Arte de Curar em Leopoldina

Para marcar o 168º Aniversário de Emancipação da Cidade o Trem de História faz hoje uma viagem especial pelo antigo Feijão Cru para apresentar aos leitores o cidadão

ANTONIO PEREIRA VALVERDE,

um pioneiro que deve ser visto de forma diferenciada por ter sido, como indicam os seus pertences inventariados, uma pessoa com algum gosto pela leitura e preocupada em conhecer a arte de curar, o que era pouco comum na época.

Isto porque a análise de inventários e testamentos diz muito não apenas sobre a pessoa em si, mas sobre a sociedade da época. E a Descrição de Bens do inventário desse fazendeiro de Leopoldina, aberto em 1849, traz registros interessantes. Nele, além dos objetos em ouro, prata, animais, escravos e bens de raiz, há alguns itens significativos tais como: estojo de navalhas, pedra de afiar, três livros de Chernoviz, dois volumes do Manual do Fazendeiro e um “livro da arte de curar a si mesmo”. Itens que, listados na ordem aqui informada, indicam que eram entendidos pelos avaliadores como pertencentes à mesma classificação ou, seja, eram bens da mesma importância.

A busca de informações sobre esses livros mencionados levou à leitura da dissertação de mestrado[1] de Maria Regina Cotrim Guimarães que descortinou alguns saberes bastante esclarecedores. De modo geral, é comum imaginar que naquela altura do século XIX os moradores do interior não tivessem acesso a médicos nem tampouco ao conhecimento científico da arte de curar. Embora a primeira afirmativa seja correta, já que os profissionais se concentravam nos grandes centros, havia o que Maria Regina chamou de “literatura auto-instrutiva” representada por variada gama de manuais. Ressalta a autora que eram obras sofisticadas, em grossos volumes, dedicadas a informar o público leigo. Tinham grande aceitação e larga difusão entre leigos letrados como boticários, fazendeiros e suas esposas que utilizavam as técnicas ensinadas nos manuais em seu ambiente social.

A mencionada autora destaca o cunho civilizador de tais obras, pois informavam e introduziam noções de medicina que estimulavam os leitores contra o charlatanismo, além de grandes benefícios que resultavam das orientações a respeito da higiene.

CHERNOVIZ

Entre os autores de tais manuais surge, então, o talvez mais popular entre eles: Piotr Czerniewicz, polonês, que se tornou conhecido pelo nome abrasileirado de Pedro Napoleão Chernoviz. Médico chegado ao Brasil em 1840 e que já no ano seguinte publicava artigo na Revista Médica Fluminense. Em 1842 publicou a primeira edição de sua obra mais difundida: Dicionário de Medicina Popular, em dois volumes com uma tirarem de três mil exemplares, o que era inimaginável para a época.

Figura 1- Diccionario de Medicina Popular, de Pedro Luiz Napoleão Chernoviz

Guimarães ressalta, ainda, ser uma obra de grande utilidade doméstica pelo formato de dicionário que facilita a busca pelos termos, como também pelos assuntos escolhidos. Além da descrição dos males e seu tratamento, trazia também indicações de fórmulas para tingir cabelos, para tirar nódoas e tinta para escrever, entre outras.

Chernoviz aconselhava a formação de uma “botica” doméstica, ou seja, uma farmácia, e ensinou a melhor forma de conservação dos elementos que ela deveria conter e que chegavam a 67 diferentes substâncias na terceira edição. Em edições posteriores, a obra passou a ser vendida junto com uma botica portátil. Acredita-se que desde a primeira edição era também sugerido o uso de determinados tipos de navalhas, o que justificaria o ‘estojo de navalhas’ listado entre os bens do fazendeiro leopoldinense inventariado em 1849.

Vale registrar que a obra teve diversas edições, inclusive após o retorno do autor para a Europa com mulher e filhos brasileiros.

ANTONIO PEREIRA VALVERDE, O PROPRIETÁRIO DAS OBRAS

O dono das obras mencionadas foi Antonio Pereira Valverde, cuja mais antiga referência de localização é a Sesmaria do Piau, então pertencente à Freguesia do Engenho da Mata, atual Paula Lima, distrito de Juiz de Fora. Lá ele se casou com Ana Angélica procedente de Remédios. Mais tarde estabeleceu-se na Fazenda Boa Vista da Independência, no território do atual distrito de Piacatuba, onde sua esposa vivia com os filhos até 1877, quando fez testamento[2].

