Supremacia da imigração italiana em Minas

Em 1896, o Presidente Bias Fortes explicou o motivo de Minas Gerais receber maior número de #imigrantes italianos com as seguintes palavras (na ortografia original):

As condições especiaes em que se acha a Italia, e o gráo de relações existentes hoje entre este paiz e o Brasil tem contribuido para a preponderancia do elemento italiano sobre o de outras procedencias na introducção de immigrantes.

Continuando o discurso, Bias Fortes esclareceu que era importante evitar o exclusivismo de uma nacionalidade, razão pela qual estava em negociação para introduzir colonos portugueses.

Imigração e Família em Minas Gerais no final do século XIX

Este é o título do trabalho de Tarcísio Rodrigues Botelho, Mariângela Porto Braga e Cristiana Viegas de Andrade, publicado na Revista Brasileira de História vol. 27, nr. 54, em dezembro de 2007. Disponível aqui

Traz uma análise bem interessante do perfil dos imigrantes que se dirigiram para Minas Gerais, especialmente no ano de 1896. Os dados foram extraídos dos Livros da Hospedaria Horta Barbosa e organizados em quadros que demonstram o predomínio de grupos familiares, além de informações sobre nacionalidade. Especificamente sobre italianos e espanhóis, são apresentados interessantes gráficos demonstrativos.

Outra Paisagem

Corria o ano de 1895. Um jovem de cerca de 20 anos conversava no terreiro com o pai, proprietário da fazenda. Conversava, não, ouvia calado alguma coisa que parecia ser muito séria. Talvez o jovem tivesse feito alguma coisa errada. 

A pequena distância, três pequenos grupos. O primeiro era composto por um casal e dois meninos de menos de 10 anos. Ao lado, um senhor de avançada idade, uma senhora um pouco mais nova e um casal bem mais jovem. Mais adiante, um homem carrancudo, a esposa com um bebê no colo e 3 crianças agarradas às pernas dos pais. Entre eles, algumas trouxas e um pequeno baú de madeira.

Os três grupos e o jovem filho do fazendeiro tinham acabado de chegar da estação. Foi uma caminhada difícil. Fazia muito calor e o chão ainda estava um pouco encharcado da chuva da véspera. A carroça trouxera apenas o rapaz e a mãe com o bebê. Os outros vieram andando, desviando das poças de lama. A fome apertava.

Depois de muito ouvir, o rapaz teve autorização do pai para retirar-se. Com alguma dificuldade os outros viajantes entenderam que deveriam se acomodar num galpão à direita. Não foi fácil transformar o local em moradia. Um fogão à lenha do lado de fora, uma bica d’água a alguma distância e nenhum apetrecho que sugerisse uma forma de cama, cadeira ou colchão.

Nos dias seguintes os viajantes tiveram que se entender, embora cada grupo tivesse um linguajar desconhecido para os outros. Fizeram o possível para tornar habitáveis duas choupanas que ficavam para além do curral. Uma delas era até maiorzinha e deu para acomodar dois dos grupos.

Meses depois, todos já conseguiam trocar algumas palavras entre si e até mesmo entender as ordens do fazendeiro. Só o bebê não tinha obrigações. Vivia pendurado num pano amarrado no ombro de sua mãe, que passava o dia inteiro cuidando da horta e do fogão. As crianças menores limpavam canteiros e faziam pequenas tarefas que a cozinheira da fazenda determinava. Os 3 meninos maiores acompanhavam os adultos na lavoura.

O velho não viu chegar o segundo verão. Partiu sem dizer um ai. A viúva só se queixou de que o rapaz que os trouxera nunca mais voltara a falar com eles. Nem na hora da morte o jovem viera vê-los. E parecia tão alegre naquele dia da chegada!

O tempo foi passando, outros viajantes chegaram pela estrada lamacenta, crianças nasceram, crianças morreram. Os homens aproveitavam o domingo para colher mel de abelha. Muito bom! Doce para alegrar a vida de quem nada tinha de seu.

