O Arraial Novo e a Estação

Consultando os livros do Cartório de Notas de Conceição da Boa Vista relativos ao período 1869 a 1885, constatamos que a partir de 1877 começam as referências ao “Arrayal Novo que se está fundando neste Distrito”. Procurando as origens deste povoado, fizemos algumas buscas em documentos relativos à Estrada de Ferro Leopoldina, que seria a origem da atual cidade de Recreio.

A autorização para construir a estrada de ferro ligando Porto Novo do Cunha a Leopoldina veio com a Lei Mineira nº 1826, de 10 de outubro de 1871. Três anos depois, em outubro de 1874, foram inauguradas as estações de Porto Novo e Volta Grandre. Mais um ano e meio e, em dezembro de 1874, inaugurava-se a estação de Providência, de onde partiriam os trilhos para atingir Conceição da Boa Vista. Em agosto de 1876 foi inaugurada a estação de Campo Limpo, atual Ribeiro Junqueira. Sendo assim, os trilhos teriam cruzado o território do atual município de Recreio entre 1874 e 1876 e não parece viável que a Estação do Recreio tenha começado a operar em julho de 1874, como informa o site da Prefeitura Municipal de Recreio.

Para avalizar nossa opinião, além dos registros de transmissão de propriedade consultamos os relatórios da presidência da Província de Minas Gerais. Assim é que soubemos que no ano de 1875 foram concluídos os 59 km que ligavam Porto Novo do Cunha a Santa Isabel, hoje Abaíba.
Pelo contrato de 3 de maio de 1875, ficou estabelecido, em seu artigo 1º, que

“do ponto onde estão concluidos os trabalhos de construcção irá até ao Boqueirão dos Bagres, e d’hai, bifurcando-se, se estenderá, por um lado, até a Cidade da Leopoldina, e por outro até a Villa Cataguazes, antigo arraial de Santa Rita do Meia Pataca”.

Entendemos, portanto, que os trilhos foram assentados na região de Recreio entre maio de 1875 e agosto de 1876.

 

O nome da Estação do Recreio

É também de fonte oral a informação de que Inácio Ferreira Brito não gostava que dissessem que ele era proprietário da Fazenda das Laranjeiras, sempre alegando que esta era propriedade de seu irmão Francisco. Contam que, na tentativa de fixar o nome de sua propriedade – a Fazenda do Recreio, Inácio pediu que a Estação do ramal ferroviário recebesse o nome de Estação do Recreio.Pelo que pudemos apurar nos livros do Cartório de Notas de Conceição da Boa Vista, as duas propriedades – Laranjeiras e Recreio, eram vizinhas. Mas todas as referências à ferrovia, constantes nos livros do cartório, indicam que “deviza com terras da Fazenda das Larangeiras, de propriedade de Ignacio Ferreira Brito e sua mulher, Mariana Ozória de Almeida”

O surgimento do Arraial Novo, Recreio, Minas Gerais

É conhecida a versão sobre a criação do Arraial do Recreio a partir da negativa dos proprietários da Fazenda de São Mateus, impedindo que os trilhos do ramal ferroviário chegassem a Conceição da Boa Vista, o antigo Curato que foi elevadoa Distritode Paz pela Lei533 de 10 de Outubro de 1851. Para solucionar o impasse, os irmãos Inácio e Francisco Ferreira Brito, proprietários da Fazenda das Laranjeiras, ofereceram suas terras para a passagem da ferrovia.

Recreio: uma cidade que nasceu por causa da ferrovia

Várias vezes foi abordado, na história de Recreio, o fato de que a origem do município está na passagem da Estrada de Ferro Leopoldina por esta localidade. Na troca de impressões com antigos moradores, sempre pareceu claro que isto não era novidade. Entretanto, durante a publicação da história do município, chegaram comentários de leitores que desconheciam este aspecto. É o caso de um visitante do blog que enviou o seguinte comentário: “eles deviam ter construído a estrada fora da cidade para não atrapalhar a vida da gente”.
Convidamos o leitor, que não se identificou, para uma leitura esclarecedora. Trata-se de artigo publicado na Revista de História Comparada do Programa de Pós Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, volume 1, número 1, publicado em junho de 2007. Sob o título Estradas Reais e Estradas de Ferro: Cotidiano e Imaginário nos Caminhos de Minas, Helena Guimarães Campos “articula diversos aspectos ligados ao traçado, à construção, à economia, ao trabalho, à vida e ao imaginário dos caminhos coloniais e ferroviários de Minas Gerais”.
Por oportuno, destacamos um trecho do artigo sobre a transformação da percepção do tempo e as mudanças políticas decorrentes.

