O poder da escrita

Alberto Manguel, escritor, tradutor e ensaísta argentino, reflete sobre o grande poder da escrita, a capacidade de ultrapassar aqueles que considera as duas maiores fronteiras da humanidade: o tempo e o espaço. Conferencista do Fronteiras do Pensamento 2014.

“Através da literatura, através da escrita, o tempo não era um obstaculo, nem o espaço era um obstáculo.”

5 – Porque Tantos em Tão Pouco Tempo

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA
Publicado no jornal Leopoldinense de 16 de agosto de 2014

Continuação do trabalho A Imprensa em Leopoldina (MG) entre 1879 e 1899

Nesta viagem sobre a Imprensa em Leopoldina o leitor deve ter observado que o Trem de História corre por trilhos imaginários que ligam os periódicos que circularam durante um determinado recorte de tempo – entre 1879 e 1899. No artigo de hoje a viagem continua.

Agora, para falar da razão de tantos periódicos em período tão curto.

E o princípio da conversa é a afirmação de Nelson Werneck Sodré, em “A História da Imprensa no Brasil”, de que durante o Império houve uma interiorização da imprensa através da publicação de periódicos nas pequenas cidades como forma de compensar a dificuldade de transporte e do serviço de Correio, os quais embaraçavam a chegada às cidades menores dos jornais da Corte e das capitais de província.

Por este modo de pensar os periódicos da cidade teriam proliferado num vazio deixado pela falta ou, deficiência do transporte para o interior do país.

Tudo leva a crer que esta não seria a melhor justificativa para a profusão de folhas que se lançaram em Leopoldina nas duas últimas décadas do século XIX. Até pelo simples fato de que a cidade poderia ser considerada uma privilegiada pela proximidade do Rio de Janeiro. Além de a Estrada de Ferro da Leopoldina já existir, a análise de Rodolpho Jacob no livro “Minas Gerais XX Século” e as tabelas do movimento de transporte ferroviário publicadas no Almanaque Laemmert entre 1879 e 1889 registram que era significativo o movimento diário de carga que chegava a Leopoldina, aí incluída a correspondência. Em verdade Leopoldina contava com o trem e uma boa troca de interesses com a capital.

Outro argumento utilizado para tentar explicar a grande quantidade de jornais na segunda metade do século XIX é a disseminação das ideias republicanas, mencionada por Sodré, na sua obra já citada.

Por este caminho o surgimento do grande número de periódicos publicados em Leopoldina decorreria da necessidade de disseminar tais ideias, o que também não parece tese de fácil defesa. Isto porque a leitura destes jornais não conduz à certeza de que teriam sido criados com o objetivo de divulgá-las ou rebatê-las a qualquer pretexto.

Mas o mesmo autor apresenta um outro motivo que parece adequar-se melhor ao que ocorreu em Leopoldina. Argumenta ele que as últimas décadas do século XIX não representam apenas uma grande época política. Foi também uma época literária, o que parece ser a causa mais provável para o lançamento de tantos jornais em tão curto espaço de tempo. Um motivo que melhor se amolda à Leopoldina daquele tempo e, à dos anos posteriores ao período estudado, quando a cidade se destacou culturalmente e contou com um dos melhores colégios da região.

No próximo Jornal o Trem de História continuará a viagem puxando o vagão que vai nominar e contar um pouco da história dos vinte e um periódicos que circularam no município de Leopoldina no período estudado. Tem jornal para todo gosto.

4 – Colunas Literárias

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado no jornal Leopoldinense de 1 de agosto de 2014

Continuação do estudo sobre A Imprensa em Leopoldina (MG) entre 1879 e 1899

Não foram apenas os dois autores citados no artigo anterior que escreveram colunas literárias publicadas nos antigos jornais de Leopoldina. No jornal O Leopoldinense, havia uma coluna denominada Folhetim, na metade da primeira página.

Na Gazeta de Leopoldina, na edição nº 5 do terceiro ano, foi inaugurada uma seção, também na primeira página, com o título A Gazetinha e o subtítulo Folha Literária.

