178 – Centenário da Semana de Arte Moderna: origens do modernista leopoldinense

Francisco Martins de Almeida, o modernista leopoldinense, nasceu[1] em Leopoldina, na fazenda Araribá, em 07 de janeiro de 1903 e faleceu[2] no Rio de Janeiro (RJ) no dia 29 de julho 1983, possivelmente solteiro. Sobre ele o Trem de História, nas edições de números 322 a 328 do Jornal Leopoldinense, que circularam entre janeiro e abril de 2017, publicou sete artigos espanando o pó que recobria a história desse conterrâneo.

Francisco era filho do magistrado Dr. Antonio Francisco de Almeida e de Georgina Martins de Almeida. Georgina era filha de Félix Martins Ferreira [neto], que empresta o nome à praça principal da cidade e, de Heliodora Pinheiro Correia de Lacerda.

Martins de Almeida estudou no Colégio Granbery, em Juiz de Fora e em 1920 já estava em Belo Horizonte onde, segundo o poeta Drummond de Andrade, teria aberto “a caixa com os primeiros livros de Proust a chegarem na cidade”[3]. Na capital mineira era acadêmico de direito[4] em 1923 e participava do Grupo Estrela, com rapazes que “decompunham e recompunham o espetáculo humano e preparavam materiais de cultura”, conforme declarou Drummond[5].

Além dos trabalhos para A Revista, da qual foi diretor juntamente com Carlos Drummond de Andrade, Martins de Almeida publicou o livro Brasil Errado, pela Editora de Augusto Frederico Schmidt, cuja segunda edição[6] saiu em 1953. Colaborou com Terra Roxa, veículo dos modernistas de São Paulo; com a Revista do Brasil e com os jornais A Noite, Correio da Manhã, Diário de Notícias, O País, O Mundo e com o Suplemento Literário do Jornal Estado de Minas[7].

“O Avesso dos Maridos Enganados ou, A Sociedade dos Cornos Livres”, de 1976, é o título de uma peça teatral que chegou a ser traduzida para o francês e da qual companheiros do autor dão notícia, sem, contudo, haver confirmação se foi realmente publicada.

“Às vezes, sou invadido pela dúvida de que não

fiz mais do que sonhar às avessas dos outros.”

Martins de Almeida[8]

Pedro Nava [9] registra que Martins de Almeida escreveu, também, “Amigado com a vida”, uma obra só conhecida dos que receberam do autor suas cópias xerografadas”. E diz considerá-lo um ensaísta de primeira e um dos melhores espíritos críticos da sua geração. “Um conversador admirável, o que justificaria plenamente o apelido que lhe dava Emílio Moura de: o nosso Rivarol”.

Recorde-se que Antoine de Rivarol (1753-1801) foi[10] um escritor e polemista francês. Sua obra encantou Tristão da Cunha, poeta e advogado nascido em Teófilo Otoni, MG que publicou o ensaio No Jardim de Rivarol em 1922. É também de Tristão da Cunha a primeira tradução brasileira de Hamlet, de Shakeaspeare. Não sendo considerado modernista, Cunha estimulou o interesse por frases do escritor francês como “Empreguemos apenas a razão para combater opiniões, pois ninguém mata idéias a tiro.”

Em carta dirigida ao próprio Martins de Almeida, Ribeiro Couto[11] faz elogio dizendo ser ele “um crítico de mão cheia que devia cultivar essa veia”.

Dessa veia destaca-se aqui, pela atualidade de um escrito de quase um século, ao qual intitulou “Estatística[12], que diz o seguinte:

“O Brasil é um país que está todo para ser estudado, numerado e catalogado. Sofremos tanto da falta da ‘palavra justa e do acento justo’ como dos números exatos. …. Precisamos escriturar urgentemente tanto a nossa miséria como a nossa riqueza. A pobreza dos nossos recursos materiais deve, sem demora, ser inventariada na forma de uma escrituração regular. Torna-se indispensável contar, pesar e medir toda a nossa realidade. Não podemos continuar a viver na incerteza do que temos e na ilusão do que não temos…… O Brasil é atualmente um amontoado de coisas disparatadas que necessitam ser somadas, diminuídas, multiplicadas e divididas. Só mesmo os nossos homens públicos, com a sua preocupação absorvente do voto e da frase, não compreendem ou não querem compreender o valor decisivo dos dados estatísticos nos planos administrativos.”