“Essa transformação que a ferrovia operou sobre a percepção do tempo ficou nítida na rigidez do horário de trens que muito ordenou o cotidiano da população. Antes das estradas de ferro era a luz solar o grande relógio a disciplinar o dia-a-dia das pessoas que organizavam suas atividades de acordo com a hora em que o sol raiava ou baixava, a hora do sol quente, etc. Na era das ferrovias, o tempo fragmentou-se de acordo com a passagem dos trens: eram o “trem das seis”, o “noturno”, o “expresso”, o “cargueiro de tal lugar”… que regiam os fazeres diários.Todavia, esse horário draconiano que embaçava a atmosfera com a poluição das numerosas locomotivas, era responsável por um “arzinho” de democracia. Se antes o todo-poderoso local afirmava sua autoridade fazendo-se esperar em todos os eventos, pois nada tinha início sem a sua presença, a ferrovia lhe impôs a observância do horário. Lá estava ele, de pé na estação, junto com toda a “sua gente”, aguardando a chegada ou a partida do trem que, cumprindo horário, não esperava por ninguém. Verificava-se, na verdade, a substituição da autoridade local pela figura do trem; afinal, era pelo trem, no horário ou atrasado, que todos aguardavam.”

Café, Ferrovia e Recreio

Artigo produzido por Cynthia Cristina de Mello Carvalho e Leonardo Ribeiro da Silva, com uma breve narrativa sobre o começo da cidade de Recreio, Minas Gerais, mencionando os nativos existentes na Zona da Mata mineira, a colonização e a expansão cafeeira  no século XIX.

Aspectos da História de Leopoldina

Muitos de nós tivemos as primeiras noções de história através de uma visão idealista. Até bem pouco tempo ensinava-se a história de um determinado lugar baseando-se na trajetória de seus heróis. No antigo sistema de ensino nós, simples ouvintes, assistíamos as aulas como se tudo aquilo fosse um fantástico romance, totalmente distante da nossa própria realidade. Não nos sentíamos como parte do processo. Éramos, simplesmente, espectadores. E espectador não pode interferir no roteiro! Assim nos formamos, ou melhor, perdemos a oportunidade de formar nossa consciência histórica. Achávamos que tudo tinha sido realizado por um semideus e que nós, simples mortais, estávamos aqui só para assistir de camarote ao filme sobre os heróis ou obedecer cegamente ao que autoridades decidiam.

Hoje, quando temos oportunidade de analisar o contexto em que os fatos se deram, deixamos de ver em todo lugar um herói ou semideus. Ao se humanizarem, os heróis passam realmente a nos ensinar alguma coisa. No mínimo nos dão a certeza de que todos nós podemos fazer alguma coisa para mudar o curso da história.

Em comunidades onde não há consciência crítica, o morador não se sente capaz de atuar positivamente. Acho que aqui em Leopoldina isto não acontece. Vocês todos sabem que são cidadãos aptos a mudar o rumo da história. Vocês vivem na certeza de que são os responsáveis por tudo o que acontece na cidade.

A história de vocês foi sempre assim: uma cidade formada por cidadãos conscientes, atuantes, que sabem o que querem e o que podem fazer.

Voltemos ao início de tudo!

Após o período áureo da mineração, a população do centro de Minas passou a buscar alternativas. E o governo da província, preocupado com o contrabando do ouro já muito escasso, tratou de criar mecanismos que evitassem a fuga de divisas. Uma das atitudes foi abrir ao povoamento a nossa região, antes tida como “áreas proibidas”. Até o finalzinho dos setecentos não era permitido ocupar nossas terras.

