Imigrantes Italianos e a Cidade

“A primeira riqueza da Itália são as suas cidades”, declara Cléia Schiavo Weyrauch no início do texto Os italianos, a cidade e a expansão do Rio de Janeiro, publicado no livro Travessias Brasil-Itália, editora da Uerj, 2007.

A leitura deste texto nos faz refletir sobre a grande mobilidade dos imigrantes italianos que viveram em Leopoldina no final do século XIX. Isto porque, na medida em que o desenvolve, a autora ressalta a profunda relação que eles mantinham com as áreas urbanas, mesmo que tenham vivido em áreas agrícolas na terra natal.

Referindo-se ao clássico Do Outro Lado do Atlântico, de Angelo Trento, Weyrauch acrescenta:

“Nos grotões, nos bairros distantes e nos próximos – enfim, em todas as partes da cidade – por onde passassem os italianos, eles organizavam o espaço público tendo a rua como metáfora de um lugar de convivência e enriquecimento em todos os níveis.”

Possivelmente aí está uma boa definição para o movimento que fez com que os imigrantes, instalados na Colônia Agrícola da Constança ou em outras regiões do município, buscassem organizar um espaço público de convivência ou cedo se transferissem para a área urbana.

Italianos em Leopoldina

Após a postagem do dia 7 de outubro, em que apresentamos os sobrenomes dos imigrantes identificados em Leopoldina, diversos leitores escreveram pedindo dados sobre as famílias. Aos que indicaram um e-mail para resposta, já enviamos o link do site onde estão alguns de nossos textos. Ao mesmo tempo, começamos a preparar novas postagens que virão aqui para o blog nos próximos dias.
Para facilitar a busca no banco de dados, pedimos a todos que informem nome completo do imigrante e época em que viveu na cidade. Além disso, é importante indicar um e-mail mas esclarecemos que não será divulgado aqui no blog.

VII – Outras buscas

Uma outra fase do levantamento foi realizada no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro. Ali foram encontrados alguns processos de registro dos estrangeiros que viviam em território nacional na década de 1940. Além disso, contamos com a prestimosa colaboração do saudoso Luiz Raphael, que mantinha no Espaço dos Anjos um bom número de cópias de documentos deste gênero.
Numa outra fase do projeto, a contribuição de nossos entrevistados foi muito importante. De modo geral, abordamos descendentes e antigos moradores de Leopoldina para uma conversa informal. Evidentemente levávamos um roteiro dos pontos de nosso interesse, mas sempre optamos por entrevistas semiestruturadas por acreditarmos que os interlocutores se sentiriam mais à vontade. Nestes contatos, além de nos contarem o que sabiam sobre os imigrantes, muitas vezes nos ofereceram documentos e fotografias.

III – Pensando a Pesquisa

A justificativa para realizar a busca foi facilmente delineada. Embora os moradores de Leopoldina reconheçam que o centro urbano é habitado por grande número de descendentes de italianos, não se sabe de iniciativas de valorização desta comunidade. A exceção é a representação que ocorre anualmente na Feira da Paz, evento em que os clubes de serviço promovem atividades festivas de congraçamento. Procuramos por um representante da comunidade, sem sucesso. Órgãos representativos também não existiam. E as pessoas consultadas demonstraram nada saber sobre a chegada dos primeiros italianos e a trajetória daquelas famílias.
Ao ser esboçado o projeto, foi feito um levantamento das fontes passíveis de serem analisadas. Decidimos que os dados obtidos no levantamento dos livros paroquiais seriam comparados com os registros de entrada de estrangeiros; processos de registro dos que viviam no município por ocasião do Decreto 3010 de 1938; livros de sepultamento; pagamento de impostos e tributos municipais; escrituras de compra e venda de imóveis; e notícias em periódicos locais. Esclarecemos que o Decreto citado foi promulgado por Getútlio Vargas e determinava que todo imigrante residente em território nacional deveria preencher um requerimento a ser encaminhando para controle pelo Departamento de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras. Os que foram preservados encontram-se no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro.

