69 – Martins de Almeida na visão de terceiros

O Trem de História segue sua viagem com os comentários dos críticos e amigos do modernista leopoldinense, como se verá a seguir.

Na década de 1930, já morando no Rio de Janeiro, Martins de Almeida foi diversas vezes citado em matérias sobre “Alguma Poesia”, obra que Carlos Drummond de Andrade havia lançado. Eram comentários e impressões de intelectuais da época, muitos deles estendidos a todo o grupo mineiro.

Augusto Frederico Schmidt publicou em O Jornal, em 1929, um artigo sob o título Os novos de Minas. Tristão de Ataíde, pseudônimo de Alceu de Amoroso Lima, além de comentar a obra de Martins de Almeida em janeiro([1]) de 1931, voltou ao assunto quando abordou “Os novos de 1927” – como ficou conhecido o grupo modernista – em seu Estudo publicado em livro em 1934. Afonso Arinos (sobrinho) teceu elogios à obra em junho([2]) de 1930, Agripino Grieco([3]) em fevereiro de 1931 e Raul Floriano em junho de 1931([4]).

Para Fernando Correia Dias([5]), nessa época a “literatura era vivida em profundidade, era amplamente participada”. Baseia esta sua interpretação no já citado artigo de Martins de Almeida publicado em 1930 em O Jornal, do qual recolhemos um trecho significativo([6]):

“Nós outros, companheiros de vida literária ou antes, de vida vivida (Emílio Moura, João Alphonsus, Pedro Nava e eu) temos de emprestar um caráter particularíssimo às poesias de Carlos Drummond. Vemos que muitas delas não param nelas mesmas, continuando infinitamente para além do próprio autor. Cada um de nós tem a sua parte em várias daquelas poesias.”

Em Galo das Trevas Pedro Nava informa que o nosso biografado escreveu([7]), também, “Amigado com a vida – inédito, conhecido só dos que receberam do autor suas cópias xerografadas”. E diz considerá-lo um ensaísta de primeira e um dos melhores espíritos críticos da sua geração. “Um conversador admirável, o que justificaria plenamente o apelido que lhe dava Emílio Moura de: o nosso Rivarol[8]”.

Para Ribeiro Couto([9]), em carta dirigida ao próprio Martins de Almeida, ele foi “um crítico de mão cheia que devia cultivar essa veia”.

Agripino Grieco([10]), em artigo publicado na Gazeta de Notícias se refere a Martins de Almeida como um: “escritor de uma sobriedade elegante, pensador e esteta, inimigo da vulgaridade e sempre desejoso da beleza”.

Uma rápida passagem por uma das principais obras de Martins de Almeida, a publicação denominada “A Revista”, se faz necessária. E para isto nos valemos da opinião de Ronald de Carvalho([11]) em carta a Carlos Drummond de Andrade, em 01.09.25. Diz ele:

“Que bonita fogueira estão vocês fazendo com A Revista. Precisamos dessas queimadas para a nossa literatura de gravetos, espetos, paus e palitos de Ovar. Você e Martins de Almeida, que inteligentíssimos diabos para sapecar essas pereiras, pessegueiros e oliveiras do nosso mato acadêmico!”

Para Dias([12]), o grupo mineiro decolara, impusera-se como coletividade estruturada, através de um instrumento eficaz de afirmação: uma revista fugaz, porém marcante.

Como é sabido, A Revista contou apenas com três edições e seu fim não tem explicação definitiva. Para uns, deveu-se a dificuldades econômico-financeiras. Para outros, a saída de Belo Horizonte daqueles jovens que foram buscar novos horizontes depois da formatura foi o real motivo para o fim de A Revista.

Os comentários sobre o movimento modernista de Belo Horizonte não se esgotam aqui. Mas o espaço do Jornal impõe que o Trem de História encerre por hoje. No próximo número ele volta com a carta de Mário de Andrade para Martins de Almeida. Até lá.


[1] O Jornal, Rio de Janeiro, 18 jan 1931, ed 3739 Primeiro Caderno p. 4.
[2] idem, 15 jun 1930, ed 3554 Primeiro Caderno p. 2.
[3] idem, 22 fev 1931, ed 3769 Segunda Seção p. 2.
[4] idem, 17 jun 1931, ed 3867 Segunda Seção p. 21.
[5] DIAS, Fernando Correia. O Movimento Modernista em Minas: uma interpretação sociológica. Brasília: Ebrasa, 1971. p.114
[6] O Jornal, Rio de Janeiro, 10 ago 1930, ed 3602, Segunda Seção, p. 2
[7] NAVA, Pedro. Galo-das-Trevas: As Doze Velas Imperfeitas: memórias, 5. Rio de Janeiro: José Olumpio, 1981. Nota p. 319
[8] Referência ao escritor e polemista Antoine de Rivarol, nascido na França em 1753 e falecido na Alemanha em 1801
[9] A Revista. Reimpressão fac-similar de José Mindlin, Patrocínio da Metal Leve S.A, São Paulo,1978. p.87.
[10] idem, p.86.
[11] idem, p.85.
[12] DIAS, Fernando Correia. O Movimento Modernista em Minas: uma interpretação sociológica. Brasília: Ebrasa, 1971. p.43

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 324 no jornal Leopoldinense de 1  de fevereiro de 2017

 

67 – Martins de Almeida – Um modernista nascido em Leopoldina

“Às vezes, sou invadido pela dúvida de que não 

fiz mais do que sonhar às avessas dos outros.”

