184 – Fazenda Boa Vista dos Barbosas

Denominada inicialmente Fazenda Boa Vista, a pesquisa sobre esta propriedade apresentou dificuldades a partir do próprio nome. Enquanto nos registros de terras de 1856 constam três propriedades com o mesmo nome no território da então Vila Leopoldina, nos processos de divisão de propriedades e partilha de bens inventariados, entre 1847 e 1901 foram encontradas treze fazendas Boa Vista, muitas delas sem localização precisa.

Para distingui-las foi fundamental o conjunto de dados coletados pelos autores desta coluna ao longo das pesquisas sobre a história de Leopoldina. Pois conforme ensina a antropologia, a família ou parentesco constituem o elemento fundador da vida social. E só conhecendo minimamente os grupos sociais que habitam uma localidade é possível compreender suas escolhas e decisões. Foi importante, também, lembrar Ruth Cardoso ao discutir armadilhas da pesquisa em antropologia, quando destacou que coletar material não é apenas acumular informações, mas oportunidade para reformular hipóteses de pesquisa. Isto aconteceu, diversas vezes, na pesquisa sobre a ocupação territorial do Feijão Cru e, especialmente, com a Fazenda Boa Vista dos Barbosas.

Ao prestar informações sobre sua propriedade, Francisco da Silva Barbosa declarou que vinte e cinco anos antes (por volta de 1831) havia comprado 250 alqueires de terras, sem indicar o vendedor. Mencionou confrontações com José Thomaz de Aguiar Cabral (fazenda Santa Cruz), Marianna Teresa Pereira Duarte (faz. Recreio), Processo José Corrêa de Lacerda (faz. Tabuleiro), Manoel Jose de Novaes (faz. Saudades, depois Campo Limpo), Manoel Ferreira Brito (faz. São Manoel da Bocaina) e João Baptista de Paula Almeida (faz. Monte Alegre). Outros proprietários citaram divisas com a faz. Boa Vista, com Antonio Carlos da Silva Teles Faião (faz. da Barra das Laranjeiras), além de Joaquim José da Costa Cruz e Joaquim Dias Neto com propriedades à margem do Rio Pomba.

Francisco da Silva Barbosa faleceu no dia 20.09.1860 e seu inventário, em conjunto com o processo de partilha e posteriores tombamentos em 1884 e 1885 trouxeram esclarecimentos importantes. A constituição do grupo familiar foi possível pela análise comparativa do inventário e da partilha de bens, já que alguns membros não foram identificados num ou noutro documento, por terem falecido ou por terem transferido sua legítima para terceiros. Como já mencionado nesta série, a instituição do dote permanecia até o final do século XIX e, muitas vezes, só depois do inventário dos pais é que os bens prometidos aos filhos eram oficialmente transferidos para eles. Por isto, nem sempre todos os filhos vivos eram mencionados no formal de partilha.

No caso da Fazenda Boa Vista, o processo de divisão judicial da propriedade foi requerido por João Gualberto Damasceno Ferreira em duas etapas, sendo a primeira em 06.10.1884 e a segunda, em 06.08.1885, indicou que após a morte de Francisco da Silva Barbosa a propriedade pertencia a oito condôminos:

  • 1) Antonio Francisco Barbosa Neto, filho de Francisco da Silva Barbosa;
  • 2) Domiciano Rodrigues Leite, neto, filho de Ana Francisca;
  • 3) Elias Carlos da Paixão, marido da neta Carolina, filha de Ana Francisca;
  • 4) Francisco da Costa Muniz, marido da neta Vicencia, filha de Ana Francisca;
  • 5) Joaquim Luiz de Santana ou Medeiros, genro, marido de Maria do Rosário Neto;
  • 6) José Francisco Neto, filho;
  • 7) Rita Francisca da Silva, filha; e,
  • 8) Severino José de Santana, genro, marido de Joaquina Francisca de Jesus.

Nos vinte anos seguintes à morte do formador da fazenda, ocorreram muitas subdivisões e vendas. Ao final do processo de medição, em 1885, foram encontrados 72 condôminos e entre eles estão alguns imigrantes que a memória popular informa terem vivido na “Colônia da Serra dos Netos”. Na conferência das operações de compra e venda, o total de condôminos foi ampliado para 81 por dois motivos principais: herança ou compra e venda.

