127 – A identificação mais antiga.

Esta viagem do Trem de História, dedicada à Colônia Agrícola da Constança e à imigração em Leopoldina, traz a atualização de mais um capítulo da pesquisa publicada em 2010, quando se comemorou o Centenário da Colônia e o que se convencionou, com base nos estudos até ali desenvolvidos, ser os 130 anos da imigração italiana para Leopoldina.

Naquela época foi destacado que o primeiro jornal de Leopoldina, denominado O Leopoldinense, em 1881 noticiou a chegada de imigrantes espanhóis que Domiciano Ferreira Monteiro de Castro fizera embarcar da Corte para a Fazenda do Socorro, de propriedade do seu irmão Vicente Ferreira Monteiro de Barros.

O Relatório da Presidência da Província de 1882 registra a fala que Teófilo Otoni dirigiu à Assembleia Provincial de Minas Gerias, no dia 01 de agosto daquele ano, na qual abordou o tema Colonização. Os deputados foram informados de que, conforme previa o artigo 6º da Lei nº 2819, de outubro de 1881, a empresa John Pitty & Cia tinha sido contratada para introduzir 12.000 colonos nas lavouras da Província de Minas Gerais e que o processo havia sido iniciado no mesmo ano. Entre os contratantes citados no mencionado relatório, confirma-se a notícia do jornal O Leopoldinense. Aqueles espanhóis foram, no início da pesquisa, os registros mais remotos sobre a chegada de imigrantes em Leopoldina.

Não se conheciam os nomes nem qualquer informação adicional sobre os contratados. E mais tarde ficou evidente que os imigrantes espanhóis e portugueses dificilmente seriam identificados, dada a semelhança de nomes e sobrenomes e a falta de indicações nas fontes disponíveis para consulta.

Na medida em que avançava a leitura dos relatórios provinciais e de esparsos livros de notas dos cartórios do regime imperial, surgiram outras referências.

Embora houvesse um controle que praticamente impedia a entrada de estrangeiros no país, já no início do povoamento do Feijão Cru aparecem indícios da presença de ‘não portugueses’ aqui residentes. Em consulta às poucas fontes literárias existentes, surgiu um sobrenome que veio a ser identificado como sendo de Antoine Urbain Levasseur, que em 1838 respondeu ao censo populacional informando ser francês, solteiro, com 30 anos de idade. Além desta e até o final da década de 1870, eventuais referências a estrangeiros em Leopoldina são raras.

O panorama se modifica a partir das negociações empreendidas pelo governo provincial, com vistas a substituir a mão de obra escrava nas fazendas.

Com os primeiros incentivos, empresas foram constituídas com o fim precípuo de contratar imigrantes europeus. E eles começaram a chegar, alguns viajando por conta própria e se instalando na área urbana.

Quando a pesquisa foi encerrada, em 2010, haviam sido identificados alguns italianos não agricultores que chegaram por volta de 1880, o que levou os pesquisadores a considerar esse ano como sendo o do início do período de imigração italiana para Leopoldina. Época em que para cá vieram os Appratto, Cazzolino, Eboli, Pagano, Polito, Petrola, Savino e Tambasco que compunham o grupo de sobrenomes procedente da região da Campania.

Esta afirmação perdurou até 2016, quando veio o convite para um Seminário a ser realizado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais no ano seguinte. O trabalho para o Seminário no IHGMG, que recebeu o título “Savino: de Ispani para Leopoldina. A origem italiana de Fernando Sabino” e está disponível para leitura no site do jornal e no dos pesquisadores[1], assim como na Revista do IHGMG v.43 de 2018, abriu novos horizontes.

A divulgação do novo estudo despertou a atenção de pessoas que acompanham as publicações e entraram em contato buscando por outros italianos que teriam vivido em Leopoldina antes de 1880. A troca de mensagens trouxe dados que, somados a indícios anotados há mais de quinze anos, levaram à constatação de que desde a década de 1860 havia italianos negociantes estabelecidos em Leopoldina. E apontou o mais antigo sobrenome dessa primeira fase como sendo Vitrale. Uma descoberta que contou com a fundamental contribuição de Gilson Vitorino, um paulistano que descende de um dos filhos de Sebastiano Vitrale, italiano estabelecido na corte desde, pelo menos, 1868, que teve uma filha nascida em Leopoldina naquele ano.

Com a descoberta, o início da imigração italiana para Leopoldina passou a ser considerado como sendo na década de 1860, que será mencionada em textos próximos em que se tratará de algumas das centenas de famílias que cruzaram o Atlântico em busca de novas oportunidades e participaram intensamente da vida da cidade, modificando o panorama social, econômico e político.

