrich Wilhelm Ferdinand Halfeld. Entre 1836 e 1855 os dois autores coligiram todas as informações possíveis, seja em material já publicado ou anotações de expedições próprias pelas diferentes regiões de Minas. Lembrando que Leopoldina, nesta época, limitava-se a leste com São Fidélis (RJ), observa-se na referida Carta que a serra dos Monos localiza-se na divisa entre São Fidélis e Leopoldina, estendendo-se pela margem esquerda do Pirapetinga desde as proximidades da nascente do Feijão Cru até o ponto em que o Pirapetinga muda seu curso para o sul em direção ao rio Paraíba do Sul.

Sabemos que o rio Paraíba (do Sul) já era bem conhecido desde o século XVIII, conforme pode ser observado em diversos documentos provinciais. Entretanto, foi somente no final daquele século que o presidente do Conselho de Minas Gerais ordenou que fossem explorados dois de seus afluentes próximos da divisa com o Rio de Janeiro: o Pomba e o Muriaé. Informa-nos Raimundo José da Cunha Matos, em Corografia Histórica da Província de Minas Gerais, que a partir daí foram colhidas notícias circunstanciadas destes rios. Portanto, considerando que a serra dos Monos faz parte da bacia do rio Pomba no local referido, naturalmente concluímos que ela já era conhecida quando chegaram os pioneiros.

Não sabemos quem batizou a serra e o rio com este nome. Imagina-se que tenha sido uma referência aos primatas ali encontrados.Sabe-se que a espécie Muriqui, ou Mono-Carvoeiro, era endêmica na região sudeste do Brasil. Em antigos livros de Corografia, observamos que estes primatas são referidos apenas por Mono.

Prosseguindo com nossa hipótese, o ribeirão e a serra teriam recebido tropas que se deslocavam entre São Fidélis e os Sertões do Leste, muito tempo antes do período fixado para o nascimento dos povoados da nossa região. Sabe-se que os tropeiros, comerciantes da época, de tudo davam notícia aos habitantes dos locais por onde passavam. Sabe-se também que, entre os pioneiros de Leopoldina, havia proprietários de tropas. Portanto, acreditamos serem plausíveis as notícias sobre a existência de um “recreio de tropeiros” nas proximidades da Cachoeira dos Monos já que, segundo José Alípio Goulart em Tropas e Tropeiros na Formação do Brasil, era comum que eles “batessem estaca” num ponto qualquer quando não fosse possível atingir o povoado mais próximo em horário compatível.

Ainda não encontramos o termo “recreio” nas obras que abordam o assunto. Entretanto, o uso pode ter sido estabelecido e não registrado por cronistas da época. De todo modo, entendendo-a por “intervalo entre duas jornadas”, o significado da palavra é muito apropriado para a prática daqueles homens que cruzavam nossas matas, rios e serranias. Diz o citado Goulart que as tropas montavam acampamento sempre nas proximidades de um rio, tomando o cuidado de atravessá-lo e buscar um pequeno promontório para “arriar a mercadoria”. Tal providência tinha por objetivo evitar a surpresa de uma cheia durante a noite. Os acampamentos eram percebidos, depois que a tropa partia, pelas estacas fincadas no solo e que serviam para amarrar os animais. Assim, a margem onde estivessem as estacas indicava a direção para a qual seguira a tropa.

Acrescenta o autor que os tropeiros jamais utilizavam as estacas de quem ali estivera anteriormente, porque acreditavam que isto desencadearia algum problema sobrenatural. Conseqüentemente, um local aprazível para o descanso da tropa ficaria, depois de algum tempo, marcado pelas estacas ali deixadas. Conclusão: o local de “recreio da tropa” poderia ser identificado muito tempo depois.

Sugerimos, aos leitores interessados no tema, o artigo O Tropeirismo no Brasil, de Claudio Recco, disponível no site Historianet http://www.historianet.com.br/

Monumentos de Conceição da Boa Vista

Como já nos lembrou um amigo deste blog, a Igreja Matriz de Conceição da Boa Vista chama a atenção do visitante. Monumento da fé católica que ocupou aquele território na primeira metade do século XIX, sofreu diversas obras de reforma ao longo do tempo, não sendo possível precisar detalhes ou sequer informar o nome dos artistas que a construíram ou reformaram. Atualmente, assim podemos encontrá-la.