II – A escolha dos Imigrantes Italianos

Pesquisar é buscar resposta para uma questão que surge no contato com um tema. De modo geral o processo tem início quando, ao procurar conhecimento sobre um assunto, o leitor se sente atraído por um aspecto não abordado pelas obras disponíveis. No caso de pesquisas historiográficas relativas ao resgate da memória de uma cidade, isto se torna mais claro porque o pesquisador resolve fazer a busca por não ter encontrado uma fonte suficiente para esclarecê-lo. Entretanto, nem sempre se percebe que o trabalho já começou. E a falta de um esboço pode acarretar uma desistência, já que não é possível prosseguir sem haver clareza do problema, do objetivo, da justificativa e da metodologia que será utilizada.Em outros momentos já foi declarado que o interesse pela imigração em Leopoldina surgiu no decorrer de estudo sobre as famílias que ali viveram no primeiro século de sua existência. Ao realizar um levantamento nos livros paroquiais, observou-se grande número de sobrenomes não portugueses entre os pais das crianças batizadas, os noivos e os padrinhos dos eventos ocorridos na paróquia entre 1872 e 1930. Quando encerrado aquele estudo, um outro foi iniciado e resultou no texto ‘A Imigração em Leopoldina vista através dos Assentos Paroquiais de Matrimônio’. Este estudo foi publicado pela primeira vez em 1999 e em 2009 foi revisto e republicado.

O levantamento demonstrou que 10% dos noivos do período de 1890 a 1930 eram imigrantes, sendo 9% italianos e os demais eram naturais de Portugal, Espanha, Síria, Açores, França, Ilhas Canárias, Egito, sendo que de uma parte não identificamos o país de origem. Por esta razão, optamos por estudar inicialmente os italianos.

Pesquisa sobre a Imigração em Leopoldina I

Em A Escrita da História (2. ed., 2006, p. 77), Michel de Certeau declara que
a articulação da história com um lugar é a condição de uma análise da sociedade.
 Os motivos que levam os pensadores a analisar uma sociedade são múltiplos. Mas para nós, que já nos dedicávamos há tantos anos a buscar conhecimento sobre Leopoldina, uma certeza já se fixara: sabíamos que a ordenação de informações resultaria em benefício para os moradores, na medida em que conhecer a própria origem dá ao ser humano a oportunidade de reconhecer-se no tempo e no espaço, realimentando sua própria identidade e abrindo um novo olhar para o mundo.
Sendo assim, buscamos analisar aquela sociedade a partir de um de seus elementos constitutivos: os imigrantes. O objetivo era oferecer aos conterrâneos uma informação cultural até então pouco discutida, qual seja o reconhecimento da presença dos descendentes de italianos em todas as atividades locais.
A partir de hoje reiniciaremos a publicação de partes dos textos que produzimos ao longo destes 15 anos de pesquisa.

Consulta sobre a Imigração

Resposta para Alexandre Ferraz que fez um pedido mas não indicou o e-mail para resposta.

 

2009/9/21

 

estou fazendo um trabalho sobre Imigração na zona da mata e não achei nenhum livro na biblioteca. Vc pode me passar pra esse e-mail?

Alexandre: a resposta não é tão simples assim. O assunto é muito amplo e você precisa informar qual o foco do seu trabalho. Qual aspecto pretende abordar? Qual o objetivo do trabalho?

Supremacia da imigração italiana em Minas

Em 1896, o Presidente Bias Fortes explicou o motivo de Minas Gerais receber maior número de #imigrantes italianos com as seguintes palavras (na ortografia original):

As condições especiaes em que se acha a Italia, e o gráo de relações existentes hoje entre este paiz e o Brasil tem contribuido para a preponderancia do elemento italiano sobre o de outras procedencias na introducção de immigrantes.

Continuando o discurso, Bias Fortes esclareceu que era importante evitar o exclusivismo de uma nacionalidade, razão pela qual estava em negociação para introduzir colonos portugueses.

Imigração e Família em Minas Gerais no final do século XIX

Este é o título do trabalho de Tarcísio Rodrigues Botelho, Mariângela Porto Braga e Cristiana Viegas de Andrade, publicado na Revista Brasileira de História vol. 27, nr. 54, em dezembro de 2007. Disponível aqui

Traz uma análise bem interessante do perfil dos imigrantes que se dirigiram para Minas Gerais, especialmente no ano de 1896. Os dados foram extraídos dos Livros da Hospedaria Horta Barbosa e organizados em quadros que demonstram o predomínio de grupos familiares, além de informações sobre nacionalidade. Especificamente sobre italianos e espanhóis, são apresentados interessantes gráficos demonstrativos.

Outra Paisagem

Corria o ano de 1895. Um jovem de cerca de 20 anos conversava no terreiro com o pai, proprietário da fazenda. Conversava, não, ouvia calado alguma coisa que parecia ser muito séria. Talvez o jovem tivesse feito alguma coisa errada. 

