Categoria: Capítulos da História de Recreio
Recreio, MG: Boqueirão dos Bagres
Visitantes deste blog comentaram o post de 20 de dezembro, sob o título O Arraial Novo e a Estação. Todos apoiam-se em literatura onde o nome aparece como Boqueirão dos Bugres e não dos Bagres o ponto onde a ferrovia seria bifurcada.Dois hotéis no Arraial Novo
Em abril de 1885, a Estação do Recreio era o centro do Arraial Novo, mais tarde referido como Arraial do Recreio. Em seu entorno existiam algumas construções sendo a maior delas o Hotel do Recreio, de propriedade de Ignacio Ferreira Britto e sua mulher Mariana Ozória de Almeida.Segundo o já citado livro do Cartório de Notas de Conceição da Boa Vista, relativo ao período 1884-1885, folhas 124 a 127, duas das outras construções do local eram ocupadas por Julio Moraes Tavares, a quem foi outorgado o aforamento no dia 7 de abril de 1885. Uma delas era “uma casa assoalhada coberta de telhas, com […] cinco portas e cinco janellas na circunferencia, e um jardim ao lado […] em que o outorgado tem negocio, hotel e bilhar”. Portanto, além do Hotel do Recreio o Arraial contava com um outro ponto de hospedagem, construído em terrenos da Fazenda das Laranjeiras.
O terreno ocupado por Julio Moraes Tavares limitava-se, pela frente, com “uma pequena rua em que estão algumas casinhas juntas aos trilhos e em frente a Estação da Estrada de Ferro da Leopoldina, e no fundo com os trilhos da Estrada de Ferro do Alto Muriahé”.
O registro informa ainda que o terreno “já occupado como já se disse pelo outorgado, tem vinte e um metros e oitenta centimetros quadrados de frente, e treze metros e quarenta centimentos quadrados de fundo; e da mesma Fasenda desmembrão mais um pequeno terreno em frente ao que já está descripto, e mais proximo a Estação, com quarenta e seis metros quadrados, na qual se acha uma casinha coberta de telhas pertencente ao outorgado, com duas portas e duas janellas em sua circunferencia, a qual tem de frente treze metros e cincoenta centimetros, e de fundo quatro metros quadrados”.
O aforamento deste e dos demais terrenos desmembrados da Fazenda das Laranjeiras obedeceu aos seguintesparâmetros:
a) dos quaes terrenos elles outorgantes fazem afforamento perpetuo, por si seus herdeiros e sucessores, pelo fôro annual de quatrocentos e oitenta reis, digo pelo fôro de trezentos e quarenta reis pelo metro quadrado
b) a penção em fôro annual de dois terrenos no qual se contem duzentos e noventa e cinco metros e sessenta centimetros quadrados, vem a sêr de cem mil quinhentos e quatro reis, cuja quantia será paga em prestações semestrais a razão de cincoenta mil duzentos e cincoenta e dois reis, a contar da data da presente escriptura em diante, e deixando o outorgado ou seus sucessores de pagar um anno vencido, pode ser demandado executivamente, a cuja prompta solução de fôro em forus desde já fica hyppothecado o dominio util dos mesmos terrenos e benfeitorias existentes, e as que ai crescerem
c) deixando elle afforeiro de pagar os forus por trez annos successivos perderá o dominio do dito terreno e suas bemfeitorias, que então existirem por comisso para elles senhoriais
d) elle foreiro não poderá alienar ou por qualquer maneira se desfazer da posse do terreno e suas bemfeitorias sem expressa licença do senhorio, affrontando as alienações para poder optar conforme lhe fôr conveniente debaixo da dita pena de comisso
e) por seu turno os senhorios dentro de dez dias da data em que lhe fôr dada a sciencia da alienação e do preço que a apagar o comissario, não usando seu direito de opção, perderá a preleção para o fim de se realizar a allienação com o terceiro com quem tiver contractado
f) pagará elle foreiro aos seus sucessores o laudemio de dez por cento regulado pelo preço da allienação, ficando o mesmo terreno e bemfeitorias hypottecados a este laudemio para o sinhorio o poder haver do vendedor ou comprador, ficando entendido que este laudemio e foro não poderá elle foreiro pedir em tempo algum reducção por qualquer caso fortuito, cogitado e não cogitado; e nem tão pouco elles sinhorios e seus successores lhe poderão augmentar o laudemio e fôro, qualquer que seja o augmento do valor intrincico do terreno afforado
g) o foreiro se obriga a cercar os terrenos que ora lhe são limitados, e prefixal-as por balisas provisorias, e não ultrapassal-as sob pena de serem desmanchadas quaesquer bemfeitorias a custa delle foreiro; como obrigão-se a respeitar a lavoura e terrenos delles senhorios, não concentindo que sejão imvadidas por seus animaes
Consta também do registro do aforamento a Julio Moraes Tavares que “pelo outorgado mais foi dito qu eparte de seu predio tendo sido construido com madeiras tiradas dos matos delles outorgantes; como indemnização dessas madeiras e do desfructe que tem tido até hoje dos terrenos afforados, offerece, e os outorgantes aceitão a quantia de seiscentos mil”.