Até que uma diligência que passou aqui pela mata deixou claro que era muito fácil invadi-la. Depois de inúmeras discussões no alto escalão, o governador da província decidiu liberá-las ao povoamento, considerando que os habitantes serviriam de guardiões das terras e, portanto, uma barreira eficaz contra invasores desqualificados. Mas não era muito fácil convencer os chamados “homens bons”, ou seja, chefes de família com bom respaldo financeiro, a deixarem uma situação estabelecida e se aventurarem a formar fazendas em terras distantes. Para contornar o empecilho, criou-se um atrativo: quem se estabelecesse nas divisas da província ficaria isento de impostos por dez anos.

Precisamos deixar claro que, naquela época, tudo acontecia de forma bem mais lenta. Assim é que os 10 anos de isenção tributária foram necessariamente prorrogados até pouco depois da Independência do Brasil.

Necessário ainda ressaltar uma profissão muito lucrativa da época da mineração: os tropeiros. Laura de Melo e Souza, em seu livro Opulência e Miséria em Minas Gerais, lembra que a riqueza estava, de fato, nas mãos dos comerciantes. Com a extração de ouro não se enriqueceu tanto como quiseram fazer crer os antigos livros de história. Comerciantes e tropeiros sim, estes conseguiram amealhar fortunas. Não com a rapidez com que se imagina o enriquecimento de alguém que extraia uma enorme pepita do mais puro ouro. Não! Eles foram construindo um bom patrimônio aos poucos, rasgando as trilhas em busca dos fregueses de suas mercadorias, bens necessários à sobrevivência nos rincões mais longínquos.

Os tropeiros foram, então, os primeiros “homens bons” a conhecerem a nossa região. A lenda do Feijão Cru tem origem provável naqueles homens destemidos que enfrentavam tudo. E eles, os tropeiros, estiveram entre os primeiros a requisitarem Cartas de Sesmaria e se beneficiarem da isenção tributária. Alguns vieram de fato ocupar as terras recebidas. Muitos jamais pisaram o solo às margens do Feijão Cru.

Vejamos algumas imagens.

Aspectos da História de Leopoldina

Se estivéssemos estudando por algum daqueles livros antigos, na certa encontraríamos algum herói travestido de benfeitor dos índios e solucionador de todos os problemas. Provavelmente o herói seria um homem riquíssimo, cuja riqueza provinha da extração do ouro, e que por puro diletantismo resolveu gastá-la povoando as margens do Feijão Cru. E para continuar com as lendas que povoam nosso imaginário, o herói pegou uma índia a laço e com ela criou numerosa, bela e feliz família.

Talvez eu cause uma decepção em alguém. Sinto muito. Até hoje eu não encontrei nem vestígio de um herói desse tipo em nossas terras. O que eu pude apurar é que um número significativo de pessoas veio povoar a região por terem conseguido terras que já faltavam no centro de Minas.

A história que eu conheço é a seguinte:

Aspectos da História de Leopoldina

Em 1784 e 1786 foram realizadas duas diligências, comandadas pelo sargento-mor Pedro Afonso Galvão de São Martinho. Entre seus auxiliares diretos encontravam-se o coronel Manoel Rodrigues da Costa e o Alferes Joaquim José da Silva Xavier.

Provavelmente os nomes soaram familiares, não é? Claro, muitos leopoldinenses pertencem às famílias deles.

Este percurso, desenhado a partir de cartas remetidas pelo coronel Rodrigues da Costa ao governador da província, aproxima-se dos locais das primeiras sesmarias concedidas nas até então “áreas proibidas”. Lembremo-nos que, entre outras determinações, ficou estabelecido que apenas 40 “homens bons” poderiam estabelecer-se nas novas terras, com um número de escravos total limitado a 200. Mas as cartas de sesmaria não foram concedidas imediatamente e nem tudo o que foi decidido na época das diligências foi integralmente cumprido.

Para o nosso caso, importa destacar:

1813 – 4 sesmarias concedidas no território hoje pertencente a Argirita. Beneficiários: dois sobrinhos de Tiradentes e suas respectivas esposas. Domingos Gonçalves de Carvalho, sua mulher Antônia Rodrigues Chaves, Felisberto da Silva Gonçalves e a mulher deste, Ana Bernarda da Silveira.