A pequena distância, três pequenos grupos. O primeiro era composto por um casal e dois meninos de menos de 10 anos. Ao lado, um senhor de avançada idade, uma senhora um pouco mais nova e um casal bem mais jovem. Mais adiante, um homem carrancudo, a esposa com um bebê no colo e 3 crianças agarradas às pernas dos pais. Entre eles, algumas trouxas e um pequeno baú de madeira.

Os três grupos e o jovem filho do fazendeiro tinham acabado de chegar da estação. Foi uma caminhada difícil. Fazia muito calor e o chão ainda estava um pouco encharcado da chuva da véspera. A carroça trouxera apenas o rapaz e a mãe com o bebê. Os outros vieram andando, desviando das poças de lama. A fome apertava.

Depois de muito ouvir, o rapaz teve autorização do pai para retirar-se. Com alguma dificuldade os outros viajantes entenderam que deveriam se acomodar num galpão à direita. Não foi fácil transformar o local em moradia. Um fogão à lenha do lado de fora, uma bica d’água a alguma distância e nenhum apetrecho que sugerisse uma forma de cama, cadeira ou colchão.

Nos dias seguintes os viajantes tiveram que se entender, embora cada grupo tivesse um linguajar desconhecido para os outros. Fizeram o possível para tornar habitáveis duas choupanas que ficavam para além do curral. Uma delas era até maiorzinha e deu para acomodar dois dos grupos.

Meses depois, todos já conseguiam trocar algumas palavras entre si e até mesmo entender as ordens do fazendeiro. Só o bebê não tinha obrigações. Vivia pendurado num pano amarrado no ombro de sua mãe, que passava o dia inteiro cuidando da horta e do fogão. As crianças menores limpavam canteiros e faziam pequenas tarefas que a cozinheira da fazenda determinava. Os 3 meninos maiores acompanhavam os adultos na lavoura.

O velho não viu chegar o segundo verão. Partiu sem dizer um ai. A viúva só se queixou de que o rapaz que os trouxera nunca mais voltara a falar com eles. Nem na hora da morte o jovem viera vê-los. E parecia tão alegre naquele dia da chegada!

O tempo foi passando, outros viajantes chegaram pela estrada lamacenta, crianças nasceram, crianças morreram. Os homens aproveitavam o domingo para colher mel de abelha. Muito bom! Doce para alegrar a vida de quem nada tinha de seu.

16 de fevereiro de 1906. Há muito tempo um padre não visitava a fazenda. Mas naquele dia, tudo era festa! Uma filha do fazendeiro se casava e um daqueles meninos, agora com 21 anos, aproveitou para pedir que o casassem também, com a menina branquela que viajara no mesmo navio. Não foi fácil convencer o padre! Ele queria um papel que os noivos e seus pais nem desconfiavam o que fosse. Por sorte o fazendeiro agora estava mais velho e já não era tão bravo como naquele primeiro dia. O padre acabou aceitando a palavra do homem e os dois viajantes puderam se casar.

Dois anos depois, mais uma criança nascia. Será que ia vingar? No ano anterior o jovem casal enterrou o primeiro filho. Havia esperança desta vez? Com o choro do bebê chegou uma outra novidade. O filho do fazendeiro, aquele que os trouxera da estação, apareceu na porta. Estava diferente! Parecia mais gordo, com menos cabelo e a pele parecia esturricada de sol. Onde teria andado durante todo este tempo?

A mulher do fazendeiro estava pela beira da morte. Mandara buscar o filho. Nem os viajantes sabiam que ele tinha sumido no dia mesmo em que chegaram. Nunca ninguém falou nem o nome dele. Morreu, diria o pai.

Agora, vinte anos são passados. Meu pai se foi, minha mãe o seguiu. Meu irmão tomou seu rumo. Só eu fiquei na fazenda, com a branquela embarrigando todo ano. Outros viajantes chegaram. Muitos ficaram pouco tempo. O fazendeiro morreu. O filho sumido voltou mais uma vez. E desta vez não vai embora sozinho.

A roda do carro de boi chia bonito. Desta vez não vamos ter que andar da estação até a fazenda. Aqui é mais longe. A estação fica a 4 horas da fazenda. Fazenda nova. Pequena mas muito bonita. E tem até uma casa para eu viver com a minha branquela enrugada.

O filho do fazendeiro tinha razão. O pai mandou, ele saiu de lá. Veio aqui prá mata e se arrumou. E agora trouxe a gente para viver num lugar em que é mais fácil passar os dias e as noites, sem aquele calorão danado. Nunca mais eu volto. Nem prá fazenda velha, nem prá terra onde eu nasci.