História da Cruz Queimada

Este texto, publicado inicialmente a 18 de abril de 1999, recebeu diversas atualizações ao longo dos anos e deu origem ao roteiro utilizado numa conversa com alunos da Escola Estadual Dr. Pompílio Guimarães, em 24 de abril de 2024.

A primeira versão da lenda[1] que eu conheci citava 1823 como início da história e dizia que o território onde viria a surgir Piacatuba pertencia à “Comarca de Mar de Espanha”. A informação chamou minha atenção porque, além de Mar de Espanha só ter se tornado Comarca em 1876, o Curato é posterior ao ano mencionado na lenda.

O distrito de Nossa Senhora das Mercês do Cágado foi criado em 1831 e fazia parte de São João Nepomuceno. Somente em 1851, logo depois da emancipação com o nome de Mar de Espanha, é que o Curato de Nossa Senhora da Piedade foi elevado a distrito e passou para a jurisdição da nova Vila.

A questão foi definitivamente resolvida quando a Maria Aparecida Rocha Pereira, então oficial do Cartório de Piacatuba, mostrou-me a escritura de doação[2] do terreno para constituição do Patrimônio de Nossa Senhora da Piedade. Foi a 23 de agosto de 1844 e não em 1824, como se acreditava. O território pertencia à Vila de São João Nepomuceno, Comarca de Paraibuna. Houve, portanto, engano na lenda publicada em livreto na década de 1980 e republicada outras vezes.

Trechos da Lenda da Crua Queimada, segundo Waldemar Fajardo

Monumento à fé popular em Piacatuba, Leopoldina, MG

Foto da Cruz Queimada, Piacatuba, MG, em 2000.

“…os desbravadores, enfrentando animais ferozes e todas as dificuldades, rasgando florestas virgens, chegaram a este recanto de Minas. E com estes primeiros homens mais ou menos civilizados, também chegaram as primeiras lutas e guerrilhas pelas posses de terrenos ainda um tanto virgens. Entre duas famílias tiveram início as dúvidas que foram causadoras do terrível e horrendo sacrilégio que adiante iremos tentar descrever. A luta desenvolveu-se em torno da posse dos terrenos situados nas vertentes da bacia do Rio Pardo, calculada em 33 alqueires, e na qual se acha situada a localidade hoje denominada Piacatuba, antigamente Piedade de Leopoldina.”

As divergências não teriam ficado restritas aos que pretendiam a posse das terras, tendo se espalhado entre escravos e feitores dos confrontantes.

“Mas as lutas continuaram. Certa ocasião travou-se terrível batalha nas trevas e nas matas e não sabemos, e ninguém poderá calcular, se nessas lutas fôra sacrificada até quem sabe? alguma vida humana.

Resolvida que foi a doação, como demarcação foi feita uma tosca cruz ali colocada como marco. O nome *Cruz Queimada* é um símbolo do poder divino, e raro é o habitante da Zona da Mata, em Minas, que não ouviu falar, com muito respeito, da *Santa Cruz Queimada* de Piacatuba de Leopoldina. De longe vêm pessoas aqui trazer as suas dádivas, em cumprimento de promessas atendidas.

Mas, passemos a falar sobre a Cruz Queimada e seus milagres. Era uma manhã de sol brilhante, o feitor e outras pessoas levantaram de seus leitos improvisados em cabanas cobertas de folhas de sapé, e foram iniciar a sua tarefa, que era fincar o marco dos terrenos de Nossa Senhora da Piedade. Um velho escravo escolheu uma madeira de lei que se chamava “tapinoã” e em pouco tempo se ouvia o eco do machado que lavrava o pau para fazer um cruzeiro. O sol já descambava para o horizonte, quando o velho escravo, auxiliado por outros, juntou os dois pedaços de madeira mal lavrada e formou uma cruz. Outros escravos cavaram a terra e furaram dois metros mais ou menos em um alto arenoso, que fica nas proximidades do açude, para o lado da povoação atual. Todos se juntaram e levantaram o madeiro em cruz, regulando 5 a 6 metros de altura.

Era tarde e o trabalho estava terminado, e lá no altinho ficava a cruz de braços abertos, lembrando-nos a cruz em que morreu o Salvador da Humanidade, há quase 2.000 anos…

A noite cobriu com seu manto negro a solidão das matas, mas o homem construía em seu cérebro uma desforra e esta não tardou. Os homens não se conformavam de forma alguma em ficar sem aquelas terras que tanto ambicionavam, e que no seu modo de entender lhes pertenciam. Acompanhados de seus escravos e servidores, rumaram para o local em que foram informados se erguia uma cruz, marco da sesmaria doada a Nossa Senhora da Piedade.