1817 – 2 sesmarias concedidas a Fernando Afonso Correia de Lacerda e Jerônimo Pinheiro de Lacerda, citando o Feijão Cru como localização.

1818 – 2 sesmarias vizinhas ao Feijão Cru concedidas aos Coelho e diversas para a família Monteiro de Barros. Antônio Francisco Teixeira Coelho era o sogro de Bernardo José Gonçalves Montes.

1831 – Primeira contagem de habitantes do Feijão Cru.

Os beneficiados com sesmarias deveriam cumprir algumas exigências. Vejamos algumas delas.

a) Dom Manoel de Portugal e Castro, do Conselho de Sua Majestade e do da Sua Real Fazenda, Governador e Capitão Geral da Capitania de Minas Gerais.

Faço saber aos que esta minha Carta de Sesmaria virem que, atendendo ao a mim apresentado por sua petição Jerônimo Pinheiro de Lacerda, que em um córrego chamado Feijão Cru que deságua no rio da Pomba no Distrito de Santo Antonio do Porto do Ubá, Termo de Barbacena,

b) e não sendo esta em parte ou todo dela, em árias proibidas, e dentro das confrontações acima mencionadas, fazendo pião onde pertencer; com declaração porém que será obrigado dentro em um ano, que se contará da data desta, a demarcá-la judicialmente, sendo para esse efeito notificados os vizinhos com quem partir, para alegarem o que for a bem de sua justiça; e ele deverá também a povoar, e cultivar a dita meia légua de terra ou parte dela dentro em dois anos, a que não compreenderá a situação, e logradouros de algum…

Pelo menos no que se refere aos prazos, temos certeza de que não foram cumpridos. Os dois irmãos Lacerda, Jerônimo e Fernando, somente mandaram seus sobrinhos para cá uns 10 anos depois. Ainda assim, para uma atividade que não era admitida oficialmente: a venda das terras recebidas gratuitamente.

Da mesma forma o patriarca Monteiro de Barros, que segundo alguns autores recebeu 14 sesmarias, não as ocupou senão mais de 15 anos depois.

O que podemos afirmar é que a partir de 1831 os moradores do Feijão Cru já começam a ser registrados, mas ainda vinculados ao Curato de São José do Paraíba.

Nosso primeiro mapa populacional é de 1835.

População do Feijão Cru em 1838 (gráfico da população: 467 brancos, 225 forros, 602 escravos)

O que eu pude apurar é que um número significativo de pessoas veio povoar as margens do Feijão Cru por terem conseguido terras que já faltavam no centro de Minas. Alguns por terem sido beneficiados com sesmarias, muitos por terem-nas adquirido dos primeiros beneficiários, o certo é que em 1835 foram encontradas 135 moradias no território que constituía o então Curato de São Sebastião do Feijão Cru, sendo 84 delas chefiadas por “homens bons”. Nas demais 51 moradias, chefiadas por pretos livres, em 10 foram encontrados escravos. A média de escravos por habitante não chegava a 1,5%.

Num estudo ainda não concluído, observei que mais da metade das famílias era constituída de parentes até segundo grau. Eram agricultores ou tropeiros. O desenrolar da história daquelas famílias demonstra que viviam em estreito relacionamento.

Observar que a área do Curato era muito mais ampla do que o território que veio a constituir Leopoldina. Mas a nossa história foi construída pelos moradores da parte sul.

Em pouco menos de 20 anos, numa época em que as comunicações eram precárias, a população tinha já se organizado a tal ponto que foi possível requerer a emancipação do distrito. Eram, então, cerca de 4.000 moradores, a maioria vivendo em suas propriedades rurais. Quando da emancipação, várias foram as exigências para a instalação da Vila Leopoldina.

Em nossa região encontramos alguns casos em que os habitantes precisaram de mais de 3 anos para se adequarem à nova situação.

No nosso caso foi diferente.

Em apenas nove meses foram adaptadas locações para os serviços que passaram a existir.