Em artigo publicado na Gazeta de Notícias Agripino Grieco[13] se refere a Martins de Almeida como um “escritor de uma sobriedade elegante, pensador e esteta, inimigo da vulgaridade e sempre desejoso da beleza”.

Ronald de Carvalho[14] em carta a Carlos Drummond de Andrade, em 01.09.25, escreveu: “Que bonita fogueira estão vocês fazendo com A Revista. Precisamos dessas queimadas para a nossa literatura de gravetos, espetos, paus e palitos de Ovar. Você e Martins de Almeida, que inteligentíssimos diabos para sapecar essas pereiras, pessegueiros e oliveiras do nosso mato acadêmico!”

É este o leopoldinense Martins de Almeida que o Trem de História tira da gaveta dos esquecidos para colocá-lo no seu local de destaque no Movimento Modernista de Minas Gerais.

O Trem de História de hoje fica por aqui. Na próxima viagem trará algo para lembrar os 168 anos de Emancipação de Leopoldina. Até lá!

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 430 no jornal Leopoldinense, março de 2022

Fontes Consultadas:


[1] Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais de Providência, Leopoldina, MG, certidão matrícula nº 0371430155 1903 1 00003 053 0000003 81. 
[2] Anúncio de óbito. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 30 jul. 1983, ed. 113 p. 14. 
[3] ANDRADE, Carlos Drummond de. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, RJ, 26.10.1977, ed. 8589 p. 9. 
[4] O Pharol, Juiz de Fora, MG, 29.07.1923, ed. 366 p.1. 
[5] Andrade, Carlos Drummond de. Recordação de Aberto Campos. In: Confissões de Minas. São Paulo: Cosac Naify, 2011. p. 50. 
[6] ALMEIDA, Francisco Martins de. Brasil Errado. 2.ed. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1953. 
[7] NAVA, Pedro. Beira Mar Memórias/4. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978. p. 218. 
[8] ALMEIDA, Francisco Martins de. Brasil Errado, 2.ed. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1953. p. 144. 
[9] NAVA, Pedro. Galo das Trevas: As Doze Varas Imperfeitas: Memórias, 5. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1981. Nota p. 319. 
[10] VIEIRA, Pedro Luís Sala. O paratexto prefacial de tradução literária: o caso dos hamlets brasileiros.Revista Versalete, , Curitiba, v. 9, nr 16, 244-264, jan.-jun.2021. p. 248 
[11] A Revista. Reimpressão fac-similar de José Mindlin, Patrocínio da Metal Leve S.A., São Paulo, 1978, p. 87. 
[12] Almeida, Francisco Martins de. Brasil Errado. 2.ed. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1953. p. 72. 
[13] A Revista, Reimpressão fac-similar de José Mindlin, Patrocínio da Metal Leve S.A., São Paulo, 1978, p. 86. 
[14]  idem, p. 85.

70 – Martins de Almeida – Carta de Mário de Andrade

O Trem de História encerra com este número a parte da viagem com Francisco Martins de Almeida no que se refere à sua obra. A partir do próximo Jornal se conhecerá a família deste leopoldinense que estava totalmente esquecido pela cidade.

Lembremos então a opinião de Drummond de Andrade(1), para quem o grupo modernista mineiro atingiu rapidamente notoriedade no restante do país e fiquemos com a carta de Mário de Andrade a Martins de Almeida, datada de São Paulo (SP), em 19.03.26.