16 de fevereiro de 1906. Há muito tempo um padre não visitava a fazenda. Mas naquele dia, tudo era festa! Uma filha do fazendeiro se casava e um daqueles meninos, agora com 21 anos, aproveitou para pedir que o casassem também, com a menina branquela que viajara no mesmo navio. Não foi fácil convencer o padre! Ele queria um papel que os noivos e seus pais nem desconfiavam o que fosse. Por sorte o fazendeiro agora estava mais velho e já não era tão bravo como naquele primeiro dia. O padre acabou aceitando a palavra do homem e os dois viajantes puderam se casar.

Dois anos depois, mais uma criança nascia. Será que ia vingar? No ano anterior o jovem casal enterrou o primeiro filho. Havia esperança desta vez? Com o choro do bebê chegou uma outra novidade. O filho do fazendeiro, aquele que os trouxera da estação, apareceu na porta. Estava diferente! Parecia mais gordo, com menos cabelo e a pele parecia esturricada de sol. Onde teria andado durante todo este tempo?

A mulher do fazendeiro estava pela beira da morte. Mandara buscar o filho. Nem os viajantes sabiam que ele tinha sumido no dia mesmo em que chegaram. Nunca ninguém falou nem o nome dele. Morreu, diria o pai.

Agora, vinte anos são passados. Meu pai se foi, minha mãe o seguiu. Meu irmão tomou seu rumo. Só eu fiquei na fazenda, com a branquela embarrigando todo ano. Outros viajantes chegaram. Muitos ficaram pouco tempo. O fazendeiro morreu. O filho sumido voltou mais uma vez. E desta vez não vai embora sozinho.

A roda do carro de boi chia bonito. Desta vez não vamos ter que andar da estação até a fazenda. Aqui é mais longe. A estação fica a 4 horas da fazenda. Fazenda nova. Pequena mas muito bonita. E tem até uma casa para eu viver com a minha branquela enrugada.

O filho do fazendeiro tinha razão. O pai mandou, ele saiu de lá. Veio aqui prá mata e se arrumou. E agora trouxe a gente para viver num lugar em que é mais fácil passar os dias e as noites, sem aquele calorão danado. Nunca mais eu volto. Nem prá fazenda velha, nem prá terra onde eu nasci.

Escovar a História dos Imigrantes

Um texto publicado na semana passada despertou comentário interessante de um leitor. Para Alexandre Ferreira, “a tradição valorizada no antigo sistema de ensino é muito mais confortável, não exige que o aprendiz se esforce para compreender coisa alguma. Basta decorar, porque não se vai fazer coisa alguma com o que se aprende na escola”. Por outro lado, argumenta o leitor, “o produto deste ensino é um ser quase não-pensante, que não pode construir conhecimento sobre um nada que lhe foi exigido para a prova. É um consumidor de soluções prontas, com forte tendência a desenvolver preconceitos de todos os tipos”.

De fato, Alexandre, o que é diferente nos causa desconforto. Se nos defrontamos com algo diverso de uma verdade em que acreditamos, a tendência é rechaçar como inverdade. Nós acreditamos naquilo que foi construído em nossa socialização. Se não tivemos oportunidade de “vasculhar” um determinado tema, se nos foi imposta uma verdade absoluta e inquestionável, criaremos barreiras contra outras visões sobre o mesmo tema.

Você se ressente de preconceitos contra os imigrantes, seja no passado ou no presente. E agradece por apresentarmos informações sobre os colonos imigrantes porque, na sua opinião, a memória deles foi sepultada pelo desconhecimento. Optamos por agradecer seu comentário abrindo esta nova postagem principalmente porque, conforme sugere Benjamin, “os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer”. Se perpetuarmos uma versão unicista sobre os nossos imigrantes, pespegando-lhes um determinado rótulo, estaremos contribuindo com mais uma pá de cal sobre o túmulo.

Entretanto, acreditamos que a ilusão do Grande Um é maniqueísta, ditatorial. O objetivo de publicar nossos estudos sobre os imigrantes é apenas apresentar a nossa versão, a conclusão que extraímos da escovação dos pelos desta história.

Imigrantes Nobres?

Um leitor pergunta sobre brasões dos imigrantes italianos que viveram em Leopoldina. Nada sabemos a respeito, embora alguns sobrenomes constem no Storico Araldica do Istituto Genealogico Italiano. Entretanto, os casos encontrados referem-se a personagens agraciados na período da Unificação, época em que nossos imigrantes mal tinham nascido.