Pergunta: houve um herói que cuidou de tudo rapidamente, que doou seu sangue e recursos para transformar o Feijão Cru em Leopoldina?

Mais uma vez eu acho que vou decepcionar algumas pessoas. Mais uma vez eu digo: sinto muito! O que eu pude apurar é que lideranças políticas surgiram naturalmente. Que personagens diversos aparecem como doadores. Que diferentes pessoas atuaram na organização da sede municipal.

Claro que alguns habitantes daquela época tinham influência política também fora dos limites da cidade, ou não seria possível uma emancipação tão rápida. Mas o que eu quero dizer é que tais lideranças nada teriam conseguido sem a intensa participação dos demais habitantes. Nenhum herói consegue convencer um proprietário a doar parte de suas terras para a municipalidade, se este morador não estiver comungando dos mesmos ideais. Volto a dizer: não houve um personagem que determinasse o que seria feito. Antes, houve um acordo entre as lideranças locais, todos trabalhando pelo crescimento do lugar que escolheram para viver.

Para corroborar essa opinião, sugiro aos interessados que observem os antigos registros de imóveis da cidade. Até o final dos oitocentos não havia propriedade particular, como hoje a entendemos, na área urbana. Todos os terrenos eram da municipalidade, cedidos para quem neles quisesse edificar, seguindo especificações votadas pela Câmara Municipal. E quem doou os terrenos para a municipalidade? Um herói, um benfeitor magnânimo? Não, meus caros. Vários foram os doadores.

Por essa época o café ainda não representava o grosso de nossa economia.

Daí em diante é que surgiram as grandes plantações.

Ao lado da ampliação das fazendas de café, a sanha desenvolvimentista presente em nossos pioneiros fê-los enxergar alternativas que beneficiaram ainda mais a nossa cidade.

Um aspecto importante é a educação. Naquela época, tinha-se no Brasil algo semelhante ao ocorrido na Roma Antiga. Ou seja: as famílias de posses contratavam preceptores que preparavam seus filhos para depois seguirem cursos em escolas das cidades maiores. Em Roma demoraram dois séculos para concluírem que era mais barato fazer doações para criação de escolas locais. Em Leopoldina as famílias se organizaram rapidamente.

O processo de contratação de professores obedecia a um roteiro básico[1]. As comunidades encaminhavam correspondência ao Inspetor Geral de Instrução Pública, indicando um nome para o qual passavam uma espécie de “atestado de bons antecedentes” e detalhando as condições geraisem dentro dos parâmetros exigidos pela inspetoria, o candidato era chamado para a realização de exames de habilitação. Se aprovado, era nomeado. Se não atendesse aos requisitos necessários, a própria Inspetoriacuidava de nomear alguém habilitado.

Já no ano da instalação, a articulação política conseguiu or primeiros professores.

Em algumas cidades vizinhas o processo demorou um pouco mais pela ausência de organização dos moradores, com vistas a criarem condições de funcionamento das “aulas”. Aqui foi diferente. Não só criaram as condições como não permitiram uma outra ocorrência comum em alguns lugares: longos períodos sem professores.

Quando a municipalidade não providenciava um local para o funcionamento das aulas, os professores públicos recebiam, junto ao salário, um abono para o aluguel da sala onde trabalhavam. Em literatura encontramos referências de utilização do abono para o aluguel da casa onde o professor residia. E normalmente o professor destacava um cômodo da casa para trabalhar, nomeando a sala de aula em homenagem ao santo de sua devoção.

Assim é que encontramos diversas referências a colégios com nomes de santos e, num primeiro momento, podemos imaginar tratar-se de escolas  particulares. Uma pesquisa mais apurada demonstra que eram salas de aula dirigidas por professores públicos.

Este é um outro quadro interessante.

Demonstra a preocupação dos habitantes em garantir a continuidade dos estudos na própria cidade. Considerando as exigências legais para a criação das “aulas superiores”, incluindo-se o número mínimo de alunos, observa-se que os leopoldinenses de então trabalhavam com afinco para o progresso local.