O fazendeiro cheio de ódio e irritado, mandou que os seus escravos escavassem ao pé da cruz. Mas embora em terreno arenoso, depois de longo trabalho não conseguiram. Fizeram força e a cruz não se desprendia da terra, e mal conseguiram tombá-la. O homem encolerizou-se e mandou que a cortassem e fizessem em pedaços. Mas os machados, embora manejados pelas mãos fortes dos escravos, nada conseguiram. Ao tocar a madeira, não cortavam, simplesmente amassavam a madeira onde a lâmina afiada do machado tocava. O homem começou a desconfiar de que qualquer coisa de anormal estava acontecendo.

Mas não desanimou… e … espumando de raiva, mandou os escravos juntarem grande quantidade de lenha em uma pequena derrubada que fizeram para uma plantação de milho, e colocassem em redor da cruz até que ela desaparecesse. No meio da lenharia seca, colocou então algumas taquaras secas e lançou fogo àquela montanha de madeira. Satisfeito, regressou à sua fazenda. Durante toda a noite o fogo crepitou terrível e altas labaredas iluminavam sinistramente a floresta.

Até que a madrugada aparecesse novamente e um novo dia raiou. Com ele a faina diária na fazenda. Um dos escravos que tinha ajudado nos trabalhos da véspera para tentarem arrancar a cruz, deu por falta de sua foice e lembrou-se que a havia esquecido junto ao lugar em que fizeram a fogueira na véspera. Logo veio procurá-la e, ao se aproximar do local que fizeram a fogueira, lá estava um braseiro ardente, e a cruz imponente e majestosa continuava de pé sem que o fogo conseguisse destrui-la. Simplesmente chamuscada, tomou uma cor escura como se se vestisse de luto pela impiedade dos homens. E o símbolo da redenção triunfando das chamas ardentes, proporcionou aos nossos antepassados um grandioso milagre… E todos que fizeram parte deste sacrilégio foram castigados.

Esta versão parece ter sido uma adaptação dos primeiros escritos a respeito do assunto. No decorrer das buscas, foram localizadas referências na imprensa periódica, sendo uma delas de 1967, extraída por Paulo de Souza Moreira, da publicação Ecos Marianos da Basílica Nacional de Nossa Senhora Aparecida e republicada por Mário de Moraes, no Jornal dos Sports, de 22 de maio de 1979, edição 15172, página 13.

Entre as versões, encontram-se divergências não só em relação à época dos acontecimentos, mas também a alguns dos personagens envolvidos.

Na versão de 1981 a que tive acesso, constava que Domingos de Oliveira Alves deu procuração a Domingos Henriques de Gusmão para doar os seus direitos para N. S. da Piedade.  Informava que foram doados 33 alqueires de terras para formação do Patrimônio da Padroeira e que houve uma disputa entre as famílias Oliveira Alves e Pereiras pela demarcação das divisas.

Em visita ao Arquivo do Judiciário de Mar de Espanha, localizei dois processos abertos por Domingos de Oliveira Alves, sendo que o primeiro[3], protocolado no dia 13 de outubro de 1843, era um libelo cível contra Antônio Rodrigues de Oliveira. Este tipo de documento é o início de uma demanda em que uma pessoa expõe um problema e pede que a justiça reconheça o seu direito.

O outro processo[4], com data de 13 de dezembro de 1843, era também um libelo cível do mesmo Domingos de Oliveira Alves contra Hipólito Pereira da Silva e Tereza Umbelina de Jesus. A leitura dos dois processos me fez concluir que Domingos de Oliveira Alves requeria seu direito sobre terras que julgava lhe pertencer.

Importante lembrar que, antes da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850[5], não havia propriedade particular de terras. Todas pertenciam a Deus e eram administradas por seu representante na terra – o Rei, que, através de seus prepostos, distribuía-as entre seus súditos, os quais passavam a deter apenas o direito de uso, mas não se tornavam proprietários. Sendo assim, eventualmente os beneficiários de sesmarias negociavam com o poder eclesiástico uma autorização para vender a terra. A autorização costumava ser atrelada a uma condição: que o sesmeiro doasse uma parte das terras para a Igreja, seja na forma de constituição do patrimônio de padroeiro para o lugar, seja para ampliar um patrimônio já existente e gerar renda. É por isso que muitos imóveis da área urbana de Piacatuba não tinham escritura definitiva, já que o solo pertencia a Nossa Senhora da Piedade e não poderia ser vendido, conforme expresso na escritura de doação:

as quais terras doa para o Patrimônio de Nossa Senhora da Piedade a fim de que os povos daqueles arredores edifiquem, nas ditas terras uma capela, sendo a padroeira mesma Senhora da Piedade, com declaração que daquelas terras doadas, reserva para o dito seu constituinte ou seus herdeiros cento e vinte palmos para neles edificar uma casa cujo lugar será escolhido depois que se levantar o plano do futuro arraial; e desde já cede todo o direito, domínio, posse, jus e ação; que nas ditas terras tinha que desde já ficam sendo Patrimônio ou para as obras da futura Capela de Nossa Senhora da Piedade; com a condição porém que jamais não poderão aquelas terras serem chamadas, ou havidas como bens da Nação porque os rendimentos que elas produzirem hão de ser aplicados em benefício da mesma capela.

Não foi possível identificar uma das partes do primeiro processo localizado no Arquivo do Judiciário de Mar de Espanha, porque havia alguns homônimos de Antônio Rodrigues de Oliveira. Já o casal do segundo processo chegou na década de 1830 ao território que mais tarde viria a ser o Curato de N. S. da Piedade. Ali formou fazenda conforme se comprova também na escritura de doação, no trecho em que o doador Domingos de Oliveira Alves informa ser

senhor e possuidor de uma porção de terras sita no Rio Pardo, nas cabeceiras de um córrego que no rumo da Sesmaria de D. Angélica atravessa a estrada que segue do Rio Novo para o Rio Pardo, fazendo divisa com terras de José Ignácio pelo espigão e tudo quanto verter para o dito córrego; e com terras de Hipólito Pereira da Silva pelo alto do morro chamado Grande, e dividindo com terras de Tristão Policarpo de Oliveira, cujas terras houve por compra feita, a […], Antônio Joaquim da Costa Callado.

Talvez a citada D. Angélica fosse Angélica Maria de Oliveira, filha do doador e casada com João Fernandes Lamas, que foi uma das testemunhas do processo.  O confrontante José Ignacio pode ser o filho de Ignacio Nunes de Moraes, formador da fazenda São Francisco e doador do patrimônio para o Senhor Bom Jesus do Rio Pardo, atual Argirita. Tristão Policarpo de Oliveira era confrontante da fazenda Rio Pardo, que fora formada em terras de Vital Antônio de Oliveira. E Hipólito Pereira da Silva foi proprietário das fazendas Boa Esperança e Fortaleza, vendidas na década de 1860, quando ele migrou para o Espírito Santo, tendo falecido em Muniz Freire, em 1882. Detalhe importante: Hipólito vendeu as terras para Domingos Henriques de Gusmão que, na lenda, é informado como procurador do doador, o que não corresponde à realidade, pois ele foi apenas testemunha no processo, provavelmente indicado por Hipólito, já que a outra testemunha teria sido indicada pelo doador.

Embora algumas versões da lenda indiquem que o doador residia na Piedade, na escritura de doação consta que ele era morador no Calambau, atual Presidente Bernardes. A propósito, Domingos de Oliveira Alves recebeu sesmaria na Paragem do Mato Dentro, depois Calambau, atual Presidente Bernardes, em 1797. Lá se casou, em 1799, com Ana Maria da Silva Barroso, com quem teve seis filhos. Em 1818, foi a vez de Ana Maria receber sesmaria no Sertão do Bom Sucesso, confrontando com Aleixo da Cruz Ferreira, Joaquim Ferreira Marques, Manoel de Oliveira Barroso e os ribeirões do Pires e do Indaiá.

Os ribeirões mencionados na Carta de Sesmaria da mulher de Domingos de Oliveira Alves fazem parte hoje do município de Itamarati de Minas. O confrontante Aleixo da Cruz Ferreira foi recenseado no Porto de Santo Antônio (Astolfo Dutra), em 1814. E, segundo pesquisadores do Calambau, Domingos e Ana Maria viveram e faleceram na fazenda do Mato Dentro, no Calambau. Só o inventário de Ana Maria foi encontrado até agora e confirma o local do óbito.

Adicionalmente, é bom destacar que a procuração para a doação era mais ampla, pois nela consta que, ao procurador de Domingos de Oliveira Alves, foram concedidos

poderes expressos para poder vender as terras que ele outorgante possui nos distritos de Feijão Cru, Rio Pardo, Porto de Santo Antônio e Meia Pataca.”

Este trecho parece sustentar a hipótese de que Domingos tenha doado terras compradas de terceiros na margem direita do rio Novo e que pretendia vender as terras da margem esquerda que atualmente fazem parte de Itamarati de Minas.