Em outros jornais da época existiam colunas contendo material semelhante, que no livro “História e Imprensa: Representações Culturais e Práticas de Poder”, organizado por Ariane Ewald e outros, é descrito como crônicas folhetinescas “divulgadoras de uma trama social, de um estilo de vida, de valores que sinalizaram a modernidade no século XIX”. Que equivaliam ao que Nelson Werneck Sodré classificou de “romances e novelas anônimas, fabricadas aos montes para distrair o espírito das sinhazinhas e dos estudantes”.

É o caso, por exemplo, d’O Leopoldinense, que durante o ano de 1881 publicou a tradução feita por Silva Ennes para A Condessa de Talma dividida em várias edições, sem ter sido indicada a nacionalidade ou o nome do autor da obra.

Também eram publicadas traduções e análises críticas de obras europeias. Algumas vezes com conteúdo que surpreende por aparentar certa incompatibilidade com o que o senso comum entende ser característica da sociedade da época. Como a análise da obra “As Mulheres que Votam e as Mulheres que Matam”, de Alexandre Dumas Filho, publicada na primeira página da edição nº 51, de 07.11.1880, d’O Leopoldinense. Anunciada como “correspondência do Leopoldinense”, o texto informa que a primeira parte da obra trata de três mulheres acusadas de terem assassinado os pais de seus filhos, sendo uma delas atriz, a segunda uma serva e a terceira uma senhora casada. Após descrever os processos, o autor dialoga com o leitor declarando que os crimes aconteceram “porque não tendes ânimos de fazer leis que confiram à honra das donzelas as mesmas garantias que à mais grosseira mercadoria”. Já na segunda parte da obra, diz o articulista, o autor defende “o direito que tem a mulher de votar, como o homem”. O texto questiona a diferença entre sexos e declara que as teses advogadas por Dumas Filho passariam por diversas fases como espanto, hábito, experiência, dever e finalmente um bem para a sociedade.

De resto, a apreciação dessas colunas literárias suscita algumas conclusões.

Em primeiro lugar, há uma sensível diferença entre a primeira fase, em que O Leopoldinense era o único periódico e a quarta fase, com vários jornais sendo publicados simultaneamente ou não. Se naquela os autores não puderam ser identificados, nesta houve nomes que permaneceram na lide literária. Enquanto a primeira fase caracterizou-se por romances e novelas anônimas, na última eram publicadas poesias, contos curtos e pequenas crônicas, quase sempre com identificação da autoria. Por outro lado, a quarta fase inaugurou a época das charadas, piadas e colunas de opinião.

De todo modo, não se pode esquecer o alerta do livro de Ariane Ewald de que as “crônicas são fragmentos e, ao mesmo tempo, elementos do social” e que tais “fragmentos da vida no século XIX indicam também os sinais mais públicos e visíveis do projeto da modernidade” que se vivia à época. Ampliando-se a área de alcance destes conceitos para além das crônicas folhetinescas, percebe-se que outras matérias publicadas nos primeiros periódicos leopoldinenses se enquadram na mesma condição de reflexo da vida cotidiana.

De certo modo foi o que se observou, por exemplo, na crônica publicada na edição de 30.01.1896 da Gazeta de Leopoldina, assinada por J. Lorbela, provável pseudônimo. Após uma introdução bastante rebuscada em elogios ao distrito de Conceição da Boa Vista, o autor usa de fina ironia para denunciar “esse ninho de águias” que seria o Conselho Distrital e fazer provocações sobre a falta de água, de iluminação e de prédio para a escola. No prosseguimento, declara que não houve eleição no distrito porque “na forma do costume, os eleitores deixaram-se ficar no seu dulce far niente”, abstendo-se de participar do pleito. E encerra o texto pedindo ao fiscal distrital para por “termo às infrações ao estatuto municipal, tão desrespeitado por indivíduos menos ocupados que se divertem dia e noite a alvejar as suas armas, pondo em sobressalto crianças e famílias”. Pela leitura das crônicas deste articulista durante boa parte do ano de 1896 é possível acompanhar o cotidiano do distrito de Conceição da Boa Vista.

Dá até vontade de continuar nesta toada. Mas o Trem de História soou o apito indicando que é chegada a vez do vagão que vai explicar as razões para Leopoldina ter tido tantos periódicos em tão pouco tempo. Aguardem.