186 – Ignacio de Castro Buena Flor

Passado o centenário de sua morte, ocorrido no ano da pandemia, hoje o Trem de História resgata o nome e a obra do artista de origem portuguesa, Inacio de Castro Buena Flor, que ainda jovem veio para Leopoldina, aqui se casou e viveu até sua morte. Um grande artista como se verá adiante.

Inácio de Castro Buena Flor nasceu a 17 de novembro de 1847 no Lamego, Beira Alta, Portugal. Era filho de João de Castro Buena Saabedra e Maria de Jesus Castro Saabedra.

Entre 1870 e 1880 ele aparecia como escultor em Leopoldina. Já em 1886 era citado como entalhador e escultor, na cidade. Em 28 de janeiro de 1888 estava construindo dois altares para a Igreja de Santana, em Pirapetinga, MG.

Em Leopoldina participou da Sociedade de Beneficência Portuguesa, fundada em 1888, tendo sido eleito seu 2º Secretário a 19 de abril de 1891.

Em 1900 Buena Flor residia Rua Tiradentes nº 112. A 12 de março de 1904, casou-se com Narcisa Florinda Garcia, nascida por volta de 1852 em Horta, Portugal, filha de Caetano Garcia Neves e Francisca Luiza Pereira. Narcisa também usou o nome Narcisa de Matos.

A Gazeta de Leopoldina de 14 de abril de 1910, anunciava que no “próximo sábado”  seria realizado o casamento de Joaquim da Silva Barbeiro com Hermengarda do Amaral, neta de Ignacio Buena Flor. Porém, tanto o testamento quanto o inventário de Buena Flor não se referem a filhos seus. E o apurado até aqui dá conta de que Hemengarda do Amaral foi batizada em 09 de novembro de 1887 e seria filha de Guilhermina Florinda e José Lopes do Amaral. Ela se casou com Joaquim da Silva Barbeiro, filho de outro do mesmo nome e de Margarida Augusta da Costa,  a 16 de abril de 1910. Joaquim nasceu a 06 de agosto de 1887 em Leopoldina e o casal teve dois filhos: Joaquim e Odaleia.

Buena Flor embarcou, a 04 de junho de 1912, para Bremen, Alemanha. Faleceu a 08 de julho de 1920 em Leopoldina, vítima de uma enterite.

OS BENS

No testamento feito a de 30 de junho de 1920, em Leopoldina, o artista declarou ter bens em Portugal, herança dos pais no Carleto em São Martinho de Mouros, os quais deixou para a Santa Casa de Caridade de Lamego, Com a observação de que não poderia despejar o caseiro que lá residia, Alexandre Pereira e sua mulher. Deixou para a Casa de Caridade de Leopoldina os bens de raiz que possuía em Leopoldina e em Vista Alegre, com a cláusula de inalienabilidade, em uso fruto de sua mulher Narcisa enquanto viva for. E deixou os “mais bens constantes de trastes e pequenas dívidas ativas” para sua mulher Narcisa.

No seu processo de inventário constam como herdeiros a viúva e a Casa de Caridade Leopoldinense. Na descrição dos bens foram citados: um sobrado com loja à rua Barão de Cotegipe nº 36, divisa com José Martiniano Barros Lintz, Ignacio de Lacerda Werneck e fundos com antigo caminho que segue para a Matriz, atual Rua Coronel Marco Aurélio; um prédio com armação de negócio na rua Barão de Cotegipe nº 32, divisa com Ignacio de Lacerda Werneck e Luiz Eugenio Botelho e fundos com o antigo caminho para a Matriz; um prédio na Rua Tiradentes nº 45, divisa com Dr. Custodio de Almeida Lustosa e o beco do antigo chafariz, com o prédio e terreno de Pedro Gadas e com Eliza Levasseur; um prédio à rua Tiradentes nos 31 a 37, divisas com Antonio Jorge da Cruz e com Dr. Custodio de Almeida Lustosa, pelos fundos com o córrego das Tabocas; prédio em Vista Alegre, divisas com a Rua do Conselho, com a Rua da Ponte, e com o prédio de Sebastião Pereira e fundos para o Rio Pomba.

Segundo o jornal carioca Correio da Manhã, de 20 de março de 1921,  reunião do Supremo Conselho da Casa de Caridade Leopoldinense fora realizada na véspera para deliberar sobre as providências que deveriam ser tomadas em relação ao legado deixado em testamento por Ignacio de Castro Buena Flor para a instituição. Na oportunidade foram concedidos amplos poderes para a diretoria agir como melhor se apresentasse.

A 28 de outubro de 1939 a Casa de Caridade pediu autorização judicial para vender os imóveis de Vista Alegre e da Rua Tiradentes.

O ARTISTA

Escultor, pintor e artista extremamente considerado em Leopoldina, Buena Flor foi o autor de monumentais altares das igrejas da cidade e da região.

