Fazenda Boa Vista do Bagre

Na segunda metade do século XIX havia diversas propriedades em Leopoldina denominadas Boa Vista. Para distingui-las nos estudos sobre elas e seus proprietários, foram utilizados complementos ao nome retirados de informações citadas nas próprias fontes consultadas. Assim, o presente texto tem por objetivo apresentar aquela Fazenda Boa Vista que recebeu o complemento “do Bagre”, justificar o nome e abordar o que se sabe sobre o seu surgimento, seu formador e seus ocupantes.

No Registro de Terras de Leopoldina, em 1856, sob o número sete encontra-se “uma fazenda denominada Boa Vista, situada nas cabeceiras do Ribeirão do Bagre, contendo sessenta alqueires de terras de cultura que divisam com João Gonçalves Neto [1], do outro lado da serra com José Joaquim Cordeiro [2], com José Zeferino de Almeida [3], e Bernardo José Rodrigues Montes [4]  e pelo espigão abaixo com João Gualberto Ferreira Brito [5]”.

Imagem 1 -Recorte da Folha SF-23-X-D-V-2 da Carta do Brasil 1:50 000 produzida pela Diretoria de Geodésia e Cartografia em 1977

Na imagem nº 1, acima, estão em destaque três cursos d’água fundamentais para entender a localização da propriedade. O primeiro, que corre para o norte, é o Ribeirão do Bagre, em cujas cabeceiras foi formada a propriedade que tomou por empréstimo o nome do ribeirão como apelido. Regisre-se que tal ribeirão é atualmente denominado “Córrego do Moinho” e que as mais antigas referências ao Bagre vieram do Registro de Terras, pois que em suas margens surgiram, pelo menos, as fazendas Cachoeira do Bagre e Águas Vertentes, já abordadas em outros textos desta série.

O segundo é o Córrego do Feijão, nome que aparece em 1864 quando Domingos Ferreira Neto, filho de Maria Josefa e Manoel Ferreira Brito, comprou de José Rodrigues Carneiro Ferreira e Mariana Esméria de Sene a parte que coube a ela como legítima materna na Fazenda Fortaleza e deu à propriedade o nome do curso d’água.

E o Ribeirão São Lourenço, que recebe águas de vários afluentes, inclusive do Córrego do Feijão, é o terceiro curso d’água destacado na imagem por ser a principal referência para a Fazenda Sossego, formada por Bernardo José Gonçalves Montes e que deu origem ao Arraial dos Montes, localidade também referida como São Lourenço.

O Ribeirão São Lourenço é também referência para a propriedade registrada em 1856 por José Joaquim Cordeiro, estabelecido em um de seus afluentes a leste do Córrego do Feijão.

Outro pioneiro de Leopoldina, José Zeferino de Almeida, declarou em 1856 ter adquirido terras no Ribeirão São Lourenço mas não denominou sua propriedade. Sabe-se, no entanto, pelas vendas de terras efetuadas entre 1856 e 1861, que a propriedade de Zeferino estaria entre a dos Cordeiros e o Córrego do Feijão.

Os vizinhos 1 e 5, indicados no início pelo primeiro proprietário da Fazenda Boa Vista do Bagre, foram os formadores das fazendas Residência e Fortaleza, duas das grandes propriedades que remontam aos primeiros tempos do povoamento dos sertões do Feijão Cru.

Formação da Boa Vista do Bagre

No já mencionado número sete do Registro de Terras de Leopoldina, Joaquim Machado Neto declarou ter adquirido 60 alqueires de terras sem declarar de quem comprou. Considerando que ele era genro do pioneiro Joaquim Ferreira Brito e, portanto, cunhado e vizinho de João Gualberto Ferreira Brito, a primeira hipótese é de que as terras seriam originalmente da Fazenda Fortaleza. Entretanto, nada é assim tão simples e direto. Ocorre que o outro vizinho, João Gonçalves Neto, formador da Residência, é mencionado em diversas operações de compra e venda, não só como um dos intervenientes diretos como também por ser confrontante das terras negociadas.  

Além disso, segundo processos de divisão de propriedades vizinhas, Joaquim Machado Neto teria feito trocas e outras compras nos anos seguintes e, em 1874, por ocasião de seu inventário, a propriedade foi considerada como tendo 84 alqueires. Assim, embora a localização tenha sido estabelecida, permanece em aberto a origem das terras.