A escola pública não é, como erroneamente pensam alguns, uma DOAÇÃO do Estado ao povo. Não! Ela é uma conquista de um povo que se organiza e luta por seus direitos. Nós podemos nos orgulhar de nossos antepassados também nesse aspecto: eles lutaram pela melhoria das condições de vida locais em todos os aspectos. Nós não podemos dizer que “eles fizeram” ou “eles aconteceram”, como se fossem pessoas distintas de nós. Não, foram as nossas famílias que garantiram a continuidade das escolas naqueles longínquos oitocentos. Não fosse assim e as “aulas” teriam sido abolidas como aconteceu em outros locais.

Ressalte-se que, ao lado das escolas providas pelo governo provincial, também o município fez funcionar escolas, pagando professores para os distritos.

No governo de João Pinheiro da Silva foi implantada uma Reforma do Ensino Primário através do Decreto nr. 1960 de 16.12.1906. Significou, entre outras coisas, a reunião das salas de “aulas públicas” em Grupos Escolares. Segundo jornais da época, funcionavam em Leopoldina, na rua Sete de Setembro, duas salas de aula a cargo dos professores Bento Castanheira e sua esposa Maria  Brígida. Ali teria nascido o atual Grupo Escolar Ribeiro Junqueira, ou seja, a reunião das “aulas públicas” existentes na sede municipal.

E quando o poder público não atendeu à demanda, os leopoldinenses souberam criar alternativas.

1881 – Liceu Leopoldinense – Profissionais liberais residentes em Leopoldina organizaram uma escola particular que, embora não apareça entre as escolas reconhecidas pelo governo provincial, funcionou na década de 80 dos oitocentos[2].

1883 – Temos notícia de uma escola particular em Piacatuba, dirigida por Souza Machado e Symphronio Cardoso, cujos detalhes ainda não conseguimos apurar[3].

1893 – Arcádia Leopoldinense – 86 leopoldinenses criaram uma sociedade por cotas com o objetivo de prover a educação da mocidade.

1906 – Gymnasio Leopoldinense – Tem sua história bastante conhecida.

1909 – A Nova Escola – Provavelmente o embrião do Seminário, fundada pelos padres Júlio Fiorentini e Felix Poinsot.

1918 – Colégio Imaculada Conceição.

Um povo organizado como o leopoldinense, soube muito bem aproveitar outras oportunidades que surgiram.

A história da Estrada de Ferro (1871-1877), a chegada dos imigrantes para a lavoura (1882), a substituição do trabalho escravo bem antes da abolição (1884), o serviço de telefonia já em 1886, a fundação da Sociedade Portuguesa de Beneficência (1889) e o funcionamento da Hospedaria de Imigrantes (1894-1899), são exemplos da atuação brilhante de nossos antepassados em prol do desenvolvimento.

Há mais um século de história pela frente. No entanto, eu fico por aqui.

Tenho certeza de que todos vocês, leopoldinenses de nascimento ou por adoção, continuam trabalhando para que a cidade aproveite todas as oportunidades possíveis. Garanto que vocês todos trabalham em prol da comunidade. Vocês sabem que cada um é importante, que todos precisam participar. Vocês estão fazendo história!


* Apresentação promovida pela FELIZCIDADE, Organização Social Civil de Interesse Público sediada em Leopoldina, MG, tendo sido realizada no auditório do CEFET campus Leopoldina no dia 10 de dezembro de 2003.

[1] GOUVÊA, Maria Cristina Soares de. Processo de profissionalização docente na Província Mineira no período imperial. Belo Horizonte: UFMG, s.d. mono

[2] Américo Lobo Leite Pereira, Eduardo Magalhães, José de Souza Soares Filho, Martiniano Lintz e Teófilo Ribeiro aparecem entre os professores de 1881.

[3] Almanaque Laemmert, 1883, página 153 da seção Provincial.

O papel do Imigrante

A presença do imigrante europeu em Leopoldina pode ser detectada desde os seus primórdios. Entretanto, as esparsas referências não nos permitem seguir rigidamente os passos deste elemento povoador.

Observamos que formavam núcleos isolados por origem e mantinham o relacionamento mínimo indispensável com a “gente da terra”.

É a partir da metade do século dezenove que os “estrangeiros” passam a ser notados com mais vigor. Observe-se entretanto que o imigrante português nem sempre é tido como estrangeiro.

