No 2º Encontro de Pesquisadores do Caminho Novo, realizado em São João del Rei em agosto de 2011, Silvia Buttros e Nilza Cantoni apresentaram seus estudos sobre os municípios mineiros de Paraguaçu e Leopoldina respectivamente.
Como a pesquisa genealógica auxilia a revisão da história
por Sílvia Buttros
A região onde se localiza o município de Paraguaçu, entre os rios Sapucaí e Machado, foi território paulista inexplorado. Um sertão habitado por tribos indígenas que passou ao domínio mineiro em 1749.
Dentro do território de Santana do Sapucaí, na confluência dos rios Sapucaí e Dourado, surgiria a localidade chamada Douradinho, com capela dedicada a São João Batista. Em 1813, criou-se a freguesia de Douradinho, desmembrada de Santana do Sapucaí, estando contidos nesta nova freguesia o Sertão do Ouvidor e o Sapucaí-Abaixo, que viriam a ser a atual Paraguaçu.
A historiografia tradicional nos conta que:
Os primeiros moradores, de que se tem notícia, do local onde se ergue a cidade de Paraguaçu, foram o cap. Manoel Ferreira do Prado e sua mulher, D. Tereza Maria de Jesus Prado, logo seguidos por Agostinho Fernandes de Lima.[1] No fim do século XVIII foram cedidas duas sesmarias no Sertão de S.Sebastião, Freguezia de Campanha, no sul de Minas. A primeira, ali por 1790, ao Capitão Manoel Luiz Ferreira do Prado. E a segunda, poucos anos depois, ao português Agostinho Fernandes de Lima Barata. Ambas medindo três léguas em quadra, sendo a primeira entre os Rios Dourado, Machado, Ribeirão do Carmo e Sapucaí. E a segunda entre os Rios Sapucaí, Machado e o citado ribeirão. As duas assinadas pelo Juiz de Sesmarias, domiciliado em São João Del-Rei. ...) Manoel Ferreira do Prado. Para o povo era o Prado Velho. Nasceu em São Paulo, descendendo de João do Prado.[3] No último qüinqüênio de 1700, aqui entraram Manoel Ferreira e Agostinho Barata, com suas famílias, seus escravos e o Professor Flávio Secundo de Sales.[4]
Com o intuito tão somente de aprofundar o estudo de um grupo familiar, foram sendo encontrados documentos que contrariam a história da cidade de Paraguaçu e de seus primeiros habitantes, propagada por mais de um século, e difundida em todas as escolas do município.
Ao pesquisar os batismos dos filhos do Capitão Manuel Ferreira do Prado e de sua mulher Teresa Maria de Jesus, nos livros paroquiais da então freguesia de Santana do Sapucaí, o que já demonstrava que sua família formou-se em Paraguaçu, duas informações despertaram o interesse: um padrinho do Rio de Janeiro, Nuno da Silva Reis, negociante de gado do Vale do Paraíba, com representação na Corte, e o Tenente Coronel Francisco de Sales Xavier de Toledo, que batizou 2 filhos do Capitão, levando-se a cogitar um parentesco entre eles.
Para analisar o parentesco, foi pesquisado o inventário de Francisco de Sales Xavier de Toledo, falecido em 1815, autuado em 1822. Nada constava no rol de herdeiros, mas nos bens de raiz, veio a surpresa:
Declarou mais ella inventariante ter huma fazenda de cultura e campos no lugar denominado o Espírito Santo em sociedade com o capitam Manoel Ferreira do Prado o qual se acha na cidade do Rio de Janeiro e por este motivo se não pode proceder a avaliaçam da dita (fls. 4 v)...[5]
Portanto, o Capitão Manuel Ferreira do Prado era sócio da Fazenda do Espírito Santo. Procurando pelas sesmarias, foi localizada a de Francisco de Sales Xavier de Toledo, medindo 3 léguas de comprido e 1 de largo[6], com carta concedida em 1765 a José Ferraz de Araújo e sua mulher Genoveva da Trindade, repassada ao dito Francisco em 1767, ano em que foi feito o Auto de medição, vistoria e demarcação.[7]
Mas, a pista sobre a sociedade só foi descoberta em outra sesmaria, a de Francisco Moreira de Piza Barreto, medindo meia légua em quadra[8], concedida em 1797, que teve sua demarcação embargada por Francisco de Sales Xavier de Toledo sob a alegação de a mesma estar invadindo seu território. Dentre as várias considerações constantes de sua réplica, muitas nos fornecem dados importantes, como estes:
Que os prim.ros povoadores das terras Embarg.das forão Antonio Vaz Siqrª e Joam Vaz Siqrª, que as possuirão e cultivarão por espaço de nove annos, cuja posse e Cultura teve principio no anno de 1759.”[9] Que o Alferes Joaquim Luiz do Prado[10] he sócio, e comprador da Fazenda do Embargante.[11]
Há várias outras sesmarias confrontantes com as já citadas, e somente uma em localização oposta, ou seja, ao norte do atual município de Paraguaçu, que vem a esclarecer o engano sobre Agostinho Fernandes de Lima Barata, citado como segundo povoador da região.