Em 1821, outra filha de Domingos de Oliveira Alves, Maria de Oliveira Barroso, era confrontante[6] da fazenda Bom Sucesso. Alguns acreditam tratar-se de fazenda formada por João Pedro de Souza, na área que foi transferida de Piacatuba para Cataguases, em 1881, entre a atual BR-120 e a margem direita do rio Pomba. No entanto, a análise do processo de divisão indica que seria a original fazenda Bom Sucesso, formada em terras da sesmaria recebida pela mãe de Maria de Oliveira Barroso, hoje território de Itamarati de Minas.

Maria de Oliveira Barroso era então casada com Francisco Antônio Lopes de Oliveira.  Viúva, casou-se pela segunda vez com Francisco Jacinto Tavares, com quem foi recenseada, em 1839, no terceiro quarteirão do Porto de Santo Antônio. Este quarteirão englobava terras dos atuais municípios de Itamarati de Minas e Dona Euzébia.

Qual a conclusão possível diante das fontes até aqui encontradas?

Domingos de Oliveira Alves, Antônio Rodrigues de Oliveira e Hipólito Pereira da Silva disputaram terras no início da década de 1840. A questão foi solucionada com a constituição do patrimônio de Nossa Senhora da Piedade, em 1844. Oitenta anos depois, a fé popular fez construir o monumento que guarda uma relíquia dos primeiros tempos. Uma Torre, com a grandiosidade da Torre da Cruz Queimada, não se constrói apenas com tijolos ou trabalho voluntário; uma Torre como essa se constrói a partir da fé popular.

À esquerda, a Torre da Cruz Queimada por volta de 1926, imagem cedida por Humberto Luiz Martins Ferreira. À direita, o monumento concluído, imagem de 1928 cedida por Geraldo Calais Salgado. As fotos são de autoria de Hamilton Vasconcelos.

O Padre Raymundo Nonato F. de Araújo foi o arquiteto do monumento da Torre da Cruz Queimada, cuja construção iniciou-se aos 18 de julho de 1924, concluindo-se os trabalhos aos 20 de abril de 1928. Guilhermina Balbina Amelia Henriques Soares teria sido uma das benfeitoras da construção.

Famílias envolvidas na Lenda da Cruz Queimada

As informações deste subtítulo fazem parte do estudo sobre as famílias pioneiras do município de Leopoldina, com extratos incluídos em diversas publicações. Eis o que conhecemos, até o momento, sobre as famílias citadas, como Oliveira Alves e Pereira.

Família Oliveira Alves

1-Domingos de Oliveira Alves era filho de Antônio de Oliveira e Ana Alves.

Em 24 de novembro de 1797, recebeu Carta de Sesmaria[7]:

Domingos de Oliveira Alves morador no Arraial do Calambau, freguesia da Guarapiranga, Temo da Cidade de Mariana, que na fazenda chamada Mato Dentro do dito termo se acham terras devolutas as quais confrontam pela parte do Nascente com as sesmarias de José Antônio Lopes e de Manoel Mendes Peixoto […] parte com o sítio de José L… e com terras de Dona Ana Florencia […] pela parte do norte com dois sítios de João da Silva M… e de Luiz Leite Ribeiro, pelo sul com Luiz Homem S…

As terras ficavam na região do atual município de Presidente Bernardes, que já se chamou Calambau. O confrontante Manoel Mendes Peixoto era português e foi casado com Luiza Pires Farinho, filha de Braz Pires Farinho, que deu nome ao atual município de Braz Pires. Luiza e Manoel Mendes Peixoto foram pais de Prudenciana Clara Mendes e avós de Ana Clara Mendes, esposa do já citado Domingos Henriques de Gusmão. Talvez esta proximidade no Calambau tenha levado o autor da lenda a colocar este último personagem em destaque. No entanto, até 1851, ele ainda não[8] vivia no território que naquele ano se tornou o Distrito da Piedade.

Na Divisão Judicial das Fazendas Cachoeira e Bomsucesso[9], o nome Domingos de Oliveira Alves é citado como divisa de terras vendidas por Francisco Luiz Pereira para João Pedro de Souza, em 1829. Pelo estudo deste processo, parece tratar-se de outra fazenda com o mesmo nome da original, que ficava na margem esquerda do Rio Novo.  A informação da venda esclarece um trecho do documento de nomeação do procurador que assinou a doação de terras para Nossa Senhora da Piedade:

[nomeia] Antônio Pereira da Silveira a quem concede poderes expressos para poder vender as terras que ele outorgante possui nos distritos de Feijão Cru, Rio Pardo, Porto de Santo Antônio e Meia Pataca […]

Domingos se casou com Ana Maria da Silva Barroso, filha de José Gomes Barroso, a 31 Jan 1799, em Calambau, Presidente Bernardes, MG. Há divergência no nome da mãe de Ana Maria entre as fontes consultadas, razão pela qual não vai aqui informado. Segundo Boscaro[10], o pai de Ana Maria atuava no comércio negreiro entre os anos de 1826 e 1830:

[…] como “cabeça de uma grande empresa traficante” estava João Gomes Barroso […]. Filho de Manoel Gomes Barroso e Domingas da Fonseca, João Gomes era natural da Freguesia de Santa Maria de Paradela, Arcebispado de Braga. Nascido a 27 de abril de 1749, veio para o Brasil ainda muito jovem […].