Martins de Almeida([i])

A partir de hoje o Trem de História empreenderá viagem pela obra e vida de Martins de Almeida, um modernista nascido em Leopoldina. Um importante personagem que se pretende retirar da gaveta dos esquecidos.

De início é justo registrar que a busca pelas suas origens foi estimulada por Glória Barroso e José Gabriel Barbosa que, sabedores de nossos estudos sobre as antigas famílias leopoldinenses, perguntaram a quem pertencia este nome citado por Pedro Nava como tendo nascido em Leopoldina. Uma pergunta que nos intrigou e para a qual não tínhamos resposta naquele momento.

Iniciadas as buscas a partir das informações de Pedro Nava e de outros modernistas, descobrimos o nome completo do personagem e de seu pai, embora não existisse menção alguma a eles em nosso banco de dados.

A luz no final do túnel surgiu quando a Hemeroteca Nacional se tornou disponível na rede mundial de computadores e permitiu que, através de uma busca pelos nomes, se chegasse ao anúncio do noivado([1]) de Georgina, filha de Félix Martins Ferreira [neto] e de Heliodora Pinheiro Correia de Lacerda com o então Secretário da Polícia de Ouro Preto, Dr. Antonio Francisco de Almeida.

Descobriu-se, então, que Francisco Martins de Almeida, o até então desconhecido modernista, nasceu([2]) em Leopoldina em 07 de janeiro de 1903 e faleceu([3]) no Rio de Janeiro (RJ) no dia 29 de julho 1983. Era filho do magistrado Dr. Antonio Francisco de Almeida e de Georgina Martins de Almeida. Teria sido aluno do Colégio Granbery, em Juiz de Fora, segundo informações de um membro da família. E soube-se que em 1920 ele já estava em Belo Horizonte onde, segundo o poeta Drummond de Andrade, teria aberto “a caixa com os primeiros livros de Proust a chegarem na cidade”([4]). Na capital mineira era acadêmico de direito([5]) em 1923 e participava do Grupo Estrela, com rapazes que “decompunham e recompunham o espetáculo humano e preparavam materiais de cultura”, conforme declarou Drummond([6]).

Fernando Correia Dias([7]) informa que pouco tempo depois nosso biografado estava residindo no interior do estado, na cidade de Oliveira, para onde havia sido nomeado promotor. O que não o impediu de continuar em contato com os companheiros, inclusive no debate que se seguiu a algumas opiniões. Fato que se confirma pelas páginas do jornal Diário de Minas, citado por Dias em sua obra, onde Martins de Almeida contestou a entrevista de João Alphonsus, outro nome da literatura mineira naquele momento.

Para concluir a carga deste vagão de hoje, destacamos que no posfácio de seu livro “Brasil Errado” o autor fala de si mesmo, numa espécie de autobiografia do seu fazer intelectual que se transcreve([8]):

“É muito comum deixarmos abandonadas nossas ideias no meio do caminho por onde enveredamos, um pouco distante do ponto terminal do nosso percurso espiritual. Propositadamente nem sempre chegamos ao extremo de nossos pensamentos. Talvez por pudor intelectual, receando o desapontamento de um efeito excessivo. Não sei bem, mas raramente atingimos as últimas conclusões de nossas ideias. Falo a respeito dos nossos pensamentos claros e frios, sem qualquer envoltório simbólico, que param de repente sem querer chegar às suas derradeiras consequências. O meu espírito vai muito além do que escrevi. De fato, os meus trabalhos estão quase todos por acabar”.

E acabar é a ação imposta a este texto, por razão de espaço. Mas fica a promessa de que na próxima edição o Trem de História continuará com Martins de Almeida. Aguardem!


[i] ALMEIDA, Francisco Martins de. Brasil Errado. 2.ed. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1953. p. 144.

[1] Minas Geraes. Belo Horizonte, MG, 2 abr 1898, ed 89 p.5

[2] Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais de Providência, Leopoldina, MG, matricula: 0371430155 1903 1 00003 053 0000003 81.

[3]Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 30 jul 1983, ed 113 p.14

[4] Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, RJ, 26 out 1977, ed. 8589 p.9.

[5] O Pharol, Juiz de Fora,MG, 29 jul 1923, ed 366 p. 1.

[6] ANDRADE, Carlos Drummond de. Recordação de Alberto Campos. In: Confissões de Minas. São Paulo: Cosac Naify, 2011. p.50

[7] DIAS, Fernando Correia. O Movimento Modernista em Minas: uma interpretação sociológica. Brasília: Ebrasa, 1971. p.38

[8] MARTINS DE ALMEIDA. Brasil Errado. 2.ed. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1953. p.143

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 322 no jornal Leopoldinense de 1  de janeiro de 2017