“Ah! Martins de Almeida, tenho recebido tudo o que você mandou, cartas e A Revista… Mas você não pode imaginar que vida apertada ando vivendo. Só por isso não tenho respondido. Escrevo artigo sobre artigo. É A Manhã do Rio (quero que você leia o meu artigo de ontem “Contrabando de passadismo” que define minha posição social, é Terra Roxa aqui, é o São Paulo Jornal onde estou como crítico musical e tenho trabalho quase diário e inda por cima um curso de estética geral para moças com conferências semanais. E como tenho péssima faculdade de falar de improviso, sou obrigado a escrever essas conferências! Imagine a trabalheira! Contando ainda com meus cursos no Conservatório e particulares. Não tenho vida mais. Estou reduzido a uma máquina pra sustentar os outros. Miséria miserável que me faz sofrer. Não leio nada. Não escrevo nada de aproveitável. Meus livros todos parados. Não escrevo pra nenhum amigo quase. Até o Manu [Manuel Bandeira] que é o do coração nem sei dele. Hei de reagir mas não pode ser tão já. Estava carecido de ganhar um pouco mais pra me enroupar, comprar uns livros e umas músicas. Talvez pelo fim do ano readquira minha vida se Deus quiser. A Revista está excelente. Não tanto pela colaboração de fora como por você. Até por isso que acho o nº- 2 melhor que o 3. Acabo de falar isso mesmo pra Nava. E você? Quando nos manda um artigo pra Terra Roxa? Me esqueci de insistir com o Nava também. Insista você por favor. E com o João Alphonsus. E com o Emílio Moura. Mas mandem prosa que é melhor. Prosa é mais legível e estamos vendo se conseguimos fazer o jornaleco se sustentar. […] Você está sem o Drummond aí e o meu primeiro movimento, o mais sincero, foi me felicitar por causa disso. Depois corrigi pra maior nobreza e lamento sinceramente mas espiritualmente essa separação. Eu adoro o Carlos. Foi a inveja que me fez de primeiro ter um movimentinho de alegria de vê-lo sequestrado de Belo Horizonte. Tenho por ele uma afeição admirada muito quentinha que me faz quando penso nele me sentir bem. A impressão que tenho dele é dessas que grudam como cheiro de laranja azeda. Não sai mais. É de vocês todos o que me dá mais a sensação, a comoção igual à que tive com certas paisagens mineiras, sobretudo uma tarde maravilhosa em Carmo da Mata. Que gostosura! que boniteza pura! que silêncio caricioso e cheio de amor ardendo dentro! E uma força de terra virgem atrás, cheia de ouro, cheia de vegetal e de minério rico. Isso é o Carlos pra mim. A impressão que ele dá pros que o veem pouco é de secura… Eu amoleci essa secura… Pra mim ele é um amigo verdadeiro, nunca esqueço a inteligência extraordinária e o lirismo incansável que ele é. O adoro. Queria o Carlos juntinho de mim… Não pode ser! Lá está em Itabira do Mato Dentro, que é dos nomes mais maravilhosos que conheço… Carecemos agora de agasalhá-lo ainda mais nos nossos carinhos e esperanças, Martins de Almeida. A terra, assim meio virgem pra onde ele foi, é boa mas traiçoeira. Faz a gente se esquecer da cabeça. A terra ama por demais, chupa a gente… Bom, até logo. Não se esqueça de continuar me escrevendo. Invente assunto pra discutirmos. Andamos tão concordes e cheios de notícias!… Ciao. Mário”

Também nós dizemos “tchau” ou, “ciao” como o mestre Mário de Andrade. Mas numa despedida apenas quanto à obra de Martins de Almeida. Porque, na próxima edição continuaremos com a sua família. Aguardem.


Referência:

1 – Drummond, Testemunho da Experiência Humana. Disponível em: <http://zip.net/bstsJ1&gt; Acesso em 17 nov. 2015

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 325 no jornal Leopoldinense de 16 de fevereiro de 2017

69 – Martins de Almeida na visão de terceiros

O Trem de História segue sua viagem com os comentários dos críticos e amigos do modernista leopoldinense, como se verá a seguir.

Na década de 1930, já morando no Rio de Janeiro, Martins de Almeida foi diversas vezes citado em matérias sobre “Alguma Poesia”, obra que Carlos Drummond de Andrade havia lançado. Eram comentários e impressões de intelectuais da época, muitos deles estendidos a todo o grupo mineiro.

Augusto Frederico Schmidt publicou em O Jornal, em 1929, um artigo sob o título Os novos de Minas. Tristão de Ataíde, pseudônimo de Alceu de Amoroso Lima, além de comentar a obra de Martins de Almeida em janeiro([1]) de 1931, voltou ao assunto quando abordou “Os novos de 1927” – como ficou conhecido o grupo modernista – em seu Estudo publicado em livro em 1934. Afonso Arinos (sobrinho) teceu elogios à obra em junho([2]) de 1930, Agripino Grieco([3]) em fevereiro de 1931 e Raul Floriano em junho de 1931([4]).

Para Fernando Correia Dias([5]), nessa época a “literatura era vivida em profundidade, era amplamente participada”. Baseia esta sua interpretação no já citado artigo de Martins de Almeida publicado em 1930 em O Jornal, do qual recolhemos um trecho significativo([6]):

“Nós outros, companheiros de vida literária ou antes, de vida vivida (Emílio Moura, João Alphonsus, Pedro Nava e eu) temos de emprestar um caráter particularíssimo às poesias de Carlos Drummond. Vemos que muitas delas não param nelas mesmas, continuando infinitamente para além do próprio autor. Cada um de nós tem a sua parte em várias daquelas poesias.”