Em 1885 a Boa Vista do Bagre pertencia a cinco condôminos, sendo um filho e três filhas do pioneiro Joaquim Machado Neto e uma cota pertencente a terceiros. Os confrontantes eram, então, o proprietário da Fazenda Córrego do Feijão, um herdeiro da Fazenda Sossego, dois herdeiros da Fazenda Residência, um sucessor dos Cordeiros e Francisco Marciano Neto, filho de Joaquim Machado Neto, cuja esposa herdara uma sorte de terras vizinhas.

Boa Vista do Bagre e Cordeiros

Em 1885, quando herdeiros de Joaquim Machado Neto promoveram a divisão da Fazenda Boa Vista do Bagre, alguns descendentes já haviam deixado a fazenda e outros foram identificados como proprietários “nos Cordeiros”. O nome é uma referência ao casal José Joaquim Cordeiro e sua mulher Florinda Maria de Jesus que, nos primórdios da ocupação do então denominado “sertão do Feijão Cru”, ali formaram uma propriedade citada em algumas fontes com o nome de Fazenda Ribeirão de São Lourenço. Mas no mapeamento realizado por Silva Teodoro em 1847, a indicação é “Cordeiros”.

Com a morte de José Joaquim Cordeiro, a viúva Florinda vendeu 20 alqueires de terras para Antonio José Moreira em agosto de 1859. Em 1864, Moreira havia se estabelecido em Cantagalo-RJ e vendeu as terras para Silvano José da Cruz Nogueira. Proveniente de Valença-RJ, Silvano havia chegado a Leopoldina pouco tempo antes, tendo comprado 3 alqueires e quarta e meia de terras da Fazenda Sossego em 1863, da viúva e de um filho de Bernardo José Gonçalves Montes, formador da propriedade. Silvano faleceu em 1872 e em 1879 a viúva promoveu a divisão da propriedade oficialmente referida como Fazenda São Lourenço.

Até então aquelas terras eram citadas ora como Silvanos, ora como Cordeiros. No inventário de Silvano consta que eram “29 alqueires e quarta e meia de terras que foram do Cordeiro”, nome que permaneceu.  E em 1938 ficou registrado o vínculo entre as fazendas Boa Vista e Ribeirão São Lourenço, no processo de Divisão dos Imóveis Cordeiros e Boa Vista. Os dois imóveis somavam 29 alqueires e 960 milésimos, sendo 20,250 alqueires da Boa Vista e 9,710 alqueires do Cordeiros.

Entre os condôminos de 1938 estavam alguns descendentes de Joaquim Machado Neto. Muitos condôminos e confrontantes já haviam sido citados no Censo de Estabelecimentos Rurais de 1920 e continuavam como proprietários em 1940, quando foi promovida a divisão do imóvel Volta da Cobra, outro nome para a área onde outrora existira a fazenda Boa Vista do Bagre.

Descendentes de Joaquim Machado Neto

Desde os primeiros movimentos do Projeto Pioneiros de Leopoldina, que tem como principal objetivo estudar a ocupação do território do Feijão Cru através das propriedades ali estabelecidas, ficou clara a necessidade de identificar as famílias e seus descendentes. Porque conhecendo-os é possível rastrear-lhes a trajetória e as relações sociais que permeiam a vida econômica do povoado e mais tarde do município.

A seguir encontra-se o relatório de descendentes do formador da Fazenda Boa Vista do Bagre identificados, incluindo gerações mais recentes que foram adicionadas com a ajuda de colaboradores.

Ficam aqui registrados os agradecimentos a

  • Ana Lúcia Lima de Bem
  • Andreza Fereira Neto
  • Celina Rodriguez
  • Gildemberg Capaz
  • Isabela Rodrigues de Paula
  • Luciana Marinato
  • Pedro Ernesto Ferreira Dorigo

169 – Antônio Rodrigues Gomes

Logomarca Trem de História

Como foi dito na viagem anterior, Antônio Rodrigues Gomes se casou com Rita Esméria de Almeida, filha de Manoel Antônio de Almeida e Rita Esméria de Jesus. Com ela teve pelo menos 12 filhos, sendo 5 nascidos no Curato do Feijão Cru.

Aqui chegando em 1829, Antônio declarou[1] que adquiriu 200 alqueires de terras de Francisco Pinheiro Corrêa de Lacerda, encarregado de vender as duas sesmarias doadas aos irmãos Fernando e Jerônimo Corrêa de Lacerda, tios do vendedor.