Conforme foi dito, Ana Maria da Silva Barroso recebeu[11] Carta de Sesmaria no Sertão do Bom Sucesso, a 18 Mai 1818. No entanto, ela permaneceu no Calambau, onde faleceu e foi inventariada.

Domingos de Oliveira Alves e Ana Maria da Silva Barroso foram pais de:

1.1-Maria de Oliveira Barroso, casada com Francisco Antônio Lopes de Oliveira, filho de Manoel Caetano Lopes de Oliveira e Ana Jacinta, era irmão de Francisca Caetana de Oliveira Duarte, citada em estudo[12] de Mateus Andrade. Foram pais de:

1.1.1- Ana, batizada[13] a 16 Jan 1822, no Calambau, Presidente Bernardes, MG.

112- Francisca, batizada[14] a 29 Jul 1830, também no Calambau, Presidente Bernardes, MG. Pelo inventário de Ana Maria da Silva Barroso, Francisco já havia falecido em 1835. Maria se casou pela segunda vez com Francisco Jacinto Tavares.

1.2-Antônio de Oliveira Barroso foi batizado[15], em 1807, no Calambau, Presidente Bernardes. Segundo um pesquisador da família, Antônio teria se casado com Eleutéria do Espírito Santo e tido os filhos José e Francisco de Oliveira Barroso. Pela segunda vez, teria se casado com Candida Rocha. Teria vivido na região de São João Nepomuceno. Não foram localizados os casamentos nem o batismo dos filhos citados.

1.3-Francisca de Oliveira Barroso casou-se com João Luiz Pinto, com quem teve o filho Domingos de Oliveira Pinto, que se casou com Maria do Carmo Fernandes Guimarães. Também citados como residentes na região de São João Nepomuceno, até o momento não foram encontradas referências nas fontes conhecidas.

1.4-Angelica Maria de Oliveira casou-se com João Fernando Lamas e teve os filhos Francisco e João Fernandes de Oliveira.

1.5- João foi batizado[16] a 24 Jul 1817, no Calambau, Presidente Bernardes, MG.

16- Clara foi batizada[17] a 11 Out 1823, em Piranga, MG.

Por referências cruzadas, verifica-se que Angélica e João Fernando teriam vivido em Piacatuba ou no Meia Pataca. No entanto, há outra versão a considerar. O marido de Angelica pode ter sido filho de João Gonçalves Lamas e irmão de Antônio e Ignacio, citados por pesquisadores das famílias pioneiras de Descoberto. Todos seriam naturais do território hoje pertencente ao município de Alto Rio Doce, e um deles teria recebido sesmaria na face oeste da Serra dos Caramonos. 

Ainda segundo informações de terceiros e ainda não documentadas, Ignacio Gonçalves Lamas foi casado com Querubina Maria de Jesus, com quem teve dez filhos, nascidos em Descoberto. Viúvo, migrou para o Espírito Santo e faleceu em Afonso Cláudio, em 1900. Já o irmão Antônio Gonçalves Lamas foi recenseado no quarteirão Pouso Alegre da Santíssima Trindade do Descoberto, em 1839. Com a esposa Maria teve, pelo menos, sete filhos.

Pelo que foi possível apurar sobre a família de Domingos de Oliveira Alves, é possível que ele tenha vendido ou trocado as terras da sesmaria doada para sua mulher em 1818, para acomodar filhos e genros. Para realizar a transação, teria constituído o patrimônio de N. S. da Piedade. O que não significa que ele próprio tenha vivido no território de Piacatuba, pois o processo de confirmação da Sesmaria de Ana Maria não deixa dúvidas de que eles permaneceram no Calambau.

Família Pereira

É lícito supor que o autor da versão de 1981 da Lenda da Cruz Queimada não tivesse muitas informações sobre Hipólito Pereira da Silva, porque se baseou em fontes orais, e a família de Hipólito migrou para o Espírito Santo no final da década de 1860. Entretanto, o desconhecimento surpreende porque ele era descendente de outro personagem citado na lenda e que não teve a participação pretendida, mas que teve relações próximas com os Pereira da Silva. É, pois, pouco provável que o autor não soubesse quem foram os Silva Pinto, de grande influência na região.