Em Galo das Trevas Pedro Nava informa que o nosso biografado escreveu([7]), também, “Amigado com a vida – inédito, conhecido só dos que receberam do autor suas cópias xerografadas”. E diz considerá-lo um ensaísta de primeira e um dos melhores espíritos críticos da sua geração. “Um conversador admirável, o que justificaria plenamente o apelido que lhe dava Emílio Moura de: o nosso Rivarol[8]”.

Para Ribeiro Couto([9]), em carta dirigida ao próprio Martins de Almeida, ele foi “um crítico de mão cheia que devia cultivar essa veia”.

Agripino Grieco([10]), em artigo publicado na Gazeta de Notícias se refere a Martins de Almeida como um: “escritor de uma sobriedade elegante, pensador e esteta, inimigo da vulgaridade e sempre desejoso da beleza”.

Uma rápida passagem por uma das principais obras de Martins de Almeida, a publicação denominada “A Revista”, se faz necessária. E para isto nos valemos da opinião de Ronald de Carvalho([11]) em carta a Carlos Drummond de Andrade, em 01.09.25. Diz ele:

“Que bonita fogueira estão vocês fazendo com A Revista. Precisamos dessas queimadas para a nossa literatura de gravetos, espetos, paus e palitos de Ovar. Você e Martins de Almeida, que inteligentíssimos diabos para sapecar essas pereiras, pessegueiros e oliveiras do nosso mato acadêmico!”

Para Dias([12]), o grupo mineiro decolara, impusera-se como coletividade estruturada, através de um instrumento eficaz de afirmação: uma revista fugaz, porém marcante.

Como é sabido, A Revista contou apenas com três edições e seu fim não tem explicação definitiva. Para uns, deveu-se a dificuldades econômico-financeiras. Para outros, a saída de Belo Horizonte daqueles jovens que foram buscar novos horizontes depois da formatura foi o real motivo para o fim de A Revista.

Os comentários sobre o movimento modernista de Belo Horizonte não se esgotam aqui. Mas o espaço do Jornal impõe que o Trem de História encerre por hoje. No próximo número ele volta com a carta de Mário de Andrade para Martins de Almeida. Até lá.


[1] O Jornal, Rio de Janeiro, 18 jan 1931, ed 3739 Primeiro Caderno p. 4.
[2] idem, 15 jun 1930, ed 3554 Primeiro Caderno p. 2.
[3] idem, 22 fev 1931, ed 3769 Segunda Seção p. 2.
[4] idem, 17 jun 1931, ed 3867 Segunda Seção p. 21.
[5] DIAS, Fernando Correia. O Movimento Modernista em Minas: uma interpretação sociológica. Brasília: Ebrasa, 1971. p.114
[6] O Jornal, Rio de Janeiro, 10 ago 1930, ed 3602, Segunda Seção, p. 2
[7] NAVA, Pedro. Galo-das-Trevas: As Doze Velas Imperfeitas: memórias, 5. Rio de Janeiro: José Olumpio, 1981. Nota p. 319
[8] Referência ao escritor e polemista Antoine de Rivarol, nascido na França em 1753 e falecido na Alemanha em 1801
[9] A Revista. Reimpressão fac-similar de José Mindlin, Patrocínio da Metal Leve S.A, São Paulo,1978. p.87.
[10] idem, p.86.
[11] idem, p.85.
[12] DIAS, Fernando Correia. O Movimento Modernista em Minas: uma interpretação sociológica. Brasília: Ebrasa, 1971. p.43

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 324 no jornal Leopoldinense de 1  de fevereiro de 2017

 

68 – Martins de Almeida – Jornalista e Escritor

O Trem de História traz agora um pouco sobre a obra deste modernista leopoldinense. E começa recordando Fernando Correia Dias([i]) que registra “o momento de decolagem” daquele grupo de jovens futuristas com o lançamento de A Revista, uma publicação que foi saudada pelo jornal O Diário de Minas.