Esgotada a lotação para a viagem de hoje, o Trem de História convida os leitores para a próxima viagem, quando serão embarcados mais aspectos da pesquisa publicada em 2010.

Nota 1: os trabalhos sobre história de Leopoldina são publicados em cantoni.pro.br

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 380 no jornal Leopoldinense de 16 de maio de 2019

92 – Savino # Sabino – Primeiro casamento de Nicola Savino

Nicola Savino casou-se a primeira vez com Angela Maria Grazia Appratto, filha de Vincenzo Appratto e Antonia Pagano, com quem teve seis filhos nascidos em Leopoldina. Após o falecimento da esposa, em 1891, Nicola viajou à Itália onde mandou transcrever os registros de batismo dos seis filhos e foram estes os registros encontrados nos livros do Tribunal de Sala Consilina no início das buscas para este trabalho.

Não se sabe se foi durante a estadia na Itália que Nicola se casou em segundas núpcias com Rosa Ana Giudice, com quem teve outros sete filhos, também nascidos em Leopoldina ou, se esta união se efetivou no Brasil após o retorno. Fato é que Nicola Savino faleceu em Leopoldina em 1914 deixando a viúva Rosa Ana com os seus sete filhos.

E como foi lembrado por seu neto, ele foi proprietário de um bar sobre o qual declarou Botelho:

“bar do Nicolau Sabino, o mais categorizado […] a fina sociedade ali se reunia […] O velho Nicolau Sabino era auxiliado pelos seus filhos […] Havia no bar uma taboleta que dizia assim; Perdute tuta esperanza quelle che entrata senza dinaro”(3)

Na relação de contribuintes de impostos no Município de Leopoldina para o exercício de 1897, publicada no jornal O Mediador, Nicola Savino aparece como proprietário de prédio urbano, hotel e oficina de sapateiro. O jornal O Arame acrescenta que existia um Tiro ao Alvo no Salão Recreio, de propriedade de Savino.

De sua primeira união, com Angela Maria Grazia Appratto, Nicola Savino deixou os seguintes filhos:

1) Domingos, nascido aos 18.04.1881 em Leopoldina, que se casou em Belo Horizonte, no dia 06 de setembro de 1913, com Odete Lacerda Tavares, nascida em 02.05.1891 em Leopoldina. Ela era filha de Fernando Pinheiro de Souza Tavares e Maria da Glória Lacerda, sendo descendente dos Lacerda e Werneck, antigas famílias de Leopoldina.

Odete formou-se na Escola Normal do Ginásio Leopoldinense em 1909 e, segundo o Laemmert, era professora da Escola Estadual do distrito de Abaíba em 1911. Foi também professora do Grupo Escolar de Leopoldina que mais tarde recebeu o nome de Ribeiro Junqueira, onde ficou até 1913, quando se mudou para Belo Horizonte. Em 1917 foi nomeada Auxiliar da Diretora do Grupo Escolar Silviano Brandão de Belo Horizonte.

Domingos foi aluno de escola pública do Professor José Maria Tesson, no então distrito de Argirita. Em 1904 lançou uma fábrica de águas minerais em Leopoldina, que pode ser o empreendimento citado por seu neto Fernando Sabino como “fábrica de Soda e de Água de Selters”. Em 1909 mudou-se para Belo Horizonte para dirigir o escritório da Companhia Brasileira de Eletricidade Siemens Schuckerverke. No ano seguinte, trabalhou no Rio de Janeiro retornando em 1911 para a direção do escritório da empresa em Belo Horizonte.

Em 1926 Domingos era representante da Metropolitan-Vickers Electrical Export Company Limited. Segundo Laemmert, em 1930 pertencia ao quadro de servidores da Chimica Industrial Bayer Meister Lucius em Belo Horizonte, MG. Faleceu em São Lourenço, MG, em 1948.

Domingos e Odete foram pais de Luiza (1914-2001), Gerson (1915-1998), Marilia (1916-?), Maria da Conceição (1918-?), Antonio (1919-?), Berenice (1920-1978) e Fernando Tavares Sabino (1923-2004).

2) Vicente Miguel, o segundo filho de Nicola e Ângela Maria, nasceu em 05.06.1883 em Leopoldina. Casou-se no Rio de Janeiro, em 27.06.1914, com Silvia Micaela Bianca Petrola, nascida por volta de 1893, em Leopoldina, filha dos italianos Nicola Petrola e Margherita Cazzolino. Vicente faleceu no Rio de Janeiro em dezembro de 1930.