Antonio nasceu por volta de 1794, filho do português José Pereira Valverde e Luiza Francisca da Assunção.  Luiza era natural de Itaverava e falecera na Sesmaria do Piau no dia 16 de junho de 1816, deixando mais dois filhos além de Antonio: Maria Rosa, casada com Manoel Fernandes de Oliveira e Leonardo Pereira Valverde do qual não se tem outras informações.

O pai de Antonio se casou novamente com Aniceta Francisca de Almeida de cujo matrimônio não havia herdeiros vivos quando ele faleceu.

E pela terceira vez José Pereira Valverde se casou com Maria Constança de Jesus, filha de Luiz Coelho Machado e Francisca. Deste consórcio foram os filhos Bárbara casada com Laurindo Pereira da Cunha, Ana Rita casada com Bento José de Matos, outra Maria Rosa casada com Custório Ernesto da Silva e, Clara Maria de Jesus.

José faleceu na Sesmaria do Piau aos 22 de outubro de 1847. Maria Constança, após enviuvar-se casou com Casimino Antonio de Faria, filho de Francisco Antonio de Faria.

Até o momento não há notícia de que os irmãos de Antonio tenham migrado para o Feijão Cru.

Antonio Pereira Valverde e Ana Angélica tiveram 9 filhos, sendo que pelo menos dois deles se casaram com descendentes dos formadores de propriedades vizinhas.

ANTONIO PEREIRA VALVERDE E SEUS VIZINHOS

Na mais antiga representação cartográfica[3] da nossa região estão os nomes dos proprietários aqui estabelecidos em 1847. Embora o desenho seja sofrível, justificável até mesmo pelo tempo decorrido, é possível identificar alguns aspectos.

Transpostos para uma cartografia[4] de 1938, estes aspectos auxiliaram a coleta dos nomes dos três proprietários marcados nas proximidades do Ribeirão Samambaia. Os nomes das propriedades confrontantes, conforme os processos de Divisão Judicial e inventários dos envolvidos entre 1877 e 1904, ajudaram a definir o local provável de cada sede. E assim chegou-se aos pioneiros que se estabeleceram entre o Rio Pardo e o Ribeirão Samambaia:

1 – Francisco Luiz Pereira, fazenda Ribeirão Samambaia, próxima da foz do ribeirão no rio Pardo, depois se chamou fazenda Francisco Luiz e, mais tarde, fazenda Indaiá.

2 – Antonio Pereira Valverde, fazenda Boa Vista da Independência, divisas ao norte com Francisco Luiz e ao sul com os Vitais.

3 – Vital Antônio de Oliveira, fazenda Fortuna, cuja marcação de 1847 não está bem definida, podendo ser na margem direita do Rio Pardo. Esta indefinição ainda carece de mais estudos visto que a localização da fazenda dos Vitais, em 1904, aparece como sendo na margem esquerda.

Um fato curioso a respeito destes três pioneiros é que as propriedades não foram lançadas no Registro de suas Terras, em 1856, em Leopoldina. Mas os três proprietários foram citados nos registros feitos pelos confrontantes.

Muito ainda se tem para contar, inclusive, sobre a descendência de Antonio Pereira Valverde. Mas por hoje esta parte da história de Leopoldina fica por aqui. Até breve!

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 432 no jornal Leopoldinense, maio de 2022

Fontes consultadas:


[1] GUIMARÃES, Maria Regina Cotrim. Civilizando as artes de curar: Chernoviz e os manuais de medicina popular no império. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História das Ciências da Saúde, Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2003. Atualmente disponível em <https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/6128> 
[2] Inventário e testamento de Ana Angélica da Conceição, processo 38405056. 
[3] TEODORO, João José da Silva, Carta Topográfica dos Termos do Presídio, Pomba e São João Nepomuceno (Acervo da Biblioteca Nacional: 1847) 
[4] Mapa do Município de Leopoldina produzido em obediência ao Decreto Lei nº 311 de 2 de março de 1938, com base em: Commissão Geographica e Geologica de Minas Geraes, Carta Geográfica de Cataguases Folha nº 20 S2 E3 (São Paulo, Cayeiras e Rio: Secção Cartographica da Companhia Melhoramentos (Weisflog Irmãos incorporada), 1926.)

10 opiniões sobre “Arte de Curar em Leopoldina”

  1. Olá! Estou buscando informações sobre minha família. Em uma das linhas de buscas cheguei até “Manoel Joze Pereira” e “Carlota Maria de Jesus”.

