21 – Mais um pouco de opinião e política

Conforme o prometido no artigo anterior, o Trem de História preencherá o vagão de hoje com o que resta na plataforma de opinião e política.

Para começo do trabalho, busca a edição de nº 3 do Arame, publicada em 11.12.1898, que bem representa o que foi este periódico. Nela se encontram matérias que descortinam vários assuntos daquele momento, numa clara demonstração de que este pequeno jornal praticava realmente a crítica assumida em seu subtítulo.

Um dos temas é uma “disputa de lavadeiras” entre a Gazeta de Leopoldina e O Leopoldinense, denunciada na primeira página. Conselho do articulista: que O Leopoldinense dê o exemplo de comedimento, calando-se, e deixe a Gazeta “gritar [porque] ela tem força é mesmo na língua”.

Logo depois, vem uma mensagem aparentemente cifrada: “as cabras preservam os outros animais da epizootia”, razão pela qual “o Zezé tomou o Mingote”.

Traduzindo-se por comparação com outras matérias d’O Arame, esta frase poderia significar que os jornais leopoldinenses deveriam agir como as cabras, defendendo-se da enfermidade contagiosa (epizootia) representada pelo Mingote (Ribeiro Junqueira).

E assim, sucessivamente as quatro páginas do periódico traziam também notícias como a do lançamento de um jornal em distrito da cidade, ao lado de reclamações por maus serviços públicos, bem como notas sociais. Na seção literária, inicialmente foram publicados poemas ou frases de Voltaire e José Alencar, além de máximas do escritor e teatrólogo francês Edmond de Goncourt que, na época, saíam em jornais parisienses e nacionais. Mais tarde esta seção, que inicialmente chamou-se “Pensamentos” e localizava-se na terceira página, passou para a primeira e publicou ensaios literários de autores sem fama conhecida.

Vale registrar que em todos os periódicos leopoldinenses analisados foi encontrado, de forma mais ou menos frequente, material produzido em ou sobre localidades distantes e até mesmo vindas do exterior. Num primeiro momento pensou-se na hipótese de serem republicações de outros jornais a que os editores tinham acesso. Contudo, informações sobre a trajetória profissional de Ricardo José de Oliveira Martins encaminharam as sondagens em outra direção.

Nascido em Leopoldina no dia 03.04.1879, aos 20 anos Ricardo Martins era encarregado da composição de tipos na Gazeta de Leopoldina, portanto empregado de Ribeiro Junqueira que o nomeou para o cargo de Agente do Correio. Através de acusações e cartas de defesa publicadas nas páginas d’O Leopoldinense e da Gazeta, entre dezembro de 1898 e abril de 1899 envolvendo Ricardo Martins, entende-se que houve problemas com a entrega de telegramas que trariam informações importantes para os jornais concorrentes.

Diga-se, a propósito, que antes da inauguração da Estrada de Ferro Leopoldina a população contava com um único meio de receber correspondência: as cartas vinham pelo Correio que, segundo A. Assis Martins e J. Marques Oliveira, no Almanak Administrativo, Civil e Industrial da Província de Minas Geraes para o ano de 1865, deveriam chegar a Leopoldina às 18 horas dos dias ímpares de todos os meses do ano. Depois da ferrovia, conforme ensina Joseph D. Straubhaar e Robert La Rose, em “Comunicação, Mídia e Tecnologia” “a estrada de ferro e o telégrafo se integraram e se complementaram” e o interior teve acesso a um novo meio de comunicação. A partir daí, segundo os mesmos autores “o desenvolvimento do telégrafo […] levou a uma revolução na distribuição das notícias”. Opinião corroborada por Nelson Werneck Sodré para quem, até 1874, as notícias chegavam ao interior por carta e telégrafo que, ao agilizar o acesso, estimulou até mesmo a criação de página dedicada a notícias internacionais.

Por hoje o Trem de História fica por aqui. No próximo ele volta com outro assunto.