Mudanças no traçado da Estrada de Ferro da Leopoldina
Pelo estudo realizado, observamos que os planos para a construção da Estrada de Ferro da Leopoldina foram modificados algumas vezes, com revisão do traçado inicialmente previsto. Os relatórios da presidência da Província deixam claro que o objetivo primordial da ferrovia era atender ao escoamento da produção agrícola, não se prendendo à localização das cidades. Como exemplo, citamos a seguinte fala: “o terreno é todo accidentado e improdutivo, oferecendo uma construcção para a estrada de grandes dificuldades e despezas”. Prosseguindo, a autoridade argumenta que a estrada deve favorecer diretamente as florescentes lavouras e que os poderes públicos não devem menosprezar as dificuldades e gastos exorbitantes, de modo a tornar “reaes os seos beneficios e reconhecidas vantagens, para que não esmoreça o espirito de iniciativa, que mal disperta na provincia”. Ou seja: ao apresentar projeto de alteração, que precisava de aprovação da Assembléia Legislativa, o orador chama a atenção para a necessidade de evitar onerar a empresa construtora.
Acreditamos que tais argumentos possam ser contestados pela vertente dos interesses políticos que cercaram a obra. De todo modo, percebe-se que a mudança de um percurso, como foi o caso entre Conceição da Boa Vista para o Arraial Novo, levou também em consideração as dificuldades do trajeto inicialmente previsto.
Esta argumentação se repete quando, em 1875, é analisada outra mudança que levaria os trilhos para Vista Alegre. Diz o relatório que a modificação, importando um afastamento de cerca de 6km da cidade da Leopoldina, em nada prejudica a zona que tinha de ser precorrida e procura o natural prolongamento da estrada. E diz mais: “cumpre attender que este facto traz lucros à lavoura, à empreza e aos cofres publicos, e não estamos ainda em circumstancias de fazer estradas de ferro que prefirão o commercio das cidades aos interesses da lavoura; porquanto esta é quase que a nossa unica fonte de rendas, e não temos e nem poderemos ter tão cedo cidades que por sua industria possão, não digo sustentar por si caminhos de ferro, mas obrigar estes a deixar em seo proveito, aliás incerto e fallivel, os productos conhecidos de uma agricultura já feita e que se augmentrá infallivelmente com as facilidades de transporte e de consumo”.
A estrada de ferro Alto-Muriaé
Outro fator a acelerar a urbanização do então Arraial Novo foi a estrada de Ferro Alto-Muriaé. Segundo o relatório da Presidência da Província de Minas Gerais, de 4 de maio de 1881 o presidente da Companhia Estrada de Ferro Alto Muriaé, Dr. Custódio José da Costa Cruz, informou que no dia 5 de janeiro daquele ano a Companhia foi instalada, com o fim de executar o contrato assinado com a Província em 11 de agosto de 1879. Trata-se do contrato para construção de uma linha férrea entre a Estação do Recreio e o povoado de São Francisco do Glória.
Observa-se que decorreram dois anos entre a assinatura do contrato de concessão e a organização da companhia construtora. A partir de então, e segundo o mesmo documento, entre janeiro e abril de 1881 foram “explorados e estudados 6 (seis) quilômetros da nova estrada, entre a Estação do Recreio e o Capivara”. Parece claro que construção da estrada só teria sido iniciada posteriormente, já que no relatório seguinte, de 12 de dezembro de 1881, o presidente da Província informa que aprovou os estudos sobre os primeiros 29 quilômetros da ferrovia Alto-Muriaé.