Antônio denominou sua propriedade como Águas Vertentes e informou que se localizava no Córrego do Moinho, sendo seus vizinhos José Tomaz de Aquino Cabral (Fazenda Santa Cruz), Mariana Pereira Duarte (Fazenda Recreio), João Gualberto Ferreira Brito (Fazenda Fortaleza), Antônio Joaquim Teixeira e seu irmão Bento Rodrigues Gomes. Além destes vizinhos, ainda se tem o registro de Antônio Carlos da Silva Teles Faião informando que sua propriedade, que se estendia das vertentes até a barra do Ribeirão Recreio, fazia divisa com Antônio Rodrigues Gomes.

Segundo Barroso Junior[2], Antônio Rodrigues Gomes foi o escrivão da doação que Joaquim Ferreira Brito fez para constituir o Patrimônio de São Sebastião do Feijão Cru no dia 01 de junho de 1831.

Antônio faleceu[3] em Leopoldina aos 13 de fevereiro de 1866.

Os filhos

Antônio e Rita Esméria de Almeida tiveram os filhos:

1) Maria Constança de Jesus cc Antônio de Almeida Ramos, filho de Manoel Antônio de Almeida e Rita Esméria de Jesus. O casal viveu na Fazenda Boa Vista, em Tebas, propriedade desmembrada da fazenda Feijão Cru, dos pais do marido; 2) Manoel Rodrigues do Nascimento cc Ana Esméria de Jesus, com quem viveu no distrito de Cataguarino, Cataguases; 3) Francisco Rodrigues Gomes de Almeida cc Maria Umbelina da Anunciação, filha de Bernardo José Gonçalves Montes e Maria Antônia de Jesus. O casal viveu na Fazenda Sossego, de Bernardo José; 4) Luciana Francelina da Anunciação cc Vicente Rodrigues Ferreira, filho de Bento Rodrigues Gomes e Ângela Joaquina de Jesus.O casal é citado como vizinho e/ou condômino nas fazendas Recreio, de Mariana Pereira Duarte e depois João José Dutra; fazenda Santa Cruz, dos Aquino Cabral, sítios Aracaty e Porangaba dos Costa Cruz e Alves Ribeiro. Compraram parte da fazenda Boa Vista, na mesma região onde viviam os pais de ambos; 5) Mariana Esméria da Natividade cc José Joaquim Pereira Garcia e numa segunda união com Antônio Joaquim Teixeira Filho, filho de Antônio Joaquim Teixeira e Lina Rosa da Trindade. Com o segundo marido, viveu na fazenda do pai dele que era vizinha do pai dela; 6) Ignacio Rodrigues Gomes cc Delfina Ignacia de Moraes, filha de Antônio Luiz de Moraes e Rita de Cássia de Almeida. O casal era vizinho das fazendas Recreio e Santa Cruz, de João José Dutra, tendo vivido na fazenda São Manoel da Bocaina onde o pai de Delfina era condômino; 7) Joaquina Eucheria de Jesus cc Josué de Vargas Corrêa, filho de Francisco de Vargas Corrêa e Teresa Maria de Jesus. O casal tinha quinhão na fazenda Santa Cruz, de João José Dutra e doou terreno para o cemitério de Vista Alegre em 1899; 8) Messias Rodrigues Gomes cc Francisco Ferreira Neto, filho de Manoel Ferreira Brito e Maria Josefa da Silva. Foram proprietários da fazenda Laranjeiras, de Recreio, vizinhos das fazendas Santa Clara, Recreio, São Manoel da Bocaina e Boa Vista. Ele foi vereador, presidente do conselho distrital de Recreio e diretor-presidente do Banco de Leopoldina; 9) Venancia Esméria de Jesus cc Francisco de Vargas Corrêa [filho], filho de Francisco de Vargas Corrêa e Teresa Maria de Jesus. Foram vizinhos da fazenda Constança, arrematantes de parte da fazenda Independência e condôminos da fazenda Alto da Serra; 10) Ana Rodrigues Gomes cc José Amâncio de Menezes, filho de Antônio José de Menezes e Joaquina Margarida, casal que adquiriu terras da fazenda Província, em Itapiruçu, Palma; 11) João Rodrigues Gomes cc Messias Ferreira Damasceno, filha de João Damasceno Ferreira e Rita Joaquina de Jesus.O casal era confrontante da fazenda Monte Alegre, tendo vivido na propriedade do pai de Messias, na fazenda Santa Clara; e, 12) Rita Guilhermina de Jesus cc Josué de Vargas Corrêa, filho de Francisco de Vargas Corrêa e Teresa Maria de Jesus.Confrontante das fazendas Recreio e Santa Cruz, com quinhão nesta última.