Como eles chegaram?

Estabeleçamos três períodos para definir-lhes a história: 1829-1859; 1860-1888; 1889 até os primeiros anos do século vinte.

Os pioneiros, encontrados na cidade antes de 1859, eram essencialmente comerciantes. Não encontramos referências a agricultores entre eles. Quase sempre identificados como “turcos”, a sala de suas casas era a loja e as demais dependências destinavam-se à moradia. Entre eles estão os primeiros mascates do lugar, homens que visitavam as fazendas levando os produtos para serem vendidos. Eventualmente aparece o elemento português como mascate ou comerciante, mas sua atividade é quase sempre voltada ao comércio de gêneros alimentícios. Provavelmente estes primeiros imigrantes chegaram a Leopoldina buscando produtos a serem “exportados” para São Fidélis.

O segundo período, entre 1860 e 1888, pode ser contado a partir da abertura da estrada destinada a escoar a produção agrícola da região de Barbacena e Juiz de Fora. Para construí-la, foi fundada a Companhia União e Indústria, que contratou engenheiros, técnicos e operários especializados na Alemanha em 1856. Numa segunda etapa, em 1858, foram contratados colonos para desenvolverem a agricultura na Colônia Dom Pedro II, em Juiz de Fora. Necessário também nos referirmos aos trabalhadores arregimentados entre aqueles colonos de 1845/1847 que já não encontravam ocupação nas obras públicas de Petrópolis.

No contrato com o primeiro grupo em 1856, aqui classificado como de artífices, a Companhia União e Indústria se comprometia a pagar as despesas da viagem para o Brasil, empregá-los durante dois anos com salário de 2.000 réis mensais e fornecer alojamento e alimentação durante a vigência do contrato. Esses contratados puderam assim formar uma boa reserva pecuniária. Ao término dos dois anos, estabeleciam-se por conta própria com base na poupança amealhada. Deste grupo saíram os primeiros industriais da Zona da Mata.

Já os colonos contratados depois, obtinham vantagens menores. O transporte do Rio até a Colônia Dom Pedro II era gratuito, mas as despesas de viagem da Alemanha ao Brasil eram financiadas pela Cia em 4 anos. O salário mensal caía para 1.500 réis, a moradia era garantida por um ano apenas e alimentos e demais produtos necessários eram adquiridos pelo próprio colono.

A partir de 1860 a Cia iniciou a venda das glebas aos colonos, com financiamento de quatro anos. A partir daí muitos deles tornaram-se mão de obra assalariada para os fazendeiros da região, já como reflexo da Lei do Ventre Livre em 1871.

O declínio da Compahia União Indústria ocorreu no período de implantação da Estrada de Ferro Dom Pedro II, cujo traçado era, em linhas gerais, o mesmo da rodovia. Muitos colonos alemães, bem como imigrantes de outras nacionalidades, passaram a trabalhar na ferrovia.

Por esta época, 1871, a Companhia Estrada de Ferro Leopoldina obteve concessão para a construção de uma linha de bitola de um metro, ligando Porto Novo do Cunha a Leopoldina. Substituida pela Leopoldina Railway Company Limited, esta companhia foi a principal responsável pela chegada da maioria dos imigrantes. Necessário esclarecer que quase todos estavam no Brasil há mais de dez anos, seja trabalhando na União Indústria ou na Estrada de Ferro Dom Pedro II.

O fluxo de imigrantes para Leopoldina, por conta da Leopoldina Railway Co. Ltd., estende-se por alguns anos. O assentamento desta Companhia ficava próximo a Vista Alegre, às margens do riacho Jacareacanga. Há menção a uma Hospedaria de Imigrantes no local, mas ainda não conseguimos localizar-lhe os documentos.