Na lenda, Hipólito e seus escravos seriam os opositores de Domingos Oliveira Alves, o que não encontra respaldo nas fontes documentais consultadas. A hipótese mais provável é que os três proprietários citados na Escritura de Doação do Patrimônio de Nossa Senhora da Piedade tenham se desentendido quanto ao estabelecimento das divisas e Domingos de Oliveira Alves tenha buscado a decisão judicial que o levou a doar uma parte das terras pretendidas.

E quem era Hipólito?

Talvez a melhor resposta seja citar seus familiares. Filho de Lourenço Pereira da Silva e Joana Maria da Assunção, Hipólito foi batizado[18] a 20 Ago 1809, em Capela Nova, MG, e faleceu[19] em 1882, em Muniz Freire, ES.

Seus pais nasceram e viveram em Capela Nova, onde também nasceram os filhos. Junto com alguns de seus irmãos, Hipólito se estabeleceu no Sertão do Rio Novo. Estes irmãos foram:

                Joaquim Pereira de Souza, batizado a 16 Abr 1792 e casado em 1816 com Silveria Maria do Carmo, filha de João Antônio Henriques e irmã de José Henriques de São Francisco (Neto), que era casado com Francisca, irmã de seu marido Joaquim Pereira de Souza.

                Manoel Pereira da Silva, batizado a 25 Abr 1791 e casado, em 1814, com Ana Custódia, filha de Antônio José Ferraz que também teve parentes no Sertão do Rio Novo.

                Ana Maria da Assunção, batizada[20] a 26 Out 1792, em Capela Nova, MG, onde se casou, em 1815, com Francisco Antunes Vieira, falecido[21], em Argirita, aos 5 fev 1842. Ana Maria vendeu sua fazenda do Retiro, em 1869, e migrou para o sul do Espírito Santo.

                Maria Joana da Assunção, batizada a 3 Jul 1793 em Capela Nova, MG, onde se casou, em 1814, com José Joaquim de Souza. Há homônimos de ambos na zona da mata sul.

                Antônio Pereira da Silva, batizado a 2 Jul 1794. Casou-se com Tereza Maria Angélica, filha de José Moreira da Silva e Maria Vieira de Jesus Souza e irmã de Josefa Maria de Jesus, abaixo mencionada.

                Josefa Maria da Assunção, batizada a 3 Abr 1796, em Capela Nova, MG, onde se casou, em 1814, com Lino Antônio da Silva, filho de Manoel Antônio da Silva. Pai e filho tinham homônimos em Piacatuba e Argirita, não tendo sido possível distingui-los.

                Francisco Pereira da Silva, batizado a 5 Ago 1800, em Capela Nova, MG. Não é citado nas outras fontes consultadas, podendo ter falecido na infância.

                Leonor Maria da Assunção, batizada a 19 Abr 1802, em Capela Nova, MG, faleceu[22] a 17 Ago 1864 em Santo Antônio do Aventureiro, MG. Foi casada com Francisco Gonçalves Filgueiras, que teve irmãos e outros parentes radicados no Sertão do Rio Novo.

                Lourenço Pereira da Silva [Filho], batizado[23] a 7 Dez 1803, em Capela Nova. Casou-se com Josefa Maria de Jesus, irmã de Tereza Maria Angélica, acima citada.

                Luiz Pereira da Silva, batizado[24] a 29 Jul 1805, em Capela Nova, MG. Casou-se com Rita Umbelina do Carmo, filha de Vital Antônio de Mendonça e Rita Maria do Carmo, família que migrou da Serra da Ibitipoca para o Sertão do Rio Novo.

                João Pereira da Silva, batizado[25] a 14 Fev 1807, em Capela Nova. Casou-se, em 1828, com Maria Joaquina Vieira, filha de Antônio Vieira de Souza (filho) e Maria Luiza do Céu. Maria Joaquina era irmã de Custódia e Ana Umbelina, citadas adiante.

                Jacob Pereira da Silva, batizado a 12 Jun 1808, em Capela Nova. Teria falecido na infância.

                Custodio Pereira da Silva, batizado[26] a 7 Out 1810, em Capela Nova, MG. Casou-se com Ana Umbelina de Souza, irmã de Maria Joaquina, casada com João, e de Custódia, casada com José Pereira da Silva.

                Francisca Maria da Assunção, batizada[27] a 6 Abr 1812, em Capela Nova. Casou-se com José Henrique de São Francisco (neto), irmão de sua cunhada Silveria Maria do Carmo. Francisca foi casada também com José Lopes Vieira, com descendentes radicados no Sertão do Rio Novo.