Segundo João Fábio Bertonha, no livro Os Italianos publicado em 2005, “no final do século XIX, mais de 60% da população economicamente ativa da Italia trabalhava no campo, sendo que 80% não possuíam terras”. Diversos autores informam que desta população de lavradores saiu a maioria dos que deixaram o país no final daquele século.

Analisando os imigrantes que viveram na Colônia Agrícola da Constança, especialmente através de informações coletadas nas entrevistas com descendentes, conclui-se que eram realmente trabalhadores do campo. E até o momento não encontramos quem tenha sido proprietário antes de passar ao Brasil.

A emigração e a cultura Italiana

O último capítulo de Homens sem Paz, de Constantino Ianni, indicado recentemente por um leitor deste blog, despertou a lembrança de uma experiência pela qual passamos há poucos anos. Participando de um evento que contava com patrocínio de entidades italianas, observamos que algumas pessoas manifestavam um certo desprezo pelas manifestações culturais que tantos brasileiros admiram. Num dos momentos, ouvimos que a Tarantella não representa a cultura italiana, mas tão somente a população mais pobre e que é de gosto duvidoso. Ouvimos também que os brasileiros não conhecem a verdadeira cultura italiana porque ficam presos às antigas óperas. Não cabia intervir mas ficou um gosto amargo.

Se muitos de nós, brasileiros, gostamos da Tarantella e das óperas italianas, pode ser porque nos fazem pensar numa parte importante da nossa identidade, já que o sangue daqueles imigrantes está presente em muitas de nossas famílias. E não acreditamos ser possível fazer distinção entre cultura que seja verdadeira ou não. Se existem práticas, são sempre verdadeiras. Podemos gostar ou não, claro. Mas jamais diminuir-lhes o valor. Se o cinema italiano da década de 1960 não é mais tão cultuado, nem por isto deve ser desmerecido. Teve o seu momento, arrebanhou multidões e cumpriu o papel de disseminar a produção do país. E acreditamos que o povo brasileiro está aberto para novas manifestações que retratem a Itália e outros países da atualidade. Podendo gostar ou não, assimilar ou não, escolher é permanência na pessoa humana. Ou, filosoficamente pensando, a única permanência é a eterna mudança.

Se os “literatos profissionais” de que fala Ianni julgam “heresia misturar emigração com cultura”, só temos a lamentar. E agradecemos a este autor por nos trazer letras de antigas canções que se tornaram hinos dos que partiam. E homenageamos os imigrantes que viveram em Leopoldina com uma destas letras (página 242)

Mo me parto da qua per n’altro regno,
passo passo mi vado allontanando;
lascio gli amici miei, lascio gli spassi,
lascio chi tanto bene me volia.
La pietre che scarpiso ‘npasso ‘npasso
pure hanno pietà del piano mio.

Homens sem Paz

Livro de Constantino Ianni, publicado pela Civilização Brasileira em 1972, trata-se de uma segunda edição da obra lançada em 1963 por este filho de imigrantes italianos procedentes de Castellabate, província de Salerno. Foi indicado por um leitor deste blog que vem acompanhado os últimos posts. Agradecemos a indicação e confirmamos que realmente muitas obras citadas pelo autor foram utilizadas em nossos estudos. Ler agora serviu também para avaliarmos nossas conclusões anteriores, já que o especialista em Economia Política aborda muitos aspectos incluídos em nosso trabalho. 

Embora o livro trate mais especificamente da imigração posterior à época de nosso interesse, ressaltamos que o capítulo VII O Homem como Mercadoria nos permitiu confirmar a impressão que nos marcou desde o início da nossa pesquisa. Enquanto a literatura que consultávamos, no início da década de 1990, primava por uma visão romântica da imigração, nascia o desejo de conhecer o outro lado da história, ou seja, o contexto prévio que mencionamos inúmeras vezes.

Independente de concordarmos ou não com a integralidade do que escreveu Ianni, foi muito bom saber sobre os “riachos de ouro” que se transformaram em “ribeirão”, subtítulo Os Riachos de Ouro no citado capítulo. Não conhecemos os Annali e a opinião de Corbino, referida pelo autor. De todo modo, se a economia dos emigrados sustentou o desenvolvimento econômico da Itália, é mais um motivo para reverenciarmos aqueles valentes colonos que cruzaram o oceano para vir construir ou readaptar tantas cidades brasileiras, como é o caso de Leopoldina.