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 421 no jornal Leopoldinense, junho de 2021

Fontes consultadas:


[1] Registro de Terras de Leopoldina. Arquivo Público Mineiro, Seção Colonial, TP 114, termo 37 
[2] BARROSO JÚNIOR. Leopoldina e seus primórdios. Rio Branco: Gráfica Império, 1943: notas da pag 61 
[3] Inventário de Antônio Rodrigues Gomes processo 38404808 COARPE / TJMG fls 4v img 6.

158 – Fazendas na área do atual distrito da Cidade

Nesta série de textos sobre os Pioneiros de Leopoldina, o Trem de História vem carregando seus vagões com o que conseguiu apurar sobre as mais antigas propriedades do município. Depois de abordar os antecedentes da ocupação do território, falar um pouco sobre as sesmarias, as unidades de medida e os instrumentos de demarcação das propriedades, foram trazidas informações sobre uma fazenda pouco conhecida, a Santana do Rio Pomba [S], em cujas terras foi construída a estação Vista Alegre da Estrada de Ferro Leopoldina, inaugurada em 1877. Estação que foi um marco importante na história de Leopoldina, já que o transporte ferroviário sustentou a economia e o desenvolvimento social do município por um longo período.

A partir de agora o espaço será preenchido por outras fazendas constituídas nos primeiros anos da ocupação da área do atual distrito da Cidade.

A análise das fontes documentais sobre as propriedades dos primeiros entrantes demonstrou que o pioneiro Joaquim Ferreira Brito se estabeleceu nas cachoeiras do Ribeirão do Feijão Cru [C]; Manoel Antônio de Almeida ficou com as terras margeadas pelo Feijão Cru Pequeno [FC]; João Gonçalves Neto [R] e João Gualberto Ferreira Brito [F] se tornaram vizinhos no terço inicial do Ribeirão Jacareacanga; Antônio Rodrigues Gomes [AV] ocupou terras banhadas pelo Córrego do Moinho e seu irmão Bento Rodrigues Gomes [CB] formou fazenda um pouco mais ao norte.

O esquema a seguir mostra a posição destas fazendas em relação aos cursos d’água mencionados.

Interessante observar as ligações de parentesco entre os seis pioneiros citados:

– Joaquim Ferreira Brito, formador da fazenda Cachoeira [C], era pai de João Gualberto Ferreira Brito [F] e sogro de Bento Rodrigues Gomes [CB]; e,

– Manoel Antônio de Almeida, fazenda Feijão Cru [FC], era sogro de João Gonçalves Neto [R], de João Gualberto [F] e de Antônio Rodrigues Gomes [AV].

Vale recordar que o estudo “200 anos do Registro Civil do Feijão Cru”[1], publicado em 2017, abordou as duas sesmarias doadas aos irmãos Fernando e Jerônimo Corrêa de Lacerda em 1817. Um sobrinho deles, Francisco Pinheiro Correia de Lacerda, teria sido encarregado de vendê-las, o que se confirma no Registro de Terras do Feijão Cru[2]. Tais vendas teriam ocorrido a partir de abril de 1829, data da compra declarada por Antônio Rodrigues Gomes[3] e mesmo ano apontado por Francisco de Paula Ferreira de Rezende como sendo o da chegada de Manoel Antônio de Almeida. Segundo o memorialista, o “comendador” Manoel Antônio de Almeida chegou por aqui[4] em setembro de 1829 “com a família e alguns parentes”.

Importante destacar que a soma da área das propriedades acima indicadas era bem maior do que as duas sesmarias, o que se justifica pelo fato de que os pioneiros compraram terras de vários ocupantes, nem todos sesmeiros, como ficará demonstrado nos próximos textos desta série.

Mas esta carga ficará para a próxima viagem do Trem de História. Até lá!

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA
Publicado na edição 411 no jornal Leopoldinense de 1 de outubro de 2020

Fontes consultadas:
[1] MACHADO, Luja e CANTONI, Nilza. 200 anos do Registro Civil do Feijão Cru. Monografia. Disponível em https://www.academia.edu/34989583/200_ANOS_DO_REGISTRO_CIVIL_DO_FEIJ%C3%83O_CRU out 2017
[2] Registro de Terras de Leopoldina (Arquivo Público Mineiro, Seção Colonial, TP 114)
[3] idem, nr 37.
[4] REZENDE, Francisco de Paula Ferreira de. Minhas Recordações. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1987. p. 392