O terceiro período inicia-se com a Lei Áurea e representa percentualmente o maior volume de estrangeiros chegados à região. Enquanto até aqui os imigrantes eram profissionais das mais diversas categorias, a partir de então a região passa a receber quase que exclusivamente agricultores, basicamente espanhóis e italianos. Historiadores dos mais categorizados já disseram que, fustigados pela fome que assolava sua região de origem, estes imigrantes submeteram-se a condições de trabalho quase iguais às dos escravos que os precederam na lavoura. Diferentemente dos grupos anteriores, entre estes últimos o índice de analfabetismo era bastante elevado, o que contribuiu para torná-los ainda mais frágeis diante dos fazendeiros acostumados a lidar com cativos.

Os primeiros que conseguiram livrar-se dos absurdos contratos com os fazendeiros, estabeleceram-se no trecho que ligava a sede do município a Tebas. No bairro da Onça e na vizinha Fazenda da Constança, famílias de alemães e espanhóis haviam fixado residência e receberam os novos imigrantes sem dificuldades e, principalmente, sem o preconceito que os impedia de participarem ativamente da vida econômica da cidade. Nesta região, a Câmara Municipal havia estabelecido as bases de uma colônia de imigrantes.

Visita do Imperador

Trecho do Diário de Dom Pedro II relativo à rápida visita feita a Leopoldina.

30 de abril de 1881 (Sábado) – 5 e meia já tomei banho de queda d’água -muito agradável. Arranjei papéis. Saio às 5 e três quartos. Partida pouco depois das 6h no trem que chega daí a pouco a Ubá. Cidade menor que o arraial do Inficionado. Igreja vasta. Casa da Câmara e cadeia grande, mas está só com o livro de entradas mal escriturado; padrões métricos para um lado e no chão do quarto das testemunhas. Mandei tirar a galhardeira a 2 presos.

Colégio de meninas. Não me pareceu mau. Aula pública de meninas. Péssima casa. A professora, mulher do agente do correio, apronta sala em casa própria porque tem internos que lhe pagam. Ela recebe os vencimentos de 80$000 mensais e nada para casa.

O irmão do Lynch disse-me que o engenho do irmão, que trabalha no presídio, é provisório. Foi aquele Lynch que estudou a passagem da serra de S.Geraldo, onde disse-me que são precisos 2 túneis pequenos, sendo a despesa total dessa passagem de 2 a 3.000 contos. Falei ao antigo deputado João Carlos Moreira, presidente da Câmara Municipal e ao deputado Carlos Peixoto.

A Imperatriz descansou depois da oração na igreja, em casa do médico Esteves Brás. De trole à estação de onde parti às 8h. Parou-se minutos na estação do Diamante, por causa do Daniel que cultiva perto daí e prepara o conhecido fumo em rolo. Falei-lhe assim como ao sogro do filho dele, Antônio Gomes Pereira que ofereceu excelente café.

Na estação de Vista Alegre (10h 35′) tomou-se o ramal da Leopoldina. Aí cheguei às 11 e meia à casa de um amigo de Gervásio Monteiro de Barros, sobrinho neto do Congonhas. [esclarecimento: O Barão e Visconde de Congonhas do Campo foi Lucas Antônio Monteiro de Barros, falecido em 1851]

Almoço que interrompi às 12.

Câmara e Cadeia – idem (sic). A casa não é má. Aula primária de meninos que não me desagradou. A sala é muito pequena. Colégio de meninas que não me pareceu mau, tendo a mestra fisionomia inteligente. Aula primeira de meninos do grau superior. Sofrível. A aula primeira de meninas não tem agora professora. O cura não explica doutrina aos meninos na igreja, como quase nenhum faz.

Oração na igreja de onde se goza de boa vista; subida íngreme; fomos de trole e de lá por boa ladeira para a estação.

Partida à 1h e três quartos. Chegada às 2h 10′ a Vista Alegre. O estacionário é casado com uma filha do Gadele. Vi belos retratos do Freese aos 30 anos e da mãe dele que era uma linda italiana. Seguimos cerca das 2h e um quarto .

4h 40′ chegamos ao Pântano. Pequeno povoado. Café etc entre as senhoras do Pântano.

5 h – S. José de Além Paraíba – A igreja está ficando bonita.

11h 40′. Chegada com chuva à estação da Quinta. [esclarecimento: trata-se da Quinta da Boa Vista – Rio]. O Buarque entrou no trem na estação de Porto Novo do Cunha.