VI Encontro Nacional sobre Migrações

Acontecerá em Belo Horizonte, de 12 a 14 de agosto de 2009, encontro com o tema Migrações e Desenvolvimento Territorial.
Apoio: ABEP/ CEDEPLAR-UFMG/ UNFPA/ CNPq/ FAPEMIG

Confira a programação.


Imigração e Colonização no Brasil

Este é o título de um trabalho de José Fernando Domingues Carneiro, publicado pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1950. Na abertura o médico e professor esclarece que o trabalho é constituído de “duas aulas”: a primeira é um resumo da história da imigração no Brasil e a segunda relata o êxito da colonização europeia no sul do país.

Fernando Carneiro divide a história da imigração em 3 períodos: 1808 a 1886; 1887 a 1930 e 1931 em diante. Caracteriza o primeiro como o da coexistência com o trabalho escravo, o segundo como aquele em que o imigrante veio substituir a mão de obra cativa e no terceiro, segundo esclarece, já não havia mais necessidade de braços para a lavoura. O autor faz críticas às Theses sobre Colonização no Brasil, do conselheiro João Cardoso de Menezes e Souza, publicação de 1875, procurando demonstrar “o homem medíocre que era o conselheiro” (pag. 13). E afirma que as causas para a pequena entrada de imigrantes no país, no primeiro período, foram a existência da escravidão, o clima e a febre amarela.

O trabalho é uma leitura interessante para conhecer as diferentes visões que o assunto imigração despertou nos mais diferentes pensadores. E em tempos de patrulhamento contra a destruição do planeta, torna-se curioso ler que os métodos de abertura das lavouras de café, com derrubada de mata e queimadas, foi a alternativa encontrada para domar a terra. O autor informa que a riqueza do solo foi um obstáculo à aplicação de processos aperfeiçoados na agricultura. Segundo ele, a cana de açúcar plantada em solo rico gerava plantas com muito caldo e pouco açúcar. Para o café, significava obter bela vegetação e maus frutos. Seria esta a razão para que o Senador Vergueiro mandasse derrubar a mata e aproveitar a terra durante alguns anos em outras culturas, deixando posteriormente que crescessem capoeiras para só depois receberem as primeiras mudas de café.

Ao mencionar o assunto, Fernando Carneiro cita Sérgio Buarque de Holanda, em prefácio à obra Memórias de um Colono no Brasil, de Tomaz Davatz, publicada em 1941:

“A agricultura do tipo europeu era sobretudo impraticável nos lugares incultos e remotos, para onde, na míngua de outros, se encaminhariam cada vez mais os imigrantes, na ilusão de que a uberdade do solo compensava as contrariedades da distância.”

Remessas para a Italia

Frequentemente encontramos referências ao dinheiro que os imigrantes remetiam para a Italia. Infelizmente não conseguimos reunir informações consistentes sobre tal prática entre os que viveram em Leopoldina. Talvez não tenha ocorrido ou, o que é bem provável, a “tenacidade com que os emigrados permanecem ligados às tradições italianas”, mencionada em Relatório de um parlamentar em 1911, tenha sido praticada aqui através das festas religiosas.Para períodos posteriores, encontramos publicações que mencionam os diversos motivos por trás das remessas que os nossos imigrantes faziam: desde o pagamento de um empréstimo obtido com a própria família, passando pela promessa que fizeram de continuar ajudando-os até as doações para a paróquia na qual nasceram. É possível que a devoção dos emigrados tenha se transferido para o padroeiro local, como parece indicar a compra do terreno e a construção da Igreja de Santo Antonio de Pádua, atualmente mais conhecida como Igreja da Onça. Segundo Constantino Ianni, no livro Homens sem Paz, o interesse do Vaticano na emigração esteve ligado à poupança daqueles trabalhadores que poderia ser remetida para a Igreja.

No caso de Leopoldina, levantamos a hipótese de tal poupança ter sido direcionada, pelos padres do município, para as Igrejas que passaram a frequentar. Só não podemos nos manifestar sobre uma informação Comissariado da Emigração de 1908, dando conta de que “o padre italiano passa a vida no meio de uma riqueza invejável, promovida pelo caráter eminentemente religioso dos colonos”. A este respeito, não encontramos indícios.