                José Pereira da Silva, batizado[28] a 17 Jul 1814, em Capela Nova. Casou-se com Custória Maria de Souza, irmã de Maria Joaquina e Ana Umbelina, acima citadas.

Além de irmãos e cunhados, outros parentes de Hipólito migraram na década de 1820 para o Sertão do Rio Novo. A mãe de Hipólito era filha de José Lopes de Faria e Josefa Maria da Assunção, casal que teve doze filhos e deixou descendentes radicados em Piacatuba e Argirita. Já os avós paternos de Hipólito são mais conhecidos: Luiz da Silva Pinto e Leonor Pereira da Silva, cujos descendentes são referidos por estudiosos de Conselheiro Lafaiete, Cataguases e região.

Hipolito Pereira da Silva se casou com Tereza Umbelina de Jesus a 30 Set 1828, no Lamin, MG. Foram pais de:

1.1 Hipólito Cassiano Pereira, batizado[29] a 28 Jul 1829, em Catas Altas da Noruega, MG. Faleceu a 18 Nov 1893, em Muniz Freire, ES. Foi casado com Felicidade Perpétua de Jesus, filha de Francisco Antunes Vieira e Ana Maria da Assunção.

1.2 Maria, batizada[30] a 27 Jun 1831, em Catas Altas da Noruega.

1.3 Manoel Felisberto Pereira da Silva, batizado[31] a 17 Jun 1832, em Itaverava.

1.4 José Vicente Ferreira da Silva nasceu por volta de 1837, segundo o inventário da mãe. Provavelmente nasceu no território que viria a ser Piacatuba, mas não se sabe onde estão os livros anteriores ao número 1 de Argirita, que conteriam os assentos relativos aos primeiros moradores de Piacatuba. 

1.5 Teresa Leopoldina de Jesus nasceu por volta de 1839 e faleceu a 2 Fev 1882, em Muniz Freire, ES. Casou-se[32] , em Piacatuba, a 5 jul 1852, com Elias Antunes Vieira, filho de Francisco Antunes Vieira e Ana Maria de Assunção, irmã de Hipólito Pereira da Silva. Tereza e Elias tiveram 13 filhos, todos migrados para Muniz Freire, onde Elias faleceu.

1.6 Ana Teodora do Nascimento nasceu por volta de 1840. Era solteira quando a mãe faleceu.

1.7 Maria Umbelina de Jesus nasceu por volta de 1845. Era solteira em 1858.

1.8 Maria Joana do Nascimento nasceu por volta de 1847 e casou-se em Muniz Freire com Joaquim Marques de Araújo, natural de Afonso Cláudio, ES, filho de João Alves de Araújo e Inácia Cândida de Jesus, casados em Bias Fortes, em 1837. Depois de viverem em Argirita por quase trinta anos, os avós de Joaquim migraram com filhos, genros, noras e netos para o Espírito Santo, entre 1869 e 1872.

1.9 Custodia Amelia de Jesus nasceu por volta de 1849. Era solteira em 1858.

1.10 Francisca Umbelina de Jesus foi batizada[33] a 1 jun 1851, em Piacatuba.

1.11 Antonia foi batizada[34] a 8 jul 1853, em Piacatuba, Leopoldina.

      Depois da morte de Tereza, a 11 Jan 1858, em Piacatuba, Hipólito casou-se com Mariana Guilhermina do Carmo, filha de Vital Antônio de Mendonça e Rita Maria do Carmo. No dia 26 de janeiro de 1862, Amélia, filha de Hipólito e Mariana, foi batizada[35] em Piacatuba.

      No dia 12 de setembro de 1862, Hipolito Pereira da Silva e seu irmão Luiz venderam[36] uma parte da fazenda Boa Esperança, em Piacatuba, para Domingos Henriques de Gusmão. Por volta de 1868, Hipólito vendeu[37], para o mesmo comprador, sua fazenda Fortaleza, também em Piacatuba.