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA
Publicado no jornal Leopoldinense de 1 de abril de 2015

Parte XVI de A Imprensa em Leopoldina (MG) entre 1879 e 1899

20 – Opinião e Política

O Trem de História de hoje volta à sobra de carga amontoada na estação desde o artigo anterior e segue a falar de opinião e política da época da Maria Fumaça. E conta que em outubro de 1898, quando O Arame veio à luz, a imprensa em Leopoldina estava praticamente reduzida à Gazeta de Leopoldina, legítima representante do tipo em que não há espaço para críticas ao poder vigente.

Para se ter uma ideia de como as coisas funcionavam naquela época, basta analisar um fato envolvendo profissionais da imprensa periódica em Leopoldina.

O editor de O Arame, Ovídio Rocha, casou-se quatro anos depois do lançamento deste jornal com uma sobrinha de Luiz Falcão, que fora proprietário e editor d’O Leopoldinense da terceira fase. Segundo Luiz Eugênio Botelho, em “Leopoldina de Outrora”, O Arame “era de oposição aos Ribeiro Junqueira que então começavam a dominar a política em Leopoldina”. E para que se tenha uma pálida ideia do nível da contenda, em 05.11.1899 a Gazeta de Leopoldina publicou uma nota acusando Ovídio Rocha de ter tentado deflorar uma jovem. Seria uma acusação real ou apenas uma tentativa de desacreditar o redator concorrente?

É interessante observar a leitura d’O Arame, um jornal que se apresenta como sendo “de caráter puramente crítico e noticioso”. O tom jocoso perpassa quase a totalidade das suas matérias. Na edição nº 3, por exemplo, o editorial da primeira página é um agradecimento aos “colegas da Gazeta de Leopoldina pelos efeitos da propaganda que fizeram em prol do nosso jornalzinho” e continua nos seguintes termos, com adaptação da ortografia feita pelos autores desta coluna, preservando a pontuação original:

Já não temos mãos a medir com tantos pedidos de assinaturas e números avulsos da parte dos verdadeiros apreciadores da prosa amena e espírito fino e delicado. Todos quantos sabem ler querem possuir um número do Arame cuja leitura é um corretivo dos efeitos da prosa massuda, soporífera de Júlio Caledônio. E, dr. Zezé e de quanto bicho implume infesta a pobre imprensa mineira.

Vendo que a Gazeta de nós se ocupava com a asinina delicadeza que lhe é proverbial, o público que se orienta pela leitura da Gazeta fazendo justamente o contrário do que ela aconselha, compreendeu logo que havia uma pontazinha de inveja nas palavras do dr. Zezé, que é o “toma larguras” daqui da terra.

Como não ser grato aos distintos amigos pelos relevantes serviços que nos prestaram?

E que melhor modo de patentear essa nossa gratidão do que registrando o espantoso sucesso do Arame e atribuindo a quem de direito esse resultado?

A não ser por este modo só pelo voto, mas este pertence já ao dr. Zezé para todo e qualquer cargo que ele pretenda de futuro; porque é preciso dizer-lhes, e não costumamos errar em nossos vaticínios: o nosso muito amado dr. Zezé, na marcha em que vai há de ir longe. Dentro em pouco não haverá em Leopoldina lugar nenhum que não seja por ele ocupado.

Não nos admirará se o virmos a disputar ao Jerônimo a vaga deixada pelo Chico Tibúrcio.

Aqueles $3 ou $4 da carceragem sempre dão para o charuto do Mingote. Deixá-los ir para as mãos de outrem é que não é de boa política jagunça.

Pois é. Trem de História encheu mais um vagão e não acomodou toda a opinião e política que restava na plataforma. Terá que voltar ao assunto no próximo artigo. E o fará, com certeza.

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA
Publicado no jornal Leopoldinense de 16 de março de 2015

Parte XV de A Imprensa em Leopoldina (MG) entre 1879 e 1899