Após a morte do pioneiro, em 1860, a propriedade passou a ser conhecida como fazenda “dos Barbosa” e as escrituras de compra e venda demonstram que nela foram formadas diversas “situações” que, em linguagem atual, significa vários pequenos sítios numa fazenda indivisa.

No alvorecer do século XX a região da Fazenda Boa Vista passou a ser conhecida por Serra dos Netos, numa referência ao sobrenome da família da esposa de Francisco da Silva Barbosa, de descendentes dele ou do formador da fazenda Residência, também de sobrenome Gonçalves Neto.

O requerente da divisão judicial, João Gualberto Damasceno Ferreira, era filho do pioneiro João Gualberto Ferreira Brito de quem herdou a fazenda Fortaleza também próxima da Boa Vista e que foi ampliando seus domínios através de compras diretas ou de Arrematação em Praça dos bens de seus vizinhos, em especial de terras das fazendas Desengano e Boa Vista.

Uma das “situações” adquiridas por João Gualberto Damasceno Ferreira pertencia a João José Rodrigues das Virgens que chegou ao Feijão Cru por volta de 1864 e provavelmente foi um dos primeiros adquirentes de pedaços da Fazenda Boa Vista que teriam sido vendidos depois da morte de Francisco da Silva Barbosa. O comprador instalou a sede de sua propriedade no então sítio das Virgens, referência ao nome de devoção usado como sobrenome pelo antigo proprietário, falecido em 1881. Esta é, pois, a origem do topônimo Serra das Virgens para o qual a imaginação popular inventou mais uma das lendas mirabolantes que povoam a história pátria.

João José Rodrigues das Virgens, casado com Francisca Maria de Paula, teve três filhos:

  • 1) Ezequiel, nascido em 1867;
  • 2) Custódia Maria de Jesus, casada aos 07.01.1893 com Joaquim Honório de Almeida, filho de Francisco Honório de Oliveira e Maria Izabel de São José; e,
  • 3) Vitalina Maria das Virgens, nascida a 08.07.1880, casou-se no dia 14.10.1906 com José Galdino Eugenio, natural de Cataguases.

Aqui o Trem de História faz uma parada. No próximo Jornal a viagem segue com a família do pioneiro Francisco da Silva Barbosa. Até lá.

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 436 no jornal Leopoldinense, setembro de 2022

Fontes Consultadas: 
Arquivo da Diocese de Leopoldina, lv 01 bat fls 198 termo 954; lv 02 bat fls 29 termo 264; lv 2 cas fls 79 termo 3 e lv 3 cas fls 346 termo 77. 
Divisão judicial da fazenda dos Barbosa, parte 1, Processo 38404284, 1884 COARPE/TJMG 
Inventário de Francisco da Silva Barbosa, processo 38403431 COARPE - TJMG 
Partilha amigável do espólio requerida por Ana Josefa da Silva, processo 38402712 COARPE/TJMG 
CARDOSO, Ruth C. L. (org.) Aventuras de Antropólogos em campo ou como escapar das armadilhas do método. In: A aventura antropológica. Teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p.101

134 – O Ribeirão Jacareacanga

Em oportunidade anterior, quando se tratou do Ribeirão do Feijão Cru, foi dito que ali não se ocupava tempo e paciência de eventual leitor por ser um grande curso d’água ou, um curso de águas límpidas. Ocupava-se porque ele emprestou o seu nome ao povoado que deu origem à cidade e porque a sua bacia hidrográfica estava integralmente dentro dos limites do município de Leopoldina. Porque o Feijão Cru é da cidade e a sua vida se confunde com a vida dos que aqui vivem.