Um outro recanto aprazível deste distrito é o jardim da Vila, no qual está a capela abaixo, construída em 1893.

Estes monumentos nos permitem perceber os valores estéticos de um tempo já distante, lembrando que eram construídos por sugestão do representante local da Igreja Católica e com recursos dos moradores do lugar.

Em viagens de pesquisa pelas localidades no entorno de Leopoldina, algumas vezes pudemos observar grande semelhança entre as construções mais antigas. Referimo-nos, especialmente, ao apuro ornamental que encontramos no interior de capelas, igrejas e outros monumentos. O que nos faz lembrar que um dos mais famosos artistas, com trabalhos citados em publicações da Capital da República, foi o português Ignacio de Castro Buena Flor, nascido por volta de 1847 e falecido em Leopoldina no dia 8 de julho de 1920.

Buena Flor construiu magníficos altares em igrejas da zona da mata mineira. Infelizmente suas obras foram desaparecendo, muitas vezes dilapidadas pelos próprios responsáveis por sua conservação, como dizem ter acontecido com a primeira capela do Colégio Imaculada Conceição de Leopoldina. Não podemos afirmar que tenha sido ele o autor dos artefatos que compunham a Igreja de Conceição da Boa Vista. Por antigos almanaques soubemos que “a Matriz de Leopoldina possue um altar-mór, que é um primor de talha do artista Ignacio Buena Flôr, ricamente dourado às expensas de Manoel Antonio de Almeida”. Em outra passagem informa que “Buena Flôr é o artista que talha seus altares e elegantes pulpitos por encomenda dos fazendeiros do distrito da Leopoldina que desejam ver seus santos protetores bem ornamentados”.

O patrimônio conta a história

A sepultura seguinte, da família Barbosa da Fonseca, é outro monumento do cemitério de Conceição da Boa Vista.
Manoel Barbosa da Fonseca, falecido em 1901, nasceu em Portugal a 11 de agosto de 1834. Em 1871 comprou terras da Fazenda Belmonte, de Francisco Corrêa Dias. Esta propriedade adquirida em Conceição da Boa Vista, constava de 16,5 alqueires localizados à margem do córrego Belmonte e na divisa com propriedade da família de Lucindo José Carneiro.
Foi agraciado com o título de 1º Visconde de São Manuel, para ele criado pelo rei D. Luiz I de Portugal, por decreto de 24 de março de 1886. Por esta época, o governo liberal de Portugal concedeu muitos novos títulos nobiliárquicos aos cidadãos que haviam prestado relevantes serviços à casa real, ao monarca ou ao país. Infelizmente, porém, nas publicações sobre este titular da Nobreza de Portugal consta que ele era proprietário apenas no Rio de Janeiro, sem citar Conceição da Boa Vista onde, naquele ano, era um dos eleitores.
Sabemos que o Visconde de São Manuel deixou pelo menos um filho chamado Manoel Barbosa da Fonseca Júnior, também eleitor de Conceição da Boa Vista em 1886. Sabemos também que a propriedade da família estava dentro do território que permaneceu no distrito depois da divisão de 1890. Corroborando outras informações, e como já vimos no post de 12 de abril, Theophilo Barbosa da Fonseca Moura contratou imigrantes nos anos de 1895 e 1896 para a sua fazenda Belmonte, sendo informado que o desembarque seria na Estação Recreio.

Recreio, MG: Cemitério de Conceição da Boa Vista

Conforme dissemos no post de 25 de março, os cemitérios foram secularizados a partir do Decreto nº 789 de 27 de setembro de 1890. Mas nas décadas anteriores estavam em andamento as construções dos cemitérios públicos, visto não mais ser permitido o sepultamente dentro das igrejas. Entretanto, suspeitamos que mais tarde algumas pessoas ainda tenham sido enterradas em cemitérios paroquiais, já que os registros respectivos não são encontrados onde deveriam estar, ou seja, nos livros para isto destinados.