Dias informa que Martins de Almeida e Carlos Drummond de Andrade eram seus diretores, e Emilio Moura e Gregoriano Canedo eram os redatores. O editorial do primeiro número seria de Martins de Almeida. Mas como o autor não é citado, podemos apenas informar que A Revista é apresentada ao público num texto sob o título “Para os Céticos” do qual destacamos:

“Supõe-se que ainda não estamos suficientemente aparelhados para manter uma revista de cultura, ou mesmo um simples semanário de bonecos cinematográficos: falta-nos desde a tipografia até o leitor. Quanto a escritores, oh! Isso temos de sobra.([ii])

Neste mesmo número encontra-se o artigo “À margem de Pascal”, de autoria de Martins de Almeida. Já no segundo número([iii]) o editorial é um convite “Para os espíritos criadores” do qual destacamos:

“Não queremos atirar pedras ao passado. O nosso verdadeiro objetivo é esculpir o futuro. Aí estão problemas essenciais da nacionalidade exigindo uma solução imediata. Pretendemos realizar, ao mesmo tempo, uma obra de criação e de crítica. […] Na verdade, um dos nossos fins principais é solidificar o fio das nossas tradições. Somos tradicionalistas no bom sentido. […] Se adotamos a reforma estética, é justamente para multiplicar e valorizar o diminuto capital artístico que nos legaram as gerações passadas.”

O artigo de Martins de Almeida vem, desta vez, na página 19, sob o título “Crítica psicológica: a propósito de Manuel Bandeira.”

É um exercício interessante analisar os propósitos da ‘rapaziada’ como foram chamados por Werneck([iv]), expressos nos editoriais de A Revista, e a forma como cada um deles se expressou naqueles únicos três números da publicação. No artigo do segundo número, Martins de Almeida declara ser “a maior parte das nossas obras de arte formada de impressões que se cristalizam à flor da pele” e que, por conta disto, “a nossa arte é constituída, quase toda, de preconceitos, artificialismos e cópias”. Em seguida faz algumas avaliações sobre a obra de Manoel Bandeira, comentando que o poeta modificou sua forma de expressão dando um verdadeiro salto entre “Cinzas das Horas” e “Carnaval”. Nesta, Bandeira([v]) “desalinhou a simetria forçada do ritmo e pôs dissonâncias na música plan-rataplan do antigo verso.”

O terceiro e último número de A Revista([vi]), que embora datado de setembro de 1925 só foi publicado em 1926, é aberto com Poética, de Manuel Bandeira, seguido de Sambinha, de Mário de Andrade, depois Pijama, de Guilherme de Almeida e Broadway, de Ronald de Carvalho.

Naquela época, em que os denominados “passadistas” não aceitavam o abandono dos rigores da técnica, a opção dos diretores e redatores pode ter representado um forte chamamento a novos valores estéticos. Os quatro poemas foram seguidos pelo texto Malazarte, em que Martins de Almeida([vii]) analisa a peça homônima de Graça Aranha, romancista que aderiu ao Modernismo e seu rompimento com os tradicionalistas causou escândalo no meio literário da época.

Além dos trabalhos para A Revista, Martins de Almeida publicou o livro Brasil Errado, pela Editora de Augusto Frederico Schmidt, cuja segunda edição([viii]) saiu em 1953. Colaborou com Terra Roxa, veículo dos modernistas de São Paulo, com a Revista do Brasil e com os jornais A Noite, Correio da Manhã, Diário de Notícias, O País, O Mundo e com o Suplemento Literário do Jornal Estado de Minas([ix]). “O Avesso dos Maridos Enganados ou, A Sociedade dos Cornos Livres”, de 1976, é o título de uma peça teatral que chegou a ser traduzida para o francês e da qual companheiros do autor dão notícia, sem contudo sabermos se foi realmente publicada.

Mas o assunto não termina aqui. O Trem de História continua a sua viagem. No próximo número virão mais alguns comentários de críticos e amigos do modernista leopoldinense. Até lá.


[i] DIAS, Fernando Correia. O Movimento Modernista em Minas: uma interpretação sociológica. Brasília: Ebrasa, 1971. p.38

[ii] A Revista. Ano 1, número 1, Belo Horizonte, julho de 1925, p.11

[iii] A Revista. Ano 1, número 2, Belo Horizonte, agosto de 1925, p.11

[iv] WERNECK, Humberto. O desatino da rapaziada: jornalistas e escritores em Minas Gerais (1920-1970). 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012

[v] A Revista. Ano 1, número 2, Belo Horizonte, agosto de 1925, p.21

[vi] A Revista. Ano 1, número 3, Belo Horizonte, setembro de 1925, p.11

[vii] A Revista. Ano 1, número 3, Belo Horizonte, agosto de 1925, p.17

[viii] MARTINS DE ALMEIDA. Brasil Errado. 2.ed. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1953.

[ix] NAVA, Pedro. Beira-Mar Memórias/4. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978. p.218.

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 323 no jornal Leopoldinense de 16  de janeiro de 2017