Sobre um destes trabalhos, o da Igreja do Rosário, assim se refere Barroso Júnior em “Leopoldina e seus Primórdios”: “Buena Flor, que deixou em tantas obras o testemunho de sua arte, fez também o altar-mor, púlpitos e florões ornamentais desse gracioso templo”.

E é do mesmo Barroso Júnior o comentário a seguir, sobre outro trabalho do escultor:

“Pelo morro acima, quase em socalcos, sobe o Colégio Imaculada, com sua capela limpinha, a guardar com carinho o altar-mor da antiga matriz, primoroso trabalho de talha de Inácio Buena Flor e dádiva do coronel José Joaquim Monteiro de Castro e seu filho Gervásio A. Monteiro de Castro, que depois foi comendador”.

Capela da sede anterior do Colégio Imaculada Conceição – Acervo Emília Rodrigues de Almeida

Infelizmente parte dessa obra, cantada e decantada por todos os que a conheceram, foi dilapidada pelos responsáveis por sua conservação. Consta, inclusive, que as peças da capela do antigo prédio do Colégio Imaculada Conceição foram vendidas a colecionadores. Uma obra que, considerando a data de morte do artista, provavelmente tenha sido sua última de grande porte.

Sobre a demolição da Capela, vale lembrar que o artista plástico Luiz Raphael Domingues Rosa, que a duras penas manteve o Espaço dos Anjos na cidade, contava que, ao tomar conhecimento de que a capela do colégio estava sendo derrubada, dirigiu-se ao local na tentativa de evitar um desastre maior. Mas apesar de seus protestos, nada mais podia ser feito. A destruição já estava consumada. Rafael conseguiu apenas recolher partes de alguns entalhes, conservando-as em exposição no Espaço dos Anjos.

E talvez este mesmo caminho tenham tomado outras peças, porque também não se conhece o destino do altar da Igreja do Rosário.

Como exemplo do impacto de sua obra, é de se citar o Almanaque de Leopoldina de 1886 em que se lê:

“[…] a Matriz […] possue um altar-mór, que é um primor de talha do artista Ignacio Buena Flôr… ricamente dourado às expensas de Manoel Antonio de Almeida. […] igreja do Rosario… Buena Flôr é o artista que talha seus altares e elegantes pulpitos: ficará um brinco.”

Vale registrar que isto deve ter ocorrido antes de 1873, quando faleceu o citado Manoel Antonio.

Luja Machado e Nilza Cantoni - Membros da ALLA 
Publicado na edição 438 no jornal Leopoldinense, 1 novembro de 2022

Fontes consultadas:

Almanaque de Leopoldina. Leopoldina: s.n., 1886. p. 86 e 89. 
Arquivo da Diocese de Leopoldina, lv 3 cas fls 210 termo 10 
BARROSO JÚNIOR. Leopoldina: os seus primórdios. Rio Branco: Gráfica Império, 1943. p.20 e 22 
Cartório de Registro Civil de Leopoldina, MG, lv 3 cas fls 159 
Cemitério Nossa Senhora do Carmo, Leopoldina, MG, lv 2 fls 98 nr 100 
Correio da Manhã. Rio de Janeiro: 20 mar 1921 ed 853 fls 2 
Correio Portuguez. Rio de Janeiro: 29 abr 1891 ed 381 pag 1.
Gazeta de Leopoldina. Leopoldina: 18 ago 1926, 17 fev 1974 
Gazeta Nacional. Rio de Janeiro: 28 jan 1888 ed 24 pag 2 
GUIMARÃES, Joaquim Custódio. História da Medicina em Leopoldina. Leopoldina: s.n., 1987. p. 09. 
Inventário de Ignacio de Castro Buena Flor processo 38402003 
LAEMMERT, Eduardo e Henrique. Almanak Laemmert. Rio de Janeiro: 1880, pag 455 e 1883, pag 154 
O Leopoldinense. 1 maio 1881 ed 31 pag 3.  
O Mediador. Leopoldina: 25 julho 1896 ed 37 p. 2 
O Paiz. Rio de Janeiro: 5 jun 1912 ed 10104 pag 3. 
Testamento de Ignacio de Castro Buena Flor processo 38403903

Augusto dos Anjos por Júlio Caboclo

O Trem de História continua nos trilhos das Homenagens pelo Centenário da Morte de Augusto dos Anjos. Hoje, trazendo no vagão mais um pouco da história e a visão de um dos maiores divulgadores e grande incentivador do culto à obra do poeta paraibano: o professor e poeta Júlio Ferreira Caboclo, em suas aulas no Ginásio Leopoldinense e nas matérias publicadas em diversos jornais e revistas.

De início é bom lembrar que a história de Júlio Caboclo como professor, embora ainda incompleta, parece ter tido início quando desembarcou no Rio de Janeiro, com aproximadamente vinte anos em busca de “uma colocação”, conforme declarou à Polícia Política de Minas Gerais anos mais tarde.

