145 – Imigrantes Italianos em Leopoldina – Alimentação dos colonos

Para lembrar o Dia Nacional do Imigrante Italiano, comemorado no próximo dia 21 de fevereiro, nada melhor do que uma boa mesa. Daí a ideia do Trem de História de hoje tratar do tema “alimentação dos colonos” às vésperas da comemoração.

Antes, porém, um rápido parêntese para lembrar que o Brasil, possuidor de uma das maiores populações de sangue italiano fora da Itália, instituiu esta data pela lei nº 11687, de 02.06.08, para homenagear a expedição de Pietro Tabacchi que chegou ao Espírito Santo no dia 21.02.1874, marcando o início da imigração italiana para as lavouras brasileiras.

É comum falar de mesa farta, suculentos pratos de massas regados a molhos variados e canecos com os melhores vinhos quando se pensa em alimentação dos italianos. E da culinária italiana dos atuais restaurantes especializados, com seus pratos variados à disposição de todos.

Mas os depoimentos colhidos de pessoas mais velhas, descendentes diretos ou, próximos dos imigrantes que se fixaram na Colônia Agrícola da Constança e nos demais roçados de Leopoldina, apontam para um quadro um pouco diferente.

Antes mesmo de passarem ao Brasil, os colonos que vieram para cá tinham hábitos alimentares concernentes à possibilidade de produção na região em que viviam.

No que se refere ao Veneto, por exemplo, de onde vieram 27,3% dos imigrantes italianos de Leopoldina catalogados até agora, Emilio Franzina[1] relata que a agricultura era ali praticada no sistema de “cultura mista, centrada na tríade produtiva de vinho, trigo e milho”. Segundo esse autor, os proprietários das terras dividiam-nas em três campos, sendo um para milho e dois para trigo, entremeados por fileiras de videiras. Desta forma, tinham assegurada a polenta e a lenha para cozinhá-la.

Já para Renzo Grosseli[2], o pão e a polenta eram indispensáveis na alimentação dos colonos trentinos (1,7%) e lombardos (9,9%) que se estabeleceram no Espírito Santo. A batata, muito cultivada na região em que se estabeleceram, era utilizada pelos italianos para alimentar os porcos. Especialmente os trentinos, informa o autor, procuraram desenvolver a cultura de cereais como o milho e o trigo, além de legumes e hortaliças.

Do que foi apurado em Leopoldina, pelo menos nas gerações mais antigas o vinho e o macarrão não frequentavam as mesas diárias dos colonos. Mesas que, na maioria das vezes, eram montadas na própria cozinha e geralmente rodeadas de bancos de madeira.

Tampouco havia macarrão nos caldeirões levados com o trabalhador para o local do trabalho. Vinhos e massas eram comuns apenas quando o almoço era servido na mesa da sala em dias de visitas, nos “jantarados” dos finais de semana e nas comemorações de algum acontecimento significativo.

E são compreensíveis as razões para esta prática.

O clima quente de Leopoldina não se prestava ao plantio do trigo e da uva. Faltavam os mais elementares recursos para o seu cultivo e preparo nas terras montanhosas da região. Por outro lado, nem sempre estava ao alcance daqueles colonos a aquisição dos produtos deles derivados. Não só pelo preço, mas também pela dificuldade em encontrá-los no armazém próximo ou, se deslocar da roça para a cidade e fazer a compra. Assim, tornou-se muito mais fácil ao colono imigrante adaptar-se à realidade dos que por aqui viviam e aderir aos costumes vigentes.

Outro fator importante ressaltou de alguns depoimentos ao mencionarem que os imigrantes já haviam substituído a massa de suas mesas ainda na Itália, onde o trigo escasseava e atingia altas cotações.

Para estas pessoas, o talharim, os rissoles e pães, ainda na Itália já haviam perdido a concorrência para a polenta (salgada ou doce), os bolos, as broas, as cavacas (bolachas endurecidas), o cubu, o milho cozido ou assado e demais derivados desse grão de cultivo e manejo mais fácil e de mercado bem mais simples.

Decorre daí o hábito, bastante comum na região, de substituir o pão e outros alimentos por fubá cozido em água e sal. Seja no caldeirão do almoço ou, depois de frio, cortado em pedaços para acompanhar o jantar, o café da manhã ou, a merenda vespertina. Assim, também, muito apreciado era o angu com melado de cana.

Substituindo-se o sal por açúcar mascavo (açúcar preto), obtinha-se um angu doce que era despejado em porções na chapa do fogão à lenha e consumido com diferentes acompanhamentos, dependendo do tempo em que permanecia assando. Ainda mole, num prato de ágata, com leite; mais consistente, transformava-se em bolachas muito apreciadas; e, mais endurecido, tomava a forma conhecida como “cavaca”, uma broa que substituía o pão.

Ao ser retirado da panela, o angu ainda deixava uma grossa camada que se denominava ‘raspa’ e que era consumida com leite nas refeições intermediárias. Fatiada e um pouco mais tostada, a raspa era consumida ao estilo de petiscos. E salpicada com açúcar, era saboreada como biscoitos.

Mas não há como falar de alimentação de italianos sem um comentário sobre as massas. Um entrevistado informou que sua mãe

“preparava a massa de talharim, esticava-a na mesa da cozinha e cortava as fitas com uma faca, cozinhando-as em água com sal e preparando o molho à parte. Quando a massa cozida era jogada no molho, o cheiro forte atraía a todos, principalmente as crianças”.

Outro informante lembrou que a massa era colocada a secar numa peneira forrada com um pano e mais tarde era enrolada como um rocambole e cortada em fatias para serem cozidas em água quente temperada com gordura de porco.

O assunto pede um pouco mais de espaço. Mas o Trem de História faz uma pausa nesta viagem de hoje prometendo que na próxima edição do Jornal trará o restante da carga. E não deixará de trazer a lembrança de que, em 17 de maio de 2020 acontecerá o Encontro de Descendentes dos Imigrantes de Leopoldina. Até lá.


[1] FRANZINA, Emilio. A Grande Emigração: o êxodo dos italianos do Veneto para o Brasil. Campinas: Unicamp, 2006. p. 140.

[2] GROSELLI, Renzo. Colônias imperiais na terra do café: camponeses trentinos (vênetos e lombardos) nas florestas brasileiras, Espírito Santo, 1874-1900. Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2008. p. 33-34.

Luja Machado e Nilza Cantoni – Membros da ALLA

Publicado na edição 398 no jornal Leopoldinense de 14 de fevereiro de 2020

***

17/03/2020: em virtude da pandemia de coronavírus, foram suspensos os preparativos para o ENCONTRO DE DESCENDENTES DOS IMIGRANTES DE LEOPOLDINA que seria realizado no próximo dia 17 de maio de 2020. Nova data será oportunamente informada.

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s