Recorde-se que o povoado surgiu nas imediações da Igreja do Rosário e cresceu pela margem direita do Feijão Cru, expandindo-se pelas encostas dos Pirineus, Tabocas e pelo vale por onde passam as ruas Cotegipe e Presidente Carlos Luz que margeavam antigo córrego, escoadouro das águas nascidas em mina existente na Praça General Osório que desaguavam no Feijão Cru, nas proximidades do Colégio Estadual Botelho Reis (Ginásio). Com o tempo o casario subiu o morro da Catedral, aproveitou o estreito que formou a Rua do Buraco (das Flores) e foi juntar-se ao Bairro da Grama, que também está na mesma margem direita do Feijão Cru. Muito depois é que os habitantes saltaram o Ribeirão e povoaram a Fábrica, a Praça da Bandeira e subiram o Alto da Ventania.

Mas hoje o que se pretende é falar das águas que vertem ou, correm para o outro lado do morro dos Pirineus, da elevação que forma o bairro da Meia Laranja e do lado norte da Volta da Cobra, onde nasce, do lado sul, o Feijão Cru. São águas que formam outros córregos e outro importante ribeirão por onde escoam as águas de chuva que caem no atual centro da cidade.

O que se quer contar é um pouco da história do Ribeirão Jacareacanga, irmão do Feijão Cru, porque nascem na mesma serra da subida da Volta da Cobra. Um à direita e o outro à esquerda da estrada que segue para o Arraial dos Montes / São Lourenço e Abaíba. O Jacareacanga, na região da Serra dos Netos, nasce no alto do morro e por entre pedras e árvores desce a encosta por um dos vales e vai recolhendo as águas de pequenas nascentes. Quando chega à parte plana, em terras que formavam a antiga fazenda Fortaleza, antes de cruzar a BR-116 recebe pela margem direita o Córrego Fortaleza. Logo depois, na outra margem da rodovia, pelo lado esquerdo recebe a contribuição do Córrego Três Cruzes, que lhe traz as águas das encostas da região do Brasília Country Club. Segue seu curso e, na Fazenda Estrela, recebe o córrego Bela Vista e o Pau Cascado, afluentes da margem esquerda.

O Córrego Bela Vista é o que recolhe as águas do bairro de mesmo nome e as que descem pelos fundos da Rodoviária, do CEFET e pelo lado norte da Meia Laranja. E mais ou menos paralelo à Avenida dos Expedicionários, marca a divisa entre os bairros Bela Vista e São Cristóvão.

É bom que se observe que entre estes dois bairros passa o Córrego Bela Vista, diferentemente do que afirmam algumas pessoas que consideram ser ali o Jacareacanga.

Voltando ao curso do Ribeirão, depois que passa pela Fazenda Estrela ele segue mais ou menos o leito do ramal da antiga linha férrea.

No jornal O Leopoldinense, edição 65, 08.09.1885, p. 3, nota intitulada “Serviço de Immigração” informa que “até 2ª ou 3ª o fiscal adquirirá, por conta do Estado, o Sítio Jacareacanga, onde vai ser montada uma hospedaria com capacidade para receber 1200 imigrantes.” Na folha 20 S2 E3 da cartografia da Comissão Geographica e Geologica de Minas Gerais de 1926, consta que no terço final do Ribeirão localizava-se a Fazenda Jacareacanga.

Registre-se que em 1896 a hospedaria de Leopoldina, na estação de Vista Alegre, posteriormente denominada Hospedaria Jacareacanga, estava em construção, segundo a mensagem do presidente do estado Chrispim Jacques Bias Fortes, de 15.07.1896. p. 31.

Aproximando-se de sua foz, o Ribeirão Jacareacanga recebe o Córrego Santana e a seguir mais dois afluentes, os córregos do Bagre e o São Luiz, todos pela margem esquerda.

Logo depois, deságua no Rio Pomba, bem perto da estação donde partia o TREM que ligava a Estrada de Ferro da Leopoldina ao centro da cidade que lhe emprestou o nome. Um TREM de verdade que fez história transportando imigrantes e riquezas da região. Um TREM que ficou na história e, inspirou este TREM DE HISTÓRIA que hoje conta as muitas histórias que ocuparam e ainda ocuparão este espaço do Jornal. Histórias que não acabam, porque a vida e a viagem deste imaginário TREM continuam na próxima edição. Até lá.

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 387 no jornal Leopoldinense de 1 de setembro de 2019