Ainda conforme declarado à Polícia, poucos meses depois conseguiu emprego de professor no Colégio Ítalo-Brasileiro, de Santo Antônio de Pádua, RJ e por volta de 1922 passou a lecionar no então Ginásio Leopoldinense.

E em Leopoldina Júlio Caboclo passou a estimular o culto à obra e à pessoa de Augusto dos Anjos. De tal modo o fez, que se tornou uma figura indissociável da trajetória de Augusto dos Anjos entre a juventude leopoldinense. Os textos que produziu sobre o “rapaz de cérebro de ouro” conforme escreveu na seção Caixilhos, da Fon-Fon de 30 de outubro de 1926, o confirmam.

Além disto, no ano anterior, mais precisamente no dia 25 de junho de 1925, foi Júlio quem ajudou a fundar o Grêmio Lítero-Artístico Augusto dos Anjos, segundo a Revista Brasil Progresso, do Rio de Janeiro, edição de setembro 1925, do qual foi o primeiro presidente. E foi com o apoio dele que, para comemorar o décimo segundo aniversário de morte de Augusto dos Anjos, em 1926, o Grêmio promoveu uma romaria ao túmulo e uma sessão solene que incluiu a denominada Missa de Arte, na qual falaram vários oradores, entre os quais Erymá Carneiro (então acadêmico de Direito), Gerardo Majella Bijos, Antônio Pedro Braga, Francisco Eufrosino dos Santos e outros estudantes do Curso de Farmácia do Ginásio Leopoldinense.

Vale recordar que, naquela época, algumas pessoas do grupo acima citado lançaram a ideia de transferir as cinzas de Augusto dos Anjos para a sua terra natal, na Paraíba. Mas esta ideia não recebeu apoio da maioria, ficando sem efeito a proposta de buscar ajuda política para realizar o intento. Tal atitude, entretanto, parece ter sido estimulante no sentido de fazer nascer entre os leopoldinenses um maior apreço pelo poeta que tão pouco tempo viveu na cidade, mas que se tornou parte integrante da nossa história.

Fato curioso é que a notícia sobre as homenagens pelo décimo segundo aniversário de morte de Augusto dos Anjos, que saiu no jornal O Brasil, de 17 de outubro de 1926, traz alguma semelhança com os diversos eventos que foram realizados em vários novembros desde que o poeta passou para outra esfera. A própria celebração de missa com acompanhamento de cânticos sacros, organizada em 1926, tendo à frente Júlio Caboclo, foi uma ideia que se tentou reviver com a Missa em Latim deste ano do centenário de morte.

Antes, em 1924, em homenagem ao décimo ano de falecimento, segundo o periódico O Brasil, do Rio de Janeiro, edição de 22 de novembro de 1924, Júlio Ferreira Caboclo fizera publicar um texto que permanece desconhecido por especialistas da atualidade em função de ter saído com um erro de impressão no nome do autor, corrigido em nota da edição seguinte, onde afirmava:

“Augusto dos Anjos pertencia ao número dessas naturezas singulares cuja imperfeição procede de uma posse incompleta de si mesmas, mas pela razão de que nelas essa posse se torna mais difícil e tardia dos que nos casos mais comuns. Elas são o inédito propriamente dito; para se revelarem passam por todas as torturas e incertezas, todos os erros e descaminhos dos que vêm para descobrir um novo mundo.”

Palavras que nos trazem um pouco da dimensão que o poeta do EU deixou em Júlio Ferreira Caboclo que, por sua vez, impressionou não só os alunos em quem estimulou o culto da obra de Augusto dos Anjos como a nós, que quase cem anos depois nos debruçamos sobre os textos que escreveu e nos sentimos como Miguel Torga tão bem expressou: “Embora de carne e osso, parecia-nos mitológico”.

O Trem de História precisa terminar por aqui. E com ele encerrar a série de artigos em comemoração ao centenário da morte do poeta paraibano. Mas se for do interesse do leitor conhecer um pouco mais sobre o Poeta da Morte e sobre o seu grande divulgador, fica a sugestão para uma visita ao Museu Espaço dos Anjos, ali na Rua Cotegipe, onde morou Augusto dos Anjos. Porque ali se pode compulsar o material disponível sobre Augusto dos Anjos e Júlio Ferreira Caboclo e conhecê-los ainda melhor. No próximo Jornal o Trem de História retornará aos trilhos da Imprensa em Leopoldina e espera continuar contando com a atenção de seus leitores. Até lá.

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membro da Academia Leopoldinense de Letras e Artes

Publicado no jornal Leopoldinense de 1 de dezembro de 2014

Fanzine, Música e Exposição em homenagem a Augusto dos Anjos

Programa do dia 31 de outubro de 2014
Programa do dia 31 de outubro de 2014

31 de outubro de 2014: mais homenagens ao poeta Augusto dos Anjos no centenário de seu falecimento.