Confirmando tais informações, o relatório da Presidência da Província, de 1 de agosto de 1882, informa que naquele ano foram iniciados os trabalhos de construção dos 29 quilômetros da estrada, a partir da Estação do Recreio. Acrescente-se que somente em 1885, por ocasião da urbanização das terras da Fazenda Laranjeiras no Arraial Novo, surgem referências sobre esta ferrovia nos livros cartoriais de Conceição da Boa Vista.
O Arraial Novo e a Estação
Consultando os livros do Cartório de Notas de Conceição da Boa Vista relativos ao período 1869 a 1885, constatamos que a partir de 1877 começam as referências ao “Arrayal Novo que se está fundando neste Distrito”. Procurando as origens deste povoado, fizemos algumas buscas em documentos relativos à Estrada de Ferro Leopoldina, que seria a origem da atual cidade de Recreio.
A autorização para construir a estrada de ferro ligando Porto Novo do Cunha a Leopoldina veio com a Lei Mineira nº 1826, de 10 de outubro de 1871. Três anos depois, em outubro de 1874, foram inauguradas as estações de Porto Novo e Volta Grandre. Mais um ano e meio e, em dezembro de 1874, inaugurava-se a estação de Providência, de onde partiriam os trilhos para atingir Conceição da Boa Vista. Em agosto de 1876 foi inaugurada a estação de Campo Limpo, atual Ribeiro Junqueira. Sendo assim, os trilhos teriam cruzado o território do atual município de Recreio entre 1874 e 1876 e não parece viável que a Estação do Recreio tenha começado a operar em julho de 1874, como informa o site da Prefeitura Municipal de Recreio.
Para avalizar nossa opinião, além dos registros de transmissão de propriedade consultamos os relatórios da presidência da Província de Minas Gerais. Assim é que soubemos que no ano de 1875 foram concluídos os 59 km que ligavam Porto Novo do Cunha a Santa Isabel, hoje Abaíba.
Pelo contrato de 3 de maio de 1875, ficou estabelecido, em seu artigo 1º, que
“do ponto onde estão concluidos os trabalhos de construcção irá até ao Boqueirão dos Bagres, e d’hai, bifurcando-se, se estenderá, por um lado, até a Cidade da Leopoldina, e por outro até a Villa Cataguazes, antigo arraial de Santa Rita do Meia Pataca”.
Entendemos, portanto, que os trilhos foram assentados na região de Recreio entre maio de 1875 e agosto de 1876.
O nome da Estação do Recreio
É também de fonte oral a informação de que Inácio Ferreira Brito não gostava que dissessem que ele era proprietário da Fazenda das Laranjeiras, sempre alegando que esta era propriedade de seu irmão Francisco. Contam que, na tentativa de fixar o nome de sua propriedade – a Fazenda do Recreio, Inácio pediu que a Estação do ramal ferroviário recebesse o nome de Estação do Recreio.Pelo que pudemos apurar nos livros do Cartório de Notas de Conceição da Boa Vista, as duas propriedades – Laranjeiras e Recreio, eram vizinhas. Mas todas as referências à ferrovia, constantes nos livros do cartório, indicam que “deviza com terras da Fazenda das Larangeiras, de propriedade de Ignacio Ferreira Brito e sua mulher, Mariana Ozória de Almeida”
O surgimento do Arraial Novo, Recreio, Minas Gerais
É conhecida a versão sobre a criação do Arraial do Recreio a partir da negativa dos proprietários da Fazenda de São Mateus, impedindo que os trilhos do ramal ferroviário chegassem a Conceição da Boa Vista, o antigo Curato que foi elevadoa Distritode Paz pela Lei533 de 10 de Outubro de 1851. Para solucionar o impasse, os irmãos Inácio e Francisco Ferreira Brito, proprietários da Fazenda das Laranjeiras, ofereceram suas terras para a passagem da ferrovia.
Por que os primeiros prefeitos de Recreio foram indicados?
“O Prefeito será de livre nomeação do Governador do Estado”.