    Manoel, Joze Pereira nasceu em 13/11/1859, e foi batizado na paróquia Senhor Bom Jesus em Argirita. Era filho de “Gabriel Pereira” e “Antônia Glz°” naturais de Portugal da Freguesia de Buivaes Província de Traz dos Montes. Estes são triavós do meu avô. E,

    Carlota Maria de Jesus era filha de “Joze Lourenço” e de “Feliciana Maria de Jesus”.

    Manoel tinha um irmão que se chamava “Antônio” e nasceu em 07/03/1864, tendo sido batizado na mesma igreja.

    Encontrei ainda, o registro de batismo na mesma capela de “Antonia”, filha de Antônio Bento da Cruz e de D. Maria Francisca de Jesuz, nascida em 23/05/1874. Ela foi casada com Antônio Amaro Pereira (filho de Manoel Joze Pereira de Carlota Maria de Jesus)

    Se você tiver qualquer informação das pessoas citadas ou souber onde posso encontrá-las, agradeço.

    Att.:

    Gostar

    1. Olá, Daiane. Esta família ainda depende de novas buscas. Um visitante do site passou-me informações semelhantes que disse ter coletado em genealogia publicada na internet. No entanto, a filiação de Carlota é diferente da que eu encontrei no inventário da avó materna dela. Por existirem homônimos, pedi as fontes do visitante e não obtive resposta. Considerando que o primeiro livro de batismos de Bom Jesus do Rio Pardo estava muito ruim quando o consultei, não pude confirmar o nascimento de Manoel.

      Gostar

      1. Obrigada!

        Tenho a informação de que Antônio Amaro Pereira (filho de Manoel Joze Pereira e de Carlota Maria de Jesus) e Antônia Maria de Jesus (filha de Antônio Bento da Cruz e de Maria da Cruz) casaram-se em Dores do Monte Alegre (atual distrito de Taruaçu). Até o momento não encontrei nenhum registro de Antônia Maria de Jesus além do local de seu casamento que consta na certidão de nascimento de seu neto, José Antônio Amaro. Você teria algum registro/informação de Antônia, por gentileza?

        Gostar

      2. Daiane: por favor, informe o período em que as pessoas citadas viveram na região de Bom Jesus do Rio Pardo. Pode ser que os nomes sejam diferentes do que consta nas fontes documentais. O casamento de Antonia Maria ocorreu depois que o atual distrito de Taruaçu deixou de pertencer a Leopoldina?

        Gostar

    2. Olá Daiane, tudo bem?

      Também estou em busca da história familiar.

      Minha bisavó, MARIANA ANTONIA DE JESUS, é filha de ANTONIO AMARO PEREIRA e ANTONIA MARIA DE JESUS, esses são os nomes que constam na certidão de casamento da minha bisavó.

      Segundo o cartório onde foi realizado o casamento, ela é natural de Rio Pardo, agora Argirita.

      Acho que temos alguma história em comum!

      Meu contato é linesima@gmail.com

      Gostar

    3. Olá, Daiane!

      Meu nome de solteira é Ana Lucia Simas. Sou neta da Mariana Maria Antonia filha do Antonio Amaro Pereira. Meu pai é o Sebastião Medeiros Simas, filho da Mariana com José Medeiros.

      Gostar

  2. Olá Nilza. Me interessaria descobrir se você sabe algo a mais sobre essa familia Pereira Valverde. Tenho uma antepassada que é um misterio pra mim (em 3 anos de pesquisa ainda não achei a filiação) e achei que por conta do sobrenome dela ‘Viuvarda Pereira’ seria valido pesquisar se não poderia se tratar de erro de registro e se trarar de uma Valverde. Fico no aguardo.

    Gostar

    1. Olá. Na família Valverde que viveu em Leopoldina há muitas pessoas homônimas. Para fazer uma busca é preciso saber o nome completo da pessoa que você procura bem como nome do cônjuge, dos filhos que teriam vivido na região e em qual época. Em princípio não dá para descartar nenhuma hipótese. Nas fontes que consultei, o sobrenome dos Valverdes aparece em várias grafias.

      Gostar

      1. Eu também estou preocupado pela família Pereira Valverde
        Eu vi que a sua árvore genealógica liga a minha estou procurando pelo Hort Pereira Valverde e Galdino Pereira Valverde

        Gostar

Deixe uma resposta para pauldepontbriandvieiraPaul Vieira Cancelar resposta