Desta forma, consideramos que o início das operações no Cemitério Público de Conceição da Boa Vista tenha ocorrido nas penúltima década do século XIX. Ressaltamos que a existência de jazigos perpétuos naquele cemitério, relativas a falecimentos entre 1873 e 1876, pode significar que tenha havido traslado dos corpos para o novo cemitério cujas etapas de construção podem ser constatadas nos livros do Cartório de 1882 a 1884.

Em visita recente, Pedro Dorigo recolheu imagens de sepulturas de algumas das tradicionais famílias que participaram do movimento de divisão do distrito de Conceição da Boa Vista. Entre as sepulturas mais bem conservadas, foi encontrada esta de Francisco Celidônio Gomes dos Reis, falecido em 1892.

Nascido a 5 de junho de 1846 em São José do Barreiro, SP, era filho de José Celidônio Gomes dos Santos e de Catarina de Jesus Alves, herdeiros da Fazenda do Formoso, em Barreiros. Seu avô paterno, Joaquim Gomes de Siqueira e Mota era parente de José Gomes dos Santos, de quem Francisco Celidônio comprou terras em 1874. Trata-se de uma parte da Fazenda São Luiz, na margem do rio Pomba, ao norte do Arraial Novo. Esclareça-se que o avô do vendedor chamava-se também José Gomes dos Santos e residia em Conceição da Boa Vista desde, pelo menos, 1856, tendo formado a Fazenda São Luiz na qual viveu com seu filho José Gomes dos Santos.

Francisco Celidônio casou-se com Clara Monteiro Lobato Galvão de São Martinho, filha de Antônio Augusto Monteiro de Barros Galvão de São Martinho e de Maria Nazaré Negreiros Saião Lobato. Em virtude da esposa de Francisco ser herdeira da Fazenda Santa Isabel, acreditávamos que o casal residisse naquele distrito. Entretanto, não só o túmulo encontrado em Conceição da Boa Vista, como também a compra de terras e escravos registradas neste distrito, assim como a divisão de quarteirões dos novos distritos, em 1892, veio confirmar que Francisco Celidônio foi morador de Recreio.

Recreio, MG: Suíços ou Franceses?

Em visita ao Cemitério de Conceição da Boa Vista, Pedro Dorigo encontrou o túmulo de João Cláudio Robert, cujo sobrenome chamou a atenção. Seria um dos estrangeiros? Pesquisando antigos documentos, descobrimos tratar-se de Jean Claude Robert, falecido a 09 de dezembro de 1890 com 80 anos. No mesmo túmulo encontram-se os restos mortais de sua esposa, Maria Louise Robert, falecida a 01 de julho de 1885, aos 74 anos.

 Este casal residia em Conceição da Boa Vista desde antes de 1871, época em que aparecem numa transação imobiliária. Trata-se da troca envolvendo uma propriedade que divisava com a Fazenda Santa Maria, com Manoel Antônio da Silva Lima Salema e com Manoel Ferreira da Silva. Nestas terras vivia o genro de Jean Claude, Estevam Rosset de Passicam (ou Pancam) e a esposa Louise Amelie.

O proprietário era, até então, Astolfo Pio da Silva Pinto, que transferiu a propriedade para Jean Claude Robert em troca de outra, no córrego Felipe, cujas divisas eram as propriedades de Manoel Antônio da Silva Lima Salema, Florentino Rodrigues da Costa e a fazenda Serra Bonita que fora de Francisco José de Almeida.

Acreditamos que um outro vizinho da propriedade, Auguste Robert, seria o homem suíço solteiro que aparece no Recenseamento de 1872. Pode ter sido um filho de Jean Claude e Maria Louise. De certo sabemos apenas que morava em terras que divisavam com Estevam, com a fazenda Pedra Bonita e com o sítio Serrote. Caso Estevam tenha ficado viúvo entre agosto de 1871, data da operação imobiliária, e o final de 1872 quando foi realizada a contagem populacional, teríamos aí grandes possibilidades de ter identificado os três homens e a mulher suíça.

Importante lembrar, porém, que o nome J. C. Robert aparece em, pelo menos, dois processos de estrangeiros disponíveis no Arquivo Nacional. Um deles, francês, entrou no Brasil aos 20 anos em 1829, procedente de Buenos Aires. O outro, cuja idade não foi informada, era um artista francês que entrou no Brasil pela Bahia e em 1841 chegou ao porto do Rio de Janeiro.