3) Maria Antonia nasceu em 05.12.1886 em Leopoldina.

4) João Baptista nasceu em 04.08.1887 em Leopoldina onde se casou com Maria das Dores Levasseur, filha de Benjamim Levasseur de Vasconcelos e Filomena Vargas Corrêa. Ela, nascida em 05.07.1889 em Leopoldina onde faleceu em 14.05.1969. Maria das Dores era neta paterna de Antoine Urbain Levasseur e por sua mãe descendia dos povoadores do Feijão Cru, Antonio Rodrigues Gomes e Manoel Antonio de Almeida.

Segundo Freitas, João Baptista e Maria das Dores residiram na Praça Gama Cerqueira onde vivia a família Levasseur que cultivava o gosto pelo piano. Maria das Dores se formou na Escola Normal do Ginásio Leopoldinense em 1909 e foi professora no Grupo Escolar Ribeiro Junqueira.

5) Deolinda nasceu em 12.10.1888 em Leopoldina.

6) Ernane nasceu em 10.04.1891 em Leopoldina.

Como ficou dito no início deste artigo, após o falecimento da primeira esposa, em 1891, Nicola se casou com Rosa Ana Giudice, com quem teve outros sete filhos, também nascidos em Leopoldina. Mas por uma questão de espaço este segundo casamento será abordado na próxima viagem do Trem de História. Até lá!


Fontes Consultadas:

Archivio di Stato di Sala Consilina, Salerno; Arquivo da Diocese de Leopoldina; Igreja de São José, Belo Horizonte; Cartórios de Notas e de Registro Civil do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte, com a colaboração Eliana Sabino, Mariana Estill Sabino e Stanley Savoretti; Cemitério do Bonfim, Belo Horizonte, e Cemitério Nossa Senhora do Carmo, Leopoldina, MG.

Imprensa Periódica: A Imprensa (Rio de Janeiro); A Noite (Rio); Gazeta de Leopoldina; Gazeta de Notícias (Rio); O Arame (Leopoldina); O Jornal (Rio); O Leopoldinense; O Mediador (Leopoldina); O Paiz (Rio) e O Pharol (Juiz de Fora).

BOTELHO, Luiz Rosseau. Dos 8 aos 80. Belo Horizonte: Vega, 1979.

FREITAS, Mário de. Leopoldina do Meu Tempo. Belo Horizonte: Página, 1985.

LAEMMERT, Eduardo e Henrique. Almanak Laemmert. Rio de Janeiro: 1911.

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 345 no jornal Leopoldinense de 16 de dezembro de 2017

91 – Savino # Sabino – Savino em Leopoldina

Nicola Carmelo Rosario Savino foi um dos imigrantes italianos pioneiros da fase da Grande Imigração em Leopoldina, tendo chegado ao município antes de 1880. Era natural de Ispani, província de Salerno, região da Campania.

Ele nasceu(1) no dia 03 de outubro de 1852 em Ispani, filho de Domenico Savino e Brigida Petrola. Era neto paterno de Giovanni Battista Savino e Angela Giudice e neto materno de Rosanna Pagano e Nicola Felice Petrola, sendo este filho de Rocco Petrola e Brigida Teula, todos residentes em Ispani na época do nascimento de Nicola.

Domenico Savino e Brigida Petrola se casaram(2) em Ispani no dia 06 de julho de 1843 e tiveram, pelo menos, mais quatro filhos: Giovanni Battista Salvatore Carmelo nascido(3) em 1844, Rosanna Angela Nicolina nascida(4) em 1849, Carmine(5) nascido em 1856 e Rosana Filomena nascida em 1859.

Nicola Savino exerceu a profissão de sapateiro e em Leopoldina tornou-se sócio ou proprietário de alguns empreendimentos. Casou-se a primeira vez com Angela Maria Grazia Appratto, filha de Vincenzo Appratto e Antonia Pagano. Em segundas núpcias com Rosa Ana Giudice, filha dos italianos Rocco Giudice e Angela Savino.

Por entrelaçamentos familiares e negociais, sua história está ligada a alguns outros imigrantes italianos que chegaram ao Brasil em 1877. Um deles, Nicola Pagano, então com 30 anos de idade, que viajou no mesmo vapor em que vieram Giuseppe Tambasco e Domenico Pagano.