      Fontes Consultadas:
      
      [1] FAJARDO, Waldemar Barbosa. História da Cruz Queimada. Piacatuba-Leopoldina-MG: do autor, 1981.
      [2] Certidão de Doação de terras para o Patrimônio de Nossa Senhora da Piedade. Original arquivada no 2º Ofício de Notas, Registro de Títulos e Documentos e Outros Papeis, da Comarca de Leopoldina, Minas Gerais.
      [3] Processo 39805850 Libelo Cível de Domingos de Oliveira Alves contra Antônio Rodrigues de Oliveira. Atualmente arquivado na Coordenação de Arquivos Permanentes-COARPE do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
      [4] Processo 39806571 Libelo Cível de Domingos de Oliveira Alves contra Hipólito Pereira da Silva e Thereza Umbelina de Jesus. Atualmente na COARPE/TJMG
      [5] SILVA, Lígia Osorio. Terras Devolutas e Latifúndio: Efeitos da lei de 1850. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996
      [6] Arquivo Permanente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – COARPE – TJMG. Processo 38405867 Divisão da fazenda Bom Sucesso. Itamarati de Minas, img 31.
      [7] Arquivo Público Mineiro. Cartas de Sesmarias. SC 275 p. 49
      [8] Arquivo Público Mineiro. Qualificação de eleitores de São João Nepomuceno. 1850 PP 11 cx 36 pacote 29 nr 124.
      [9] Arquivo Permanente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – COARPE – TJMG. Processo 38405867 Divisão da fazenda Bom Sucesso. Itamarati de Minas, img. 239
      [10] BOSCARO, Ana Paula. Sociedade Traficante: o comercio interno de escravos no centro-sul brasileiro e suas conexões na primeira metade do século XIX. Juiz de Fora, MG: UFJF, Tese de Doutorado, 2021. p.97 Disponível em https://www2.ufjf.br/ppghistoria/wp-content/uploads/sites/157/2022/03/Tese-Vers%C3%A3o-Final-Reposit%C3%B3rio-UFJF-Ana-Paula-B%C3%B4scaro.pdf Revisada em 13 abril 24.
      [11] Arquivo Público Mineiro. Cartas de Sesmarias. SC 377 p. 132
      [12] ANDRADE, Mateus Rezende. Compadrio, casamento e espaço em zona de fronteira agrícola: redes sociais da elite rural de Piranga (Minas Gerais, C1760-C1850). In: Tempos Históricos, v. 19, 2º sem 2015, p.235-267, 1983-1463 (versão eletrônica) p.248
      [13] Igreja N. S. Conceição de Piranga, livro de batismos 1825-1838 fls 9
      [14] Igreja N. S. Conceição de Piranga, livro de batismos 1825-1838 fls 87v
      [15] Igreja N. S. Conceição de Piranga, livro5 de batismos1801-1810 fls 164
      [16] Igreja N. S. Conceição de Piranga, livro de batismos 1818-1822 fls 6v
      [17] Igreja N. S. Conceição de Piranga, livro de batismos 1813-1822 fls 273v
      [18] Igreja N. S. Conceição de Conselheiro Lafaiete, MG, livro de batismos 1806-1829 fls 32
      [19] Cartório de Notas de Argirita - 1881-1882, fls 70
      [20] Igreja N. S. Piedade, Barbacena, MG, livro de batismos 1829-1882 fls 23
      [21] Cartório de Notas de Argirita - 1841-1854, fls 24v
      [22] Arquivo Permanente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Processo 39803163 Inventário de Leonor Maria de Assunção
      [23] Igreja N. S. Conceição de Conselheiro Lafaiete, MG, livro de batismos 1806-1829 fls 26
      [24] Informação do pesquisador Joberto Miranda Rodrigues.
      [25] idem.
      [26] Igreja N. S. Conceição de Conselheiro Lafaiete, MG, livro de batismos 1798-1807 fls 222 ou 196
      [27] SETTE, Bartyra e JUNQUEIRA, Regina Moraes, Projeto Compartilhar. Familia Silva Pinto de Queluz
      [28] Informação do pesquisador Joberto Miranda Rodrigues.
      [29] Igreja de Santo Antônio de Itaverava,livo de batismos 1828-1837  fls 108 img 38
      [30] Igreja de Santo Antônio de Itaverava, livro de batismos 1828-1837 img 60
      [31] Igreja de Santo Antônio de Itaverava, livro de batismos 1828-1837 img [73?]
      [32] Igreja N. S. Piedade, Piacatuba, Leopoldina, MG, livro1 cas fls 8 nr 16.
      [33] Igreja N. S. Piedade, Piacatuba, Leopoldina, MG, livro01 de batismos fls 2.
      [34] Igreja N. S. Piedade, Piacatuba, Leopoldina, MG, livro01 de batismos fls 18-verso.
      [35] Igreja N. S. Piedade, Piacatuba, Leopoldina, MG, livro01 de batismos fls 44v cj. 4.
      [36] Arquivo Permanente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – COARPE - TJMG, Processo 38404731 Divisão da fazenda Rio Pardo, Piacatuba img 468.
      [37] Arquivo Permanente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – COARPE - TJMG, Processo 38404107 Inventário de Domingos Henriques de Gusmão. img 181

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