Apesar da dificuldade causada pelas múltiplas grafias dos nomes e sobrenomes – João Cláudio Roberto, João Gloub Robert, Jan Glaude Robert – a assinatura no registro da troca permitiu que reuníssemos as informações deste personagem que em 1886 foi identificado como “cafelista”, ou seja, proprietário de terras onde plantava café.

Recreio, MG: A presença dos Estrangeiros

A contagem populacional de 1872 é o primeiro documento mais seguro para o exame da composição de moradores por nacionalidade. Dificilmente podemos identificar os imigrantes das décadas precedentes. Sendo assim, é comum estabelecer aquele ano como primeiro momento da análise.

No distrito de Conceição da Boa Vista viviam 301 estrangeiros na época. Entre eles, 160 africanos escravos e 7 africanos livres. O estudo desta parcela da população é sobremaneira dificultado pela falta de especificação dos registros.

Das demais nacionalidades foram contados:

– 7 homens franceses, (3 solteiros e 4 casados);

– 13 homens italianos, (6 solteiros e 7 casados);

– 102 homens portugueses, (38 solteiros, 32 casados e 12 viúvos);

– 8 mulheres portuguesas (5 casadas e 3 viúvas);

– 3 homens suíços (1 solteiro, 1 casado e 1 viúvo);

– 1 mulher suíça, casada.

De modo geral, é possível identificar os componentes deste grupo de estrangeiros através dos registros paroquiais e civis. Entretanto, no que se refere aos portugueses a pesquisa pode não atingir um bom resultado porque nem sempre o padre e o escrivão indicavam a nacionalidade.

O recenseamento de 1890 indica a presença de apenas 276 estrangeiros no distrito de Conceição da Boa Vista. Em busca de outros informes a respeito, consultamos os livros das hospedarias e observamos que os imigrantes europeus chegaram na região a partir de 1870, com aumento significativo nos anos de 1888 e 1889. Mas até o momento só encontramos referência à estação de Recreio, como local de desembarque dos imigrantes, em 1895 e 1896. Segundo os livros da Hospedaria Horta Barbosa, os contratados nestes anos seguiram para a Fazenda Belmonte, de Theophilo Barbosa da Fonseca Moura.

Recreio, MG: Professores

O professor Antônio Maximiano de Oliveira Leite, citado no post anterior por ser professor em Conceição da Boa Vista em 1875, era filho do fazendeiro de café Maximiano de Oliveira Leite e de Maria Eugênia Galvão de São Martinho, sendo neto materno de Pedro Afonso Galvão de São Martinho, o oficial encarregado das duas diligências pelos Sertões do Leste em 1784 e 1786. Assim como seu pai, o professor Antônio era eleitor do distrito de Conceição da Boa Vista em 1886.

Casou-se com Luiza Constantina, filha de Luiza e José Constantino Cherques, proprietários de uma fazenda na Grota. A esposa do professor tinha uma irmã de nome Melania, residente em Cantagalo. Em 1874, a sogra e a cunhada de Antônio Maximiano de Oliveira Leite venderam a Ignacio Ferreira Brito a parte da herança que lhes coube. Consta que o professor continuou morando nas terras herdadas de seu sogro, pertencentes ao futuro distrito de Recreio.

Pode ser que Antônio Maximiano tenha deixado a função de ensinar depois de casar-se, porque João Batista Nunes Junior foi nomeado, no dia 13 de janeiro de 1885, para as aulas públicas do sexo masculino em Conceição da Boa Vista. Este novo professor veio juntar-se a Maria da Glória Fonseca da Cruz, nomeada a 10 de setembro de 1883 para as aulas públicas de sexo feminino.

Temos, portanto, três personagens que circulavam pela comunidade na época em que o destino do distrito estava sendo articulado. Embora não seja possível identificar todos aqueles que participaram da divisão, acreditamos ser importante lembrar dos antigos mestres. Além de sua função precípua, qual seja a de ensinar as primeiras letras, certamente estes professores colaboraram na formação do ideal de cada um que freqüentava suas salas de aula.