Registre-se que este Giuseppe era parente de Antonio, Sebastiano e Giovanni Tambasco, três irmãos que se estabeleceram em Recreio, distrito de Leopoldina na época.

Nicola Pagano, que era irmão de Antonia Pagano mãe de Nicola Savino, casou-se com a cunhada deste último e com ele realizou negócios em Leopoldina. Nicola Pagano foi sócio, também, de seu irmão Giuseppe Biaggio Pagano, na firma Braz Pagano & Irmão.

Noutra empresa que envolve estes imigrantes, denominada N. Petrola & Pagano, não se sabe qual dos Pagano foi sócio de Nicola Petrola, negociante em Bom Jesus do Rio Pardo (6) – atual município de Argirita, antigo distrito de Leopoldina – do final da década de 1870 até 1898.

A filha de Nicola Petrola e Margherita Cazzolino, Silvia Micaela Bianca Petrola, nascida por volta de 1893, casou-se em 27.06.1914 com o filho de Nicola Savino, Vicente Miguel.

Como se vê, não é muito simples rastrear os vínculos entre estes imigrantes. Além dos casamentos deles próprios e de seus filhos. Nos batismos é possível comprovar o compadrio que parece ter surgido também das relações comerciais entre eles.

Veja-se, por exemplo, os entrelaçamentos seguintes: a mãe de Nicola Savino chamava-se Brigida Petrola e não há dúvida de que seja familiar de Nicola Petrola; a sogra de Nicola Savino, Antonia Pagano, era irmã e também sogra de Nicola Pagano. E comadre nas famílias Eboli, Conte, Pagano e Brando.

Outro aspecto que chama a atenção é que, deste grupo de imigrantes alguns viajaram à Itália pelo menos uma vez, aparentemente para realizar negócios. Fato que os distingue de outros que vieram inicialmente com as famílias e com elas voltaram para a Itália e mais tarde resolveram retornar ao Brasil.

Quanto a Nicola Savino, sabe-se ainda que além da profissão de sapateiro (7), auxiliado pelos filhos mantinha um bar bem frequentado, onde a sociedade leopoldinense se reunia.

Sobre este bar, conta o seu neto Fernando Sabino (8):

“Meu avô Nicolau, italiano de nascença, era dono do Salão Recreio, um bar com pitoresco caramanchão na antiga rua 1° de Março, local também conhecido como praça do Ginásio, com uma tabuleta à entrada em que, para não vender fiado, ele se valia da célebre advertência de Dante: Lasciate ogni speranza voi ch’entrate.”(9)

O neto informa, também, que Nicola Savino importava barris de vinho Chianti da Itália e que vendia sorvete. Ao falar de seu pai, Fernando Sabino declara:

“E meu pai, seu Domingos, (antes de casar-se com a suave dona Odette), inspirado mais pelo vinho que pelo sorvete, juntou-se a um farmacêutico de nome João Teixeira e abriu uma fábrica de Soda e de Água de Selters – precursora, portanto, da alka-seltzer. Dos dois feitos muito me orgulho.”

Registre-se, por fim, que nos manifestos de vapores disponíveis no Arquivo Nacional foram encontrados alguns usuários do sobrenome. Entre eles há um Nicolau Sabino que desembarcou (10) do vapor Paulista no porto do Rio de Janeiro no dia 21 de fevereiro de 1872, proveniente de Santos. Mas por falta de outros dados, não se pode afirmar que seja o personagem do qual se falou aqui e se ocupará no próximo artigo, tratando do seu primeiro casamento. Até lá.


Fontes Consultadas:

1 – Archivio di Stato di Salerno, 1852 Atto di nascita nº 23.

2 – Archivio di Stato di Salerno, lv. 3 de matrimonio, 1843 p. 19 termo 3.

3 – Archivio di Stato di Salerno, Atto di nascita nº 33.

4 – Archivio di Stato di Salerno, Atto di nascita nº 7.

5 – Archivio di Stato di Salerno, Atto di nascita 1856 nr 1.

6 – Gazeta de Leopoldina. (Leopoldina, MG) 08.04.1898 ed 52 p.2.

7 – Na transcrição dos registros de nascimento dos filhos feita em outubro de 1893 em Ispani, Nicola declarou-se sapateiro.

8 – SABINO, Fernando. O Grande Mentecapto. 54.ed. Rio de Janeiro: Record, 2002.

9 – Interpretação livre: perca as esperanças de consumo se entrou aqui sem dinheiro.

10 – Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 22.02.1872, edição 53 p.1.

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 344 no jornal Leopoldinense de 1 de dezembro de 2017