Esta sesmaria foi cedida a José Dias Palhão, em 1797, com medição e demarcação em 1799[12], medindo meia légua em quadra. O dito Palhão veio a falecer e foi inventariado em 1805[13], constando dentre seus bens a referida sesmaria e mais uma fazenda; e, dentre seus 12 herdeiros, consta a filha Caetana Dias, casada com Agostinho Fernandes de Lima. Ficando assim esclarecido de onde vieram as terras do dito Agostinho.
Resolvida a questão das terras, faltava descobrir a ligação do Capitão Manoel Ferreira do Prado com a cidade do Rio de Janeiro. A solução poderia estar no casamento do dito Capitão naquela cidade, já que em Minas e São Paulo as buscas foram em vão.
O processo de casamento foi localizado no Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, que remeteu ao seguinte assento:
Aos vinte e tres dias do mes de Fevr.o de mil oito centos e sinco, nesta Cathedral pelas duas horas da tarde com m.a prez.ça e das testemunhas abaixo asignadas na fr.a do Sagr. Conc. Trid. e Const. do Bispado se receberão em Matrimonio p.r palavras de prezente o Cap.m Manoel Frr.a do Prado, f.o leg.mo de João Luiz do Prado, e de Anna de Ar.o Silva n.al e bapt.do na Freg.a de N. Snr.a da Con.ção do Arraial de S.ta Barbara do Bispado de Marianna com Theresa Maria de Jesus f.a leg.ma de Lino Glz. Rio, e de Maria da Paixão n.al e bapt.da na Freg.a de S.Jose desta cidade como tudo consta da provisão q. me aprezentarão do M. Rv.do Dr. Juiz dos Cazam.tos Fran.co Gomes Villas Boas e receberão as benções nupciaes na fr.a do Rictual Romano sendo a tudo testemunhas prezentes o Cap.m Nuno da Silva Reis, e Custodio Jose de Almeida alem de outras que prezentes se acharão de que para constar fis este asento que asignei. O Coadj.or Ant.o Teixr.a Alvr.a de Souza=Nuno da Silva Reis=Custodio Jose de Almeida.[14]
Concluindo, o ‘paulista’, era, na verdade, mineiro de Santa Bárbara, casou-se com uma carioca, depois de já morar onde viria a ser o Carmo da Escaramuça, freguesia de Santana do Sapucaí, e não de Campanha, e onde viriam a nascer seus filhos. Não poderia ter recebido uma sesmaria de 3 léguas em quadra em época que só se concedia de meia légua, mas, sim, comprou terras de um sesmeiro e chegou depois, bem depois dos primeiros povoadores.
A história do Capitão Manuel Ferreira do Prado deve ser revista e, consequentemente, a história de Paraguaçu.
[1] Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, IBGE, Volume XXVI, 1959.
[2] PRADO, Oscar Ferreira,O Sertão dos Mandibóias, pág. 188, Imprensa Oficial, 1981,
[3] Idem, ibidem, pág. 167.
[4] Idem, ibidem, pág. 190.
[5] Centro de Memória do Sul de Minas, Campanha, Caixa 04, Documento 03.
[6] Nos moldes da Carta Régia de 7 de dezembro de 1697.
[7] Arquivo do IPHAN, São João Del-Rei, Sesmaria de Francisco de Sales Xavier de Toledo.
[8] Nos moldes do Alvará de 3 de março de 1770.
[9] Arquivo do IPHAN, São João Del-Rei, Sesmaria de Francisco Moreira de Piza Barreto.
[10] Irmão do já citado Capitão Manuel Ferreira do Prado.
[11] Arquivo do IPHAN, São João Del Rei, Sesmaria de Francisco Moreira de Piza Barreto.
[12] Arquivo do IPHAN, São João Del-Rei, Sesmaria de José Dias Palhão.
[13] Idem, ibidem, Inventário de José Dias Palhão.
[14] LDS, Livro de Matrimônios da Capela do S.Sacramento, da Sé do Rio de Janeiro, 1801/1812, fls.86.