Recreio, MG: Escolarização

Muitas vezes temos lido a respeito da condição de analfabetismo das pessoas que fizeram a história deste ou daquele lugar. Acreditamos ser uma simplificação baseada num anacronismo que, por si , é pouco convincente. Falar da falta de escolaridade numa época em que as escolas eram raras e caras significa desconhecer os valores sustentados por aquela sociedade.

Pelo que temos apurado, o ideal de “instruir” os filhos esteve sempre presente. Variava, tão somente, o significado da palavra. Muitos a entendiam por dar aos filhos a oportunidade de aprender uma profissão. Que, dependendo da época, poderia dispensar a educação institucionalizada. Na região onde veio a ser criado o distrito de Conceição da Boa Vista, entre os primeiros moradores estavam um oficial de ferreiro e um ourives. Ambos analfabetos. Mas nem por isso podem ser considerados “sem instrução” se respeitarmos a configuração econômica daquele momento.

No que se refere à educação institucionalizada, sabemos que os pioneiros da região puderam contar com um tipo de escola e que a função de professor aparece nos documentos mais antigos. Em 1875, por exemplo, Antonio Maximiano de Oliveira Leite era professor em Conceição da Boa Vista e o cargo de professora para o sexo feminino encontrava-se vago. Porém, importa lembrar que até 1906 o sistema de ensino era baseado nas salas de “aulas públicas” que, apesar do nome, muitas vezes cobravam mensalidade dos alunos. Em Minas, a Inspetoria Geral de Instrução Pública pagava um profissional que se ocupava de ensinar “as primeiras letras”, reunindo as crianças numa sala alugada com esta finalidade ou, como ocorria na maioria das vezes, em cômodo de sua própria casa. Em 1884, todos os distritos de Leopoldina contavam comaulas públicas”.

Foi somente a partir da decisão do governo mineiro de 1906 que as salas de aulas foram reunidas no que se chamou Grupo Escolar. Assim, as crianças não estudariam mais em salas mistas, com alunos de variados níveis de conhecimento a cargo de um único profissional. Entretanto parece-nos que, no município de Leopoldina, somente a área urbana do primeiro distrito contou com grupos escolares até a segunda década do século XX.

Pelo Mapa de População de 1838, soubemos que 20 dos 32 grupos familiares residentes no 3º quarteirão eram chefiados por pessoa alfabetizada. Entretanto, ressaltamos que aos escravos não era dada a oportunidade de aprender a ler e escrever. Como entre os 12 analfabetos estavam 10 pessoas não brancas, pode-se considerar que a população livre era alfabetizada.

para o ano de 1872 temos algumas informações complementares. A população que tinha permissão para freqüentar escolas somava 3.019 pessoas, sendo que 13% não atingira os 6 anos de idade. Entre 6 e 15 anos, idade então determinada para a escolarização, contavam-se 283 moradores livres, 23% deles freqüentando a escola. Há que se considerar que alguns poderiam tê-la concluído quando foi feito o recenseamento e outros, por viverem em local distante, ficariam realmente analfabetos. O resumo que nos apresenta o documento aponta para 47% dos moradores livres como alfabetizados. Infelizmente os escravos continuavam sem acesso à escola.

Gostaríamos, também, de mencionar uma informação que temos encontrado com regularidade. Trata-se de considerar que as mulheres livres eram analfabetas. Se isto for verdade para algum grupo social, não significa que se possa generalizar. Para os antigos moradores de Conceição da Boa Vista, é importante destacar que o grupo dos alfabetizados era composto por 54% de homens e 46% de mulheres.

Para concluir este nosso comentário, informamos que a pesquisa realizada em 1890 pode ser a fonte da generalização sobre o analfabetismo, que pela primeira vez este aspecto foi pesquisado entre os ex-cativos. Relegados a condições de privação quase total, aqueles seres humanos tiveram negada a possibilidade de trabalho em muitas áreas porque não haviam sido “instruídos” para os diferentes misteres da nova ordem econômica. Em Conceição da Boa Vista, 46% dos moradores de 1872 eram escravos. Nos dezoito anos que separam as duas contagens populacionais, chegaram os imigrantes europeus, cerca de 40% deles analfabetos. E é assim que este fator aparece como característica da população: apenas 15% dos moradores de 1890 sabiam ler e escrever.